Post on 23-Aug-2020
SobreOmitodagrandeclassemédiaMarilenaChaui
Erguendo-se contra as simplificações neoliberais e pós-modernas acerca do
capitalismo contemporâneo, este livro esclarece como e por que se propala
mundo afora a ideia de “medianização” das sociedades e, no Brasil, a da
existênciadeumanovaclassemédia.
Dois dos critérios centrais de que se dispunha tradicionalmente para
determinaropertencimentoàclassemédia,istoé,oconsumodebensduráveise
serviçoseocréditobancário,sedesfazemnamaterialidadereal,umavezqueesses
critérios, agora, alcançam a classe trabalhadora (e, sobretudo, os trabalhadores
maispobres).Noentanto, ideologicamente essescritérioscontinuamaparecendo
comodefinidoresdaclassemédia,contratodososdadosconcretosquemostram
demaneirainequívocaosurgimentodeumanovaclassetrabalhadorabrasileira.
Livrodeanálisecontraosensocomum,estaétambémumaobradecombate
político, atenta aos riscosdo encobrimentoda realidade socialnão apenaspelo
imaginário neoliberal, mas também pela tradição autoritária da sociedade
brasileira, que, avessa ao sentidodemocráticodosdireitos,naturaliza e valoriza
positivamenteadivisãosocialcomooposiçãoentreoprivilégioeacarência.
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Sobreoautor
Marcio Pochmann é professor titular do Instituto de Economia da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Centro de
Estudos Sindicais e de Economia da mesma instituição. Consultor de várias
entidades internacionais e nacionais, pesquisador visitante em universidades
europeias, foi secretário doDesenvolvimento,Trabalho e Solidariedade de São
Paulo (2001-2004) e presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(2007-2012).PelaBoitempo,publicouOempregonaglobalização:anovadivisão
internacionaldotrabalhoeoscaminhosqueoBrasilescolheu(2001),Oempregono
desenvolvimento da nação (2008) eNova classe média?: o trabalho na base da
pirâmidesocialbrasileira(2012).
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Copyright©BoitempoEditorial,2014
Copyright©MarcioPochmann,2014
Coordenaçãoeditorial
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Editoras-adjuntas
BibianaLemeeIsabellaMarcatti
Assistênciaeditorial
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sobrefotodeDanielOines,2007
Produção
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Diagramação
SchäfferEditorial
CIP-BRASIL.CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATONACIONALDOSEDITORESDELIVROS,RJ
P793m
Pochmann,Marcio,1962-
Omitodagrandeclassemédia[recursoeletrônico]:capitalismoeestruturasocial/MarcioPochmann.-
1.ed.-SãoPaulo:Boitempo,2015.
recursodigital
Formato:ePub
Requisitosdosistema:adobedigitaleditions
Mododeacesso:WorldWideWeb
ISBN978-85-7559-386-8(recursoeletrônico)
1.Classemédia-Brasil.2.Estruturasocial-Brasil.3.Brasil-Condiçõessociais.4.Brasil-Condições
econômicas.5.Desenvolvimentoeconômico-Brasil.6.Livroseletrônicos.I.Título.II.Série.
14-12525
CDD:305.550981
CDU:316.342.2
Évedadaareproduçãodequalquer
partedestelivrosemaexpressaautorizaçãodaeditora.
Estelivroatendeàsnormasdoacordoortográficoemvigordesdejaneirode2009.
1
a
edição:abrilde2014
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BOITEMPOEDITORIAL
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SUMÁRIO
Prefácio-MarilenaChaui
Apresentação
1.Classemédiaemquatrotempos
1.1.Nocapitalismodalivreconcorrência
1.2.Nocapitalismooligopolista
1.3.Nocapitalismopós-industrial
1.4.Nocapitalismomonopolistatransnacional
1.4.1.Padrõesdemobilidadeeclassemédia
1.4.2.Deslocamentodariquezaegeografiadocrescimento
1.4.3.Redivisãointernacionaldaclassemédia
1.4.4.Experiênciabrasileirarecente
Consideraçõesfinais
2.Classemédia:fatoseinterpretaçõesnoBrasil
2.1. Padrão de crescimento econômico e estrutura social no capitalismo
avançadodosegundopós-guerra
2.2.Industrializaçãotardiaesubconsumodaclassetrabalhadorabrasileira
2.3.Ascensãodostrabalhadorespobreseprojetosocial-desenvolvimentista
Consideraçõesfinais
3.Cadeiasglobaisdeproduçãoeciclosdemodernizaçãonopadrãodeconsumo
brasileiro
3.1.Cadeiasprodutivasglobaisemassificaçãodoconsumodebaixocusto
3.1.1.Novoparadigmadeprodução
3.1.2.Sociedadelowcost
3.2.CiclosdemodernizaçãodopadrãodeconsumonoBrasil
3.2.1.Alteraçãonaestruturadospreçosrelativos
3.2.2.Efeitosdarendaeamassificaçãodoconsumopopular
3.2.3.Impactodatributaçãosobrearendadasfamílias
3.2.4.Alteraçãonacomposiçãodopadrãodeconsumopornívelderenda
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Consideraçõesfinais
4.TrajetóriasdistributivasnoBrasil
4.1.Sentidogeraldamobilidadesocial
4.2.Transformaçõesnaestruturaocupacional
4.3.Mudançasnadistribuiçãoderenda
4.3.1.Rendafamiliar
4.3.2.Rendaindividual
4.3.3.Rendadosocupados
Consideraçõesfinais
Referênciasbibliográficas
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Comoatradiçãoautoritáriadasociedadebrasileiranãopodeadmitiraexistênciade
umaclassetrabalhadoraquenãosejaconstituídapelosmiseráveisdeserdadosdaterra,
ospobresdesnutridos,analfabetoseincompetentes,imediatamentepassou-seaafirmar
quesurgiuumanovaclassemédia,poisissoémenosperigosoparaaordem
estabelecidadoqueumaclassetrabalhadoraprotagonistasocialepolítica.
(MarilenaChaui,Umanovaclassetrabalhadora)
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PREFÁCIO
Erguendo-se contra as simplificações neoliberais e pós-modernas acerca do
capitalismocontemporâneo,estelivro,aopassardaaparênciaàessênciadosocial,
esclarececomoeporquesepropalamundoaforaaideiade“medianização”das
sociedadese,noBrasil,adaexistênciadeumanovaclassemédia.Defato,uma
vez que a perspectiva neoliberal se assenta sobre a afirmação da suposta
racionalidadedomercadoparaaregulaçãodavidasocial,elaconduzàdefesada
privatização dos direitos sociais sob a forma da compra e venda de bens e
serviços, de maneira que, politicamente, a afirmação da “medianização” das
sociedades fortalece a supressão de políticas sociais universais como ação do
Estado. Por outro lado, no caso específico do Brasil, os programas
governamentais de transferência de renda, implantados desde 2004 (como
expressão das lutas sociais e populares dos anos 1970-1990), levaram à
incorporaçãosocioeconômicadevastaparceladostrabalhadoresdebaixarenda,
atéentãodestinadosaosubconsumo,aospadrõesdeconsumodebensduráveis
consagradospelocapitalismodemodeloindustrialfordista,consumoquesóera
possível para os segmentos de classe média e rendas superiores. O acesso ao
consumo de bens duráveis e serviços por aqueles até há pouco deles excluídos
conduziuàafirmaçãodosurgimentodeumanovaclassemédiabrasileira.
Asafirmaçõessobrea“medianização”dassociedadesurbanaseindustriaisea
dosurgimentodeumanovaclassemédiabrasileira,quepoderiamparecerapenas
umequívocode interpretação, indicam,naverdade,aabsorção(deliberada,em
certoscasos;involuntária,emoutros)daideologiaedapolíticaneoliberaiscomo
focodeanáliseeação.Ou,comoexplicaPochmann,aausênciadeumaanálise
dasclassessociaisemsuadeterminaçãoconcretaousegundoascondiçõesreaisde
sua base material redunda em “um voluntarismo teórico inconsistente com a
realidade,salvointeressesespecíficosouprojetospolíticosdereduçãodopapeldo
Estado”.
Duasanálisesfundamentaissustentamestelivro.
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A primeira demonstra que a noção de classe média não é unívoca, e sim
heterogênea, pois sua realidade e seu sentido se modificam quando
acompanhamosasmudançasdoenomododeproduçãocapitalistadesdeafase
do capitalismo da livre concorrência até a do capitalismo monopolista
transnacional contemporâneo. Essemovimento histórico passa da classemédia
definida como pequena proprietária à classe média assalariada e, hoje, ao seu
estilhaçamentoeà suaprecarização, invalidandooscritériosdorendimento,da
ocupaçãoedaescolaridadeparadefini-la.Esseprimeirofocodeanáliselevanta,
de maneira cuidadosa e minuciosa, dados mundiais que evidenciam que as
condições atuais do capitalismo esvaziam “a concepção predominante de
‘medianização’ das sociedades urbanas e industriais” e levam à “perspectiva do
declínio,paranãodizerdomito,dagrandeclassemédiaassalariada”.
Asegundadireçãodaanálisesevoltaparaocasoespecíficodasociedadeeda
economiabrasileiras, alertandopara os problemasdeumapolítica que aceite a
ideiadesurgimentoecrescimentodeumanovaclassemédia,pois talaceitação
estimula a desigualdade social, promove a sociedade de serviços, isto é, a
terceirização e precarização do trabalho, e altera a estrutura da sociedade
brasileiracomaapostanoconsumoenaideologia liberaldamobilidadesocial.
Os dados trazidos por Pochmann indicam que a classe média assalariada
brasileira surge a partir da industrialização iniciada com JK e cresce
decisivamente com as políticas econômicas da ditadura, com as quais ocorre
tambémoaumentodograudeescolarizaçãoedaobtençãodediplomas(oudos
signosdeprestígioalmejadospelaclassemédia), assimcomoa“proliferaçãode
empregosassociadosàintensadesigualdadederenda”edepadrõesdeconsumo
de serviços de baixo custo, em vista do excedente demão de obra ocasionado
pelasmigraçõesdocampoparaascidadesedasregiõesmaispobresparaasmais
ricas,criando“umalegiãodeserviçais”que,juntamentecomosdiplomas,deram
àclassemédiaosentimentodeascensãosocial.
Todavia, o ponto nuclear deste livro, em sua decisão de colocar-se na
contracorrentedosensocomumeconômico-sociológico,consisteemevidenciaro
crescimentoeofortalecimentodaclassetrabalhadorabrasileira.
Opontodepartida é a comparação entre a situaçãoda classe trabalhadora
nospaísescentraisdocapitalismosobaaçãodoEstadodebem-estarsocialedo
fordismoe,namesmaépoca,adaclassetrabalhadorabrasileiranumprocessode
industrializaçãotardioeperiféricosobaaçãodiretadoEstado,sobadependência
econômicaetecnológicadospaísescentraisesobaperpetuaçãodadesigualdade
econômico-social,determinadaporummercadodetrabalhodesigual.
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Em suma, diversamente dos países centrais, no Brasil o processo de
industrialização ocorreu sem o Estado de bem-estar social e, portanto, sem as
reformasbásicasnaestruturasocial(reformasagrária,urbana,tributária,sindical,
daeducaçãoedasaúde),oumelhor,ocorreucomreformasqueprivilegiarama
cúpuladapirâmidesocial (aelitebrancaeaclassemédiaurbanabranca)–ou,
comomostraPochmann,“entre1965e1977,[...]aremuneraçãodoscargosde
direção de empresas subiu 145%, enquanto o salário médio dos operários
aumentou apenas 17%”. O esvaziamento do poder sindical pela ditadura
juntamente com o rebaixamento do salário mínimo, o arrocho salarial, o
desemprego, o trabalho informal e a repressão permitiram que “o processo de
redistribuição intersalarial no interiordomercadode trabalhobrasileiro [fosse]
possibilitado pela transferência de renda da base da pirâmide social para a sua
cúpula, sobretudoduranteo regimemilitar”.A remuneraçãodos trabalhadores
ficou presa às despesas com alimentação e habitação. Em contrapartida, o
mercado privilegiou os segmentos já favorecidos, como foi o caso do crédito
bancário,doqualabasedapirâmidesocial ficouexcluída.Emresumo,escreve
Pochmann: “Completados quase cinquenta anos de consolidação do centro
dinâmicourbanoe industrialnoBrasil,constituiu-seumasociedadedeformada
composta pelos extremamente ricos, pela classe média não proprietária e pela
ampla maioria da população situada na base da pirâmide social”. Em 1980,
quandooBrasilpassouafigurarcomoaoitavaeconomiadomundo,ataxade
pobreza absoluta atingia 48,5% da população e a parcela salarial representava
apenas50%darendanacional.
Osanos1980verãoosurgimentodonovosindicalismo,apromulgaçãoda
nova Constituição, inspirada pela ideia dos direitos sociais e, portanto, pelos
princípios de justiça e solidariedade e pelo Estado de bem-estar social, com a
exigência de vinculação de fundos públicos para a educação e a criação do
SistemaÚnicodeSaúdeedoSistemadeAssistênciaePrevidênciaSocial.Porém,
essasmudançasexigirambatalhasparaqueonovosindicalismoeosmovimentos
popularesnãofossemcompletamentefreadospelaadoçãodepolíticasneoliberais
e seucortejodedesemprego, exclusão social eprioridadeparaopagamentoda
dívidaexternadeixadapeladitadura.
Essas lutasganharamexpressãopolíticanacional comaderrota eleitoraldo
neoliberalismo,edelasresultouainflexãoeconômicaedaestruturadasociedade
brasileira,ocorridaapartirde2004.De fato,osdados trazidosporPochmann
indicam o decréscimo populacional da base da pirâmide social: entre 1997 e
2004,elaerade34%dapopulaçãonacional;de2005a2008,passoua26%.Isso
significouque11,7milhõesdepessoaspassaramparaosestratossociaisdemaior
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rendaeganharammaiorrepresentatividadepopulacional.Comoconsequência,o
centrodapirâmidesocial,queerade21,8%dapopulaçãoem1995,subiupara
37,9% em 2008. E no topo da pirâmide social houve crescimento relativo de
16,2%.Entre2001e2008,a rendaper capitanacional cresceu19,8%,e, com
isso, 19,5 milhões de brasileiros registraram aumento real de seu rendimento
individualacimadaevoluçãodarendapercapita,oquecorrespondea11,7%do
total de brasileiros. Quase 71% das mudanças na base da pirâmide social se
deramnasregiõesNordesteeSudeste.
A questão trazida por essas mudanças é clara: pode-se dizer que surgiu e
cresceuumanovaclassemédianoBrasil?Ora,explicaPochmann,oconceitode
classemédia empregado pelos analistas corresponde ao período do capitalismo
industrial de tipo fordista enão alcança a realidade atual das classes sociais no
modo de produção capitalista em sua fase toyotista (ou pós-industrial)
monopolistatransnacional.
Ofocodaanáliseéoexamedachamadasociedade lowcost,oquepermite
determinar as causas da diminuição da desigualdade no consumo de bens
duráveiseserviços,emdecorrênciadaformaçãodecadeiasprodutivasmundiais
que acarretam a diminuição dos preços relativos de tais bens e serviços, com
efeitossobreosrendimentosdapopulação.NocasodoBrasil,comainserçãodo
paísnessascadeiastransnacionaisegraçasaonovosindicalismo,queconquistou
os contratos coletivosde trabalho (trazendoganhosdeprodutividade acimada
inflação)eobteveeleitoralmentevitóriapolíticacontraoneoliberalismo,houvea
adoção de políticas econômicas e sociais de estímulo ao pleno emprego, de
aumento real do salário mínimo, de combate ao desemprego, à pobreza e à
desigualdadedarenda,deampliaçãodeprogramasdegarantiadosalárioindireto
(os gastos sociais que, durante a ditadura, correspondiam a 14% do PIB, em
2010 corresponderam a 23% do PIB), de aumento em 39,7% da presença
femininanasocupações(oqueelevouarendamédiafamiliar)edeestímuloao
consumo por parte dos segmentos que pertencem à base da pirâmide social.
Houve,assim,mudançasnopadrãodeconsumonabasedapirâmidesocial,com
osurgimentodoconsumodemassadebaixocustooudoconsumopopularnão
só de bens duráveis e serviços, mas também de tecnologias de informação e
comunicaçãoedeacessoaosbensculturais.
ComoescrevePochmann:“de formatardia,opaís incorporouumaparcela
consideráveldaclassetrabalhadoraqueaindasemantinhaàmargemdoacessoao
consumodosbensduráveis.[...]Aparcelaconstitutivados40%maispobresdo
conjunto da população brasileira terminou sendo receptora domaior impacto
decorrentedomovimentodeascensãosocialdoperíodorecente”,namedidaem
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que38%dapopulaçãomaispobredopaísteveacessoaoemprego(nafaixade
1,5saláriomínimomensal)eaosbenefíciossociaisdecorrentesdosprogramasde
transferência de renda, incluindo também os inativos, uma vez que o salário
mínimo serve de indexador para o piso da previdência e assistência social.Os
dados trazidos por Pochmann permitem perceber que essas mudanças foram
acompanhadas por outras, referentes às ocupações nos setores secundário e
terciário da economia e à distribuição da renda (familiar e individual), com
significativaquedadadesigualdadeentreos extremosdapirâmide social (tanto
para os que possuem escolaridade superior emédia quanto para os que não a
possuem).
No entanto, o que este livro evidencia é que, se isto é o que se passa na
materialidaderealdasociedadebrasileira,nãoéassimqueoprocessoaparece.Ou
seja, dois dos critérios centrais de que se dispunha tradicionalmente para
determinaropertencimentoàclassemédia(ereforçadospeladitadura,primeiro,
epeloneoliberalismo,depois),istoé,oconsumodebensduráveiseserviçoseo
créditobancário,sedesfazemnamaterialidadereal,umavezqueessescritérios,
agora, alcançam a classe trabalhadora (e, sobretudo, os trabalhadores mais
pobres).Noentanto,ideologicamenteessescritérioscontinuamaparecendocomo
definidores da classe média, donde o prestígio ideológico tanto da ideia de
“medianização”dasociedadequantodaafirmaçãodequesurgiunoBrasiluma
nova classe média, contra todos os dados concretos que mostram de maneira
inequívocaosurgimentodeumanovaclassetrabalhadorabrasileira.
Livrodeanálisecontraosensocomum,esteétambémumlivrodecombate
político,atentoaos riscosdoencobrimentoda realidade socialnãoapenaspelo
imaginário neoliberal, mas também pela tradição autoritária da sociedade
brasileira, que, avessa ao sentidodemocráticodosdireitos,naturaliza e valoriza
positivamenteadivisãosocialcomooposiçãoentreoprivilégioeacarência.
MarilenaChaui
SãoPaulo,fevereirode2014
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APRESENTAÇÃO
Oúltimoquartodoséculopassadofortaleceuos sinaisdedescréditoquantoàs
experiênciasdesocialismorealeaosconsensosconstituídosemtornodoEstado
debem-estarsocial,istoé,aosdoisdosprincipaisprojetospolíticosdeêxitoede
grandeenvergaduranarevoluçãoprofundaounareformaconsideráveldomodo
deproduçãocapitalistadaeramoderna.
Concomitantementeàascensãodomodeloneoliberal–nãodesaconselhado
pela parceria com a chamada terceira via (ouneoliberalismo comdesconto) –,
transcorreu mais uma onda de modernização do capitalismo determinada por
avanços tecnológicos, sobretudo no campo da produção de informação e
comunicação. Não obstante o quadro de crise do capitalismo globalizado,
gerador de maior desemprego, pobreza e desigualdade em termos de renda,
riqueza e poder, o balanço das últimas três décadas segue ainda inconcluso,
alimentadoqueestápordificuldadesdeconsideráveldimensão.
Umadelasemergedoesvaziamentodaperspectivateóricatotalizanteecrítica
ao capitalismo, presente, em geral, nas análises atualmente existentes.
Certamente,afragmentaçãodosaberespecializado,quepredominanaconcepção
pós-modernadasociedade,contribuienormementeparaisso.
Na sequência encontra-se outra dificuldade de análise, associada à
predominância do ambiente contrarreformista liberal-conservador, provocador
deconstantesdesviosde atençãoporpartedas ciências sociais,particularmente
noque tange aos temasdas classes, da estratificação edamobilidade social.O
apequenamento das agendas de pesquisa levou ao empobrecimento das
interpretações sobre os rumos do capitalismo e seus impactos perversos nas
sociedadesatuais.
Énessesentidoqueacomplexidadedosproblemascadavezmaisprofundos
encontraparadoxalmenteasimplificaçãodasrespostascomoterrenofértilparaa
prevalência de uma abordagem limitada sobre as sociedades contemporâneas.
Encaixa-senestaperspectivaatemáticadaestruturasocialbrasileira,nitidamente
transbordada de realidade por força do superdimensionamento fictício de uma
grandeenovaclassemédia,descontextualizadadequalificaçãoanalíticaedebase
empíricaconsistente.
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Exemplo disso parece ser a arbitrária identificação de dois em cada três
trabalhadoresdomésticoscomopertencentesà“novaclassemédia”brasileira.No
mesmodiapasão,destaca-seoregistronoqualumemcadadoischefesdefamília
semescolaridadeoucomensinofundamentalincompletoéincluídonacondição
de “nova classemédia”ou, ainda,namesma classificação social dametadedas
famíliasquemoraemfavelasnopaís.
Causa estranheza adicional reconhecer quemesmodefensores da existência
de uma “nova classe média” no Brasil terminam por reproduzir velhos
argumentosutilizadosporcientistassociaisliberaiseneoliberaiseuropeusdesdeo
final da década de 1980 para situações distintas
[1]
. Interessa aqui, contudo,
ressaltar que a insistência de alguns em superdimensionar o conceito de classe
média revela a miragem gerada em favor da substituição das políticas sociais
universais por aquelas de menor custo, ou seja, focalizadas estritamente nos
fundamentalmentemiseráveisdaestruturasocial.
Se umpaís assume a condiçãomajoritária de classemédia,mesmoquena
condiçãodemito,abre-seapossibilidadedeservistaatécomonaturaladefesade
serviços ofertados exclusivamente pelas forças de mercado. A partir do
rendimentode“novaclassemédia”,oprojetopolíticodaliberdadedecompraro
quemelhor convier se expressaria pelomeio propagandístico da justiça social,
aindaquefalsa.
Nestehorizonteemqueaportamosvetoresrecauchutadosdoneoliberalismo
impulsionado pelo BancoMundial e por suas articulações no plano nacional,
cabe tambémadefesadeumconsumismoa ser atendidodemaneira crescente
pelas importações de bens e serviços.A consequência disso tem tido o destino
certeirodadesindustrializaçãodoparqueprodutivonacionaledaespecialização
dasexportaçõesnovelhoeconhecidoextrativismomineralevegetal.Novamente
o Estado segue sendo o foco dos ataques antidesenvolvimentistas da abertura
passivaesubordinadaedoajustefiscalpermanente.
Poroutro lado,oenfrentamentodomovimentomaiordeesvaziamentodo
parque produtivo manufatureiro e do rebaixamento da pauta de exportação
poderia fornecer a receita necessária e coerente para a geração de verdadeiros
postos de trabalho de classe média aos brasileiros. Ao mesmo tempo, o
reposicionamento de uma nova plataforma dos serviços públicos guardaria
relação direta tanto com o pleno atendimento das demandas atuais –
secularmentenãoresolvidaspelosetorprivado–quantocomaportabilidadedas
novaseverdadeirasocupaçõesdeclassemédia.
É por essas razões que o presente livro pretende ser uma contribuição
adicional ao debate sobre as alterações em curso na estrutura social brasileira.
17
Quatro são suas partes constitutivas, tendo a primeira a urgência de situar no
tempo os distintos entendimentos a respeito das classes sociais, especialmente
porque, no caso da classe média, sua definição e constatação não deveriam
ocorrerdeformaisolada,masassociadaaoprópriodesenvolvimentodomodode
produçãocapitalista,conformeocapítuloinicialbuscafazer.
A segunda parte coloca no centro do debate a perspectiva da classe
trabalhadorabrasileirafrenteà imposiçãodacondiçãodesubconsumoderivado
dociclodeindustrializaçãotardiaeàresistênciadossegmentosdominantesem
aceitar as mesmas reformas civilizatórias realizadas nas economias capitalistas
avançadas.O exemplo dessesmesmos países demonstra, aliás, que a constante
inclusãonoconsumodemassadenovossegmentossociaisaolongodosegundo
pós-guerranãoterminouporconduziràmudançadeclassesocial;aocontrário,
essa mudança foi fruto da pressão e implementação da agenda da classe
trabalhadoraporgovernosdeesquerda.
Aterceirapartevolta-seàanálisedosaltorecentenoconsumodosbrasileiros,
sobretudodaqueles pertencentes à base dapirâmide social, como resultadodas
políticas sociais-desenvolvimentistas. Isso não obscurece, contudo, outros
aspectos, como a alteração nos preços relativos fundamentalmente à
modernização do padrão de consumo da população, constituído em meio ao
avançodocapitalismomonopolistaetransnacional.
Aquartaeúltimaparteconcentraareflexãosobreomovimentoderetornoà
mobilidade social na primeira década do século XXI. Após a longa noite
constituída pelas duas últimas décadas de congelamento da estrutura social
brasileira, consolidou-se uma expressiva geração de novas ocupações
acompanhada por uma consistente política de rendas voltada para o
deslocamento da curva da distribuição de renda dos 40% mais pobres da
população.A identificaçãodesses segmentoseaanálisedomovimentogeralda
ocupaçãoedorendimentoreforçamoslaçossignificativosdavoltadamobilidade
social ascendente no país, sobretudo na base da pirâmide social brasileira, que
nadatemdenova,tampoucodeclassemédia.
SãoPaulo,setembrode2013
[1]B.Jobert(org.),Letournantnéo-libéralenEurope(Paris,L’Harmattan,1994);A.Giddens,
BeyondLeftandRight:TheFutureofRadicalPolitics(Cambridge,Polity,1994).
18
19
1.CLASSEMÉDIAEMQUATROTEMPOS
Otermoclassemédianãoatendeaumabaseconceitualdeorigemcontrolada,
sendo por isso incerto e tendo significados distintos ao longo do tempo.
Ademais,odesdobramentoderivadodadeterminaçãodegrupossociaisconcretos
tendeuasediferenciarnãoapenasaolongodotempo,comotambémporregiões
geográficasmundiaiseporpaíses.
Em geral, a expressão classe média requer considerar – por ter sua força
constitutivamentemarcada pelo desenvolvimento capitalista – a temporalidade
emqueesteespecíficosegmentosocialganhouidentidadeanalítica.Combasena
revisão da literatura especializada, tornou-se possível estabelecer em quatro
temposhistóricosdistintos a evoluçãodasdefiniçõesde classemédia, e issode
forma concomitante às principais transformações estruturais no modo de
produçãocapitalista.
Assim, busca-se situar ao longo do desenvolvimento capitalista a
identificação do tema da classemédia a partir de um breve resgate do debate
realizadoacercadasclassessociais.Omaiordestaque,contudo,concentra-seno
período mais recente de repercussões na classe média derivadas de mudanças
substanciaisnomododereproduçãodocapital.
Isso tudo porque, ao longo do tempo, o capitalismo não levou à
simplificação da estrutura social, mas, sim, tornou cada vez mais complexo e
diversificado o seu entendimento. O reconhecimento de que o modo de
produção capitalista requer para a sua expansão a existência de um centro
dinâmico estruturado por economias satélites aponta para a conformação de
padrõesdedesenvolvimentodesiguaisecombinados.
Énocentrodinâmicodocapitalismoque se explicitammais claramenteas
principaisimplicaçõesparaaestruturasocial,estando,porisso,neleofocoinicial
da abordagem sobre o tema da classemédia.Não se desmerece, entretanto, o
debate referente à classe média realizado na periferia do sistema capitalista,
mesmoporqueeletendearevelardistinçõessignificativasnointeriordaestrutura
social, semprequeguardadasasdevidasatençãoeconsideração.Issoéoquese
podeobservaremanálisessobreotema
[1]
.
20
Por ser um fenômeno histórico determinado por acontecimentos díspares,
porém conectados ao funcionamento dos distintos modos de produção, a
estrutura de divisão do trabalho alterou-se ao longo do tempo e conforme o
espaçoterritorial.Énessesentidoqueasclassespodemservistascomoprocessos
vivoseemmovimentosconflituosos,oumelhor,comoprodutosdeumconjunto
de estruturas relacionadas com as esferas econômicas, políticas, culturais e
ideológicas
[2]
.
Na sequência apresentam-se as distintas manifestações identificadoras da
temática da classe média à luz de quatro principais tempos históricos de
transformação no modo de produção capitalista. Em cada um desses tempos,
modalidadesdistintasdeinterpretaçãodaclassemédiasãodestacadas.
1.1.Nocapitalismodalivreconcorrência
Desde a PrimeiraRevolução Industrial eTecnológica ocorrida na Inglaterra, a
velha estrutura social herdada do feudalismo entrou em decomposição. O
entendimentoa respeitoda emergênciadocapitalismoede suas consequências
na estruturação da nova sociedade urbana e industrial encontrou interessantes
esforçosinterpretativosnaquelaoportunidade.
Na perspectiva anglo-saxônica, a transição do servo pertencente à antiga
sociedade feudal europeia para a condição de operário urbano nas indústrias
inglesas em plena manutenção da nobreza resultaria no aparecimento de um
segmento intermediário, identificado por classe média. Na realidade, a classe
média seria expressão da própria burguesia nascente, constituindo-se por
industriaisecomerciantescapitalistasemergentes
[3]
.
Essa interpretação, contudo, não tardou a ser contestada. Pela perspectiva
marxista, poderia haver uma classe intermediária em relação aos extremos do
desenvolvimento capitalista concorrencial, estruturada entre o pauperismo dos
operáriosurbanoseariquezaapropriadapelanobreza.
O avanço de uma onda da industrialização retardatária disseminada em
países comoAlemanha, França e EstadosUnidos gerou novas interpretações a
respeito das classes sociais presentes no capitalismo de livre concorrência. Para
alémdaperspectivaanglo-saxônicadaclassemédiacomoexpressãodaburguesia
emascensão,surgeumavisãodeclassemédiaassociadaaodesenvolvimentodos
serviçosurbanos,portadoresdaautogestãonointeriordoprópriotrabalho
[4]
.
Resumidamente, ela seria formada por segmentos sociais constituídos por
trabalhadores intelectuais com interesses materiais e perspectivas ideológicas
comuns, incapazes de serem situados tanto na classe operária quanto na
21
burguesa. A classe média dos serviços, expressa por ocupações mais
intelectualizadas,foiumacontribuiçãodosanarquistasdofinaldoséculoXIX.
Diferentementedisso,KarlMarxprocurouafastarqualquerpossibilidadeda
existência de classes intermediárias à polarização estabelecida entre as classes
estruturais (operária e burguesa) da sociedade capitalista em expansão. Isso
porque o movimento de acumulação de capital se configuraria como um
processo de proletarização do trabalho.Mesmo havendo classes intermediárias
acima dos antagonismos diretos entre proletários e burgueses, elas seriam
concebidas comoprovisórias.Deum lado,haveria apresençadeumapequena
burguesiaconstituídaporpequenosproprietáriosnaagricultura,nocomércioe
na produção urbana, que se apresentaria como uma espécie de resíduo de
sociedades pré-capitalistas. De outro, existiriam segmentos assalariados
compostos por empregados e técnicos superiores e portadores de relações
ambíguas entre operários e burgueses. Esses segmentos intermediários estariam
emfasedetransiçãoparaacondiçãodeproletarizaçãodecorrentedomovimento
geraldocapital
[5]
.
1.2.Nocapitalismooligopolista
DesdeasegundametadedoséculoXIX,aforçadaSegundaRevoluçãoIndustrial
e Tecnológica e a irradiação da industrialização retardatária para mais países,
comoItália,RússiaeJapão,gerarammudançasaindamaisprofundasnopadrão
de desenvolvimento capitalista. O impacto sobre a estrutura social urbana e
industrial não tardou a ocorrer, impulsionando um rico e diversificado debate
acercadodesenvolvimentocapitalistaedasclassessociais.
Isso porque, com a grande empresa, o capitalismo de livre competição se
direcionou para uma estrutura competitiva oligopolizada, e o preço final da
grande empresa se expressou pelo afastamento do exclusivo movimento entre
ofertaedemandaparaevoluirnadefiniçãodeumamargemdelucroadicionada
aocustototaldeprodução.Otamanhodamargemdelucrotenderiaarefletiro
graudemonopóliodecadaempresa.
Comisso,opreçodamãodeobraempregadatornou-secustofixonagrande
empresa, cujo contingente de ocupados passou para a casa de milhares,
contrastando com o perfil das micro e pequenas empresas vigentes até então.
Nesse sentido, a administração de múltiplas tarefas associadas às grandes
empresas determinou o aparecimento de novas ocupações tecnificadas da
produção para além das necessidades do chão de fábrica, como é o caso da
22
supervisão,gerênciaediretoria,entreoutrastarefasdaburocraciaempresarialnas
áreasdevendas,recursoshumanos,compras,marketingetc.
Emsíntese,opredomíniodastécnicasdofordismocompreendeuaformação
de um novo contingente de quadros de nível técnico e superior nas grandes
empresas públicas e privadas. Aomesmo tempo, a passagemdo antigoEstado
mínimovigentenocapitalismodelivrecompetiçãoparaoEstadodebem-estar
social do capitalismo oligopolista significou a ampliação do emprego público
paracercadeumquartodapopulaçãoocupada.
Demaneirageral,oempregopúblicorepresentouumaabsorçãosignificativa
de mão de obra qualificada para dar conta de uma variedade de serviços de
educação, saúde, assistência, entre outros de maior remuneração. Em virtude
disso,asomatóriadoempregodecargosdenívelmédioesuperiornasgrandes
empresas públicas e privadas e no setor público permitiu ampliar a definição
inicialdeclasseoperáriaparaadeclassetrabalhadora.
Essamudança importantena estruturadas sociedadesurbanas e industriais
convergiu para interpretações distintas, como no caso da definição de classe
média. Logo, na passagem para o século XX, ganhou destaque a controvérsia
geradaentrecomunistasesocial-democrataseuropeussobreestruturasocial.De
um lado, temos aqueles que identificaram o surgimento e o fortalecimento de
uma nova classe média, relacionados às ocupações de gestores e técnicos não
diretamente associadas à relação capital-trabalho, ainda que submetidas às
condiçõesgeraisdereproduçãoampliadadocapitalismo
[6]
.Poressaconcepção,
umanovaclassemédiaviriasubstituiraantiga,formadaporpequenosburgueses
(micro e pequenos empresários, artesãos, comerciantes e profissionais liberais,
entreoutros),queforacontidagradualmentepeloprocessodecentralizaçãoede
concentração do capital oligopolizado. Assim, a ampliação dos segmentos
ocupacionais intermediários resultaria da expansão da grande empresa fordista,
capazdealteraravelhaestruturasocial
[7]
.
Poroutro lado,areduçãorelativadaclasseoperáriaemcomparaçãocomo
númerototaldeocupadosseriapercebidacomoinsuficienteparadiminuiroseu
protagonismonoprocessodetransformaçãodasociedadecapitalistaetampouco
comprometeria o papel da luta de classe estabelecida no interior de uma
sociedadegeradapelomododeproduçãocapitalista
[8]
.
Ocaminhode“medianização”dasociedadeseriaobservadocomointrínseco
à geração ampliada de ocupações de classe média e ao movimento de
homogeneização do assalariamento regulado e, também, como estruturador do
conjunto do funcionamento do mercado de trabalho. Isso se tornou mais
evidentenospaísesondeoEstadodebem-estarsocialcomgarantiasderendaea
23
difusãodoconsumodemassa semostraramuma realidade capazde contrairo
graudepolaridadeentreasclassesoperáriaeburguesa,especialmenteduranteos
trintaanosgloriosos(1945-1975)dequedadapobrezaabsoluta,deelevaçãoda
rendaedeplenoempregodamãodeobranaseconomiascentrais
[9]
.
1.3.Nocapitalismopós-industrial
AreconstruçãoeuropeiaocorridaapartirdofinaldaSegundaGuerraMundial
(1939-1945) transcorreu simultaneamente à difusão do processo de
industrialização tardia em alguns países capitalistas na América, na Ásia e na
África(ÁfricadoSul,Argentina,Brasil,Coreia,Índia,México,entreoutros).A
difusãodofordismosegundoopadrãomanufatureiroestadunidenseimpactoua
ocupaçãonospaísesdemaneirageneralizada,semresultar,necessariamente,em
mudançassemelhantesnaestruturasocial.
Ademais, as nações de industrialização madura (EUA, Japão, França e
Inglaterra, por exemplo) passaram a conviver com um decréscimo relativo da
população ocupada no setor industrial em comparação com o gigantismo do
setorterciário,sobretudodeserviços,apartirdasegundametadedoséculoXX.
Adiciona-se a issooprocessode transiçãodospadrõesdeprodução fordistada
grandeempresaparao toyotismo, assentadonomodelodeempresa enxuta,de
menorhierarquiaedecontidaburocratizaçãodabasetécnicaesuperiorpormeio
dageneralizaçãodasterceirizações,queocorreraminicialmentenasocupaçõesde
menor remuneração. Com isso, uma série de interpretações surgiu buscando
entenderosimpactosdessearranjosobreaestruturadeclassessociais,bemcomo
aconfiguraçãodaclassemédia.Deimediato,comaexpansãodosetordeserviços
reascendeu-seodebateemtornodotrabalhoprodutivoeimprodutivo.
Emgeral, entendeu-se queno capitalismodo final do séculoXXnão faria
mais sentido diferenciar o trabalho produtivo do improdutivo, uma vez que o
conjuntodosassalariadosestariasubmetidoàlógicadocapital,sejanasfábricas,
seja nos escritórios, seja nos comércios, nos bancos, entre outros
[10]
. Alguns
traços disso se associaram à redefinição da classe média assalariada que se
encontrava tanto no setor privado, na gerência entre operários e proprietários,
quanto no Estado, relacionado à administração do fundo orçamentário
intermediadoporinteressespúblicoseprivados
[11]
.
Alémdisso,amudançanacomposiçãodasocupaçõesestimuladapelaqueda
relativa dos setores primário e secundário da economia e pela elevação
significativadosserviçosematividadesdeprodução,distribuição,socialepessoal
gerou interessante discussão sobre a natureza do capitalismo.Uma nova classe
24
médiadosserviçosestariasendoinfluenciadapelatransiçãoparaasociedadepós-
industrialcapazdealterarapolarizaçãonaestrutura tradicionaldeclassesentre
proletárioseburgueses.Emvezdoconflitocapital-trabalho,emergiramconflitos
maioresentreosdetentoreseosnãodetentoresdasinformaçõesestratégicas
[12]
.
Énessesentidoquesetratariadeumanovaclassemédiaportadoradefuturo,
com significativo poder sobre as formas de controle e de técnicas racionais de
dominação que atingem a todas as esferas da vida social
[13]
. Essa concepção
acercada existênciadeumanova classemédiados serviçosnão tardoua sofrer
reaçãodapartedeoutrasvisõesdistintas.Porum lado,daquelas interpretações
que identificavam o movimento geral do desenvolvimento capitalista como
responsávelpor levaràperdadacentralidadedo trabalho,oque terminavapor
esvaziar,assim,oseupapelfundamentalnaintegraçãosocial
[14]
.Poroutro,dos
estudos que reforçavam as transformações no interior da classe trabalhadora
diantedasmudançasnocapitalismogeradaspelarevoluçãoinformacional
[15]
.
Assim,amultipolarizaçãodaidentidadedoconjuntodosassalariadosdebase
informacionallevariaaoesvaziamentodopapeldarepresentaçãodossindicatose
ao rebaixamento da convergência em favor doEstado de bem-estar social. Em
virtudedisso, a identificaçãodeumanova classemédia comexpressãopolítica
seria a perspectiva de alguns autores ao desenvolverem a hipótese da
“medianização” da sociedade presente nas ocupações descentralizadas e não
hierarquizadas em expansão no capitalismo pós-industrial
[16]
. Outros autores,
contudo, rebateram com descrença esse movimento na estrutura social,
insuficiente para mover os avanços de um liberalismo libertário sem alteração
profundanomodode exploraçãodos assalariados. Isso, é claro, naperspectiva
daqueles autores convictos em relação ao avanço do trabalho imaterial como
reorganizadordanovaestruturasocial
[17]
.
1.4.Nocapitalismomonopolistatransnacional
A diversidade de estruturas sociais vigentes no início do século XXI reflete o
cursodeumanovadivisãointernacionaldotrabalho.Quantomaisaceleradafor
adinâmicaeconômica,maiortendeaseraforçadasmudançassociaiscujopeso
daocupaçãoerendaganhadestaque.
Nãosemmotivo,osestudossobremobilidadesocialascendentetendemase
concentrar nos países da região sul domundo, uma vez que são eles, cada vez
mais,osque respondempelamaiorparceladaproduçãoglobal.Assim,quanto
maior for o crescimento econômico sustentado pela força do capitalismo
industrial,maisamplatendeaseramodificaçãodaestruturasocial.
25
O deslocamento do passado das sociedades agrárias, praticamente sem
grandesmudanças sociais para o presente das sociedades de classes amparadas
pelo curso da industrialização e suas consequências em termos de mobilidade
intra e intergeracional, tem sido apresentado como referência destacada nos
estudos sobre estrutura social.Destaca-se, ainda, a conformação de uma classe
média, intermediária à polarização entre as duas classes estruturadoras do
capitalismoindustrial(proletárioseburgueses).
Em países de conteúdo dinâmico associado à exploração dos recursos
naturais, a estrutura social tendeu a distanciar-se pouco das antigas sociedades
agrárias,demodoqueaclassemédiaexistentesemanteveprisioneiraàpossede
pequenapropriedadeeaosnegócios.Aseconomiasvinculadasàbasedosserviços,
cujas ocupações não apoiam a estrutura produtiva industrial e agropecuária,
demonstraramserdivergentescomaperspectivadeumaclassemédiaassalariada.
Na realidade, ocorreu expansão, em geral, das ocupações simples e
relacionadasaosserviçospessoaisedomésticos,ambosdependentesdarendadas
famíliasricas.Diferentementedisso,constata-sequesomentenospaísesdemaior
produçãoindustrialvigorouaformaçãodeumadensaclassemédiaestruturada,
nãoproprietáriaeassalariada.
Reconhecendo-se que a maior dimensão da classe média assalariada
relaciona-se à estruturaprodutiva industrial, percebe-se queodeslocamentoda
produçãomanufatureiradegrandepartedasregiõesdonorteparaasdosuldo
planeta impõe novas consequências para a estrutura social dos países. Nesse
sentido,oobjetivodeste capítulo é analisaro surgimentodeumanovadivisão
geográficadaclassemédianomundo.Antesdisso,contudo,destaca-searelação
da mobilidade social com a classe média. Na sequência, consideram-se o
deslocamentogeográficodariquezaesuasconsequênciasparaaclassemédiano
mundoenoBrasil.
1.4.1.Padrõesdemobilidadeeclassemédia
Anaturezadadiferenciação entre indivíduos e classesbemcomoa sucessãode
destinospessoaisegeracionaisencontram-sediretae indiretamenteassociadasà
diversidade de organização das sociedades. Ao se tomar como referência o
conceito de mobilidade social (intra e intergeracional) enquanto medida de
mudança no interior das sociedades, podem ser identificados dois tipos
fundamentaisdeestruturaçãosocial.
O primeiro tipo se vincula ao sistema de castas, cuja existência de grupos
hereditáriosseapresentapraticamente impermeávelàsmudançassociais.Assim,
26
aolongodotempoessaestruturadesociedadeterminousendoareferênciageral
dasantigassociedadesagrárias,semsinaisimportantesdemobilidadesocial.
O desenvolvimento das sociedades sem classes desconhecia, em geral, a
presençadapropriedadeprivada,mantendoporlongotempoaestabilidadenas
relações sociais
[18]
. Mas o estatuto social definido pela hereditariedade
predominou até a consolidação do sistema de classes sociais, sobretudo com a
emergênciadas sociedadesurbanas e industriais apartirda segundametadedo
séculoXVIII
[19]
.
O desenvolvimento da base industrial capitalista permitiu difundir um
segundo tipo de estruturação de sociedade caracterizado por significativas
mudanças intra e interclasses sociais. Afora a difusão da propriedade privada
combinadacomaestruturaçãodasociedadeemclasses,ocorreuumconjuntode
mudanças sociais significativas na passagem do velho agrarismo para o
capitalismoindustrial.Emsíntese,arepetiçãonotempodesegmentossimilarese
homogêneos foi o traçomarcante das primitivas sociedades agrárias, enquanto
nas sociedades industriais capitalistas generalizou-se a noçãomoderna de classe
social
[20]
.
Comoavançodaproduçãomanufatureiraparaalémdesuaorigeminglesa,
especialmentepeladifusãodospadrõesde industrialização retardatária e tardia,
desde o século XIX a estruturação da sociedade em classes passou a ser
compreendida por sua dimensão global, ainda que prisioneira de condições
fundamentalmente nacionais. A diversidade de possibilidades nas trajetórias
pessoais e geracionais associou-se à consolidação da produção de manufatura,
gerando a expectativa de conformação de sistemas de relações sociais
relativamentemenosheterogêneosentrepaíses
[21]
.
Nesse sentido, a inserção no mundo do trabalho configurou-se como
referêncianadelimitaçãoconstitutivaededesenvolvimentodosdistintosestratos
sociais. O aparecimento do termo classe média não proprietária vinculou-se à
diferenciação das ocupações assalariadas intermediárias no interior da estrutura
produtivadebaseindustrial,permitindoasuadistinçãoemrelaçãoaotradicional
conceitodeclassemédiaproprietária
[22]
.
Emgrandemedida,adifusãodofordismonassociedadesindustriaisocorreu
como norma na organização do trabalho e no estilo de desenvolvimento da
produção de bens de consumo duráveis ao longo do século XX. Ainda que
marcadamenteestadunidense,aestruturaçãodomercadodetrabalhoefetuou-se
considerando a menor insegurança no emprego e o rendimento associado a
planosdecargosesaláriospraticadosnagrandeempresa.Issoocorreu,emgeral,
27
ondeaproduçãodemanufaturaaumentousubstancialmente,comonospaísesdo
centrodocapitalismomundial
[23]
.
Também teve importância o papel do Estado na definição do padrão de
mobilidade social assentado nas sociedades industriais. As políticas públicas
voltadasaoplenoempregodaforçadetrabalho,especialmenteapartirdofimda
Segunda Guerra Mundial, contribuíram decisivamente para uma nova
estruturaçãosocial,emqueaclassemédiaexerciaumpapelimportante
[24]
.Essa
dimensãodaclassemédiamaisassociadaaodesenvolvimentodoEstadodebem-
estarsocialcircunscreveuospaíseseuropeusnosegundopós-guerra.
DesdeoúltimoterçodoséculoXX,contudo,opadrãodemobilidadesocial
motivado pelos avanços da sociedade no nível urbano e industrial sofre
importantes alterações, que se dão inicialmente nos países de capitalismo
avançado.Oesvaziamentodaproduçãoindustrialcombinadocomaexpansãodo
setor de serviços na economia faz regredir a estrutura de classes até então
existente
[25]
. Adiciona-se a isso o fato de que o predomínio das políticas
neoliberais reorientou o papel do Estado e favoreceu o avanço da globalização
desregulada e cada vez mais orientada pelo poder da grande corporação
transnacional. A autonomização do poder das altas finanças ocorreu
simultaneamente aomaiormovimento de deslocamento das plantas industriais
doantigocentrodocapitalismoestadunidensepararegiõesperiféricas,sobretudo
asiáticas.
Emsíntese,oambienteanteriordehomogeneizaçãodomercadodetrabalho
deu lugar a desiguais situações de trajetórias ocupacional e social. A passagem
para um assalariamento multipolar levou, por exemplo, ao estilhaçamento da
tradicionalclassemédianãoproprietária.
Emcertosentido,percebe-seadecomposiçãodaclassemédiafordista,coma
desconstruçãodessa identidadediantedacrescentedesvalorizaçãodosdiplomas
em meio à massificação dos ensinos técnico e superior e à precarização
generalizadadospostosde trabalho.Tudo isso consagrou a fasede rupturado
modelovoltadoparaasociedadedeclassemédia
[26]
.
Ademais, com a transição da sociedade industrial para a sociedade de
serviços,opesoda indústriadecaiumais rapidamentedesdeadécadade1970,
acelerando um movimento já observado desde os anos de 1950. Nessa
circunstância, a temáticada classemédia formada apartir dos serviços ganhou
novasperspectivas.
Paraalgunsautores,aestruturadeclassesatéentãoexistente sofreupressão
diretadasocupaçõesderivadasdo trabalho imaterial relacionadoaomaiorpeso
doconhecimento
[27]
.Ou seja, a gradual alteraçãoda estrutura social tornou-se
28
cadavezmaiscompatívelcomaascensãodeumaeconomiadesmaterializada
[28]
,
cujadiferenciaçãodasformasdeocupaçãofezcrescertambémasnoçõesdeinside
(protegido)edeoutside(desprotegido)nointeriordopróprioassalariamento
[29]
.
O antigo movimento de estruturação do mercado de trabalho passou,
inclusive,adarlugaratrajetóriasdodesemprego,docontratoparcialdetrabalho,
entre outras formas de ocupação precária. Em grandemedida, a passagem do
fordismo para o novo sistema de produção (toyotista) terminou sendo
acompanhada de crescente instabilidade nos destinos ocupacionais, distante da
incorporaçãodosganhosdeprodutividade,semproteçãodoEstadoeausênciade
regulaçãopública
[30]
.
Nasociedadedosserviçosgeneralizadosdaseconomiascapitalistasavançadas,
atransiçãodopadrãodemobilidadesocialocorreseguidadeimportantesdebates
que questionam a utilização recorrente das clássicas categorias de classe social,
conformadas que eram anteriormente pela dinâmica própria do capitalismo
industrial. Sociedade individualizada, sociedade líquida, classes de serviços,
sociedadessemclasses,multidões,classesglobais,entreoutros,sãoostermosque
têm sido usados na profusão de estudos sobre transformações recentes nas
estruturassociaisnocentrodocapitalismomundial
[31]
.
Porcontadisso,odesenvolvimentodaproduçãocommenorparticipaçãodo
setor industrial temgerado certoparadoxodiantedo instrumental de análise a
respeito da estruturação das sociedades. Tanto assim que há autores que
identificam a nova conformação social criada pelo capitalismo global, nem
semprecomprometidacomoregimedemocrático,comaexpansãoeconômicae
social
[32]
,enquantooutrosjánãopossuemmaisamesmaperspectiva
[33]
.
De todo modo, o debate a respeito da mobilidade social nas economias
avançadas parece diferenciar-se em relação ao curso dos novos acontecimentos
em diversos países, sobretudo os subdesenvolvidos. Isso porque se observa a
difusão ainda em curso da industrialização tardia tanto em diversos países
asiáticos como também em outros que, mesmo sem completar plenamente a
industrialização (por exemplo, alguns da América Latina), registram sinais de
esvaziamentodaproduçãodemanufaturaemmeioàemergênciadasociedadede
serviços.
Especialmente em relação à dimensão e ao conceito de classe média, a
realidade das economias não desenvolvidas aponta para uma diversidade de
situaçõespoucocontempladaspelosestudosoriginadosnasnaçõesricas
[34]
.Sehá
um deslocamento na geografia global da produção industrial, a divisão
internacional do trabalho, particularmente a da classe média, sofre alterações
29
significativas, nem sempre consideradas pelos estudos recentes sobre mudança
social
[35]
.
Alémdisso,umaparte importantedas investigaçõesvoltadasà identificação
das mudanças sociais nos países desenvolvidos também parece deixar de
incorporar aspectos fundamentaisdas transformações estruturaisdocapitalismo
nesteiníciodoséculoXXI.Oresultadodissocontribuideformaexpressivapara
darmaisevidênciaàaparênciadoqueàessênciadosfenômenossociaisatuais.
1.4.2.Deslocamentodariquezaegeografiadocrescimento
Desdeofinaldadécadade1960,assiste-seaoaprofundamentodossinaisde
deslocamento da produção mundial de manufatura do Ocidente para a Ásia.
Inicialmente,issosedeucomofortedesenvolvimentoindustrialjaponêsiniciado
nos anos de 1950, pelo apoio dos EstadosUnidos à reconstrução no segundo
pós-guerra.
Posteriormente,jánadécadade1970,outrospaísesasiáticos,comoTaiwan,
SingapuraeCoreiadoSul,ganharamcrescenteparticipaçãonaproduçãoglobal
demanufatura. Isso ficoumais evidente coma reestruturação japonesa apartir
do final da década de 1980, capaz de transferir investimentos industriais para
uma parcela da região asiática. Coincidentemente, com a proeminência da
China, sobretudo na década de 1990, ocorreu um maior deslocamento da
produção mundial de manufatura
[36]
. Em 2010, por exemplo, a China
respondeuporquase15%detodaaproduçãomundialdemanufatura,enquanto
em1990malalcançava2,5%.
Asprojeçõesparaoanode2020apontamparaumaparticipaçãoequivalente
daÁsiaemrelaçãoàproduçãoglobaldemanufaturasobaresponsabilidadeatual
dos países desenvolvidos. Estes, por sinal, apresentam desde a década de 1990
uma queda contínua em suas participações relativas no produto industrial do
mundo.Noanode2010,porexemplo,opesodospaísesdesenvolvidosnovalor
globaldamanufaturafoide66,2%ante81,5%em1990.
Desdeosanos1980,aeconomiadospaísesasiáticoscrescemaisrapidamente
que a do conjunto do mundo, avançando, com isso, o peso de sua
industrializaçãoemtermosglobais,bemcomoadensandosuascadeiasprodutivas
ediversificandoasexportações.Comisso,aseconomiasasiáticas,especialmentea
da China, aproveitam a onda da globalização neoliberal para melhor se
colocaremnarepartiçãodaproduçãoglobal.
Emoutrospaíses, comonosdaAméricaLatina,odesempenhoeconômico
distanciou-se da trajetória asiática
[37]
. O processo de abertura comercial e de
integração passiva à globalização desde o final da década de 1980 resultou na
30
redução relativa de sua participação na produção global de manufatura, ao
mesmo tempo em que terminou reforçando a especialização de sua estrutura
produtiva nos setores demaior conteúdo de recursos naturais e intensivos em
mãode obra.Na virada para o séculoXXI, a participação relativa daAmérica
Latina na produção global de manufatura caiu 13,7%. No ano de 2010, por
exemplo,elafoide6,3%,enquantoem1990alcançava7,3%.(Verfigura1.1.)
Emresumo,aeconomiaglobalvemconhecendotransformaçõesestruturais
associadas ao deslocamento do antigo centro dinâmico do mundo, até então
representado pelos países pertencentes à Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), para parte importante das economias
quenãofazempartedaprópriaOCDE.Nocomeçodasegundadécadadoséculo
XXI,porexemplo,opesodospaísesnãomembrosdaOCDEnarepartiçãodo
PIBmundialequivaliaaopertencenteaoconjuntodaOCDE.
Figura1.1–Evoluçãodadistribuiçãodovaloragregadodamanufaturaemanosselecionados(total=100%)
Noutras palavras, o total da produção global repartida igualmente para as
duaspartesdomundo,sejamospaísesdefora,sejamospertencentesàOCDE.
Para o ano de 2020, por exemplo, as projeções apontam para a participação
relativa do conjunto das nações pertencentes à OCDE de 44% do Produto
InternoBruto global, enquanto em1990 essemesmo conjuntode países ricos
respondiaporquasedoisterçosdoPIBglobal.(Verfigura1.2.)
Figura1.2–EvoluçãodaparticipaçãodospaísesmembrosenãomembrosdaOCDEnoProdutoInternoBrutomundial(total=100%)
31
Fonte:OCDE(elaboraçãodoautor)
Amudançanarepartiçãogeográficadariquezamundialsegueacompanhada
daquedanataxademiseráveisnomundo.Éissooquesepodeconstatarcom
basenaanálisedaevoluçãodoparâmetrodemedidadepobreza estabelecidoa
partirdeumalinhamonetáriadasnecessidadesdeconsumoaserematendidas.
De acordo com as estimativas para a dimensão dosmiseráveis nomundo,
compreendidos pelo rendimento per capita familiar de até US$1,25 por dia,
observa-seaquedadequase42%detodaapopulação,em1990,paramenosde
umquartono inícioda segundadécadado séculoXXInoplaneta. (Ver figura
1.3.)
Figura1.3–EvoluçãodaparceladapopulaçãomundialquevivecomatéUS$1,25pordia(PPA*)
Fonte: Banco Mundial (elaboração doautor)
*PPA–ParidadenoPoderAquisitivo.
Como amaior parte da pobreza se concentra nos países nãomembros da
OCDE, percebe-se que o deslocamento da riqueza no mundo ocorre
simultaneamente à reduçãonaparceladapopulaçãoque vivediariamente com
atéUS$1,25.Nessesentido,ocrescimentoeconômicomais intensonospaíses
nãodesenvolvidostempermitidomelhorarascondiçõesdevidadapopulaçãona
basedapirâmidesocial.Osefeitosdesseimportantefenômenonaestruturasocial
não se apresentam homogêneos entre países. A mudança mais significativa,
32
contudo, tende a convergir para um reposicionamento global da classemédia,
conformeidentificadaaseguir.
1.4.3.Redivisãointernacionaldaclassemédia
A formação de estruturas sociais complexas deve-se à transição das primitivas
sociedades agrárias para as avançadas estruturas sociais urbanas e industriais.
Estas, por sinal, consolidaram trajetórias significativas de mobilidade social
impulsionadas pela força do capitalismo industrial, cuja essência justificou o
aparecimentodeumanovaclassemédianãoproprietária.
Ainda que a definição de classe social não deva se restringir ao critério de
rendimento,utilizam-seaquiasinformaçõesoficiaisexistentesparacomprovaras
hipóteseslançadasanteriormentearespeitododesenvolvimentodaclassemédia
motivada pelo vigor do capitalismo industrial. Os países em ritmo de
desindustrialização tendemaperder importância relativade suas classesmédias
nototalglobal,aocontráriodaquelesbeneficiadospelodeslocamentogeográfico
da produção demanufatura que fortaleceu aindamais a estrutura social, com
importanteênfasenaclassemédianãoproprietária.(Verfiguras1.4e1.5.)
Observa-se, por exemplo, que no ano de 2009 cerca de um quarto da
populaçãodoplanetaeraconsideradadeclassemédiapelocritérioexclusivode
renda.Ou seja, o equivalente a 1,8 bilhão de pessoas, cujo rendimentomédio
familiarpercapitaencontrava-seentreUS$10eUS$100pordia(PPA)
[38]
.
Para o ano de 2020, projeta-se o conjunto de 3,2 bilhões de pessoas
identificadas por seu rendimento na condição de classe média, isto é, uma
elevação acumulada de 76,1% em duas décadas. Por um lado, a América do
Norte parece ser a única área do planeta que aponta queda absoluta na
quantidade de pessoas com rendimento classificável como de classe média
(-1,5%).
Figura1.4–EvoluçãodaparticipaçãorelativadapopulaçãocomrendapessoalentreUS$10eUS$100pordia(PPA)
33
Figura1.5–EvoluçãodaparticipaçãorelativadapopulaçãocomrendapessoalentreUS$10eUS$100pordia(PPA)
Por outro lado, constata-se que somente os países pertencentes à Ásia
projetam aumento absoluto e relativo na quantidade de habitantes vivendo na
condiçãodeclassemédiaparaoperíodode2009a2020.Daquiaseteanos,por
exemplo, mais de 54% da classe média medida por critério exclusivamente
monetáriodeveráseconcentrarnospaísesasiáticos.
Na comparação entre os anos de 1995 e 2009, omovimento de perda de
importânciarelativanototaldaclassemédiatornou-seaindamaisevidentenos
países não asiáticos. No caso das Américas do Sul e Central, por exemplo, a
diminuição relativa no total da classe média global foi de 16,6% no mesmo
períododetempo.
Também se percebe o decréscimo na participação relativa, não
necessariamente absoluta, dapopulação global consideradade classemédiapor
critério meramente monetário. Os casos mais evidentes disso são os países
europeuseosdaAméricadoNorte.Oinversoocorrenatrajetóriadospaísesda
Ásia. Entre 1995 e 2009 houve um aumento de 40%na expansão relativa da
classemédiaasiática.
34
Aindaparaomesmoconjuntode indicadoresdedefiniçãode classemédia
global por critério de rendimento, registra-se a redivisão no total da renda
compreendidapelossegmentosderendimentointermediário(deUS$10aUS$
100).Nota-se,porexemplo,quesomenteoconjuntodepaísesdaÁsiaapresenta
a expectativa de aumentar sua participação relativa no total da renda dos
segmentosdeclassemédia.
Enquanto aAmérica doNorte projeta umaquedade 34,6%entre 2009 e
2020,aÁsiadeveaumentarem86,2%nomesmoperíododereferência.Paraos
países da América do Sul e Central projeta-se estabilidade na participação no
totaldarendaconcentradanossegmentosdeclassemédia.
Em consonância com o deslocamento da riqueza global identificada pelo
vigor do crescimento econômico e com a força estruturadora da produção de
manufatura,háatendênciadeocorrerumaredivisãogeográficadaclassemédia
nomundo.Paísesanteriormenteindustriais,comoospertencentesàAméricado
Norte e à Europa, perderam a participação relativa na divisão global da classe
média, ao passo que a concentração da produção de manufatura na Ásia faz
convergiromaiorpesodaclassemédiaparaaquelapartedomundo.
1.4.4.Experiênciabrasileirarecente
De acordo com o que foi apresentado até aqui, diversos países desenvolvidos,
após terem alcançado a maturidade industrial, passaram a conviver com o
movimentodedesindustrializaçãoabsolutaourelativa.Eissopordoismotivos:
por um lado, em função do crescimento dos serviços associados à revolução
informacionaldesdeadécadade1970,e,poroutro,emrazãododeslocamento
dasplantasdemanufaturasapartirdadécadade1980para,emgrandemedida,a
regiãoasiática.
Comaformaçãodascadeiasprodutivasglobais,estimuladascrescentemente
pelomaiorgraudemonopóliodasgrandescorporaçõestransnacionais,terminou
por se distinguir cada vez mais a parte de cada país em relação ao total da
produçãomundial.Emfunçãodisso,aantigadiferenciaçãoentrecapitalnacional
e estrangeiro começa a perder sentido, uma vez que o determinante, a saber,
passaaseraparteemqueopaísencontra-sepresentenointeriordecadacadeia
globaldevalorlideradapelascorporaçõestransnacionais.
Os efeitos sobre a estrutura social de cada país desenvolvido tenderam a
apontarparaoesvaziamentodaconcepçãopredominantede“medianização”das
sociedadesurbanas e industriais.O sentidodaprecarizaçãodasocupações eda
desvalorizaçãodosdiplomasdiantedamassificaçãoda educaçãovoltadaparao
35
funcionamentodomercadodetrabalhoaumentouaperspectivadodeclínio,para
nãodizerdomitodagrandeclassemédiaassalariada
[39]
.
Para oBrasil, que assumia a condiçãodepaís quenem sequer tinha ainda
conseguido completar sua fase de maturidade industrial, pareceu precoce a
convivênciacomsinaisdeenxugamentodopesorelativodosetor industrialno
total da produção nacional. Ademais, percebe-se que a própria estrutura social
tendeuasedeslocardaquelaverificadanospaísesdesenvolvidos.
Oexemplodanovaclassemédiaassalariadaapartirdosegundoquarteldo
séculoXXindicaoquantoasuaevoluçãonãofoihomogêneanemmesmoentre
aseconomiascapitalistasavançadas.Empaíseseuropeus,porexemplo,oavanço
da classe média assalariada dependeu fortemente do crescimento econômico
potencializado pela garantia do pleno emprego e da oferta de renda e pelos
serviçosgeradospeloEstadodebem-estarsocial.
Já nos Estados Unidos, o amplo assalariamento composto de quadros
técnicosedenível superiornagrandeempresa fordista terminoupororganizar
umaamplaclassemédiafortalecidaemmeioaobaixodesempregoeàtrajetória
daquedagradualnadesigualdadesocialederenda.OEstadodebem-estarsocial
nos EUA se mostrou contido e distante da experiência europeia de menor
desigualdadesocial.
Naeconomiabrasileira,aconfiguraçãodanovaclassemédiaassalariadadeu-
se a partir da instauração da industrialização pesada promovida pelo Plano de
Metas de Juscelino Kubitschek, capaz de facilitar a instalação de grandes
empresas,sobretudonosetordebensdeconsumoduráveis.Masosaltomesmo
da classe média brasileira ocorreu na década de 1970, com a ditadura militar
(1964-1985), estimulando políticas de proliferação de empregos associados à
intensa desigualdade de renda. Foram também adotadas políticas públicas
orientadasparaosmaisaltos salários (créditoaoconsumo,educação superiore
política habitacional diferenciada), de modo que se tornou possível a
modernizaçãodopadrãodeconsumoparaaeliteeaclassemédiaassalariadano
Brasil.
A desigualdade organizadora do avanço da classemédia brasileira permitiu
tambémque essa classedesfrutassedos serviçosdebaixo custo,potencializados
peloenormeexcedentedemãodeobrageradonasgrandescidadesporforçado
êxodo rural (ausência de reforma agrária). Assim, um verdadeiro exército de
serviçais esteve voltado à realização de qualquer atividade de sobrevivência,
sobretudo em serviço à nova classe média assalariada em ascensão, como nos
casos de motoristas particulares, domésticos em profusão, seguranças,
adestradoresdeanimais,entreoutros.
36
Constatou-se, assim, a internalização do padrão de consumo moderno
praticado apenas nos países de capitalismo avançado. No caso brasileiro, a
situaçãosemostrousingularemfunçãodalegiãodeserviçaisdestinadaaosricose
à classemédia assalariada, superior às classesmédias assalariadasnas economias
desenvolvidas
[40]
.
Desde a década de 1980, com a crise da dívida externa, o país abriu uma
longa fase de estagnação da renda per capita, responsável por impor fortes
constrangimentos à mobilidade social. No último quarto do século XX, o
abandono do projeto nacional desenvolvimentista foi acompanhado pela
emergência das políticas neoliberais de inserção subordinada à globalização
financeira.Oresultadodissofoiadesestruturaçãodomercadodetrabalho,coma
expansãododesemprego–quepassoude2,7%,em1989,para15%em2000–,
da informalidade e do desassalariamento formal. Assim, a marginalização dos
operáriosfoiacompanhadapelopróprioencolhimentodaclassemédiabrasileira.
Entre1981e2002,por exemplo, cercade11milhõesdebrasileiros foram
rebaixados ou constrangidos por uma grave piora na situação social.
Especialmentenaestruturaocupacionaldepostostradicionaisdeclassemédia,os
procedimentosde reestruturação industrial,de internacionalizaçãodeempresas,
deprivatizaçãodosetorprodutivoestatalede terceirizaçãodamãodeobrano
setorprivadoepúblicolevaramaoencolhimentodaclassemédiabrasileira
[41]
.
A recuperação da economia nacional desde 2004, com o abandono das
políticas de corte neoliberal e a influência de importantes políticas públicas,
comoaelevaçãorealdosaláriomínimo,oBolsaFamília,ocréditoaoconsumo
urbano e à agricultura familiar, as compras públicas, impactou diretamente a
estrutura social. Aomesmo tempo, a volta damobilidade social, sobretudo na
basedapirâmidesocial, foimotivadapelaquedasignificativanaquantidadede
miseráveisepelaampliaçãodoempregoformal,aindademenorrendimento.
Amelhoranarendaimpactouoconsumodegrandepartedapopulaçãode
baixaremuneração,contribuindoparaareduçãodapobrezaedadesigualdadede
renda no Brasil. Nos segmentos tradicionais de classe média assalariada, a
mobilidade social não se apresentou considerável, salvo em segmentos
proprietáriosdepequenosnegócioseautônomos
[42]
.
Paraaclassemédiaassalariada,oenfraquecimentoindustrialeaprecariedade
dos postos de trabalho no setor de serviços se chocaram ainda mais com a
elevaçãodosrendimentosetambém,porconsequência,doscustosematividades
de características serviçais. Assim, a contenção dos serviços baratos que
alimentavamo statusdos segmentosnãoproprietáriosdemeiosdeprodução e
37
não vinculados a ocupações no chão da fábrica contaminou, em parte, a
possibilidadedareproduçãodaclassemédiaassalariada.
Da mesma forma, a continuidade de expansão nas ocupações e nos
rendimentosdabasedapirâmide socialpassouaexigira retomadada temática
tanto da reindustrialização, para reverter o atendimento de um padrão de
consumo por meio de importações, quanto da reconfiguração qualitativa dos
serviçospúblicos.Estasduastarefas,imprescindíveisnareorientaçãodaspolíticas
econômicaesocialdaatualidade,podemserportadorasdadifusãodeverdadeiros
empregosdeclassemédiaassalariadanoBrasil.
Consideraçõesfinais
Combase no que foi apresentado até aqui, percebe-se que o sentido geral das
mudançassociais recentesnodesenvolvimentocapitalistaapontaparaumnovo
temponadefiniçãoda temáticadaclassemédia.De formadiversadeperíodos
anteriores,adimensãodaclassemédianãorequereriaconsiderarnecessariamente
omovimentomaisamplodadivisãointernacionaldotrabalho,comoseobserva
naatualidade.
Tomada fundamentalmente a partir do critério monetário, a classe média
assalariada global tende a se concentrar nos países asiáticos por força do
movimento maior do deslocamento da produção para esta mesma região do
mundo. Com a formação das cadeias globais de produção em meio ao
predomínio da globalização financeira neoliberal, percebem-se movimentos de
desindustrializaçãoemdiversospaíses.
Por forçadisso, regiõescomoAméricadoNorteeEuropa,quenopassado
eram responsáveis pela concentração de dois terços da classe média global,
passam a se tornar inacreditavelmente residuais na redivisão da classe média
mundial.Estima-sequeapenasumcontingentedecercadeumquintodototal
depessoascomrendimentofamiliarpercapitaentreUS$10eUS$100diários
estejalocalizadonasantigasregiõesdesenvolvidas.
Cabe, contudo, considerar a predominância da definição de classe média
assentadanaperspectivadaestruturaçãosocialprovenientedodesenvolvimento
docapitalismoindustrial.Namedidaemqueseassisteaoavançodassociedades
pós-industriais,comfortepesorelativodaocupaçãodeserviços,podetornar-se
semefeito a aplicação simplistado conceito tradicionalde classe, sobretudona
classificaçãodaclassemédiaancoradanocritérioderendimento.
Naseconomiasdepaísesderendimentointermediário,quenãocompletaram
plenamenteoseuprocessodeindustrializaçãoejáprecocementeavançamparaas
38
estruturas sociaisdebasenosserviços,ousodoconceitodeclassemédia talvez
seja ainda mais extemporâneo. Isso porque a adoção de uma medida
descontextualizadadabaseoriginaldesuamaterializaçãopodeserevestirapenas
esimplesmentedeumvoluntarismoteóricoinconsistentecomarealidade,salvo
interesses ideológicos específicos ou projetos políticos de reconfiguração de
reduçãodopapeldoEstado.
Emvirtudedisso,aquestãodaclassemédiaempaísescomooBrasilmerece
maior aprofundamento, evitando-se conclusões apressadas e nem sempre
consistentes com a realidade. Essa abordagem, portanto, será explorada nos
capítulosseguintes.
[1]Ver:B.Kaiser,PouruneanalysedelaclassemoyennedanslespaysduTiersMonde,Revue
TiersMonde,Paris,v.26,n.101,jan.-mar.1985,p.7-30;A.BárcenaeN.Serra(orgs.),Clases
mediasydesarrolloenAméricaLatina(Santiago/Barcelona,Cepal/Cidob,2010).
[2]Umbomdebateaesterespeitoencontra-seem:B.Carter,Capitalism,ClassConflictandthe
NewMiddle Class (Londres, Routledge/Kegan Paul, 1985);N. Poultanzas,Les classes sociales
danslecapitalismeaujourd’hui(Paris,Seuil,1974);E.Thompson,Aformaçãodaclasseoperária
inglesa:aárvoredaliberdade(trad.DeniseBottmann,RenatoBusattoNeto,CláudiaRochade
Almeida,RiodeJaneiro,PazeTerra,1987);P.Anderson,ArgumentsWithinEnglishMarxism
(Londres, Verso, 1980); A. Przeworski,Capitalism and Social Democracy (Cambridge,MIT,
1985).
[3] Paramais detalhes, ver: L. James,TheMiddle Class: AHistory (Londres, Little, Brown,
2006).
[4]Ver:M.Bakunin,Marx, theBismarckof Socialism,1870, emL.Krimerman eP.Perry
(orgs.),Patterns of Anarchy: A Collection ofWritings on the Anarchist Tradition (Nova York,
AnchorBooks,1966).
[5] Ver: K. Marx, Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858: esboços da crítica da
economiapolítica(trad.MarioDuayeretal,SãoPaulo,Boitempo,2011).
[6] Ver: K. Kautsky,A ditadura do proletariado (trad. Eduardo Sucupira Filho, São Paulo,
Ciências Humanas, 1979); E. Bernstein, Las premisas del socialismo y las tareas de la
socialdemocracia(trad.AlfonsoAricho,CidadedoMéxico,SigloVeintiuno,1982);A.Teixeira
(org.),Utópicos, heréticos emalditos: os precursores do pensamento social de nossa época (Riode
Janeiro,Record,2002).
[7] Ver: C. Mills, White Collar: The American Middle Classes (Oxford, OUP, 2002); J.
Burnham,The Managerial Revolution (Bloomington, IUP, 1960); G. Simmel, Sociologie et
épistémologie(Paris,PUF,1981).
39
[8]Paramaisdetalhes,ver:V.Lenin,ArevoluçãoproletáriaeorenegadodeKautsky,emObras
escolhidas(Lisboa,Avante,1977).
[9]Ver:R.Nisbet,TheDeclineandFallofSocialClass,PacificSociologicalReview,Berkeley,
UCP,v.2,n.1,1959,p.11-7;H.Mendras,Laseconderévolutionfrançaise:1965-1984(Paris,
Gallimard,1988).
[10] Ver:M. Nicolaus, ElMarx desconocido: proletariado y clase media enMarx: coreografía
hegelianaydialécticacapitalista(trad.FernandoSantosFontenla,Barcelona,Anagrama,1972);
H. Braverman,Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX (trad.
NathanaelC.Caixeiro,3.ed.,RiodeJaneiro,Zahar,1980).
[11]Ver:B.Carter,Capitalism,ClassConflictandtheNewMiddleClass,cit.;R.Fausto,Marx:
lógicaepolítica: investigaçõesparaumareconstituiçãodo sentidodadialética (2.ed.,SãoPaulo,
Brasiliense,tomo2,1987);F.Oliveira,Osurgimentodoantivalor:capital,forçadetrabalhoe
fundopúblico,NovosEstudos,SãoPaulo,Cebrap,n.22,1988,p.8-28.
[12]Ver:D.Bell,Oadventoda sociedadepós-industrial:umatentativadeprevisão social(trad.
HeloysadeLimaDantas, SãoPaulo,Cultrix, 1977);A.Touraine,La société post-industrielle:
naissance d’une société (Paris, Denoël/Gonthier, 1969); C. Offe, New Social Movements:
Challenging the Boundaries of Institutional Politics, Social Research, Nova York, The New
School,v.52,n.4,1985,p.817-68.
[13]Ver:A.Gouldner,El futurode los intelectualesy elascensode lanuevaclase (trad.Néstor
Míguez,Madri,Alianza,1979);P.Bourdieu,Distinction:ASocialCritiqueoftheJudgementof
Taste(trad.RichardNice,Londres,Routledge,1984).
[14]Ver:A.Gorz,Adeusaoproletariado:paraalémdosocialismo(trad.AngelaRamalhoVianna,
SérgioGóesdePaula,2.ed.,RiodeJaneiro,ForenseUniversitária,1987);C.Offe,Capitalismo
desorganizado: transformações contemporâneas do trabalho e da política (trad.Wanda Caldeira
Brant,SãoPaulo,Brasiliense,1989).
[15]Ver:S.Mallet,Lanouvelleclasseouvrière(Paris,Seuil,1963);J.Lojkine,Laclasseouvrière
enmutations(Paris,Messidor,1986);Idem,Larévolutioninformationnelle(Paris,PUF,1992);
R. Antunes, Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do
trabalho(SãoPaulo/Campinas,Cortez/EditoradaUnicamp,1995).
[16]Ver:A.Giddens,Aterceiravia:reflexões sobreo impassepolíticoatualeo futurodasocial-
democracia(trad.MariaLuizaX.deA.Borges,RiodeJaneiro,Record,1999);B.Jobert(org.),
Letournantnéo-libéralenEurope,cit.
[17]Ver:A.Gorz,Oimaterial:conhecimento,valorecapital(trad.CelsoAzzanJúnior,2.ed.,
SãoPaulo,Annablume,2009);L.Habib,La forcede l’immatériel: pour transformer l’économie
(Paris,PUF,2011).
[18]Ver:M.Godelier,Antropologia (trad.EvaldoSintoni et al, SãoPaulo,Ática,1981);M.
Mazoyer e L.Roudart,História das agriculturas nomundo: do neolítico à crise contemporânea
(trad.CláudiaF.FalluhBalduinoFerreira,SãoPaulo,EditoraUnesp,2009);K.Marx,O18de
brumáriodeLuísBonaparte(trad.NélioSchneider,SãoPaulo,Boitempo,2011).
[19]Paramaisdetalhesarespeitodemobilidadeeestruturaçãosocial,ver:K.Marx,Ocapital:
crítica da economia política (trad. Reginaldo Sant’Anna, 22. ed., Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira,2004);E.Durkheim,Dadivisãodo trabalho social (trad.EduardoBrandão,2. ed.,
40
São Paulo, Martins Fontes, 2004); D. Merllié e J. Prévot, La mobilité sociale (Paris, La
Découverte,1997).
[20]Paraestudossobreclassesocialnassociedadesindustriaiscapitalistasver:R.Dahrendorf,
Class and Class Conflict in Industrial Societies (Londres, Routledge/Kegan Paul, 1959); A.
Touraine,La conscience ouvrière (Paris, Seuil,1966);N. Poultanzas,Les classes sociales dans le
capitalismeaujourd’hui,cit.
[21] Ver: J. Dunlop, Sistemas de relaciones industriales (trad. Amadeo Monrabá, Barcelona,
Península,1978);C.Kerretal,IndustrialismandIndustrialMan:TheProblemsofLaborand
Management inEconomicGrowth (Princeton,PUP,1975);H.Braverman,Trabalho e capital
monopolista:adegradaçãodotrabalhonoséculoXX,cit.
[22]Ver:C.Mills,WhiteCollar,cit.;R.EriksoneJ.Goldthorpe,TheConstantFlux:AStudyof
ClassMobilityinIndustrialSocieties(Oxford,Clarendon,1993).
[23] Ver:M. Agliettà,Regulación y crisis del capitalismo: la experiencia de los Estados Unidos
(trad. Juan Bueno, Cidade do México, Siglo Veintiuno, 1979); P. Doeringer e M. Piore,
InternalLabourMarketsandManpowerAnalysis(2.ed.,NovaYork,Sharpe,1985);D.Gordon,
R.Edwards eM.Reich,SegmentedWork,DividedWorkers:TheHistoricalTransformation of
Labor in the United States (Cambridge, CUP, 1982); F. Zweig,The Worker in an Affluent
Society: Family Life and Industry (Londres, Heinemann, 1969); M. Pochmann, Políticas do
trabalho ede garantiade rendano capitalismo emmudança:um estudo sobre as experiênciasda
França,daInglaterra,daItáliaedoBrasildesdeosegundopós-guerraaosdiasdehoje(SãoPaulo,
LTr,1995).
[24]Ver:H.Wilensky,TheWelfareStateandEquality:StructuralandIdeologicalRootsofPublic
Expenditures (Berkeley,UCP,1975);A.Przeworski,CapitalismandSocialDemocracy, cit.;C.
Offe,Capitalismodesorganizado, cit.;W.Beveridge,Pleno empleo en una sociedad libre (trad.
Pilar LópezMáñez,Madri,MTSS, 1988); R.Castel,Asmetamorfoses da questão social: uma
crônicadosalário (trad. IraciD.Poleti,2.ed.,Petrópolis,Vozes,1998); J.Galbraith,Onovo
estadoindustrial(trad.LeônidasGontijodeCarvalho,SãoPaulo,AbrilCultural,1982).
[25]Paraummelhordetalhamentodopadrãodemobilidadesocialnospaísesdecapitalismo
avançado, ver: R. Erikson e J. Goldthorpe,TheConstant Flux, cit.; E.Wright, Rethinking,
Once Again, the Concept of Class Structure, em E. Wright (org.), The Debate on Classes
(Londres,Verso,1989).
[26] Ver: L. Chauvel, Le destin des générations: structure sociale et cohortes en France au
XXX
e
>siècle(2.ed.,Paris,PUF,2002);G.Lavau,G.GrunbergeN.Mayer,L’universpolitique
desclassesmoyennes(Paris,PFNSP,1983);D.Antunes,Capitalismoedesigualdade(Campinas,
IE/EditoradaUnicamp,2011).
[27] Ver: J. Bindé (org.), Rumo às sociedades do conhecimento: relatório mundial da Unesco
(Lisboa,InstitutoPiaget,2008);A.Touraine,Lasociétépost-industrielle,cit.;D.Masi(org.),A
sociedadepós-industrial(SãoPaulo,Senac,1999);K.Kumar,Dasociedadepós-industrialàpós-
moderna:novasteoriassobreomundocontemporâneo(trad.CarlosAlbertoMedeiros,2.ed.,Rio
deJaneiro,Zahar,1997);M.Castells,Asociedadeemrede(SãoPaulo,PazeTerra,1999);C.
Bidou-Zacharlasen, À propos de la “service class”: les classes moyennes dans la sociologie
britannique,RevueFrançaisedeSociologie,Paris,v.41,n.4,2000,p.777-96.
[28] Ver: A. Gorz, O imaterial, cit.; H. Amorim, Trabalho imaterial: Marx e o debate
contemporâneo (São Paulo, Annablume/Fapesp, 2009); O. Bomsel, L’économie immatérielle:
41
industriesetmarchésd’expériences(Paris,Gallimard,2010).
[29]Ver:L.Chauvel,Ledestindesgénérations,cit.;A.Lipietz,Lasociétéensablier:lepartagedu
travailcontreladéchiruresociale(Paris,LaDécouverte,1996).
[30]Ver:R.KaziseM.Miller (orgs.),Low-WageWorkers in theNewEconomy:Strategies for
ProductivityandOpportunity (Washington,DC,UIP,2001);R.Infante(org.),Lacalidaddel
empleo: la experiencia de los países latinoamericanos y de los Estados Unidos (Santiago, OIT,
1999);J.Freyssinet,Letempsdetravailenmiettes(Paris,L’Atelier,1997);R.Sennett,Odeclínio
do homem público: as tiranias da intimidade (trad. Lygia Araújo Watanabe, São Paulo,
CompanhiadasLetras,1999).
[31]Destacam-se,porexemplo:M.HardteA.Negri,Multidão:guerraedemocracianaerado
Império (trad.ClóvisMarques,Rio de Janeiro,Record, 2005);D.Rothkopf,Superclass:The
GlobalPowerEliteandtheWorldTheyAreMaking(Londres,Little,Brown,2008);R.Frank,
Riquistão (trad.AlessandraMussi,Riode Janeiro,Manole,2008);A.Giddens,Capitalismo e
modernateoriasocial:análisedasobrasdeMarx,DurkheimeMaxWeber(trad.MariadoCarmo
Cary,5.ed.,Lisboa,Presença,2000);Z.Bauman,Asociedadeindividualizada:vidascontadase
históriasvividas(trad.JoséGradel,SãoPaulo,Zahar,2008).
[32] Ver: D. Coates, Models of Capitalism: Growth and Stagnation in the Modern Era
(Cambridge/Oxford,Polity,2000);R.Reich,Supercapitalismo(RiodeJaneiro,Elsevier,2008).
[33] Ver: E. Melman,Depois do capitalismo: do gerencialismo à democracia no ambiente de
trabalho:históriaeperspectivas(SãoPaulo,Futura,2002);J.Beinstein,Capitalismosenil (trad.
Ryta Vinagre, Rio de Janeiro, Record, 2001); J. Frieden, Capitalismo global: el trasfondo
económico de la historia del sigloXX (trad. JuanmariMadariaga,Barcelona,MemoriaCrítica,
2007).
[34] Ver:OCDE,Perspectives du développement mondial: le basculement de la richesse (Paris,
OCDE,2010);H.Kharas,TheEmergingMiddleClassinDevelopingCountries (Paris,OECD,
2010,SérieWorkingPapers),n.285.
[35]Destacam-secomoanálisesconsistentes:R.Franco,M.HopenhayneA.León(orgs.),Las
clasesmediasenAméricaLatina (CidadedoMéxico,SigloVeintiuno,2010);A.BárcenaeN.
Serra(orgs.),ClasesmediasydesarrolloenAméricaLatina,cit.
[36]Ver: R. Leão, E.Costa Pinto e L. Acioly (orgs.),AChina na nova configuração global:
impactos políticos e econômicos (Brasília, Ipea, 2011); E. Jabbour, China: infraestrutura e
crescimento econômico (São Paulo, Anita Garibaldi, 2006); C. Medeiros, Desenvolvimento
econômicoeascensãonacional,emJ.Fiori,C.MedeiroseF.Serrano(orgs.),Omitodocolapso
dopoderamericano (Riode Janeiro,Record,2008);R.Shapiro,Aprevisãodo futuro: comoas
novas potências transformarão os próximos 10 anos (trad. Mario Pina, Rio de Janeiro, Best
Business,2010).
[37] Ver: R. Carneiro,Commodities, choques externos e crescimento: reflexões sobre a América
Latina(Santiago,NaçõesUnidas,2012,SérieMacroeconomiadeldesarrollo),n.117;J.Neffa
e E. Toledo, Trabajo y modelos productivos en América Latina: Argentina, Brasil, Colombia,
México, yVenezuela luego de las crisis delmodo de desarrollo neoliberal (BuenosAires,Clacso,
2010);F.SartieC.Hiratuka(orgs.),Perspectivasdoinvestimentonaindústria(RiodeJaneiro,
Synergia,2010);CNI,OfuturodaindústrianoBrasilenomundo:osdesafiosdoséculoXXI(Rio
deJaneiro,Campus,1999).
42
[38] Ver: H. Kharas, The Emerging Middle Class in Developing Countries, cit.; OCDE,
Pérspectiveséconomiquesdel’AmériqueLatine(Paris,OCDE,2010).
[39]Ver:J.Lojkine,L’adieuàlaclassemoyenne(Paris,LaDispute,2005);C.Peugny,Ledestin
auberceau:inégalitésetreproductionsociale(Paris,Seuil,2013).
[40]Ver:J.MelloeF.Novais,Capitalismotardioesociabilidademoderna(SãoPaulo,Editora
Unesp,2009);C.Furtado,Omitododesenvolvimento(SãoPaulo,CírculodoLivro,1979).
[41]Ver:W.Quadros,Brasil:estagnaçãoecrise(SãoPaulo,Gelre,2004);A.Guerraetal,Classe
média:desenvolvimentoecrise(SãoPaulo,Cortez,2006).
[42]Ver:W.Quadros,Aevoluçãodaestruturasocialbrasileira:notasmetodológicas(Campinas,
IE/EditoradaUnicamp,2008,SérieTextosparadiscussão),n.148;M.Pochmann,Novaclasse
média?:otrabalhonabasedapirâmidesocialbrasileira(SãoPaulo,Boitempo,2012).
43
2.CLASSEMÉDIA:FATOSEINTERPRETAÇÕESNO
BRASIL
Omovimentode transformaçãoda estrutura socialbrasileira apartirda virada
para o séculoXXI se apresenta como um fato praticamente inquestionável.O
mesmonãopodeserditoemrelaçãoàsinterpretaçõessobreosentidogeraldessas
mudançasnoconjuntodasociedade.
Inicialmente,ahipótesedaalteraçãonaestruturadasociedadeexpressapela
identificação de uma nova classe média se estabeleceu rapidamente com
dominância explicativa. Gradualmente, contudo, outras interpretações mais
profundasarespeitodocursodastransformaçõesnocapitalismocontemporâneo
ede seus efeitos condicionantes no interior da estrutura social brasileira foram
surgindo,capazesdequestionaraversãodanovaclassemédiaporcontadesua
fragilidadeedeseusimplismo,eporser talhipótesedesprovidademaiorrigor
acadêmico.
É nesse contexto que o presente capítulo analisa omovimento recente da
incorporaçãodeparcelaimportantedostrabalhadoresdebaixarendanopadrão
tardio de consumo fordista, equivocadamente associado à ascensão social de
classe média. Para isso, busca-se recuperar brevemente as bases por meio das
quais a expansãocapitalistado segundopós-guerrado séculopassadoproduziu
estruturassociaisdiferenciadasentreospaíses.
De um lado, veem-se as economias desenvolvidas que conformaram as
estruturassociaiscomalgumgrauderelativaidentidadeemfunçãodopadrãode
crescimento urbano e industrial e da ação do Estado de bem-estar social. Em
decorrênciadisso,houveageneralizaçãodapossedosbensdeconsumoduráveis,
inclusivedaquelesdemaiorvalorunitário,comoautomóvelecasaprópria,oque
simbolizouum ciclo de expansão econômica associado a certa desconcentração
derenda.Inegavelmente,apressãoorganizadadostrabalhadorescontribuiupor
meiodasentidadessindicaisparaaelevaçãodosaláriorealemconformidadecom
osganhosdeprodutividadeeparaareduçãodajornadadetrabalho.Atravésdos
partidos políticos, a agenda dos trabalhadores foi transformada em políticas
44
públicas,eissopormeiodaconsolidaçãoedaascensãodoEstadodebem-estar
social.
Deoutro lado,háosdemaispaíses capitalistasque, sem registrar adifusão
integraldopadrãofordistadocrescimentourbanoeindustrial,terminarampor
constituir estruturas sociais diferenciadas. O processo de periferização do
fordismolevouaosubconsumodostrabalhadoresemrelaçãoaopadrãodeacesso
aos bens duráveis como automóvel e moradia própria. Contribuiu para isso a
ausência tanto do Estado de bem-estar social quanto de acordos políticos
comprometidos com a redução da desigualdade na distribuição dos frutos da
expansãoeconômica.UmbomexemplodissofoioBrasil,cujaprioridadedada
ao crescimento econômico foi acompanhada por uma brutal concentração da
renda.AofinaldoséculoXX,oBrasil situava-seentreostrêspaísesdomundo
commaiordesigualdadederenda.
Somente na década de 2000 o país encontrou importante inflexão na
trajetória da desigualdade distributiva, com a inversão da antiga prioridade
nacional,istoé,comaopçãopeloestabelecimentodarepartiçãodarendacomo
um dos principais fatores determinantes para a promoção do crescimento
econômicoeparaadifusãodoconsumodemassa.
Ademais, o avançodoEstadodebem-estar social revelouo vigorhistórico
das lutas sociais, especialmente das organizações dos trabalhadores desde a
recuperação do novo sindicalismo ao final da década de 1970,
concomitantemente com a formação de uma novamaioria política favorável à
desconcentração da renda. Assim, o Brasil saiu da terceira posição de maior
desigualdadederendanomundoparaadécimaquarta.Comoconsequência,a
estruturasocialbrasileirasemodificou,tornando-secompatívelcomatendência
de homogeneização do padrão de consumo de bens duráveis, que até então
somente seapresentavaplenamente factível aos segmentosdeclassemédiaede
rendas superiores. Ademais, a característica do subconsumo dos trabalhadores
brasileiroscomeçouasersuperadacomoiníciodoprocessodedesconcentração
darendanacional.
O estrato social reconhecido pela literatura especializada como de
trabalhadores pobres (working poor) foi um dos principais beneficiados pelo
movimentopolíticodeinversãodeprioridades(distribuirparacrescer)ocorrido
no Brasil na primeira década do século XXI. As partes desenvolvidas a seguir
tratamde explicitar o fortalecimentoda classe trabalhadora, sobretudodaquela
de baixa renda, enquanto resultado da mudança recente na estrutura da
sociedadebrasileira.
45
2.1.Padrãodecrescimentoeconômicoeestruturasocial
nocapitalismoavançadodosegundopós-guerra
AexpansãodocapitalismoapartirdasegundametadedoséculoXXocorreude
maneiradiferenciadaemrelaçãoàtrajetóriaverificadaatéadécadade1920.De
certaforma,houveumexpressivosaltoemrelaçãoàGrandeDepressãode1929e
àsduasguerrasmundiais,umavezquesecombinouaestruturaçãoedifusãodas
grandes escalas de produção herdadas da Segunda Revolução Industrial e
Tecnológica desde o final do século XIX com a inclusão emmassa de novos
consumidoresinternoseaampliaçãodocomércioexterno.
O esgotamento do sistema monetário internacional associado ao padrão
ouro-libraprotagonizadopeladecadênciadavelhaordemliberaldoséculoXIX
estrangulouocomércioentreasnaçõesapartirde1914.Aomesmotempo,as
experiênciasdasduasguerrasmundiaisrevelaramapolarizaçãoentreosEstados
Unidose aAlemanhaem tornodadisputapela sucessãodaarcaicahegemonia
inglesa.
O período do segundo pós-guerra iniciou-se com os Estados Unidos
exercendoopapeldenaçãohegemônicadoblococapitalistaecomaintrodução
de um novo sistema monetário vinculado ao padrão ouro-dólar e à ordem
mundial, esta regulada pelo poder militar da Organização do Tratado do
AtlânticoNorte(Otan)epelasagênciasmultilateraiscomooFundoMonetário
Internacional (FMI),oBancoMundial (BM)eoAcordoGeral sobreTarifase
Comércio (Gatt). Por um lado, com o apoio estadunidense à reconstrução
europeia(PlanoMarshall),ocomércioexternovigorou,fortalecidopelocrescente
investimentodasempresasmultinacionais,especialmenteasnorte-americanas.
Por outro lado, o legado de regressão econômica e social expresso pela
Depressão de 1929, em meio ao sucesso da experiência de socialismo real
atribuída desde a Revolução Russa, em 1917, impôs condições políticas
suficientes para a implantação de um importante programa de reformas
capitalistas semparalelohistórico.AemergênciadoEstadodebem-estar social,
consolidada por uma reforma tributária progressiva e responsável pela
determinaçãodeosricospagaremimpostos,ampliouofundopúblicodemenos
de10%paramaisde30%doProdutoInternoBrutonospaísesindustrializados.
Com isso, parte do custo de reprodução da força de trabalho passou a ser
financiada por recursos públicos, como no caso da universalização do acesso
público à educação (creche e ensinos fundamental, médio e superior), à
assistência social e à saúde.Tambémpormeiode subsídiospúblicos tornou-se
possívelreduzirosgastosdostrabalhadorescomtransporte,habitaçãoelazer
[1]
.
46
Antes disso, o custeio desses gastos dependia exclusivamente do salário do
trabalhador, limitando o consumodeuma empobrecida cesta de sobrevivência
porumaparcelasignificativadasociedade.
A generalização dos contratos coletivos de trabalho permitiu levar a
democracia ao local de trabalho, com a ampliação dos direitos sociais e
trabalhistaseaelevaçãodossaláriosemconformidadecomainflaçãoeosganhos
de produtividade. O aumento da remuneração média real dos trabalhadores,
acrescida aindamais pelo salário indireto proporcionado pelo Estado de bem-
estar social, esteve combinado à extensão da política de crédito e de inclusão
bancária, o que favoreceu o financiamento da aquisição generalizada dos bens
manufaturados, sobretudo os demaior valor unitário, como automóvel e casa
própria.
Nocasodosoperáriosfranceses,porexemplo,apossedeautomóvel,televisor
emáquinade lavareraresidualnoimediatopós-guerra.Nemumdécimodeles
possuía carro ou outros bens de consumo duráveis.Menos de quatro décadas
depois,ahomogeneizaçãodopadrãodeconsumoestavapraticamenteconcluída,
uma vez que a universalização do acesso aos bens duráveis, como automóvel,
televisoremáquinadelavar,estavaconsumada.(Verfigura2.1.)
Figura2.1–França:evoluçãodapossedebensdeconsumoduráveisporoperários(em%)
Políticas do trabalho e de garantia derenda no capitalismo emmudança, cit.,p.39
Omovimentodedesconcentraçãodarendaapartirdosegundopós-guerra
mundial se mostrou funcional para o atendimento da demanda das enormes
escalas de produção constituídas pela Segunda Revolução Industrial e
Tecnológica. Entre 1950 e 1986, por exemplo, o poder aquisitivo do salário
mínimonaFrançacresceu12%acimadaremuneraçãodosexecutivos.
47
Porforçadaelevaçãomaisrápidadorendimentonabasedapirâmidesocial,
ograudedesigualdadeentreasremuneraçõesdiminuiurapidamente.NaItália,
por exemplo, o salário médio do operário era de quase quatro quintos da
remuneraçãodo empregadodenível superior, enquanto em1938 representava
apenasumterço.
Com isso, a parcela salarial na renda nacional cresceu substancialmente,
passando a representar mais de dois terços do fluxo de riquezas geradas
anualmentenospaísesdesenvolvidos.Aomesmotempo,ataxadepobreza,que
chegouarepresentar21%dototaldapopulaçãoinglesaem1953,porexemplo,
reduziu-se a 7% em 1971, enquanto vigia praticamente o pleno emprego da
forçadetrabalho.
Nomesmosentido,ogastosocialimpulsionadopelaconsolidaçãodoEstado
de bem-estar social cresceu substancialmente. Em 1978, por exemplo, a
Inglaterra comprometia27,8%doPIB comogasto social, enquanto em1938
issorepresentavamenosde11%.
Aampliaçãodovalorrealdaremuneraçãodotrabalhador,acompanhadada
elevação do salário indireto pelo Estado de bem-estar social, permitiu cobrir a
extensãodasdespesasfamiliaresparaalémdasalimentares.Atéadécadade1940,
o ganho do trabalhador cobria fundamentalmente os gastos com alimentação,
que chegavam a responder por quase quatro quintos do total do salário dos
operários nos países desenvolvidos. Na década de 1970, por exemplo, o
trabalhador italiano possuía 71,5% de sua rendamédia liberada para despesas
nãoalimentares.Cincodécadasantes,somenteumterçodaremuneraçãopoderia
financiargastosnãoalimentares.
Em síntese, percebe-se como o ciclo do crescimento econômico nos países
desenvolvidos possibilitou o fortalecimento da tendência homogeneizadora do
padrão de consumo, sobretudo com a generalização do acesso aos bens de
consumoduráveis.Ocapitalismofordista,comoquaseplenoempregodamão
de obra e a elevação direta e indireta do rendimento da classe trabalhadora,
especialmentenabasedapirâmidesocial,alterouprofundamenteasociedadenos
paísesdocentrodocapitalismomundial.
Acondiçãodaplenaocupação,comtaxasdedesempregoabaixode5%do
total da população economicamente ativa, facilitou o acesso ao crédito para a
aquisiçãodebensdemaiorvaloraquisitivo,bemcomoimpediuqueocursodo
pagamento futuro do endividamento familiar ocorresse naturalmente. A
condição de insegurança da classe trabalhadora ameaçada pelo elevado
desemprego e pela rotatividade do trabalho no período pré-guerras terminou
48
afastada na segunda metade do século XX nos países que adotaram o padrão
fordistadedesenvolvimento.(Verfigura2.2.)
Ainclusãodaclassetrabalhadoranosfrutosdocrescimentoeconômiconão
levouaoentendimentodequesetratavadeumamudançanaestruturadeclasses
dasociedade,tampoucoàascensãodeumanovaclassemédia.Oquehouvefoia
interpretação de que a força política dos trabalhadores, por meio de suas
organizações de interesses (associações, sindicatos e partidos políticos), tornara
possível a elevação do padrão de vida com acesso aos direitos sociais e
trabalhistas.(Verfigura2.3.)
A agenda dos trabalhadores conformada por décadas anteriores de lutas se
convertera em realidade, especialmente nos países de capitalismo fordista. O
acesso aos direitos sociais e trabalhistas elevou e possibilitou a trajetória de
homogeneizaçãodoníveldeconsumoapartirdoprocessodedesconcentraçãoda
renda funcional alinhado ao ritmo demaior crescimento econômico. Tanto é
assim que as quase três décadas que sucederam o final da Segunda Guerra
Mundial passaram a ser reconhecidas como golden years (anos dourados) do
capitalismo.
Figura2.2–Taxamédiadedesempregoempaíseseperíodosselecionados(em%daforçadetrabalho)
Adesordemdotrabalho,cit.,p.27
Figura2.3–Taxadesindicalizaçãoempaíseseperíodosselecionados(em%daforçadetrabalho)
49
Adesordemdotrabalho,cit.,p.47
No período entre 1950 e 1973, por exemplo, a somatória do Produto
InternoBrutonospaísescapitalistasfordistascresceunumataxamédiaanualde
4,9%, enquanto as exportações aumentaram, emmédia,8,6%ao ano.Na fase
anterior, que compreendeu os anos de 1913 e 1950, a taxa média anual de
crescimentodoPIB foide somente1,9%,enquantoavariaçãodasexportações
atingiuoritmodeapenas1%nocapitalismopré-fordista.
2.2.Industrializaçãotardiaesubconsumodaclasse
trabalhadorabrasileira
Ospaísescapitalistasqueviveramoêxitodofordismoapartirdosegundopós-
guerra experimentaram a industrialização no século XIX (industrialização
retardatária)ou,ainda,comonocasodaInglaterra,aindustrializaçãooriginal,na
metade do século XVIII. Outros países que conseguiram avançar a produção
manufatureirasomentenoséculoXXconviveram,emgeral,comasimplicações
daindustrializaçãotardia,namaiorpartedasvezestraduzidaspeladependência
tecnológicaeopredomíniodocapitalestrangeiro.
Nocasobrasileiro,oretardotemporaldaindustrialização–somenteapartir
dadécadade1930–impôsurgênciaàproduçãomanufatureiracomosefossea
traduçãodacópiadeumaestruturajáexistenteemnaçõesricas,contandocom
presença de empresas estatais nativas e grandes empresas multinacionais. A
fragilidade na demanda interna, constrangida ainda mais pela ausência de
reformas civilizatórias (agrária, tributária e social) e, por consequência, pela
dramáticaconcentraçãoderenda,estabeleceuàmaioriapolíticaresponsávelpela
conduçãodocrescimentoeconômicooimperativodefugaparaafrente.
Resumidamente, tornou-se necessário o compromisso político por uma
expansãoeconômicaaqualquercusto,eissoparafazerfrenteaocrescimentodas
taxas,demodoque seria fundamentalnesseprocessoaparticipaçãodoEstado,
comoumsócioestratégiconoprocessohistóricodeacumulaçãodecapital.Sem
isso,aindustrializaçãonoBrasildificilmenteteriaavançado,talcomoseverificou
entreasdécadasde1930e1970.
Alémdisso, a fragilidadedo regimedemocráticodecorrenteda convivência
com a descontinuidade dos períodos autoritários (1937-1945 e 1964-1985)
permitiuqueoavançodas forçasprodutivascontinuasseconcentradonopoder
privado de poucos clãs de famílias que já dominavam o país desde a fase do
antigoagrarismoexportador.Nãoporacaso,oenfraquecimentodasorganizações
50
de interesses dos segmentos situados na base da pirâmide social travou a
possibilidade de homogeneização do padrão de consumo de bens duráveis por
parte do conjunto da classe trabalhadora na virada da década de 1980. Um
exemplo disso foi a persistência da baixa taxa de sindicalização entre os
trabalhadores brasileiros. Em 1975, por exemplo, a taxa nacional de
sindicalizaçãofoide12,8%dostrabalhadoresurbanos,enquantoem1950erade
13,3%.
Não obstante a identificação de duas fases distintas no processo de
industrialização brasileira, o comportamento da sindicalização manteve-se
praticamente inalterado. Destaca-se que entre as décadas de 1930 e 1950 a
industrialização era restringida, sendo basicamente possível com base na
produção de bens de consumo não duráveis e intermediários (produção de
cimento,siderurgia,entreoutros).Asexportaçõesdebensprimárioscomoocafé
ainda continuavam a ser estratégicas na determinação do ritmo da expansão
econômicanacional.
Mesmoassim,ocursoda incorporaçãodaclasse trabalhadoraurbanahavia
sidoestabelecidodiantedoacessoaoconjuntodosdireitossociaisetrabalhistas
definidospelaConsolidaçãodasLeisdoTrabalho(CLT),em1943.Nafaseda
industrialização pesada, ocorrida entre 1955 e 1980, as condições econômicas
necessárias à elevaçãodopadrãode vidado conjuntoda classe trabalhadora se
tornarammais favoráveis,embora fosseminsuficientesporsi sóparapermitira
concretizaçãodosavançosesperados.
A presença de um regime autoritário por 21 anos congelou a difusão do
padrão de consumo de bens duráveis, conforme registrado nos países
desenvolvidos. A opção por grandes blocos de investimento nesse período
consagrouumaindustrializaçãopesadacominegávelavançonabasematerialda
economiaindustrial,porémdescoladododesenvolvimentosocial.
Porumlado,oPlanodeMetasdeJK(1956-1960) reformulouaestrutura
produtivacomainternalizaçãodosetordebensdeconsumoduráveis,oqualfoi
assentado na significativa presença de empresas multinacionais europeias e
estadunidenses,tendo,ainda,aliançacomempresasestataiseprivadasnacionais.
Poroutrolado,aimplantaçãodosegundoPlanoNacionaldeDesenvolvimento
de Geisel (1975-79) concedeu importante salto para a substituição de
importações industriais e energéticas, capaz de praticamente completar uma
estruturaprodutivadiversificadaeintegradanoespaçonacional.
Num período de cinquenta anos (1930-1980), a produção nacional foi
multiplicadapor18,2vezes(6%aoano),oquepossibilitouestabelecerumanova
estrutura econômica nacional (de base industrial), contemporânea e aliada ao
51
sistemade proteção social e trabalhista para apenas umaparte do conjunto da
classetrabalhadora.Emboranecessário,ocrescimentoeconômicoporsisónãose
mostrou suficiente para a universalização do padrão de bem-estar social
comparávelàdospaísesdesenvolvidos.
Assim,oBrasiltransformadonãoseapresentoucompatívelcomosníveisde
pobreza,dehomogeneizaçãodomercadodetrabalhoedegraudedesigualdade
de renda quando comparado aos patamares dos países desenvolvidos com
desempenhoeconômicosimilar.Porcontadisso,ocapitalismofordistamostrou-
se periférico, tendo reservado ao conjunto da classe trabalhadora um papel
secundário no acesso ao padrão de consumo de bens duráveis, sobretudo
daquelesdemaiorvalorunitário,comomoradiaeautomóvel.
Aomesmo tempo, as políticas sociais não se universalizaram,mantendo-se
subordinadas ao comportamento da economia. Em síntese, o regime de bem-
estardoperíodoprevaleceucorporativoeparticularista,oquedeixouàmargem
umaparcelaconsideráveldaclassetrabalhadora.
Além disso, a estrutura tributária regressiva e dependente de impostos e
contribuições sobre o custo do trabalho estabeleceu aos assalariados ummaior
peso no financiamento da proteção social. Para o empregado urbano, por
exemplo, um terço do custo total de contratação se dirigia ao fundo social,
condiçãoquelhepermitiriaoacessoaosbenefíciossociais(aposentadoria,férias,
entreoutros).
Nessesentido,aelevaçãodacargatributárianoBrasilassentava-senoreforço
daregressividadedatributaçãonacional.Oresultadoeraomaiorpesorelativoda
cargatributáriaseapoiandonorendimentodosmaispobresdapopulação.Foio
que aconteceu com amultiplicação da carga tributária brasileira em 2,7 vezes
entreosanosde1930e1960,poispassoudeapenas8,9%doPIBpara24,1%.A
participaçãorelativadosimpostosindiretosnototaldacargatributáriadeclinou
de86,4%para67,9%nomesmoperíododetempo.
Porterofinanciamentodaspolíticassociaisvinculadoàarrecadaçãoindireta,
a incorporação de novos beneficiados (geralmente mais pobres) pelas políticas
sociais gerou a espontânea saída de setores de maior rendimento. As
transformações da educação primária estatal para poucos em ensino público
fundamental paramuitos na década de 1970 e da saúde regulada para alguns
segmentos assalariados em universalização do SistemaÚnico de Saúde pública
nosanosde1980constituemexemplosdogradualabandono,porexemplo,da
classemédiadosserviçosdoEstado.
Percebe-se, portanto, as dificuldades para a realização de alianças políticas
estratégicasentreostrabalhadoreseaclassemédiaemfavordoEstadodebem-
52
estar social, conforme observado nos países desenvolvidos. No Brasil, o
corporativismodealgumascategoriasprofissionaiselitizadas,ameritocraciados
segmentos de maior escolaridade numa sociedade de baixa escolaridade e o
particularismo de setores ocupacionais de maior rendimento obstaculizaram
açõesconjuntasdefortalecimentodosistemadeproteçãoedepromoçãosocial.
Assim, a redução na participação relativa do rendimento do trabalho na
renda nacional ocorreu concomitantemente à expansão econômica sustentada
por escalas crescentes de produção de bens manufaturados. A separação da
trajetória dos salários em relação aos ganhos de produtividade indicou uma
redução da parcela salarial de 56,6% na renda nacional, em 1959/1960, para
50%,em1979/1980.
O processo de assalariamento da força de trabalho não desfigurou o
funcionamento heterogêneo do mercado de trabalho, com a presença de
ocupaçõesilegais,informais,entreoutras.Entreasdécadasde1930ede1980,a
taxadeassalariamentopassoudeumquintoparadoisterçosdototaldaforçade
trabalhonoBrasil.
Mesmoassimresistiramnopaísváriasmodalidadesdeexercíciodetrabalho
nãocapitalista,aocontráriodoquefoiregistradonaseconomiasdesenvolvidas.
Setores econômicos como agricultura de subsistência e serviços urbanos
vinculadosaoabastecimento(pequenasmercearias,lojaseoficinasdereparaçãoe
de atendimento pessoal e familiar) preservaram, muitas vezes, a condição de
economia com trabalho de baixo rendimento. Ao mesmo tempo permitiram
tambémareproduçãodaforçadetrabalhocomprodutoseserviçosdemenores
preços.Destacam-se,porexemplo,asmoradiasdeautoconstrução,muitasvezes
em terrenos ilegais, fruto do inchamento das cidades industriais sem
planejamento,aproduçãodealimentaçãodemenorcustoeserviçosdomésticos
decontidaremuneração,entreoutros.
Em função disso, a difusão do padrão de consumo de bens duráveis
transcorreu de maneira muito diferenciada no interior do conjunto da
população.Ainternalizaçãoperiféricadomodelofordistadeconsumodemassa,
comoumaespéciedemiméticadoconsumismoexorbitantedosricos,explicitou-
seaindamaisintensamentediantedabaixarendapercapitanacional.
Não obstante o forte crescimento dessa renda, a sua repartição, contudo,
ocorreudeformaextremamentedesigualparaoconjuntodapopulação.Noano
de1980,porexemplo,constatou-seque60%dapopulaçãobrasileiramaispobre
recebiaquantiaequivalentea17,8%darendanacional,enquantoem1960esse
númeroerade24,9%.Ouseja,houveumaquedade28,5%naparticipaçãodos
maispobresnarendanacionalentreosanosde1960e1980.
53
Como consequência, houve um aumento do peso relativo dos segmentos
mais ricos na renda nacional. No contexto da riqueza e da renda fortemente
concentradas, a internalização do novo padrão de consumo proveniente dos
países ricos ocorreu apenas para os segmentos privilegiados da estrutura social,
sejaporseurendimentoelevado, sejapeloperfildaspolíticaspúblicasadotadas
paraoandardecimadasociedade(crédito,tributação,entreoutras).
Em síntese, a repartição assimétrica dos bônus do crescimento econômico
combinadacompolíticaspúblicasmaisvoltadasaossetores sociaisprivilegiados
resultou na década de 1970 numa difusão direcionada do padrão de consumo
fordistaparaumseletoecontidoestrato socialdopaís (classesmédiae rica),o
queécompatívelcomaconsolidaçãodeumaeconomiacujoconsumodebens
duráveissedáporpartesomentedeumterçodoconjuntodapopulação.
Damesmaforma,oacessoaosprincipaispostosdetrabalhoproduzidospelo
próprioavançodaindustrializaçãopressupunha,emgeral,apassagempréviapelo
processodeensino-aprendizagemque terminousendooferecidocomqualidade
para somente a cúpula da pirâmide social.Com acesso franqueado à educação
superior, o passaporte para a rápida ascensão social esteve ao alcance
fundamentalmentedeumaeliteessencialmentebranca.
Tendoo acesso ao ensino superior se transformadoemmonopólioda elite
branca, restou a intensa competição no interior da base da pirâmide social
brasileira, sobretudo com as possibilidades de abandono da condição de
analfabetismo. Assim, o simples ingresso ao ensino básico funcionaria como
elemento diferenciador aos filhos de pais analfabetos e, ainda, facilitador na
disputaporvagasmaissimplesqueeramabertasnointeriordomercadogeralde
trabalho.
Noquedizrespeitoaosfilhosdasfamíliasdossegmentosdemaiorrenda,o
ingressonoensinosuperiornemsemprerepresentariaoequivalenteesforçopor
partedos segmentospertencentes à basedapirâmide social.Comqualidade, o
certificadodeconclusãoeducacionalassumiaacondiçãodeverdadeiropassaporte
para osmelhores postos de emprego, ocupados, namaior parte das vezes, pela
elitebrancadopaís.
Paraossegmentossociaisconstituídospornegrosemestiços,alémdamaior
exposiçãoàcompetiçãoimpostapelorestritoacessoeducacional,colaboroupara
essa disputa o funcionamento desigual do mercado de trabalho na base da
pirâmide social. Nesse sistema, de maneira geral, a predominância de brutal
excedentedemãodeobracontribuiuparaqueatrajetóriasalarialseguisseabaixo
dosganhosdeprodutividade.
54
Aosesomaroesvaziamentodopodersindical,especialmentenoprocessode
negociação salarial, com o rebaixamento da política do salário mínimo, o
resultado terminou sendo o rebaixamento do patamar de remuneração dos
trabalhadores em geral. Serve de exemplo disso a evolução desconexa do valor
realdosaláriomínimocomopoderaquisitivodarendapercapitanacional.(Ver
figura2.4.)
Nasdécadasde1940e1950nãohouvefortedispersãoentreosdoisvalores
reais. A partir da ditadura militar, contudo, o valor real do salário mínimo
manteve-seembaixa,enquantoarendapercapitaprosseguiucrescendo.Coma
remuneração associada ao valor do salário mínimo, os trabalhadores pobres
ficaramprisioneiros do contidopoderde comprade seus salários, ao contrário
dos segmentos sociais de remuneraçãomaior, cuja evolução ocorreu acima da
produtividade.Entre 1965 e 1977, por exemplo, a remuneraçãodos cargosde
direção de empresas subiu 145%, enquanto o salário médio do operário
aumentou apenas 17%. Nesse mesmo período, a produtividade do trabalho
acumulouumcrescimentode103%.
Figura2.4–Brasil:evoluçãodovalorrealdosaláriomínimoedarendapercapitanacional
Desenvolvimento e novas perspectivasparaoBrasil (SãoPaulo,Cortez,2010),p.68
A evolução diferenciada no rendimento do trabalho, especialmente em
relaçãoaocontidovalordosaláriomínimo,terminousemostrandofuncionalà
estratégia de rápida expansão econômica fundamentada na internalização da
produção enoconsumodebensdemaior valorunitário (bensduráveis, como
automóvel,moradiaeeletrodomésticos).Paraumpaísdebaixarendaper capita
comooBrasil,adifusãodopadrãodeproduçãoedeconsumooriundodenações
55
ricassomentesedariamaisrapidamentepelocaminhodaopressivaconcentração
de renda, com a exclusão, por consequência, de enorme parcela da classe
trabalhadora.
Assistiu-se, assim, ao processo de redistribuição intersalarial no interior do
mercadodetrabalhobrasileiro,possibilitadopelatransferênciaderendadabase
dapirâmidesocialparaasuacúpula,sobretudoduranteoregimemilitar.Aforte
expansãoeconômicadiantedasnovasescalasdeproduçãoterminoudeixandode
foraossegmentossociaisdemaiorrendimento.
Por conta disso, a base da remuneração do conjunto de trabalhadores
permaneceucomprometidacomasdespesasdealimentaçãoedehabitação.No
final dos anos 1970, por exemplo, quase dois terços da renda do trabalhador
eram absorvidos pelas despesas de alimentação e de habitação, enquanto na
década de 1950 essas mesmas despesas representavam quatro quintos do
rendimentodaclassetrabalhadora.
Percebe-se tambémque,noavançodasestruturasprivadasdeprodução,os
laços de sociabilidade foram constritos, uma vez que as forças de mercado
tenderam aprivilegiar o atendimentodos segmentos já favorecidos.A inclusão
bancária pode ser perfeitamente um exemplo disso, uma vez que a base da
pirâmide permaneceu excluída, o que permitiu consolidar uma estrutura de
créditofundamentalmentedestinadaaossegmentosdealtasemédiasrendas.
Completados quase cinquenta anos de consolidação do centro dinâmico
urbanoeindustrialnoBrasil,constituiu-seumasociedadedeformadacomposta
pelos extremamente ricos, pela classe média não proprietária e pela ampla
maioria da população situada na base da pirâmide social. Ao contrário do
cosmopolitismoquesurgiunasclassesaltasemédias,possibilitadopelalógicado
consumismoepelapreferênciadosmonopóliossociais,oconjuntodapopulação
foi somente favorecido no que tange à mobilidade social. Ou seja, todos os
segmentossemoveramsimultaneamente,porémcomvelocidadesmuitodistintas
entresi,gerandomaiordesigualdadesocial.
É nesse sentido que se constata uma industrialização tardia associada ao
subconsumodaclassetrabalhadora.Em1980,quandooBrasilfiguravacomoa
oitavamaioreconomiaindustrialdomundo,ataxadepobrezaabsolutaatingiaa
48,5% da população e a parcela salarial representava apenas 50% da renda
nacional.Nomesmoano,umoperáriofrancêsprecisavade7mesese21diasde
trabalhoparacomprarumautomóvelpopular,enquantoumoperáriobrasileiro
precisaria acumular 33 meses de salário para poder fazer isso. Nesse mesmo
sentidocomparativo,osaláriodooperáriofrancêspermitiaadquirir149entradas
56
de cinema ao mês, enquanto o operário brasileiro se restringia a somente 77
ingressos.
2.3.Ascensãodostrabalhadorespobreseprojetosocial-
desenvolvimentista
A partir do final da década de 1970, o fortalecimento do chamado novo
sindicalismo brasileiro favoreceu a constituição de uma agendamais ampla do
desenvolvimentovinculadaaoconjuntodostrabalhadoresruraiseurbanos.Isso
jáhaviaficadoclaronofinaldosanos1950,comoaparecimentodeumanova
pauta sindicalmoldada pela forte expansão do emprego nas grandes empresas
instaladasduranteoPlanodeMetasdeJK,sobretudonaregiãoSudestedopaís.
Atéaquelaépocapreponderavaaculturadodissídiocoletivo,emqueopapel
daJustiçadoTrabalhoeracentral,definindo,paraalémdaCLT,osparâmetros
das relações de trabalho entre patrões e empregados. Isso porque prevalecia a
lógica pulverizada das relações de trabalho no âmbito das micro e pequenas
empresas,demodoqueossindicatosencaminhavamparaaJustiçadoTrabalho
as reivindicações dos trabalhadores sem que os empregadores se dispusessem a
negociar.
Em1959,porexemplo,osindicadodosmetalúrgicosdeSãoPauloentregou
àFederaçãodasIndústriasdoEstadodeSãoPaulo(Fiesp)aprimeirapropostade
contrato coletivo de trabalho de abrangênciamaior que os limites da empresa
privada. Mesmo sem resposta patronal, o novo sindicalismo, originalmente
surgidonoBrasilnocalordasgrandesempresasoriundasdoPlanodeMetasde
JK,buscavananegociaçãocoletivaofórumparaamodernizaçãodasrelaçõesde
trabalho.
O golpe de 1964, todavia, soterrou por longo tempo as esperanças das
chamadasreformasdebase,fortementeimpulsionadaspelosindicalismoativodo
período.Pormaisdeduasdécadas,oregimemilitaresvaziouopoderdaJustiça
doTrabalhoeproibiuaaçãosindicalindependente,cujadinâmicaregressivadas
relaçõesdetrabalhofoimoldadapelapolíticadearrochosalarial.
Coincidentemente,aretomadadatemporadadelutaspelonovosindicalismo
no final dos anos 1970 contribuiu de forma satisfatória para a efetivação da
transiçãodoregimemilitaraoregimedemocráticoem1985.Aomesmotempo,
as relações de trabalho viveram fortes modificações com o avanço da
sindicalização,dasgrevesedosacordoscoletivosdetrabalhonoBrasil.
Em1988, comaaprovaçãodeumanovaConstituiçãoFederal, a estrutura
doEstadodebem-estarsocialpassouaserformalmenteinstalada,comacriação
57
do Sistema Único de Saúde e a unificação do Sistema de Assistência e
Previdência Social para todos os trabalhadores urbanos e rurais. Ainda que
tardiamente, o Brasil começava a criar as bases para a difusão do padrão de
consumo de massa, não obstante a regressão socioeconômica registrada nas
décadas de 1980 e 1990 com o baixo dinamismo econômico, o crescente
desemprego e o amplo processo de exclusão social, gerado especialmente pela
adoçãodepolíticasneoliberais.
Com a aceleração inflacionária e a elevação do desemprego, ambos
decorrentes do programa de ajuste exportador do início da década de 1980,
voltado para o pagamento da dívida externa acumulada na década de 1970, a
pautadonovosindicalismoobteveconvergêncianacionalaindamaior.Nota-se
que a retomada do novo sindicalismo foi motivada originalmente pelo
rebaixamento das remunerações imposto pela política de arrocho salarial
estabelecidopeloregimemilitar(1964-1985),bemcomopelamanipulaçãodos
índicesde inflação.Destaca-se, ainda,o fatodequenoperíodoemqueopaís
acumulouelevadosíndicesdecrescimentoeconômicoeganhosdeprodutividade
o salário médio dos empregados e o salário mínimo dos trabalhadores de
remuneraçãodebasenãoacompanharamnemmesmoainflação.
Diantedaaceleraçãoda taxade jurosdosEstadosUnidosedaposiçãodos
bancos credores de não mais emprestarem recursos adicionais aos países
endividados domundo, o antigo governo do regimemilitar aceitou fazer um
acordo com o Fundo Monetário Internacional. Assim, entre 1981 e 1983, a
reorientação da economia brasileira implicou realizar uma forte recessão,
encolhendooníveldeempregoepoderaquisitivodossaláriosdostrabalhadores
emnomedaproduçãodoelevadoexcedenteexportadorparaopagamentodos
serviçosdadívidaexterna.
Com o arrocho salarial em meio ao regime de superinflação, as greves
intensificaram-se,tendooBrasilalcançadoopostodepaíscomosegundomaior
número de paralisações domundo ao final dos anos 1980. Em virtude disso,
pode-seressaltartambémqueatéofinaldadécadade1970oBrasilpossuía,fora
daatuaçãodoEstado, somente trêsatoresderelevânciaeexpressãonacional:o
Exército,aIgrejaeatelevisão.
Com o protagonismo da agenda do novo sindicalismo, a pauta de
reivindicações dos metalúrgicos do ABC Paulista, por exemplo, tornou-se um
anseio de dimensão nacional, permanentemente presente nas greves e nas
negociaçõessindicaisdasmaisdiferentescidadeseestadosdopaís.Assim,onovo
sindicalismoseconverteu,defato,ematornacional,equestõescomoreposição
58
salarialeavançonosdireitossociaisetrabalhistastornaram-seobjetodalutade
diferentescategoriasdetrabalhadores.
O encaminhamento de parte importante da agenda do novo sindicalismo
para os programas dos partidos políticos em expansão na década de 1980
contribuiu ainda mais para a centralidade eleitoral. A volta das eleições
presidenciaisconsolidouaviadainclusãosocialetrabalhistanoprimeiroplano
dapolítica.
Tanto assim que, entre os três principais colocados no primeiro turno das
eleiçõesde1989,dois expressavamforte identidadecomaagendado trabalho.
De um lado, havia Leonel Brizola, como herdeiro da força das lutas dos
trabalhadoresdoperíodoanterioraogolpede1964,e,deoutro,Lula,comolíder
emergente do movimento de retomada do novo sindicalismo após a ditadura
militar.
Paradoxalmente, a primeira eleição presidencial desde 1960 não foi
convergente com a agenda do novo sindicalismo. A vitória do programa
neoliberalrepresentadapelacandidaturadeFernandoCollordeMelloperseguiu,
apartirde1990noBrasil,aspolíticasantilabor,aexemplodoquefoiobservado
anteriormente nos EstadosUnidos, na Inglaterra e na Alemanha, entre outros
países.
Ao mesmo tempo, o Brasil retrocedia econômica e socialmente, com a
passagem do posto de oitava economia mundial em 1980 para o de décima
terceira no ano 2000. Ademais, o país acumulou desemprego emmassa, bem
comomaiorreduçãonaparticipaçãodossaláriosdarendanacional.Em2000,a
taxa nacional de desemprego alcançou 15% da força de trabalho, enquanto a
parcelasalarialpassouacorrespondera39%doPIB.Vinteanosantes,em1980,
a taxa de desemprego era de 2,7% da população economicamente ativa e o
rendimentodotrabalhorepresentava50%darendanacional.
A explosão do desemprego e a perda do poder aquisitivo dos salários dos
trabalhadores associaram-se ao movimento governamental de perseguição dos
dirigentessindicaisaguerridosedejusticializaçãodosatosgrevistasnascategorias
mais importantes do novo sindicalismo. O resultado disso não tardou a se
manifestarsobreaatuaçãosindical,comafortereduçãononúmerodegrevese
nataxadesindicalização.
Apartirdadécadade1990, aquantidadedegrevesdiminuiucercadeum
quarto em comparação às realizadas nos anos 1980, enquanto a taxa de
sindicalizaçãodecaiupraticamenteparaametade.Onovosindicalismoterminou
sendo frontalmente atacado, não obstante sua agenda ter se mantido atual,
defendidaporalgunspartidosdeoposiçãoaoneoliberalismo.(Verfigura2.5.)
59
Figura2.5–Brasil:evoluçãodataxadesindicalização(em%daforçadetrabalhoocupada)
Desenvolvimento e novas perspectivasparaoBrasil,cit.,p.78
Somente na primeira década do século XXI o país conseguiu reverter
novamenteas trajetóriasdeclinantesdodesempregoedopoderde comprados
trabalhadores.Em2010,oBrasilnãoapenaspassouaseencontrarentreasseis
principais economias do mundo como também reduziu significativamente a
pobrezaeadesigualdadederenda.
A derrota do neoliberalismo nas eleições presidenciais de 2002 abriu
caminho para a implementação da agenda do novo sindicalismo associada à
difusão do padrão de consumo de massa e ao desenvolvimento do Estado de
bem-estarsocial.Paraisso,abuscapeloplenoempregoeocombateàpobrezaeà
desigualdadederendasemostraramestratégicos.
Com a reversão do desemprego e o melhor reposicionamento do
sindicalismo,adensidadesindicalvoltouaserecuperar.Mesmoassim,aelevação
nãosemostrousuficientepararetomarafaseanterior,tendoemvistaaexpansão
de postos de trabalho em setores tradicionalmente de baixa filiação sindical,
comonossetoresdeserviços.
Aomesmo tempo, a consolidação das bases doEstado de bem-estar social
favoreceu a ampliaçãodas políticas de garantia do chamado salário indireto ao
conjunto da classe trabalhadora. Atualmente, por exemplo, o total dos gastos
sociais em proporção ao PIB aproximou-se dos 23%, enquanto ao final da
ditaduramilitar(1985)essevalorerainferiora14%doProdutoInternoBruto.
(Verfigura2.6.)
Figura2.6–Brasil:evoluçãodogastosocial(%doPIB)
60
Fonte:M.Pochmann,DesenvolvimentoenovasperspectivasparaoBrasil, cit.,p.43
O movimento de constitucionalização dos direitos dos trabalhadores
significouavalorizaçãodosprincípiosda justiçaeda solidariedade,permitindo
que o gasto social avançasse em relação aoProduto InternoBruto e passasse a
apresentarresultadosdemelhoraimportantenobem-estargeraldapopulação
[2]
.
Em 2008, por exemplo, a força dos benefícios da previdência e da assistência
socialassociadaàelevaçãodovalorrealdosaláriomínimoevitouquequase45%
dosbrasileirosseencontrassemnacondiçãodepobrezaextrema.
Em 1988, a pobreza atingia 41,7% da população, e o índice de Gini de
desigualdadeda rendado trabalhoerade0,62.Duasdécadasdepois, a taxade
pobrezacaiupara25,3%dosbrasileiros (quedade39,3%)e adesigualdadeda
rendadiminuiupara0,54(reduçãode11,7%).
Na área da saúde, a trajetória não se mostrou diferente. Percebe-se, por
exemplo,comoaquedade62%nataxademortalidadeinfantil(de50,8óbitos
pormil nascidos vivos, em1988, chegou-se a 19,3 em2008) terminou sendo
acompanhada pela elevação na expectativa média de vida dos brasileiros em
10,6%(de65,8para72,8anosentre1988e2008).
Emrelaçãoàeducação,observa-seaelevaçãonafrequênciaescolarde26,9%
para 78,1% entre 1988 e 2008 na faixa etária de 4 a 6 anos; de 84,1% para
98,1%noestratode7a14anosede52,4%para83,7%entre15e17anosde
idade,oquecontribuiuparaaampliaçãodaescolaridademédiadapopulaçãode
15 anos e mais de idade de 5,1 para 7,4 anos desde a implementação da
ConstituiçãoFederalde1988.
Sinteticamente, compreendem-se como a formação dos grandes complexos
públicose suacrescente integraçãooperativamenteemcadaumdossetoresdas
políticas sociais respondeude formapositiva à implantaçãodapautaoriginária
donovosindicalismo.Éclaroquedesdeasegundametadedadécadade1980,
comaimplantaçãodoSistemaÚnicodeSaúde(SUS),passandoporoutrasáreas
atéchegarmaisrecentementeaoSistemaÚnicodeAssistênciaSocial(Suas),foi
umlongotempodeintensabatalhapolíticaelaboral.
61
Deve-seressaltarqueemcadaumdossetoresverticalmenteorganizadosdas
políticas sociaishouve tambémavançosna especializaçãonecessáriadas ações e
do corpo funcional, acompanhado, geralmente, da prévia fixação e até da
vinculação da parcela em alguns casos de recursos orçamentários no
financiamentode cadaumadaspolíticas sociais. Sem isso, as açõesde atenção
social perderiam efetividade, especialmente no contexto de baixo dinamismo
econômicoverificadoduranteasduasúltimasdécadasdoséculoXX.(Verfigura
2.7.)
O retorno do crescimento econômico associado ao redirecionamento do
gastosocial favoreceuaampliaçãodaspossibilidadesdeempregoederendana
basedapirâmidesocialbrasileira.Comisso,opaíspassouaregistrardesde2004
uma importante inflexão na evolução da estrutura da sociedade. De uma
estratificação social congelada ao longo da década de 1990 passou-se a uma
significativamobilidadesocialnossegmentosdemenorrendimento.Emresumo,
houveumdecréscimorelativonabasedapirâmidesocialvinculadoàascensãode
novos segmentos de rendimento. Isso pode ser constatado se dividirmos o
conjunto da população brasileira no ano 2001 em três partes equivalentes e
acompanharmosasuaevoluçãoapartirdeentão.(Verfigura2.8.)
Figura2.7–Brasil:benefícioegastoemcomplexosdeatençãosocialem2008
Brasil em desenvolvimento: estado,planejamentoepolíticaspúblicas,cit.,p.16.
Percebe-sequenoprimeiroterçodototaldapopulaçãoencontra-seabaseda
pirâmidesocial,cujorendimentoindividualédeatéR$188mensaisnoquese
refere aoanode2008.Osegundo terçopopulacional compreendeo segmento
intermediárioderenda,identificadoqueépelorendimentoindividualdeR$188
aR$465mensais.Porfim,oterceiroeúltimoterçodapopulaçãorepresentao
62
estrato superior da renda, com rendimentos individuais acima de R$ 465
mensais.
A partir dessa divisão populacional em três partes equivalentes se tornou
possívelretroagireavançarnotempoemrelaçãoaoanode2001.Oquesepode
ressaltarnoperíodoconsideradoserelacionaàperdadeimportânciarelativano
totaldapopulaçãodomenorestratoderenda.Entre1997e2004,porexemplo,
osegmentodebaixarendaeraformadoporcercade34%dapopulaçãonacional,
mas desde 2005 passou a reduzir rapidamente a sua participação relativa. Em
2008, o segmento de menor renda representou apenas 26% dos brasileiros, a
menorparticipaçãorelativadesde1995.
Resumidamente,percebe-sequeaparticipaçãorelativadapopulaçãonabase
da pirâmide social encolheu 22,8% entre 2005 e 2008, resultado direto da
mobilidadeascensionalde11,7milhõesdepessoasparaestratosdemaiorrenda.
Por consequência, o segundo (médio) e o terceiro (alto) estratos de renda
ganharammaiorrepresentatividadepopulacional.
Figura2.8–Brasil:evoluçãodaestruturasocialsegundotrêsníveisderendade1995a2008(total=100%)
Apartir de 1997, o estrato intermediário de renda cresceu relativamente à
suaparticipaçãoaté2005,quandoapresentouumsaltoexpressivo.Em2008,o
segundo estrato de renda respondeu por 37,4% da população, enquanto em
1995elesignificavasomente21,8%.Entreosanosde2004(34,9%)ede2008
(37,4%),oestratointermediárioregistrouumaelevaçãorelativade7,2%nototal
dapopulação,oqueequivaleuàincorporaçãode7milhõesdebrasileiros.
Nasequência,oestratosuperiorderendapassouaapresentarumatrajetória
de perda relativa na participação populacional. Entre 1998 e 2004, saiu de
35,3%para31,5%dapopulação,eapartirde2005recuperouposiçãorelativa.
63
Em2008,oestratosocialsuperiorrespondeupor36,6%dototaldapopulação
brasileira,amaisaltaparticipaçãoregistradadesde1995.Entre2004(31,5%)e
2008 (36,6%), o crescimento de sua participação relativa foi de 16,2%,
significandoque11,5milhõesdebrasileirosforamabsorvidosnoestratosuperior
derenda.
Em síntese, registra-se que, somente entre 2005 e 2008, 11,7 milhões de
brasileiros abandonaram a condição de menor renda, enquanto 7 milhões de
indivíduos ingressaramnosegundoestratoderendae11,5milhõestransitaram
paraoestratosuperiorderenda.
As modificações recentes na estrutura social brasileira encontram-se
diretamente relacionadas à recente trajetória de ascensão social. Somente entre
2001 e 2008, a renda per capita nacional cresceu 19,8% em termos reais, ao
passo que 19,5 milhões de brasileiros registraram aumento real no seu
rendimento individual acima da evolução da renda per capita nacional, o que
correspondeua11,7%dototaldosbrasileiroscomrendimentoscrescendoacima
damédiadaevoluçãodarendapercapitarealdopaís.
Se considerado o total da população com desempenho superior à renda
média do conjunto dos brasileiros, nota-se ainda que 13,5 milhões (69,2%)
ascenderam ao estrato de renda intermediária, enquanto 6 milhões (39,8%)
passaramparao segmentode renda superior.Napassagemdoprimeiroparao
segundoestratoderenda,registra-sequeasregiõesSudeste(36,3%)eNordeste
(34,1%) responderampor quase 71%domovimentonacional demudançana
estrutura social na base da pirâmide brasileira. A região Sudeste registrou a
inclusãode4,9milhõesdeindivíduosnosegundoestratoderenda,enquantoa
doNordesteincluiu4,6milhões,seguidode1,5milhãodaregiãoSul(11,1%),
1,4milhãodaregiãoNorte(10,4%)e1,1milhãodoCentro-Oeste(8,1%).
Consideraçõesfinais
Por força do processo de desindustrialização, os países perdem também
participaçãorelativadaclassemédiaassalariadanototaldapopulação.Aomesmo
tempo,registra-seodeslocamentodamaiorparceladaclassemédiamundialpara
ospaísesasiáticos,emvirtudedaconcentração,nessespaíses,departeimportante
damanufaturaglobal.
No caso brasileiro, as duas últimas décadas do séculoXX forammarcadas
pela regressãoeconômicae social.Exemplodissoocorreucomacontençãodos
postos de trabalho em geral, sobretudo de classe média, interrompendo quase
64
cinquenta anos de importante mobilidade social, ainda que extremamente
desigual.
Apartirdadécadade2000,oBrasilcombinoucrescimentoeconômicocom
distribuição de renda, o que permitiu a retomada da mobilidade social,
especialmente aquela associada à base da pirâmide social. Por intermédio de
significativa expansão do nível de emprego com remuneração levemente acima
dovalordosaláriomínimoegarantiaderendaaossegmentosempobrecidosda
população, ocorreu a incorporação de quase um quarto dos brasileiros no
mercadodeconsumodemassa.
Tal como observado nos países de capitalismo avançado no segundo pós-
guerra,parcelaimportantedaclassetrabalhadorafoiincorporadanoconsumode
bens duráveis, como televisão, fogão, geladeira, aparelho de som, computador,
entreoutros.Esse importantemovimento socialnão se converteu, contudo,na
constituiçãodeumanovaclassesocial,tampoucopermitequeseenquadremos
novosconsumidoresnosegmentodaclassemédia.
Trata-se, fundamentalmente, da recomposição da classe trabalhadora em
novasbasesdeconsumo.Porém,diantedomovimentogeraldeconsolidaçãodo
capitalismomonopolistatransnacional,emquecadapaísparticipaparcialmente
dascadeiasdeprodução,aestruturasocial sofremodificaçõesmais importantes
ainda.
Por conta disso, o próximo capítulo tem por objetivo destacar o novo
dinamismo capitalista, bem como seus impactos na estrutura social dos países,
especialmentedoBrasil.
[1]Ver:J.Mattoso,Adesordemdotrabalho(SãoPaulo,Scritta,1995);M.Pochmann,Políticas
dotrabalhoedegarantiaderendanocapitalismoemmudança,cit.Asinformaçõesquantitativas
citadaspertencemaessasduaspublicações.
[2]Ver:IPEA,Brasilemdesenvolvimento:estado,planejamentoepolíticaspúblicas(Brasília,Ipea,
2009);J.CastroeJ.Ribeiro,Situaçãosocialbrasileira(Brasília,Ipea,2009).
65
3.CADEIASGLOBAISDEPRODUÇÃOECICLOSDE
MODERNIZAÇÃONOPADRÃODECONSUMO
BRASILEIRO
Com a difusão da produção de manufaturas gerada pela Primeira Revolução
Industrial e Tecnológica na Inglaterra, o acesso a bens e serviços civilizados
começou gradualmente a romper com a herançamalthusiana estabelecida pelo
desempenhodasociedadeagrária.Ouseja,atrajetóriadaexpansãodemográfica
diante da contida capacidade de elevar a produção no campo implicava não
apenasanaturalizaçãodapobreza e,por consequência, aprivaçãoaoacessode
bens e serviços civilizados como também tornar as vítimas (os miseráveis)
responsáveisporsuaprópriasituaçãodeexclusão.
Se consideradoso rendimentodecrescentequederivavadaocupaçãomaior
de terras agriculturáveis e o predomínio da perspectiva das vantagens
comparativasentreasnações,adesigualdadenadistribuiçãodaofertadebense
serviços seria natural. As revoluções industriais e tecnológicas terminaram por
aboliraslimitaçõesestabelecidasemrelaçãoàprivaçãodasociedadeagrária,uma
vez que a partir de uma pequena quantidade de ocupados se tornaria possível
elevar a capacidade de produção num nível muito acima do das necessidades
humanas.
Dessaforma,adesigualdadenoacessoaosbenseserviçosdeixoudeseralgo
naturalparasetornarcadavezmaisumproblemadenaturezapolítica.Assim,as
classespassaramasemovimentarpolíticaeorganizadamente,afimdereduziro
diferencialnoacessoaosbenseserviçoscivilizados.
NoséculoXX,nãoobstanteaprevalênciadadesigualdadenopertencimento
debenseserviços,odiferencialdeacessoaopadrãodeproduçãodeconsumoem
massa decaiu consideravelmente. Em geral, o entendimento político acerca do
senso de injustiça na determinação do acesso ao consumo contribuiu para a
reduçãodasdesigualdades.(Verfigura3.1.)
Figura3.1.–Tendênciadeacessoaosbenseserviçoscivilizados,segundodiferentestiposdesociedadeeestratossociais
66
Fonte: A. Maddison, The WorldEconomy: Historical Statistics (Paris,OECD, 2003), p. 189 (elaboração doautor)
O movimento de alteração no padrão de consumo cada vez mais
fundamentado nos bens e serviços vinculados às atividades industriais seguiu
impulsosnaformadeondasdeexpansão.Namaiorpartedasvezes,asondasde
difusãodo consumo, sobretudodebensduráveis (geladeira, rádio,máquinade
lavar, micro-ondas, rádio, televisor, automóvel, entre outros), associaram-se às
modificaçõesnadistribuiçãoderendacapazesdepermitira inclusãodeantigos
segmentospauperizadosnoconsumo
[1]
.
Além da elevação do nível de renda das famílias, por força da expansão
econômica com a elevação do emprego e do crédito, tiveram importância as
modificaçõesnospreçosrelativos,ouseja,odiferencialdepreçosrelacionadosao
consumo dos bens industriais quando comparados a preços de outros itens de
consumo,sobretudoaquelesassociadosaosserviços.
Comapassagemparaa sociedadepós-industrialdesdeoúltimoquarteldo
séculopassado,odeslocamentomaiordopesorelativodosbensindustriaispara
os de serviços repercutiu consideravelmente sobre o padrão de consumo das
famílias.Influenciounãoapenasaalteraçãonospreçosrelativos,mesmoquesem
mudança significativa na distribuição de renda, mas também possibilitou a
diminuiçãodosgastoscomdespesascombensindustriais.
Ademais, o aparecimento de inegáveis inovações nas tecnologias de
informaçãoecomunicaçãosuportadaspelainternetprotagonizouumpadrãode
consumo cada vez mais dependente dos serviços. Em relação ao grau da
desigualdadenoacessoaosbenseserviçoscivilizados,percebe-seasuacrescente
dependênciaaojogodapolíticadiantedaabundânciadeofertaquedecorredas
escalas globais de produção do capitalismo, organizadas pelas corporações
transnacionais.
Emfunçãodisso,asuperaçãodasdesigualdadesnoacessoaosbenseserviços
civilizados permanece associada à capacidade de uma atuação política efetiva
67
construídaapartirdamaioremelhorcompreensãoacercadainjustiçapresente
no funcionamento da sociedade capitalista. Mesmo assim, constata-se que o
padrãodeconsumoassentadonosserviçosderivadelastrosdeumasociabilidade
virtualeindividualizada,comoesvaziamentodosespaçospúblicospertencentes
às antigas formas de relacionamento social reproduzido nos espaços públicos
comopraças,parques,cinemas,entreoutros.
No Brasil, por outro lado, a desigualdade no acesso aos bens e serviços
civilizadosvemdemuitotempo.SomenteapartirdaviradaparaoséculoXXIo
processodemodernizaçãoe inclusãonopadrãodeconsumodosbensduráveis
ganhoumaiordimensãosocial.Éporcontadissoqueopresentecapítulobusca
analisarasprincipaisrazõesexplicativasparaareduçãodograudedesigualdade
no padrão de consumo de bens e serviços civilizados. Uma primeira razão
encontra-se associada à globalização do novo paradigma de produção
impulsionadapelascorporaçõestransnacionais.
Não somente as cadeias globais de produção e o comércio intrafirmas
ganharammaior importância como também a continuidadedomovimentode
deslocamento da produção demanufatura para países commenores custos de
produção, como os da Ásia, tornou possível a tendência de homogeneização
mundial do consumo. Em grande medida, a mudança nos preços relativos
provocadapeladistribuiçãoglobaldaproduçãoindustrialasiáticacomomenor
custo do mundo favoreceu a ampliação do consumo de segmentos sociais de
menorrenda,sobretudonospaísesnãodesenvolvidos.
Uma segunda razão explicativa decorre das especificidades da inserção
brasileira nas cadeias produtivas globais, que coincidem com a adoção de
políticas econômicas e sociais de estímulo ao consumo para os segmentos
pertencentesàbasedapirâmidesocial.Oaumentoeadiversificaçãodoacessoao
consumo de bens duráveis são resultado das decisões políticas tomadas na
primeiradécadadoséculoXXI.Aseguir,apresenta-seacombinaçãodamudança
nos preços relativos gerada pela reorganização do capitalismo monopolista
transnacionalcomaadoçãodaspolíticasgovernamentaisbrasileirasdefomento
aoconsumodemassa,capazesdealteraraestruturasocialdopaísnosanos2000.
3.1.Cadeiasprodutivasglobaisemassificaçãodoconsumo
debaixocusto
Apartir dos anos 1980, a intensificaçãoda globalização foi acompanhadapela
consolidação de dois movimentos especiais e reestruturadores das sociedades
capitalistas.De um lado, houve o aparecimento de uma superclasse de padrão
68
global representada pela força organizativa das elites dirigentes e apoiada pelas
grandes corporações transnacionais nas altas finanças, na mídia e em algumas
religiõesdedimensãomundial
[2]
.Aomesmotempo,somadosaessasuperclasse
global,surgemosoperadoresdasmaioresorganizaçõescriminosaseterroristasdo
planeta.Deassociaçõesdemafiososaempresasdelavagemdedinheiro,passando
porparaísosfiscaiseumabiopiratariaexpandida,taisoperadoressãoconstituídos
porumaelitecontroladoradocrimeemescalaglobal
[3]
.
Deoutrolado,deu-seaconfiguraçãodeumamassahumanaindistintaesem
contornosdefinidosqueabrangeatodos,excetuando-seosmuitoricoseosmais
miseráveis.Nessesentido,multidõesdepessoascomrendimentoscadavezmais
conectadosaoconsumismoeapoiados, sobretudo,peloaumentoemergentedo
acessoaosbenseserviços,geradosquesãoporumnovoparadigmadeprodução
debaixocusto(lowcost),ganharamumadimensãonemsemprepolarizadoraem
relaçãoàsuperclasseglobal
[4]
.
Areorganizaçãodasatividadeseconômicaspostaemmarchapelaescaladas
cadeias globais de produção tornou possível a trajetória de uniformização
mundialdoconsumo.Emgeral,trata-sedeumacestadeconsumocompostapor
bensnãoduráveis,comocalçadosesportivos,alimentaçãofast-fooderoupasde
grifes,edebensduráveisdiversos,comoveículoseeletrônicose,ainda,serviços
deviagenseturismo.
Assim,acapacidadedeconsumoenquantoelementocentraldeidentificação
do sentido de multidões de individualidades terminou por ser impulsionada
tantopelasmídiastradicionaiscomopelasnovidadesassociadasà internet
[5]
.O
avançodastecnologiasdecomunicaçãoedeinformaçãoredundouemredesde
escalaglobaldeumconsumismodesenfreadoealienante.
Essesdoismovimentosreestruturadoresdassociedadesmodernasexpressam
modificaçõesmaioresemcursogeradasporumnovoparadigmadeproduçãode
menor custo capaz de conectar partes fragmentadas geograficamente em escala
global. Como consequência, a produção de bens e serviços de baixo custo
permitiuampliaroconsumodesegmentosdemenorrendasemquehouvessea
préviaenecessáriaelevaçãodonívelderendimentodospobresnomundo.
3.1.1.Novoparadigmadeprodução
Odesmantelamentodas experiênciasde socialismo realnaviradadadécadade
1990impulsionouoaumentodaforçadetrabalhode1,5bilhãopara2,9bilhões
depessoasnomundo.Oacréscimodemaisde1,4bilhãode trabalhadoresaos
mercados capitalistas provenientes do Leste Europeu e da Ásia se mostrou
providencial para a estratégia das grandes corporações transnacionais
69
manufatureiras, que se encontravam ameaçadas pela adoção de políticas
neoliberaisnaseconomiascapitalistasavançadasdesdeoiníciodosanos1980
[6]
.
Aascensãodoneoliberalismoterminouporrestabeleceropoderdosbancos
no mundo, após o interregno de meio século que se sucedeu ao desastre
financeiroeespeculativodaGrandeDepressãode1929.Antesdisso,opapeldos
bancosnatrajetóriadodesenvolvimentocapitalistaerainegável
[7]
.
Com a vigência do Acordo de Bretton Woods, realizado em 1944 com
representantesde44países,osistemabancárioefinanceirointernacionalpassou
a funcionar combase num conjunto de regras previamente definidas.O dólar
fixoeconversívelaoouroseriaamoedadecursointernacional,enquantoataxa
dejurosfixatambémsemanteria,namaiorpartedasvezes,estabelecidaabaixo
da inflação. Instituições multilaterais como o Banco Mundial, o Fundo
Monetário Internacional e o Acordo de Livre Comércio, que antecedeu à
OrganizaçãoMundial doComércio, passarama regular as relações econômicas
entreospaíses.
Porquasetrêsdécadas,aseconomiasdocentrodocapitalismopercorrerama
épocadeouro,combinandoaexpansãosignificativadaproduçãocomaredução
dapobrezaedadesigualdade.Nospaísesdaperiferiacapitalista,osegundopós-
guerra representou a possibilidade de construção de economias nacionais, com
alguns avanços em termos de industrialização da produção e de mudança na
estruturasocial.
Apartirdoúltimoquarteldo séculoXX,porém,parcelas significativasdas
economias passaram a ser dirigidas novamente pelo comportamento das altas
finanças,comasatividadesbancáriae financeiradesreguladasassumindomaior
centralidade no conjunto das políticas governamentais. O resultado observado
desdeentãosecaracterizouporumdesempenhoeconômicodospaísesassociado
acrisesfinanceirasdeimportanteproporção.
Nasúltimastrêsdécadashouveacadadoisanos,emmédia,amanifestação
depelomenosumacrise financeira.Essequadrodeturbulências internacionais
na dinâmica do capitalismo foi resultado, em grande medida, da atuação
majoritária da indústria bancária no mundo
[8]
. Sendo assim, a difusão do
processo de financeirização das economias se caracterizou por três aspectos
principais.
O primeiro associa-se ao movimento mais geral de desregulamentação
financeira, presente desde a década de 1970, com a reversão dos Acordos de
BrettonWoods.Odesaparecimentodetaxasdejurosfixaseabaixodainflação,
acompanhadodaexpansãodemercadosfinanceirossemtermaisocontrolefirme
dasautoridadespúblicasnacionaiseinternacionais,impulsionouodeslocamento
70
crescente das finanças no comportamento real da economia.Novas formas de
geraçãoderiquezaforamampliadas,muitasvezessemcontrapartidasemtermos
de produção. A inovação tecnológica e a sofisticação dos produtos e serviços
financeiros lastrearam parte significativa do avanço de uma economia
desmaterializada.
Osegundoaspectorefere-seàdiminuiçãoprogressivadapresençadosbancos
públicos na indústria bancária. No final da última década do século XX, as
economiascapitalistasavançadasregistravamaindacercadeumquartodototal
dosativosbancáriossobaresponsabilidadedosetorpúblico,enquantonosanos
1970essenúmerochegouaatingirdoisquintos.Oprocessodeprivatizaçãodas
atividades bancárias se generalizou, ainda que no Leste Europeu (ex-bloco
soviético) e na América Latina tenha ocorrido mais o esvaziamento da
participaçãodoEstadono setor bancário.Entre as décadas de 1970 e 1990, a
presença do Estado no total dos ativos bancários caiu 44,4% nos países da
Europa, ao passo que na América Latina reduziu-se em 37,5%. No mesmo
períododetempo,aregiãoasiáticaapresentouquedade16,3%naparticipação
do setor público no total dos ativos bancários, sendo essa queda de 6,4%nos
paísesdosuldaÁsia.Somentenoperíodode1987a2003,porexemplo,maisde
250bancosforamprivatizadosnomundo,oquerepresentoua injeçãodeUS$
143bilhõesnoscofrespúblicos.
Por fim, o terceiro aspecto refere-se à terceirização de uma parcela dos
produtos e serviços bancários demenor rentabilidade e demaior risco.Assim,
atividades correspondentes à intermediação financeira, que até então eram
pertencentesaomonopóliodacorrespondênciabancária,foramexternalizadasàs
entidadesoriginalmenteexógenasaosegmentotradicionaldosbancos.Foinesse
particular que empresas e organismos não governamentais terminaram por
assumirtarefascorrespondentesàsatividadesbancárias,comoorecebimentode
contas a pagar, os empréstimos individual e coletivo, a retirada de recursos de
contasbancárias, entreoutras funções.Emboranãodefinidocomopertencente
aos bancos tradicionais, o conjunto de atividades que foram terceirizadas não
deixou de fazer parte do ramo da produção bancária. O elemento central de
descentralização das operações, com redução de custos, baixa rentabilidade e
riscosmaiores,foiofatordeterminantenoprocessodereestruturaçãobancária.
Esse movimento geral no interior da indústria bancária expressou o
predomíniodaperspectivaneoliberalacercadavisãodesuperioridadedasforças
de mercado e da ineficiência do Estado
[8]
. Assim, prevaleceu a trajetória que
favoreceu umamaior concentração bancária, com a diminuição, por exemplo,
71
em41%dototaldosbancoscomerciaisdosEstadosUnidosentre1990(12.343)
e2007(7.282).
O reposicionamento do poder dos bancos na passagem para o séculoXXI
resultoudosmovimentosdeprivatização,fusãoeincorporaçãonosegmentoeda
externalizaçãodefunçõesparainstituiçõesdecorrespondênciabancária,comoas
operações de microcrédito. Em síntese, a ascensão das altas finanças
concomitantemente ao avanço das corporações financeiras transnacionais
sustenta o próprio processo de globalização capitalista com baixa regulação
pública.
Diantedisso,aestratégiadascorporaçõestransnacionaismanufatureirasfoia
de interligar os avanços da Terceira Revolução Tecnológica com as
oportunidades geradas pelo deslocamento de suas filiais para as regiões de
menores custos de produção.Ou seja, a parte domundo em transição para o
capitalismo, cuja exploração da força de trabalho se mostrou mais avançada
diantedaausênciaderegulaçãosocialetrabalhista
[10]
.
A exposição de maior fluxo de mão de obra proveniente das diversas
modalidades de desregulamentação dos mercados nacionais de trabalho,
motivada seja pelo desmantelamento do bloco soviético, seja pela abertura das
economias chinesas e indianas, seja pela flexibilização na América Latina,
impulsionouaindamaisograudecompetiçãoporpostosdetrabalho.Atravésda
terceirização de serviços (outsourcing) e da transferência da produção para o
exterior(offshoring),cercade500grandescorporaçõestransnacionaiselevaramo
níveldeatividadeapartirdecustosmenoresdeproduçãodosbensdeconsumo
duráveis.
Assim, o estabelecimento de cadeias globais de produção possibilitou uma
concentração cada vez maior no setor por parte das grandes corporações
transnacionais. No ano de 2010, elas respondiam, por exemplo, por quase
metade de toda a produçãomundial, enquanto em 1980 não alcançavam um
quintodoprodutoglobal
[11]
.
Amudançadoparadigmadeprodução fordistaparao toyotistapermitiua
redução dos custos de produção por meio da externalização dos serviços e da
concentraçãointernanasatividadesfinalísticasdecadaempresa.Comoavanço
das tecnologiasde informaçãoe comunicação (TICs), essamodalidadepossível
deproduçãonoplanolocalsetornouviávelemescalamundial.
Dessa forma, a grande empresa transnacional obteve vantagens absolutas,
combinandocapitaldealtatecnologiacommãodeobrabarataemregiõescom
infraestruturasuficientementeadequadaparaaabsorçãodeempresasdeslocadase
de investimentos diretos do exterior provenientes dos países capitalistas
72
avançados. O intercâmbio crescente no interior das grandes corporações
transnacionais(intrafirma)resultouemcadeiasglobaisdeprodução,responsáveis
porcercadedoisterçosdetodoocomérciomundial.
Com base no planejamento e na coordenação dos investimentos e da
produção das corporações transnacionais, avança cada vez mais a integração
horizontaldasatividadeseconômicasempraticamentetodooterritóriomundial.
Assim, os países capitalistas avançados, responsáveis por 16% da população
mundial, respondem por 95% das 500 maiores empresas transnacionais, cuja
atuação conjunta abrange dois terços do comércio internacional e mais da
metadedosinvestimentosempesquisaedesenvolvimentotecnológico.
3.1.2.Sociedadelowcost
Amassificação do consumo de bens e serviços para além do seleto segmento
socialdemaior renda tevecomopontodepartidaageneralizaçãodeumnovo
paradigma de produção. Por meio da grande corporação transnacional, a
combinaçãodocapitaldealtatecnologiacomousodemãodeobrabarataem
regiõescominfraestruturaadequadadeproduçãoresultounascadeiasglobaisde
produção.
Nesse sentido, a inclusão de imenso reservatório de trabalhadores com
educação elevada, pertencente anteriormente aos países do bloco soviético e às
naçõesquepassarampelaaberturaeconômica,contribuiusignificativamentepara
omovimentoderelocalizaçãogeográficadasplantasindustriais.Porcontadisso,
prevaleceu uma enorme desigualdade na distribuição regional das plantas de
produçãodemanufatura,tendoemvistaasdecisõesautônomasdascorporações
transnacionais.
Com o acirramento da competição entre os trabalhadores, houve ainda
maior estímulo à redução do custo do trabalho. Quando associado ao
rebaixamento dos demais custos de produção (transporte, informação,
tributação, entre outros) e à introdução de novas tecnologias, consolida-se o
paradigmadeproduçãodemenorcustoeconectadamundialmente.
Emgrandemedida, o avançodo consumomassificadodependeuda oferta
crescentedebenseserviçosbaratoscolocadosàdisposiçãodasmultidõesdebaixa
renda.Mas isso, por si só, não seria suficiente para a ampla incorporação de
novasmassasdeconsumidoressemasuperaçãoadicionaldetrêscondicionantes
fundamentaisquefavoreceramarigideznadistribuiçãoderendanointeriorde
cadapaís.
O primeiro condicionante enfrentado passou pelos processos de abertura
produtiva,comerciale laboral.Dessa forma,ascondiçõesgeradaspelosegundo
73
pós-guerra mundial de construção dos espaços nacionais de políticas públicas
voltadas aodesenvolvimentode estruturas produtivas, comerciais e de trabalho
foramdesconstituídaspelaforçadaglobalizaçãodosmercados.
Assim, a emergência das cadeias globais de produção tornou a economia
internacional cada vez mais integrada, interdependente e especializada. Os
ganhosdoprocessodeproduçãomanufatureiraseapresentaramfragmentadose
movidospelodesempenhoemescalaglobaldasatividadeseconômicas.
De todo modo, a ampla abertura das economias tornou acessível um
conjunto de bens e serviços de baixo custo gerado pelas cadeias globais de
produção. Em contrapartida, a desindustrialização se expandiu nas regiões
deslocadasdasopçõesdeproduçãodascorporaçõestransnacionais,resultandono
movimentodeespecializaçãodaseconomias.
Osreflexosnageraçãoderendaedeempregosforamimediatoseevidentes.
Semaindústriademanufaturacomopromotoradodesenvolvimento,ospostos
de trabalho em profusão, geralmente associados aos setores primário
(agropecuáriaeextrativismomineralevegetal)eterciário(comércioeserviços),
foramosquetiverammenorrenda.
Nãoobstanteageneralizaçãodeocupaçõesdesalárioscontidos,asociedade
debaixo custo avançou amassificaçãodo consumodebens e serviços baratos.
Comisso, reafirmaram-seasmarcasda identidadeedaposição social expressas
porfalsossinaisdepertencimentoaoestratosuperiortãosomentepelainclusão
noconsumo.
O segundo condicionante refere-se à barreira da exclusão bancária aos
segmentosdebaixarenda.Porforçadeocupaçõesdescontínuaseremunerações
insuficientes, os segmentos constitutivos da base da pirâmide social demuitos
países permaneciam deslocados das oportunidades do endividamento para o
acessoaoconsumo,sobretudodebenseserviçosdemaiorvalorunitário.Dessa
forma, a inclusão no consumo de bens não duráveis, como os de grifes, e
duráveis,comoeletrodomésticoseautomóveis,permaneciapostergada.Foinesse
contexto que a terceirização no interior dos bancos e a operacionalização dos
correspondentesbancáriosfavoreceramodesenvolvimentodeatividadesdebaixo
retornoemaior custo e risco,destinadas especialmente aos segmentosdebaixa
renda.
Ao mesmo tempo, a implementação de novas formas de intermediação
bancária, como os empréstimos consignados, os programas de transferência de
rendas,entreoutros,estimulouoendividamentoparaoconsumodapopulação
de baixa renda.Mesmo diante de uma ocupação vulnerável e um rendimento
precário,oacessoampliadoaocrédito se tornoupossível,permitindodesataro
74
nó da exclusão bancária enquanto forma de constrangimento ao consumo de
benseserviçosdemaiorvalorunitário.
Porfim,oterceirocondicionanteestávinculadoàestruturaconstitutivados
preços dos bens e serviços até então reservados ao consumo dos segmentos de
maiorrenda.Adiversidadedaofertadebenseserviçosdeconsumopopularcom
preços cadentes abriu uma folga adicional nos orçamentos familiares de baixa
rendaparaainclusãodenovacestadeconsumo.
Assim,amudançanaestruturarelativadospreçosdebenseserviçosreduziu
opeso,porexemplo,dosgastoscomalimentaçãoevestuário.Namesmamedida,
tornou-se possível a incorporação do consumo de artigos eletrônicos, telefones
celulares,microcomputadoreseserviçosdeviagensabaixocusto.
Nesses termos,a sociedade lowcostganhouexpressãoglobal,ocorrendoem
diferentespaísessemquefossenecessáriaumaalteraçãosensívelnarepartiçãoda
rendaounaestruturadeclassessociais.Acontecequeainclusãodossegmentos
de baixo rendimento no consumo de bens e serviços que até então estavam
reservados aos estratos de maior renda favoreceu ainda mais a ideologia da
ascensãosocialdocapitalismoglobalizado.
3.2.Ciclosdemodernizaçãodopadrãodeconsumono
Brasil
OpadrãododesenvolvimentocapitalistanoBrasil temrespondidodesdea
décadade1930acertaregularidadede,pelomenos,duasdinâmicasestruturais:a
primeira, relacionada à expansão e diversificação das forças produtivas
promovidasquandodaimplantaçãodeverdadeirosblocosdeinvestimentos;ea
segunda, revelada por ciclos de consumo decorrentes da capacidade ociosa
ocasionada,existenteemfunçãodapréviaexpansãodosinvestimentos.
Assim, o aumento considerável da capacidade de produção da economia,
proporcionadoporumconjuntodeinvestimentos,criaoportunidadeparaquea
expansão do nível de atividade ocorra por um longo período de tempo. Nos
últimos oitenta anos, por exemplo, a economia brasileira experimentou três
momentosdistintosdeimplementaçãodegrandesblocosdeinvestimentos.
Oprimeirograndeblocodeinvestimentosocorreuentreasdécadasde1930
e1940eestevevoltadoàimplantaçãodasindústriasdebase,comoaCompanhia
SiderúrgicaNacional,aCompanhiaValedoRioDoce,aCompanhiaNacional
deÁlcaliseaFábricaNacionaldeMotores.Dessamodalidadede investimento
estatalnasceuabasesobreaqualseerigiuaindustrializaçãonacionalapartirdo
primeirogovernoVargas(1930-1945).
75
O segundo grande bloco de investimentos aconteceu na década de 1950,
sobretudocomasiniciativasdogovernodeJK(1956-1961).Aindaem1953,a
criação da Petrobras no segundo governo de Vargas teve importância
fundamental,mas foicomoPlanodeMetas,nasegundametadedadécadade
1950, que o país engatou num enorme esforço de coordenação de gigantesco
conjunto de investimentos públicos e privados. O resultado principal foi a
expansão e a diversificação de seu parque produtivo, sobretudo com a
implantação das indústrias de bens de consumo duráveis (automóveis e
eletrodomésticos). Além disso, a força dos investimentos fortaleceu também
váriossetoresdeinfraestrutura(energiaelétrica,petróleoeinsumos).
O terceiro grande bloco de investimentos foi estabelecido em meados da
década de 1970 com a implementação do Segundo Plano Nacional de
DesenvolvimentopelogovernodogeneralGeisel.Emplenacriseinternacional,
deflagrada pelo choque do petróleo em 1973, o Brasil ampliou
consideravelmenteosinvestimentosparafazeravançaremasindústriasdebensde
capital e de computadores, para alémdos programas substitutivos dopetróleo,
comoosdoProálcooledeenergianuclear.
Alémdosblocosdeinvestimentosconcentradosnotempo,têmimportância
na dinâmica estrutural do desenvolvimento capitalista brasileiro os ciclos de
consumo,geralmente relacionados àmudançanas estruturasdadistribuiçãode
rendanacionaledospreçosrelativos.Dessaforma,afolgaabertanointeriordo
orçamentodasfamíliaspermitiumodernizarseupadrãodeconsumo.
Concomitantemente aos blocos de investimentos, os ciclo de consumo se
estruturaram o suficiente para conferir dinamismo à economia nacional. Se
consideradas as últimas oito décadas, pode-se identificar a existência de pelo
menos três ciclos distintos de expansão do consumo de bens duráveis
(eletrodomésticoseveículos)entreosbrasileiros.
Oprimeirociclodeconsumoexistiuantesdainternalizaçãodaindústriade
bensduráveisnoBrasil,verificadasomenteapartirdasegundametadedadécada
de1950,comogovernodeJK.Nessecaso,oacessoaosbensduráveisdependia
fundamentalmentedaimportaçãoprovenientedospaísesindustrializados,oque
implicava elevado custo e, portanto, quase uma reserva de consumo aos
segmentosmaisenriquecidosnopaís.
Osegundociclodeconsumodebensduráveis transcorreudesdeo finalda
década de 1960, coincidindo com o período também conhecido por “milagre
econômico” (1968-1973). Naquela época, em que se consolidou a chamada
classe média assalariada brasileira, gerada pelo avanço de empregos superiores
tantonasgrandesempresasprivadasquantonaburocraciaespecializadadosetor
76
público, houve um conjunto de medidas governamentais favoráveis à
concentração dos rendimentos especialmente nos segmentos intermediários da
distribuição de renda. Ao contrário da massa de trabalhadores, que teve seus
rendimentoscontidosabaixoda inflação,osestratosdeclassemédiaassalariada
elevaram suas remunerações acima da inflação, incorporando ganhos
significativosdeprodutividade.Alémdisso,aspolíticasdosgovernosautoritários
da época favoreceram esses mesmos segmentos com crédito subsidiado ao
consumo e à aquisição da casa própria (Banco Nacional da Habitação) e do
automóvel,bemcomocomaexpansãodasvagasnoensinosuperior.
O terceiro ciclo de consumo foi motivado por duas razões principais. A
primeira está associada às mudanças significativas dos preços relativos,
especialmente comaquedados custosdosbensde consumoduráveisdesdeos
anos 1990, enquanto a segunda razão deve-se aosmovimentos importantes de
ampliação do crédito ao consumo e de desconcentração de renda na base da
pirâmidesocial.
Dessemodo,oprocessorecentedemodernizaçãonopadrãodeconsumose
mostroucapazdeincorporarmaissegmentosdapopulaçãodebaixarenda,sendo
este o objeto de análise na sequência do texto. Para isso, consideram-se como
elementos explicativos principais as mudanças nos preços relativos, os efeitos
sobreosrendimentosdapopulaçãoeasalteraçõesnacomposiçãodaestruturade
consumodasfamíliasbrasileiras.
3.2.1.Alteraçãonaestruturadospreçosrelativos
Um dos fatores que podem modificar o padrão de consumo das famílias diz
respeitoàevoluçãodospreçosdediferentesbenseserviçosquandopensadaem
relaçãoaocomportamentogeraldainflação.Assim,adiferençaentreospreçosde
benseserviçosquecrescemacimaouabaixodataxamédiade inflaçãotendea
apontar para uma mudança relativa que impacta o padrão de consumo das
famílias.
Paraaanálisedaalteraçãodospreçosrelativosaolongodasdécadasde1990
e2000,utilizou-sedeumconjuntodeinformaçõesprimáriasgeradaspeloIBGE
por meio do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Os
gráficosaseguirbuscamidentificarospreçosdesagregadosdebenseserviçosque
seapresentaramacimaouabaixodocomportamentomédiodataxade inflação
medidapeloIPCAemcincoperíodosdetempodistintos.
Neste primeiro período de tempo, que congrega os anos de 1991 a 1994,
destaca-seafasedesuperinflaçãonoBrasil.Ataxamédiaanualdeinflaçãofoide
1.062,9%eataxaacumuladanomesmoperíodochegoua17.289,3%,segundo
77
avariaçãodoIPCA.Dos22gruposdebenseserviçosacompanhados,somente7
cresceram abaixo da taxa de inflação e 6 acima, enquanto os 9 restantes
praticamenteacompanharamaevoluçãomédiadoIPCA.Entreospreçosdebens
eserviçosquecresceramabaixodainflaçãodestacam-seosartigosderesidênciae
vestuário,aopassoqueospreçosdealimentação,saúde,educaçãoecomunicação
elevaram-seacimadoIPCA.(Verfigura3.2.)
Figura3.2–Brasil:variaçãodospreçosemrelaçãoaoíndicegeraldepreçosentre1991e1994(IPCAacumulado=100)
Fonte:FIBGE/IPCA(elaboraçãodoautor)
Assim, embora o país tenha sido impactado por uma série de medidas
radicaisvoltadasàaberturacomercialeàprivatizaçãodosetorprodutivoestatal
desde o governoCollor (1990-1992), asmudanças nos preços relativos não se
apresentaramsignificativas.Omesmo,contudo,nãopodeserditoemrelaçãoà
implantaçãodoPlanoReal.
Nosegundoperíododetempoanalisado,quecompreendeosanosde1995a
1998,asmudançasnospreçosrelativosforamconsideráveis.Comaestabilização
monetária alcançada e a valorização do real, a abertura comercial terminou
favorecendoaampliaçãodaofertadeprodutosdoexteriorcompreçosinferiores
aos praticados internamente.O acirramento da competição resultou na queda
doscustosedasmargensdelucrodasempresas.Emfunçãodisso,percebe-seque
o comportamento dos preços de bens e serviços vinculados aos setores
alimentício, de vestuário e de artigos de residência, como os eletrodomésticos,
moveu-se abaixo da inflação medida pelo IPCA. Outros setores, contudo,
elevaramospreçosacimadainflação,inclusivenaquelasatividadesquepassaram
pelo processo de privatização, como as relacionadas a produtos e serviços de
utilidade pública (telefonia, gás, energia elétrica, estradas, entre outros). (Ver
figura3.3.)
78
Figura3.3–Brasil:variaçãodospreçosemrelaçãoaoíndicegeraldepreçosentre1995e1998(IPCAacumulado=100)
Fonte:FIBGE/IPCA(elaboraçãodoautor)
No terceiro período considerado, asmudanças nos preços relativos não se
apresentaram tão intensas diante do contexto de maior inflação e de baixo
dinamismoeconômico.Porcontadisso,observa-sequeosserviçosforam,entre
os anos de 1999 e 2003, os que apresentaram um comportamento abaixo da
inflação, tendoemvista as restriçõesna rendados consumidoresdiantedeum
custodevidaque,emgeral,permaneceumaior.(Verfigura3.4.)
Figura3.4–Brasil:variaçãodospreçosemrelaçãoaoíndicegeraldepreçosentre1999e2003(IPCAacumulado=100)
Fonte:FIBGE/IPCA(elaboraçãodoautor)
Os artigos de residência e a energia elétrica destacaram-se com preços que
evoluíramacimadainflação.Issoocorreu,maisumavez,emsetoresvinculados
aoprocessodeprivatização,quepressionourelativamentemaisocomportamento
geraldainflação.
Noquartoperíodo,representadopelosanosde2004e2008,aalteraçãonos
preços relativos se confirmou novamente pelos artigos de residência, com
importante destaque no conjunto do setor de bens de consumo duráveis. Os
79
demaispreçospraticamenteacompanharamocomportamentodainflação,salvo
osetordeserviços,assimcomoodecuidadospessoais.(Verfigura3.5.)
Por fim, o quinto período de tempo, referente aos anos de 2009 a 2012,
reforçaaindamaisamudançanospreçosrelativosatinentesaoseletroeletrônicos
e aos serviços de comunicação, que praticaram preços abaixo da inflação. Por
motivodemaiorcontrolenoscontratosnossetoresdeutilidadepúblicaporparte
dos governos, como nas estradas privatizadas, na energia elétrica e na
comunicação, a população pagou por preços que aumentaram menos se
comparadosàelevaçãodocustodevida.(Verfigura3.6.)
Figura3.5–Brasil:variaçãodospreçosemrelaçãoaoíndicegeraldepreçosentre2004e2008(IPCAacumulado=100)
Fonte:FIBGE/IPCA(elaboraçãodoautor)
Figura3.6–Brasil:variaçãodospreçosemrelaçãoaoíndicegeraldepreçosentre2009e2012(IPCAacumulado=100)
Fonte:FIBGE/IPCA(elaboraçãodoautor)
Obalançogeralsobreocomportamentodospreçosdesagregadosapartirda
estabilidade monetária entre os anos de 1995 e 2012 aponta para uma
importantemudança nos preços relativos noBrasil. Por um lado, nota-se, por
exemplo, uma inequívoca queda nos setores de artigos de residência, como
80
eletrodomésticos, vestuário, alimentação e cuidados pessoais em relação ao
comportamentogeraldainflação.Poroutro,nossetoresvinculadosàhabitação,
educaçãoecomunicação,bemcomonosserviçosdeutilidadepública,verifica-se
umcomportamentodospreçosacimadavariaçãodainflaçãomedidapeloIPCA.
Da equação entrepreçosdebens e serviços, emalta e embaixa, e o índicede
inflação resultou a alteração nos preços relativos e, por consequência, a
modernizaçãodopadrãodeconsumodapopulação,especialmentedademenor
rendimento.(Verfigura3.7.)
Figura3.7–Brasil:variaçãodospreçosemrelaçãoaoíndicegeraldepreçosentre1995e2012(IPCAacumulado=100)
Fonte:FIBGE/IPCA(elaboraçãodoautor)
É nesse sentido que se consagrou a onda de difusão do consumo de bens
duráveis mais acessíveis à base da pirâmide social brasileira. A inversão do
processodeconcentraçãode renda tambémfavoreceuaalteraçãodopadrãode
consumonopaísnoperíodorecente,conformeserátratadoaseguir.
3.2.2.Efeitosdarendaeamassificaçãodoconsumopopular
Aliadoaomovimentodealteraçãonospreços relativos, conformedemonstrado
anteriormente, assistiu-se também às alterações no comportamento dos
rendimentos da população. Se a queda relativa dos preços de bens
industrializados fortaleceuaondademodernizaçãonoconsumo, a elevaçãodo
rendimento,especialmentenosegmentoqueconstituiabasedapirâmidesocial,
ampliouaindamaisamudançanademandadasfamíliasbrasileiras.
O crescimento real verificado na renda média da população ocupada
impactoudiretamenteoconsumodasfamílias,quepassouaresponderpormais
de dois terços da dinâmica de crescimento doProduto InternoBruto do país.
Emfunçãodisso,cabeconsideraroconjuntodeefeitospositivossobreonívelde
rendadasfamíliasocorridoapartirdaviradaparaoséculoXXI,taiscomo:(I)a
reduçãonotamanhomédiodasfamílias;(II)oaumentodainserçãodamulher
81
no mercado de trabalho; (III) a queda do desemprego; (IV) o aumento do
rendimento médio real motivado pela elevação do salário mínimo, pelas
negociaçõescoletivasdetrabalhoepelosprogramasdetransferênciaderenda;e
(V)aampliaçãodocréditoaoconsumopopular.
O avanço femininona ocupação constitui um elemento importante para a
elevação do rendimento familiar. Para além do salário do chefe de família
ocupado, o adicional de renda familiar gerado pela incorporação de mais
membros nomercadode trabalho contribui consideravelmente para a elevação
dorendimentopercapitafamiliar.
Nadécadade2000,porexemplo,ataxadeocupaçãofemininasubiu24%,
poispassoude35,4%,noano2000,para43,9%,em2010.Nadécadaanterior,
ataxadeocupaçãofemininahaviaaumentadoem19,6%,oquejáfoibemacima
doobservadonadécadade1980(9,6%).Nessesentido,percebe-sequeapartir
dos anos 1990 a aceleração do ingresso da mulher no mercado de trabalho
contribuiuaindamaisparaaelevaçãodarendanointeriordasfamílias.Issosem
mencionaroaumentotambémdapresençadamulhernascondiçõesdechefede
família. No ano de 2010, por exemplo, 37,3% das famílias brasileiras eram
chefiadas por mulheres ante 26,7% no ano 2000. Ou seja, trata-se de um
acréscimode39,7%daresponsabilidadefemininanachefiadasfamíliassomente
naprimeiradécadade2000.(Verfigura3.8.)
Figura3.8.–Brasil:evoluçãodonúmeromédiodemembrosdafamíliaetaxademulheresocupadasemanosselecionados
Além da presença de mais mulheres ocupadas, contribuiu também para a
elevação na rendaper capita familiar o decréscimona quantidade demembros
das famílias.No anode 2010, por exemplo, as famílias brasileiras tinham, em
média, 3,3 membros, enquanto em 2000 eram 3,7 membros. Na primeira
décadade2000,onúmeromédiodemembrosporfamíliacaiu10,8%,enquanto
nadécadade1990haviadiminuídosomente5,1%.Commenorquantidadede
82
pessoas fazendo parte das famílias e maior presença dasmulheres ocupadas, a
renda familiar aumentou, sobretudo em relação ao rendimentomédio familiar
percapita.
Ocomportamentododesempregotambémtendeuaserefletirsobreonível
dorendimentodasfamílias.Observa-seque,apartirde1990,atrajetóriadataxa
nacional do desemprego foi crescente, salvo os breves e pontuais períodos de
desaceleraçãodadesocupação,comonosanos1993-1994e2001-2002.Depois
de2004,odesempregovoltouaserdecrescenteaté2008.Em2009,oaumento
do desemprego esteve associado às manifestações da crise econômica
internacionalpara imediatamente ser reduzidocoma recuperaçãodaeconomia
nacional.
Aoseconsiderarnãoapenasataxanacionaldodesemprego,mastambéma
quantidade de trabalhadores desocupados, registram-se ainda situações
interessantes a seremdestacadas.Nos anosde1980, por exemplo, o acréscimo
anual de novos desempregados no Brasil foi de 134mil pessoas, enquanto na
décadade1990oaumento foide910milpessoasdesempregadasporano,em
média.Issoporqueopaíspassoudemenosde3milhõesdedesempregadosem
1991para11,2milhõesnoano2000,ouseja,3,7vezesmais.Desdeoano2001,
entretanto, a trajetória do desemprego se apresentou demaneira diferente.Na
décadade2000,onúmerodedesempregadosdecaiuem35,9%,oquesignificou
a saída média anual de 402 mil trabalhadores da condição do desemprego
nacional.Emgrandemedida,aquedanataxadedesempregotemquevercoma
significativageraçãodeempregosnoperíodorecente.(Verfigura3.9.)
Figura3.9–Brasil:evoluçãodataxanacionaldedesemprego(em%)edonúmerodedesempregadosemanosselecionados
Fonte:IBGE/Censosdemográficos/PNAD(elaboraçãodoautor)
A presença do desemprego afeta diretamente a evolução do rendimento
médiorealpercapitafamiliar.Nadécadade2000,porexemplo,arendamédia
83
realper capitadas famíliascomapresençadedesempregadoaumentou16,6%,
enquantonadécadade1990haviacrescidosomente2,9%.
Alémda condiçãododesemprego, considera-se tambémo comportamento
dorendimentodotrabalhadorocupado.Aelevaçãoouaretraçãodatrajetóriado
poder aquisitivo do trabalhador ocupado se reflete diretamente no orçamento
familiar.Nas últimas três décadas, por exemplo, o rendimentomédio real dos
ocupados apresentou cinco fases de expansão (1980-1981; 1985-1986; 1989;
1993-1996 e 2004-2009) e três de retração (1982-1984; 1987-1992; 1997-
2003). Nesse largo período de tempo considerado, o ano de 1986 foi o que
registrou omaior poder aquisitivo do rendimento do trabalhador, enquanto o
menorocorreuem1980.(Verfigura3.10.)
Figura3.10–Brasil:evoluçãodoíndicedorendimentomédiorealdosocupados
Fonte:IBGE/PNADsajustadas(elaboraçãodoautor)
Na década de 2000, além do comportamento positivo no emprego e no
rendimentomédiorealdotrabalhador,constata-setambémaampliaçãodarenda
médiadasfamílias,sobretudodaquelassituadasnabasedapirâmidesocial.Em
decorrênciadopapelativodaspolíticaspúblicas,especialmentedosprogramasde
garantiade renda fortalecidosmais recentemente,o rendimentomédio familiar
per capita no topo da distribuição de renda (entre os 10%mais ricos) cresceu
1,6%,emmédia,entre2003e2008,enquantoorendimentomédiofamiliarper
capitanabasedadistribuiçãoderenda(entreos10%maispobres)cresceu9,1%
porano.Ouseja,orendimentomédioentreospobresfoi5,7vezesmaiorqueo
dosricos.(Verfigura3.11.)
Figura3.11–Brasil:variaçãodorendimentomédiomensalrealfamiliarpercapitapordecilde1995a2002ede2003a2008(em%)
84
Deve-seressaltarqueissosedeveufundamentalmenteàpolíticadeaumento
real do salário mínimo, capaz de injetar R$ 1 trilhão na parcela salarial dos
trabalhadoresocupadosdebasesomenteentreosanosde2003a2010.Também
nãopairamdúvidasarespeitodaimportânciadapolíticadetransferênciadireta
de renda entre os diversos segmentos vulneráveis (idosos, portadores de
necessidades especiais, desempregados e pobres) por meio do sistema de
Previdência e deAssistência Social. Somente no período de 2002 a 2008, por
exemplo,medianteessesprogramas,atransferênciaderendaparaasfamíliasde
baixa renda foi nominalmente multiplicada por 2,3 vezes, o que significou a
passagem de R$ 134,7 bilhões para R$ 305,3 bilhões no mesmo período de
tempo.
Nadécadade1990,adinâmicadistributivanãofoiamesma.Orendimento
médio das famílias pertencentes aos estratos superiores da pirâmide social
decrescia em valor real (0,4% ao ano, emmédia, para os 10%mais ricos) ao
passo que para as famílias de rendimento inferiores aumentava num índice
abaixode2%emmédiaaoano(1,8%paraos10%maispobres).
Porfim,tambémcaberiaacrescentaroimpactodasnegociaçõescoletivasde
trabalho,umavezquedizemrespeitoaumamassaconsiderávelderendimento
do trabalho regida sob a determinação nominal das relações entre empresas e
sindicatos.Percebeu-se,emgeral,queossindicatosconseguiramestabelecerpara
osacordoscoletivosdetrabalhoreajustesdesaláriosacimadoíndicedainflação,
ouseja, incorporaramaosalárioganhosdeprodutividadeparaalémdainflação
passada.
Diante dos efeitos da modernização do padrão de consumo do brasileiro
sobrearendarecebidapelasfamíliasnoperíododeestabilidademonetária,resta
aindaconsideraropapeldocréditosobreasdecisõesdeconsumo,especialmente
aquelasqueenvolvemacompradebensduráveis(geladeira,televisor,automóvel,
entre outros), cujos valores unitários superam, em geral, a renda das famílias,
sobretudo as da base da pirâmide social, para quem o crédito tem um valor
fundamental.
85
Pormeiodo endividamento, as famíliaspodemanteciparparaomomento
presenteopoderaquisitivonecessárioparaaaquisiçãodebenseserviços,oque
tornoupossívelamodernizaçãonopadrãodeconsumo.Entreosanosde2002e
2009,porexemplo,asoperaçõesdecréditonototaldoProdutoInternoBruto
aumentaram em 86%, passando de 24,2% do PIB, em 2002, para 45%, em
2009. Assim, o volume de recursos de financiamentos destinados às pessoas
físicas foimultiplicado emmaisdequatro vezesnomesmoperíodode tempo,
enquanto o repasse de recursos à agricultura familiar aumentou de R$ 2,4
bilhões, em 2003, para R$ 10,8 bilhões, em 2009. Também no âmbito das
operações de crédito destaca-se o avanço do financiamento voltado para a
habitação,quesubiudeR$25,7bilhões,em2004,paraR$80bilhões,em2009.
Emsíntese,asomatóriadosefeitossobrearendadasfamílias,especialmente
aquelas situadas na base da pirâmide social brasileira, por força da elevaçãona
ocupação com a redução do desemprego, do maior ingresso da mulher no
mercadode trabalho,daquedadonúmerodemembros familiares,daelevação
dorendimentomédiorealedaampliaçãodocrédito,permitiuamassificaçãodo
consumo. Cabe, ainda, considerar os contrafeitos gerados pela tributação,
conformetratadoaseguir.
3.2.3.Impactodatributaçãosobrearendadasfamílias
O Brasil registrou desde a década de 1980 uma significativa trajetória de
aumentonacargatributária,porcontaespecialmentedosimpostosindiretos,que
sãoaquelesincorporadosnopreçofinaldosbenseserviços.Entre1980e2009,
porexemplo,acargatributáriabrutapassoude24,5%doPIBpara34,3%,oque
significou uma elevação de 40% na carga tributária em relação ao Produto
InternoBrutobrasileiro.
Duranteoperíododesuperinflação(1980-1994),oaumentoanualdacarga
tributáriafoi,emmédia,de1,2%,enquantonafasedeestabilidademonetáriao
crescimento dos impostos, das taxas e das contribuições foi um poucomenor
(1,1% ao ano, emmédia).De toda forma, o crescimento da tributação pouco
alterouacomposiçãodaarrecadação,mantendo-sefortementeinfluenciadopela
tributaçãoindireta.
Ao somar-se a tributação proveniente da incidência sobre renda, bens e
serviçosefolhadesalários,chega-sea86,4%detodaacargatributáriadoanode
2009ante83,1%em1980.Ouseja,umaleveelevaçãonabasedaatuaçãodos
tributos indiretos. No ano de 2009, por exemplo, 42% da carga tributária
provinhadaincidênciasobrebenseserviços,enquantoem1980elaerade44%.
86
No mesmo período de tempo cresceu a tributação sobre a renda (68,9%) e
diminuiuaquelasobreafolhadesalários(14,5%).(Verfigura3.12.)
Tendo em vista a prevalência de uma estrutura tributária assentada
fundamentalmentenaarrecadaçãodeimpostosindiretosaolongodosanos,cabe
indagar a respeito do seu impacto sobre a renda bruta das famílias. Após a
incidênciadeimpostos,taxasecontribuiçõesnorendimentobrutodasfamílias,
resta,portanto,aovalorlíquidodarendasetransformaremconsumodebense
serviços ou em aquisição de ativos financeiros. Por conta disso, interessa
considerar o peso da tributação em relação ao nível da renda nos diferentes
estratos de rendimentos familiares que compõem a sociedade brasileira. Em
conformidadecomaspesquisas sobreorçamentofamiliar realizadaspeloIBGE,
torna-sepossívelestimarograudeincidênciadeimpostos,taxasecontribuições
sobrecadaumadasdespesasidentificadas.
Em 2009, por exemplo, a carga tributária incidente sobre a renda das
famílias com rendimentode até2 saláriosmínimos foi estimada em32%; isso
significaqueadisponibilidadelíquidaaquisitivadessasfamíliasapósaincidência
da carga tributária reduziu-se para 68% de sua renda bruta. Assim, para as
famíliascomrendimentomensalbrutode2saláriosmínimos,opoderdecompra
líquidofoirebaixadopara1,4saláriomínimo.
Figura3.12–Brasil:evoluçãodacomposiçãodacargatributáriabrutaemanosselecionados(em%)
Nocasodasfamíliasdemaiorrendimento,comoaquelasqueganhammais
de30 saláriosmínimosmensais, a carga tributária estimada chegou a21%em
2009.Assim,paraquemrecebesse30saláriosmínimosmensais,arendalíquida
(apósa tributação) reduzia-separa23,7 saláriosmínimos, istoé,79%dovalor
brutodarenda.(Verfigura3.13.)
87
Percebe-se que a carga tributária desacelera à medida que há elevação na
rendadasfamílias.Dessaforma,ograudedesigualdadedascargastributáriasem
2009foide1,52vez,segundoacomparaçãoentreosextremosdadistribuiçãode
renda das famílias (até 2 s.m. emais de 30 s.m.).Resumidamente, a carga de
tributosincidentessobrearendadasfamíliascomaté2saláriosmínimosmensais
foi52,3%superioràincidentesobrearendadasfamíliascommaisde30salários
mínimos.
Figura3.13–Brasil:evoluçãodacargatributárianarendafamiliarsegundofaixasderendimentoemanosselecionados(em%)
Adesigualdadenaaplicaçãodostributos,taxasecontribuiçõessobrearenda
dasfamíliaspermaneceurelativamenteestávelnafasedeestabilidademonetária.
No ano de 1996, por exemplo, o grau de desigualdade na aplicação da carga
tributáriaentreosextremosdadistribuiçãoderendadasfamíliaserade1,55vez,
ouseja,asfamíliasdeaté2saláriosmínimostinhamumataxação55,5%maior
que as famílias de mais de 30 salários mínimos. Apesar disso, nota-se que o
aumento considerável na carga tributária ocorrida no período da estabilização
monetárianãofoihomogêneoentreas famílias.Aquelasdemenorrendimento,
por exemplo, que já pagavam, proporcionalmente à renda, maior tributação,
terminaramfazendopartedasclassesfamiliaresdemenorelevaçãodostributos.
Seem2009asfamíliasdeaté2saláriosmínimosmensaistinhamumacarga
tributáriade32%desuarenda,em1996essacargaerade28%.Ouseja,uma
elevaçãode14,3%.Jáas famíliasdemaisde30saláriosmínimosmensais,que
tinhamumacargatributáriaestimadaem18%em1996,passarampara21%em
2009,oquerepresentouumaelevaçãode16,7%.
Osegmento intermediáriodos estratosde rendimentodas famílias éoque
registrouamaiorelevaçãodacargatributáriaentre1996e2009.Foramoscasos
88
dasfamíliascomrendaentre10e20saláriosmínimosmensais,quetiveramuma
elevação de quase 47%nomesmo período de tempo na carga tributária. (Ver
figura3.14.)
Figura3.14–Brasil:variaçãonacargatributáriaporfaixasderendadasfamíliasemanosselecionados(em%)
Seacomparaçãoforcomoperíododesuperinflação,nota-sequeatrajetória
dacargatributáriaapontouparaaumacontençãonosrendimentosdasfamílias.
Em1996,por exemplo, as famílias comrendimentodeaté2 saláriosmínimos
mensais comprometiam cerca de 28% de sua renda familiar com tributação,
enquanto em1975essa fatia estava levemente acimade37%,oque significou
umareduçãode24,4%nacargatributária.Noestratoderendafamiliarde10a
15 salários mínimos mensais, a queda na carga tributária foi ainda maior,
atingindo27,4%.Poroutrolado,nocasodasfamíliascomrendimentoacimade
30 salários mínimos mensais, registrou-se um aumento na carga tributária de
0,6%entreosanosde1975e1996.
Resumidamente,constata-sequeadimensãotributáriainterferenadefinição
darendalíquidadasfamíliasparaoconsumo.Dependendodoaumentodacarga
tributária, pode haver queda nessa renda líquida das famílias, aomenos que o
aumentodarendabrutasejasuperioràelevaçãodacargatributária,anulando-se,
assim,aalteraçãonarendalíquida.
Detodaforma,avariaçãonacargatributáriainterferenocomportamentoda
renda das famílias em relação ao padrão de consumo. Conforme foi possível
observar, as famílias demenor renda suportam proporcionalmente umamaior
carga tributária no Brasil, o que impõe efeitos regressivos sobre o padrão de
consumo.
89
Diante do sistema tributário nacional, caracterizado que é por sua
regressividade, o nível de consumo das famílias se mantém pressionado pela
evoluçãonãoda rendabruta,mascadavezmaisdopoderaquisitivo registrado
apósaincidênciadacargatributária.Assim,asalteraçõesnopadrãodeconsumo
dasfamíliasdependem,emparte,dainfluênciadatributaçãobrasileira.
3.2.4.Alteraçãonacomposiçãodopadrãodeconsumopornívelderenda
Amodificaçãonospreçosrelativoscombinadacomdiversosdeseusefeitossobre
onívelderendatemafetadosubstancialmenteopadrãodeconsumodasfamílias.
Na década de 1970, por exemplo, o padrão de consumo concentrava-se
fundamentalmente nas despesas com alimentação e habitação, pois juntas elas
representavamcercadedoisterçosdoorçamentodasfamíliasbrasileiras.Maisde
trêsdécadasdepois, a somatóriamédiadasduasmesmasdespesaspassaapesar
poucomaisdedoisquintosnoorçamentodasfamílias.Assim,observa-secomo,
ao longo do tempo, as despesas associadas aos bens industrializados, como
alimentação,vestuárioeartigosderesidência,perderamimportânciarelativa,ao
contrário do que aconteceu com o setor de serviços, tais como habitação,
transporteesaúde,queregistroucrescimentodeimportância.(Verfigura3.15.)
Figura3.15–Brasil:evoluçãodosprincipaiscomponentesdedespesasdoorçamentodasfamíliasbrasileirasemanosselecionados(em%)
Aosetomarporreferênciaaspesquisasdeorçamentofamiliarrealizadaspelo
IBGEnosúltimos30anos,pode-seconstataraimportânciadosmovimentosde
quedaeaumentonasparticipaçõesrelativasnointeriordadistribuiçãodosgastos
com consumo. Isso ajuda a entender as principais mudanças no padrão de
consumo das famílias brasileiras, principalmente no que concerne à redução
relativadasdespesascombensindustriais,acompanhadapelaelevaçãodosgastos
comserviços.
90
Entreosanosde1987e1996registra-se,porexemplo,umaquedanopeso
relativodaalimentação(13,5%),dosartigosderesidência(11,6%),devestuário
(47,0%),dedespesasdiversas (6,3%) epessoais (12,3%).Demaneirageral, os
gastos que apresentamquedano valor real foramos bens industrializados.Em
contrapartida,pode-seobservartambémumconjuntodedespesasqueaumentou
sua participação relativa na composição das despesas familiares, como as de
habitação (61,2%), saúde e cuidados pessoais (23,9%), transporte (3,1%) e
educação(17,4%).Aqui,emsíntese,pode-sedestacaromaiorpesodosserviços
nasdespesasfamiliares.(Verfigura3.16.)
Figura3.16–Brasil:distribuiçãodosgastoscomconsumoemrelaçãoaototaldasdespesascorrentesmonetáriasenãomonetáriasmédiasmensaisdasfamílias
Itens
Despesasdasfamíliasem% Variaçãoem%
1987 1996 2009 1987-1996
1996-2009
Despesasdeconsumo 81,9 80,4 81,3 -1,8 1,1
1.Alimentação 26,6 22,9 16,1 -13,5 -29,7
2.Habitação 10,3 16,6 25,1 61,2 51,2
2.1.Aluguel 3,5 5,4 12,8 54,3 137,0
2.2.Artigosdelimpeza 0,9 0,8 0,6 -11,1 -25,0
3.Artigosderesidência 6,9 6,1 4,1 -11,6 -32,8
3.1.Mobiliárioseartigosdolar 2,9 2,1 1,8 -27,6 -14,3
3.2.Eletrodomésticos,som,TV 2,7 3,5 2,1 29,6 -40,0
3.3.Consertoemanutenção 1,3 0,5 0,2 -61,5 -60,0
4.Vestuário 10,0 5,3 4,5 -47,0 -15,1
5.Transporte 9,8 10,1 16,0 3,1 58,4
5.1.Urbano 3,7 5,5 2,2 48,6 -60,0
5.2.Veículopróprio 4,5 3,3 11,1 -26,7 236,4
6.Saúdeecuidadospessoais 7,1 8,8 7,8 23,9 -11,4
6.1.Higieneecuidadospessoais 1,7 1,7 1,9 0,0 11,8
6.2.Assistênciaàsaúde 5,4 7,1 5,9 31,5 -16,9
6.2.1.Remédios 2,4 2,8 2,8 16,7 0,0
91
7.Despesaspessoais 5,7 5,0 2,8 -12,3 -44,0
7.1.Recreaçãoecultura 2,7 2,2 1,6 -18,5 -27,3
7.2.Serviçospessoais 1,2 1,2 0,9 0,0 -25,0
8.Educação 2,3 2,7 2,5 17,4 -7,4
8.1.Cursos 1,3 2,0 2,8 53,8 40,0
9.Despesasdiversas 3,2 3,0 2,4 -6,3 -20,0
10.Outrasdespesascorrentes 7,2 6,6 10,9 -8,3 65,2
Fonte:FIBGE/POF(elaboraçãodoautor)
Nocasodoperíodoquecompreendeosanosde1996e2009,oconjuntode
mudanças no padrão de consumo mostrou-se ainda mais significativo, isso
porque, inicialmente,houveumaelevaçãodasdespesasdeconsumoemrelação
aoorçamentodasfamílias,seguidaporumacontinuidadenareduçãorelativados
gastoscombensindustrializados.Destacam-se,noconjuntodediminuiçõesdos
pesos relativos no orçamento das famílias, os artigos de residência (32,8%), a
alimentação (30%) e o vestuário (15,1%). Além disso, percebe-se também a
quedaemdeterminadostiposdeserviçosrelativosàsdespesaspessoais(44%),de
saúdeecuidadospessoais(11,4%)edeeducação(7,4%).
No mesmo período de tempo, as despesas com transporte (58,4%) e
habitação (51,2%) foram as que mais aumentaram em relação ao orçamento
familiar.Somenteessesdoisitensdedespesaconsumiram41,1%doorçamento
dasfamíliasem2009,ante26,7%em1996e20,1%em1987.
A diminuição na participação relativa de alguns itens de serviços no
orçamentodasfamíliasbrasileiraséresultadonãoapenasdaalteraçãonopadrão
de consumo dos bens duráveis, mas também da maior importância dada aos
serviços de comunicação e informação. De certa forma, o padrão anterior de
sociabilidadeassociadoaosespaçospúblicos,comoteatros,cinemas,entreoutros,
se modificou rapidamente com o deslocamento das preferências para os bens
culturaissuportadospelastecnologiasdeinformaçãoecomunicação.(Verfigura
3.17.)
Assim,ainternet,difundidapormeiodediferentesequipamentoseletrônicos
(computador pessoal, telefone celular, tablet, entre outros), favorece cada vez
mais o uso privado dos tradicionais bens culturais como livro, cinema e
música
[12]
. Nesses termos, surge um novo padrão de sociabilidade virtual que
independedolocalparaoacessoaosbensculturais.
Nãoobstanteo crescimentono consumo totaldas famílias (57%) entreos
anosde1995 e 2009, caíram as vendasde livrosno setor privado (44%) ede
92
músicasgravadas(87%).Noentanto,somenteaaquisiçãodeingressosemsalas
decinemascresceu6%nomesmoperíodo,eissoapóslongosanoscomvendas
abaixodasdoanode1995.Alémdaquedanosgastoscomimportantepartedas
opçõesde entretenimento emespaçospúblicos, tambémperderam importância
relativa as despesas com áreas de significativa precariedade estrutural noBrasil,
comosaúdeeeducação.Asdespesasaumentaramrelativamentenosserviçoscom
moradiaetransporte.
Figura3.17–Brasil:evoluçãodoíndicedeconsumototaldasfamíliasedosbensculturais(1995=100)
MudançasnoconsumodebensculturaisnoBrasilapósaestabilizaçãodamoeda,cit.,n.1,p.13
Essa abordagem a respeito das modificações no padrão de consumo pela
visãomédiadas famíliaspodeocultar algunsmovimentos também importantes
emrelaçãoà evoluçãodasdespesas segundoosdiferentes estratosde rendados
consumidores. Para dar conta disso, procurou-se considerar a seguir alguns
grupos de despesas segundo a perspectiva dos diferentes estratos de renda das
famílias, especialmente no que concerne às possíveis alterações no padrão de
consumoentreosextremosdaestruturadedistribuiçãoderenda.
Emrelaçãoaoitemalimentação,observa-se,porexemplo,queasfamíliasde
menor rendimento (até 2 salários mínimos mensais) foram as que menos
reduziram o peso relativo no orçamento durante a fase atual de estabilização
monetária (15,2%), aopassoquenoperíodode alta inflação foramo segundo
estrato de renda com amaior queda (18,4%). Ainda na fase de alta inflação,
observa-se que as famílias com renda mensal acima de 15 salários mínimos
tinhampassadoporumaelevaçãonopesodoitemalimentaçãonototaldeseus
orçamentos. Em grande medida, isso foi reflexo da elevação dos preços da
alimentaçãoforadodomicílio.
93
Atualmente,asfamíliascomrendadeaté2saláriosmínimoscomprometem
seus rendimentos com alimentação 3,2 vezes mais que as famílias com
rendimentoacimade15 saláriosmínimos.Em1996, essadiferença erade2,6
vezes, o que significa que na estabilidade monetária a desigualdade entre
diferentesestratosderendafamiliaraumentounosgastosrelativosàalimentação
noBrasil.(Verfigura3.18.)
Figura3.18–Brasil:distribuiçãodosgastoscomalimentaçãoporclassederendimentoemrelaçãoaototaldasdespesascorrentesmonetáriasenãomonetáriasmédiasmensaisdasfamílias
Itens Despesasdasfamíliasem% Variaçãoem%1987 1996 2009 1987-1996 1996-2009
Até2s.m. 40,2 32,8 27,8 -18,4 -15,2De2a3s.m. 38,0 33,4 24,8 -12,1 -25,7De3a6s.m. 32,1 29,1 20,9 -9,3 -28,2De6a10s.m. 27,1 24,2 16,7 -10,7 -31,0De10a15s.m. 23,4 18,9 13,7 -19,2 -27,5De15a25s.m. 16,1 16,2 11,7 0,6 -27,8Maisde25s.m. 12,1 12,4 8,5 2,5 -31,5Médiageral 26,6 22,9 16,1 -13,9 -29,7
Fonte:FIBGE/POF(elaboraçãodoautor)
Ao contrário da alimentação, o item habitação apresentou aumento
considerávelemsuaparticipaçãorelativanoorçamentodasfamíliasnasúltimas
três décadas. Enquanto na fase de alta inflação os aumentos ocorreram nas
famíliasdemaiorrenda,operíododeestabilizaçãomonetáriafoiacompanhado
deforteelevaçãonosgastosrelativoscomhabitaçãoentreossegmentosderenda
inferiora6saláriosmínimosmensais.
A ampliação do orçamento comprometido com habitação deveu-se à
elevação dos preços dos aluguéis, especialmente na fase de alta inflação. No
períodorecentedeestabilidademonetária,emqueapopulaçãodemenorrenda
foi amais atingida pela elevação dos gastos comhabitação, as razões para isso
concentram-semaisnocrescimentodedespesascomserviçospúblicosvinculados
atelefone,saneamento,energiaelétrica,entreoutros.(Verfigura3.19.)
Com isso, a dispersão dos gastos entre as famílias aumentou
desfavoravelmente para aquelas de menor rendimento. No ano de 2009, por
exemplo, a diferença de gastos relativos com habitação entre as famílias com
rendimentomensaldeaté2saláriosmínimoseaquelascomrendimentoacima
de25saláriosmínimoserade1,6vez,enquantoem1996foide1,3vez.
94
Figura3.19–Brasil:distribuiçãodosgastoscomhabitaçãoporclassederendimentoemrelaçãoaototaldasdespesascorrentesmonetáriasenãomonetáriasmédiasmensaisdasfamílias
Itens Despesasdasfamíliasem% Variaçãoem%1987 1996 2009 1987-1996 1996-2009
Até2s.m. 13,5 18,6 31,2 37,8 67,7De2a3s.m. 12,3 17,1 31,1 39,0 81,9De3a6s.m. 11,1 16,9 28,4 52,3 68,0De6a10s.m. 10,5 16,7 25,9 59,0 55,1De10a15s.m. 9,8 16,8 24,0 71,4 42,9De15a25s.m. 8,4 16,1 21,7 91,7 34,8Maisde25s.m. 8,1 14,5 19,9 79,0 37,2Médiageral 10,3 16,6 25,1 61,2 51,2
Fonte:FIBGE/POF(elaboraçãodoautor)
No caso dos artigos de residência, também se comprova um aumento na
desigualdadeentreosextremosdadistribuiçãoderendanasfamílias.Entre1996
e2009,porexemplo,adispersãodosgastos relativoscomartigosde residência
aumentou de 1,8 para 2,1 vezes entre as famílias com remuneração de até 2
saláriosmínimos e as demais de 25 saláriosmínimos. Isso porque as despesas
comaquisiçãodeeletroeletrônicosreduziram-sedeformageneralizada,aindaque
emmenorescalaparaasdiferentesclassesderenda.Paraasfamíliascomrendade
até3saláriosmínimos,porexemplo,osgastosrelativoscomartigosderesidência
decrescerammenosqueosdasfamíliasdemaiorrenda.
Talvez, a incorporação dos bens eletroeletrônicos e a maior aquisição de
artigos de residência para as famílias de baixa renda possam explicar também
porque esse item havia aumentado entre os anos de 1987 e 1996.Na fase de
estabilidademonetária,caiuoseupesorelativonasdespesastotais,aindaqueem
menorritmo.(Verfigura3.20.)
Figura3.20–Brasil:distribuiçãodosgastoscomartigosderesidênciaporclassederendimentoemrelaçãoaototaldasdespesascorrentesmonetáriasenãomonetáriasmédiasmensaisdasfamílias
Itens Despesasdasfamíliasem% Variaçãoem%1987 1996 2009 1987-1996 1996-2009
Até2s.m. 6,3 7,1 6,0 12,7 -15,5De2a3s.m. 7,2 6,6 5,4 -8,3 -18,2De3a6s.m. 7,6 7,4 4,9 -2,6 -33,8De6a10s.m. 6,7 6,1 4,3 -9,0 -29,5De10a15s.m. 7,3 5,9 3,6 -19,2 -39,0De15a25s.m. 6,5 4,9 3,4 -24,6 -30,6Maisde25s.m. 6,4 4,0 2,9 -37,5 -27,5
95
Médiageral 6,9 6,1 4,1 -11,6 -32,8
Fonte:FIBGE/POF(elaboraçãodoautor)
Jánasdespesascomvestuário,houveumaumentosomenteparaasfamílias
comrendadeaté2saláriosmínimos(1,9%),aocontráriodoqueaconteceucom
osdemaisestratosderendimento,queregistraramreduçõesimportantes,comoa
apresentada pela faixa de 10 a 15 salários mínimos (26,3%). Em geral, o
aumentonarendafamiliarfoiacompanhadopelareduçãorelativadosgastoscom
vestuário,oquepodesercomprovadopelaevoluçãocomparativanointeriordo
custodevidadapopulação,sobretudoduranteafasedealtastaxasde inflação.
Comoessatendêncianãosemostrouperfeitanafasedeestabilidademonetária,o
graudedesigualdadecresceu.Em2009,adiferençaentreosgastosrelativosdas
famíliascomaté2saláriosmínimosera1,7vezmaiorqueadaquelascomrenda
demaisde25saláriosmínimos,aopassoqueem1996adiferençafoide1,4vez.
(Verfigura3.21.)
Figura3.21–Brasil:distribuiçãodosgastoscomvestuárioporclassederendimentoemrelaçãoaototaldasdespesascorrentesmonetáriasenãomonetáriasmédiasmensaisdasfamílias
Itens Despesasdasfamíliasem% Variaçãoem%1987 1996 2009 1987-1996 1996-2009
Até2s.m. 7,8 5,3 5,4 -32,1 1,9De2a3s.m. 9,6 5,5 5,2 -42,7 -5,5De3a6s.m. 10,3 5,8 5,3 -43,7 -8,6De6a10s.m. 11,2 5,7 5,0 -49,1 -12,3De10a15s.m. 11,4 5,7 4,2 -50,0 -26,3De15a25s.m. 9,7 4,6 4,0 -52,6 -13,0Maisde25s.m. 8,3 3,9 3,2 -53,0 -17,9Médiageral 10,0 5,3 4,5 -47,0 -15,1
Fonte:FIBGE/POF(elaboraçãodoautor)
Osgastosrelativosasaúdeecuidadospessoaisdecrescerammaisnasfamílias
deaté2saláriosmínimosderendamensal(27,8%)duranteafasedeestabilidade
monetária.Nasfamíliascommaisde25saláriosmínimosmensais,aquedanos
gastos com saúde e cuidados pessoais diminuiu 4,3% no mesmo período de
tempo, o que pode indicar a pressão dos preços de assistênciamédica,muitas
vezesassociadaàelevaçãodospreçosdosconvêniosmédicos.
Na fase de alta inflação, os gastos com saúde e cuidados pessoais tinham
aumentado surpreendentemente mais para as famílias de renda menor. Em
funçãodisso,nota-sequeaosecompararadesigualdadedegastosrelativoscomo
96
item saúde entre os anos de 1996 e 2008 houve um decréscimo no grau de
desigualdade,poisestepassoude1,7vezpara1,3vez.(Verfigura3.22.)
Porfim,emrelaçãoàsdespesascomeducação,registra-sequeoperíodode
estabilidade monetária terminou por interromper o padrão esperado de
simultaneidadenaampliaçãoda rendaedosgastos relativos.Todavia, issonão
ocorreunoBrasil.Nafasedealtainflação,somenteasfamíliascomrendaacima
de 10 salários mínimos elevaram os gastos relativos a educação. Nos estratos
inferioresderendimentofamiliar,houveumaquedanasdespesascomeducação,
salvoaestagnaçãodasdespesasqueocorreunasfamíliasdeaté2saláriosmínimos
mensais.(Verfigura3.23.)
Figura3.22–Brasil:distribuiçãodosgastoscomsaúdeecuidadospessoaisporclassesderendimentoemrelaçãoaototaldasdespesascorrentesmonetáriasenãomonetáriasmédiasmensaisdasfamílias
Itens Despesasdasfamíliasem% Variaçãoem%1987 1996 2009 1987-1996 1996-2009
Até2s.m. 7,1 11,5 8,3 62,0 -27,8De2a3s.m. 8,0 9,2 8,7 15,0 -5,4De3a6s.m. 6,8 8,7 8,7 27,9 0,0De6a10s.m. 7,1 8,6 8,0 21,1 -7,0De10a15s.m. 7,2 8,4 7,5 16,7 -10,7De15a25s.m. 7,2 8,5 7,6 18,1 -10,6Maisde25s.m. 6,4 6,9 6,6 7,8 -4,3Médiageral 7,1 8,8 7,8 23,9 -11,4
Fonte:FIBGE/POF(elaboraçãodoautor)
Noperíododeestabilidademonetária,osgastoscomeducaçãocaírampara
todos os estratos de renda familiar, salvo para o segmento de 6 a 10 salários
mínimos. Esse diferencial se deve ao peso que os cursos privados tiveram nos
distintosestratosderenda.Emfunçãodisso,percebe-seograudedesigualdade
nasdespesasrelacionadasàeducaçãoentreasfamíliasdemaioredemenorrenda.
Em2009,porexemplo,asfamíliascomumarendamensalacimade25salários
mínimos comprometiam 3,2 vezes mais do orçamento com educação que as
famílias com renda de até 2 saláriosmínimos, ante um valor de 2,9 vezes em
1996.
Figura3.23–Brasil:distribuiçãodosgastoscomeducaçãoporclassesderendimentoemrelaçãoaototaldasdespesascorrentesmonetáriasenãomonetáriasmédiasmensaisdasfamílias
Itens Despesasdasfamíliasem% Variação1987 1996 2009 1987-1996 1996-2009
97
Até2s.m. 1,4 1,4 0,9 0,0 -35,7De2a3s.m. 1,7 1,5 1,2 -11,8 -20,0De3a6s.m. 7,9 2,0 1,6 -74,7 -20,0De6a10s.m. 2,3 2,2 2,4 -4,3 9,1De10a15s.m. 2,5 3,2 3,0 28,0 -6,2De15a25s.m. 3,1 4,4 4,0 41,9 -9,1Maisde25s.m. 3,0 4,1 2,9 36,7 -29,3Médiageral 2,3 2,7 2,5 17,4 -7,4
Fonte:FIBGE/POF(elaboraçãodoautor)
Consideraçõesfinais
UmaconjunçãodefatorescontribuiuparaquenaviradadoséculoXXhouvesse
umamudança significativa no padrão de consumo da população brasileira.O
ciclo de modernização no padrão de consumo contemplou a incorporação de
parcelassignificativasdapopulaçãosituadanabasedapirâmidesocial.
Por um lado, a reconfiguração da produção de bens duráveis, conformada
nasgrandescorporaçõestransnacionaispormeiodascadeiasglobaisdeprodução,
permitiudifundiroconsumodebaixocusto.Assim,oconceitodesociedadelow
cost ganhou notoriedade, especialmente com o deslocamento da produção
manufatureiraparaospaísesasiáticos,sobretudoaChina.
Por outro lado, as decisões tomadas internamente levaram a alterações
importantesno comportamentodospreços relativos.Dessa forma,mesmoque
não houvesse elevação no nível de renda da população empobrecida, haveria
induçãoaummaiorconsumodebens industrializados,comoosdoâmbitoda
alimentação, do vestuário e dos artigos de residência, sobretudo dos
eletroeletrônicos.
Ao mesmo tempo, a elevação do nível de renda de toda a população,
especialmente daquela situada na base da pirâmide social, permitiu ampliar o
consumo, incorporando bens e serviços até então reservados ao consumo das
famíliasdemaiorrendimento.Nessecaso,acontribuiçãopositivasobreonível
de rendimento das famílias dependeu da redução do número demembros das
famílias (oqueocasionoua elevação imediatada renda familiarper capita), do
aumentodapresençadamulhernomercadodetrabalho(contribuindoparaum
rendimento adicional no orçamento familiar), da diminuição do desemprego
comaelevaçãodoemprego,doaumentodopoderdecompradosaláriomínimo,
da ampliação dos programas de garantia de renda e da difusão do crédito ao
consumo.Tudoissoimplicouumamudançainegávelnacomposiçãodopadrão
de consumo das famílias brasileiras. De forma tardia, o país incorporou uma
98
parcelaconsideráveldaclassetrabalhadoraqueaindasemantinhaàmargemdo
acessoaoconsumodosbensduráveis.
[1]Ver:L.Cohen,AConsumer’sRepublic:ThePoliticsofMassConsumptioninPostwarAmerica
(NovaYork,Vintage,2003);K.Matsuyama,TheRiseofManConsumptionSocieties,Journal
ofPoliticalEconomy,Chicago,TheUniversityofChicagoPress,v.110,n.5,2002,p.1035-70.
[2] Ver: D. Rothkopf, Superclass, cit.; R. Frank, Riquistão, cit.; M. Pinçon e M. Pinçon-
Charlot,Voyageengrandebourgeoisie:journald’enquête(Paris,PUF,2010).
[3]Ver:L.Napoleoni,Economiabandida(trad.PedroJorgensenJúnior,RiodeJaneiro,Difel,
2010); J.McCain eM.Salter,WhyCourageMatters:TheWay to aBraverLife (NovaYork,
RandomHouse,2004).
[4]Ver:M.Hopenhayn,Niapocalípticosniintegrados:aventurasdelamodernidadenAmérica
Latina(2.ed.,CidadedoMéxico,FCE,2006);M.GaggieE.Narduzzi,Elfindelaclasemedia
yelnacimientodelasociedaddebajocoste(trad.CuquiWeller,Madri,LenguadeTrapo,2007);
U.Beck eE.Beck-Gernsheim,La individualización: el individualismo institucionalizado y sus
consecuenciassocialesypolíticas(trad.BernardoMorenoCarrillo,Barcelona,Paidós,2003);M.
HardteA.Negri,Multidão,cit.
[5] Ver: N. Ferguson, Civilization: The West and the Rest (Londres, Penguin, 2011); Z.
Bauman,Vidaparaoconsumo:atransformaçãodaspessoasemmercadoria(trad.CarlosAlberto
Medeiros,Riode Janeiro,Zahar, 2008);P.Bourdieu,A economiadas trocas simbólicas (trad.
SergioMicelietal,2.ed.,SãoPaulo,Perspectiva,2009).
[6] Ver: R. Freeman, The Great Doubling: The Challenge of the New Global Labor Market
(Boston, FED, 2006); P.Nolan e J. Zhang,GlobalCompetitionAfter the FinancialCrisis,
NewLeftReview,Londres,v.64,jul.-ago.2010,p.97-108.
[7]Ver:G.Arrighi,O longo séculoXX:dinheiro, poder e as origens denosso tempo (trad.Vera
Ribeiro,RiodeJaneiro/SãoPaulo,Contraponto/EditoraUnesp,1996).
[8]Ver:R.Guttmann,Umaintroduçãoaocapitalismodirigidopelasfinanças,NovosEstudos,
São Paulo, Cebrap, n. 82, 2008, p. 11-33; R. Andrade e A. Mendonça (orgs.), Regulação
bancáriaedinâmicafinanceira:evoluçãoeperspectivasapartirdosAcordosdeBasileia(Campinas,
IE/EditoradaUnicamp,2006).
[9]Ver:E.Boehmer,R.Nashe J.Netter,BankPrivatization inDevelopingandDeveloped
Countries:Cross-SectionalEvidenceontheImpactofEconomicandPoliticalFactors,Journal
ofBankingandFinance,Roma,v.29,2005,p.1981-2013;G.Clarkeetal,StructuralReformin
LatinAmericanBankingSince1990(Stanford,LASU,2004).
[10]Ver: E.Mouhoud,Mondialisation et délocalisation des entreprises (Paris, LaDécouverte,
2008); G. Stumpo (org.), Empresas transnacionales: procesos de reestructuración industrial y
políticaseconómicasenAméricaLatina(BuenosAires,Alianza,1998).
99
[11]Ver:M.Pochmann,DesenvolvimentoenovasperspectivasparaoBrasil,cit;T.Sturgeone
O.Memedovic,MappingGlobalValueChain:IntermediateGoodsTradeandStructuralChange
intheWorldEconomy(Viena,Unido,2011,SérieWorkingPapers),v.5.
[12] Ver: F. Earp e L. Paulani,Mudanças no consumo de bens culturais no Brasil após a
estabilizaçãodamoeda(RiodeJaneiro,IE/EditoraUFRJ,2011,SérieTextosparaDiscussão),
n.1.
100
4.TRAJETÓRIASDISTRIBUTIVASNOBRASIL
Após a convergência das análises a respeito do movimento geral de
transformação do capitalismo e de suas implicações para a estrutura de classe,
especialmente no caso da classe média, buscou-se considerar o que estaria
ocorrendo na sociedade brasileira neste início do século XXI. Asmodificações
conformadasnabasedapirâmidesocialdopaísrevelaramoimpactoprincipaldo
projetosocial-desenvolvimentistadeestímulosvariadosàinclusãopelaampliação
do emprego eda renda, cujo resultadomais evidentepode ser constatadopela
ampliaçãodoconsumopopular.
Segundo observado na experiência histórica das economias de capitalismo
avançado no segundo pós-guerra, a elevação do emprego e da renda dos
trabalhadoresconverteu-sediretaeindiretamentenaconformaçãodocapitalismo
deconsumodemassa.Adifusãodoacessoaoconsumodebensdemaiorvalor
unitáriocomoautomóvelemoradianãoseapresentousuficienteparaevidenciar
uma mudança de classe social nos países ricos, mas significou apenas o
atendimento de uma das principais demandas pertencente à agenda dos
trabalhadores.
Ademais, procurou-se também ressaltar a importância verificada para a
difusãodo consumodebensmanufaturados, inclusivedaquelesdemaior valor
unitário,da alteraçãonospreços relativosnoBrasil.Assim, amodernizaçãono
padrão de consumo dos brasileiros no período recente foi acompanhada pela
queda dos preços relativos de bens manufaturados, em parte constitutiva do
rearranjogeradopelocapitalismoglobal,queestácadavezmaisorganizadoem
torno de cadeias produtivas globais estabelecidas por grandes corporações
transnacionais.
A crescente localização da manufatura na Ásia, especialmente na China,
resultou em custos menores de produção dos bens industriais para o mundo.
Dessa forma, o acesso ao consumo de bens industriais por parte de novos
segmentos sociais, fundamentalmente aqueles demenor rendimento, tornou-se
uma das marcas recentes da transformação do capitalismo monopolista
transnacional.
101
Para além disso, constata-se que, mais recentemente, o Brasil passou a
combinaroretornoaocrescimentoeconômicocomavoltadamobilidadesocial,
sobretudonabasedapirâmidesocial.Porcontadisso,opresentecapítulovolta-
separaaanálisedosefeitosdamobilidadesocialpromovidospelosmovimentos
deocupaçãoederendimentos,conformeapresentadoaseguir.
4.1.Sentidogeraldamobilidadesocial
Aprimeiradécadado séculoXXI foi acompanhadapelodeslocamentodeuma
parcelaimportantedacurvadedistribuiçãodorendimentonoBrasil.Pelasrazões
já adiantadas anteriormente, seja pelo perfil das ocupações geradas, seja pelo
enfoque das políticas de garantia de renda adotadas, a parcela constitutiva dos
40%maispobresdoconjuntodapopulaçãobrasileiraterminousendoreceptora
do maior impacto decorrente do movimento de ascensão social no período
recente.Issopareceinegável,sobretudoquandosecomparaaevoluçãodaslinhas
dedistribuiçãopessoaldorendimentodosocupadoscomrendaentreosanosde
2001 e de 2011. Nota-se que a principal mudança na curva da distribuição
ocorreujustamentenafaixaquecompreendeos6%aos38%dapopulaçãomais
pobredopaís.
Essa alteração significativa na base da pirâmide social brasileira decorreu
fundamentalmentedageraçãodepostosdetrabalhoconcentradosnafaixadeaté
1,5saláriomínimomensal.Emboraoníveldeocupaçãotenhaseexpandidoem
todosossetoresdaatividadeeconômica,destaca-seespecialmenteodeserviços.
Tendoemvistaqueovalordopisonacionalderemuneraçãofoiobjetode
forteelevaçãorealemseupoderaquisitivonoperíodorecente,osefeitospositivos
disso agiram não somente entre os ocupados, mas também entre os inativos
beneficiadospelaspolíticasdegarantiade renda. Issoporqueovalordosalário
mínimoservede indexador tambémparaopisodaprevidênciaedaassistência
social,doseguro-desemprego,entreoutros.(Verfigura4.1.)
Figura4.1–Brasil:distribuiçãoacumuladadorendimentopessoaldosocupadoscomrendaentre2001e2011(total=100%)*
102
Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)
*Escaladelogaritmo
Em termos de distribuição do rendimento monetário auferido pela
população brasileira, registra-se que, em 2011, a faixa de remuneração situada
entre R$ 150 e R$ 600 mensais foi a que mais se distanciou da curva de
distribuiçãodoanode2001.Tambémsedestacaqueaampliaçãonaquantidade
enovalorrealdosbenefíciospagospelosprogramasdetransferênciaderendafoi
determinante para o deslocamento da curva de distribuição da população com
menorrendimentoentre2001e2011.
Emfunçãodisso,percebe-sequeosentidogeraldarecentemobilidadesocial
impactou todos os brasileiros, especialmente o segmento específico de menor
rendimento.Assim,odeslocamentodacurvadedistribuiçãodorendimento,que
ficou próximo do valor mediano no conjunto da população com renda entre
2001e2011,comprovouomovimentofocadonasocupaçõescomrendimento
entreR$150eR$600mensais,representandoamassadepessoaspertencentesà
faixade6%a38%maispobresdoconjuntodostrabalhadores.(Verfigura4.2.)
Figura4.2–Brasil:distribuiçãodosrendimentosdapopulaçãoentre2001e2011(reaisde2011)*
Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)
103
*Escaladelogaritmo
4.2.Transformaçõesnaestruturaocupacional
Umavezidentificadoodeslocamentonacurvadedistribuiçãoderendaocorrido
fundamentalmente para a parcela mais pobre dos brasileiros, cabe analisar, de
início, o comportamento das ocupações. Após uma longa fase temporal de
congelamentonaestruturadasocupaçõesdopaís,observa-senadécadade2000
umaimportantealteração.
NasduasúltimasdécadasdoséculoXX,quase60%dosocupadosrecebiam
remunerações concentradas no primeiro quintil da distribuição de renda da
população, ou seja, no grupo dos 20%mais pobres dos brasileiros. Nos anos
2000,asituaçãosealterou,tendohavidoumareduçãoparapoucomaisde50%
dosocupadosconcentradosentreos20%maispobresdapopulação.Comisso,
registra-se uma queda de 12,5% no peso relativo dos ocupados no primeiro
quintildadistribuiçãoderendaem2011emrelaçãoàqueleobservadonoanode
2001.Nosdemaisquintisdadistribuiçãoderendadosocupados,foiregistrado
um crescimento da participação relativa nos anos 2000. A maior expansão
aconteceunoquartoquintildadistribuição,comaumentode30,2%,decorrente
dapassagemde5,3%dosocupadosnoanode2001para6,9%em2011.(Ver
figura4.3.)
Figura4.3–Brasil:evoluçãodadistribuiçãoporquintilderendadosocupadoscomrendimentoemanosselecionados(total=100%)
Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)
Quando se analisa a evolução da distribuição dos ocupados por quintil de
rendimento, constata-se que o setor econômico secundário, constituído pela
104
indústriaepelaconstruçãocivil,foioquemaissofreualteraçãonaestruturado
emprego de mão de obra no período recente. Após ter apresentado certa
estabilidadenaestruturadedistribuiçãodosrendimentosdosocupadosentreos
anosde1981e2001,houve,naprimeiradécadade2000,umaquedanopeso
relativo da repartição dos ocupados agrupados no primeiro quintil de renda.
Com isso, a quantidade dos ocupados entre os 20% mais pobres, que
representava52,3%doconjuntodos trabalhadoresbrasileiros em1981,decaiu
para45,2%em2011.Ouseja,houveumareduçãode13,6%em30anos.
Se considerados os dois primeiros quintis da distribuição (os 40% mais
pobres dos ocupados), percebe-se uma redução menor (6,5%) na comparação
entreosdoisanos.Em2011,porexemplo,71%dototaldosocupadossituavam-
se entre os 40% mais pobres dos brasileiros, enquanto em 2001 eles
representavam77,5%dototal.
Oquartoquintildadistribuiçãoderendadosocupadosfoioqueapresentou
amaior alta relativa no setor secundário da economia. Entre 2001 e 2011, a
parceladosocupadossituadanessemesmoquintilderendasubiude6,5%para
9,3%,oqueequivaleua43,1%deaumento.
Nasequência,oquintoquintilampliouem39,2%suaparticipaçãorelativa
no total dos ocupados.Mas esse quintil, que representa os 20%mais ricos da
população ocupada, respondeu, em 2011, por somente 3,2% do total dos
ocupadoscomrendimento,suamaiorparticipaçãorelativaverificadadesde1981.
(Verfigura4.4.)
Em relação à estruturadedistribuiçãodo rendimentono setor terciárioda
economiabrasileira,tambémseassistiuàreduçãodopesorelativodosocupados
pertencentes ao grupo dos 20% de menor rendimento simultaneamente à
elevação dos demais quintis de renda. Nos anos de 1981, 1992 e 2001, os
ocupadosagrupadosnoprimeiroquintilde renda representavamcercade60%
dototaldosetorterciário.Em2011,porém,opesodos20%maispobresentre
osocupadospassouaserde52,7%,oqueequivaleuaumaquedade12,3%em
relaçãoaoanode2001.No sentido inverso, registra-seumaampliação relativa
docontingentedeocupadosdosetorterciárionosdemaisquintisdadistribuição
derenda.
Figura4.4–Brasil:evoluçãodadistribuiçãoporquintilderendadosocupadoscomrendimentonosetorsecundáriodaeconomiaemanosselecionados(total=100%)
105
Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)
Nosegundoquintil,oaumentorelativonoperíodoentre2001e2011foide
15,7%, enquanto no terceiro quintil o aumento foi de 21,9%, no quarto de
24,1%enoquintode20%.Ouseja,amaiorampliaçãodeocupadosocorreuno
quartoquintildarepartiçãoderenda,passandode5,4%dototaldosocupados,
em2001,para6,7%,em2011,oquerepresentaomaiorpesorelativonosetor
terciárioverificadodesde1981.(Verfigura4.5.)
Além da evolução na composição dos ocupados segundo a distribuição de
rendapessoal,aseguirseconsideratambémadinâmicadoempregodemãode
obraemconformidadecomoníveldeescolaridade.Antecipa-se,contudo,queo
mesmo sentido do deslocamento da ocupação na distribuição pessoal dos
rendimentos também foi constatado em relação aos trabalhadores commenor
escolaridade.Éocaso,porexemplo,dosocupadoscomensinofundamental,que
registraram,entre1981e2001,umleveaumentode2,5%naconcentraçãodos
trabalhadores justamentedomenorquintilderendimento.Naprimeiradécada
do século XXI, entretanto, o peso relativo dos ocupados com formação até o
ensinofundamentalelocalizadosnoprimeiroquintilderendacaiu10,5%.
Figura4.5–Brasil:evoluçãodadistribuiçãoporquintilderendadosocupadoscomrendimentonosetorterciáriodaeconomiaemanosselecionados(total=100%)
106
Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)
Oquintildemaior rendaapresentoumovimentodistinto,comumaqueda
na participação relativa dos ocupados com menor escolaridade. Entre 1992 e
2001, os ocupados do grupo pertencente aos 20% de maior rendimento
reduziramoseupesorelativoem4,1%.Noperíodosubsequente,entre2001e
2011,aquedaocorreucommaiorvigor(4,3%).
Nosegundo,terceiroequartoquintisdarepartiçãodosrendimentospessoais
dosocupadoshouveaumentosemsuasparticipaçõesrelativasnaprimeiradécada
do séculoXXI.A elevaçãomaior ocorreu no terceiro quintil (13,7%), seguida
pelosegundo(12,7%)epeloquarto(8,2%)quintis.(Verfigura4.6.)
Em relação aos ocupados com nível de escolaridade equivalente ao ensino
médio,parecenão terhavidomudanças substantivas. Isso sedeu, inicialmente,
pelo fato de as ocupações do primeiro quintil terem semantido relativamente
estáveis em relação à distribuição dos postos de trabalho no interior da
distribuiçãopessoalderenda.
Figura4.6–Brasil:evoluçãodadistribuiçãoporquintilderendadosocupadoscomrendimentoeensinofundamentalemanosselecionados(total=100%)
107
Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)
Entre 2001 e 2011, o peso relativo dos ocupados com escolaridade
equivalente ao ensino médio entre os 20% mais pobres da população
permaneceu estável, diferentemente do que ocorreu com os demais quintis de
renda. Para o mesmo período de tempo, o segundo quintil aumentou a
participação relativa dos ocupados em 5%, enquanto decresceu a participação
relativa do terceiro (0,6%), do quarto (4,8%) e do quinto (14,9%) quintis de
rendadosocupadoscomnívelmédiodeescolaridade.(Verfigura4.7.)
Arelativaestabilidadenacomposiçãodoconjuntodosocupadossegundoa
distribuição de renda nos anos considerados para os trabalhadores de ensino
médio foi acompanhadaporoutromovimentodistributivonasocupações com
maior nível de escolaridade. Desse modo, houve maior concentração de
ocupadoscomníveldeensinosuperiornosdoisúltimosquintisderenda.Assim,
os40%maisricosdadistribuiçãoderendaaumentaramsuaparticipaçãorelativa
entreototaldosocupadosde9,7%em2001para10,6%em2011.Noentanto,
em1981,essesmesmosdoisquintisderendachegaramarepresentar13,1%do
totaldaocupaçãonoBrasil.
Figura4.7–Brasil:evoluçãodadistribuiçãoporquintilderendadosocupadoscomrendimentoeensinomédioemanosselecionados(total=100%)
Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)
Entre 2001 e 2011, os 20% mais pobres da distribuição de renda
permaneceram estabilizados em 54,4% das ocupações. Além disso, o segundo
(2,6%) e o terceiro (1,5%) quintis da distribuição de renda decresceram suas
participações relativas entre os ocupados no mesmo período de tempo. (Ver
figura4.8.)
108
A partir de uma breve análise da evolução da composição das ocupações
segundoarepartiçãoderenda,pode-seavançarparaumaabordagemdatrajetória
distributiva. Isso deve permitir uma melhor compreensão a respeito da
apropriação do rendimento do trabalho pelos brasileiros no período de tempo
selecionado.
Figura4.8–Brasil:evoluçãodadistribuiçãoporquintilderendadosocupadoscomrendimentoeensinosuperioremanosselecionados(total=100%)
Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)
4.3.Mudançasnadistribuiçãoderenda
Ocomportamentodarendatemsidoumdosimportanteselementosexplicativos
dos efeitos distributivos na estrutura da sociedade. Por conta disso, torna-se
fundamental considerar a evoluçãoda repartiçãoda renda ao longodo tempo,
poisdessaformaéquesepodecompreendermelhorcomoaestruturasocialde
umpaísserefletenastrajetóriasdistributivas.
Nessesentido, tomou-secomoreferênciaocomportamentodaestruturade
distribuição da renda nas últimas quatro décadas. A partir das informações da
PesquisaNacionalporAmostradeDomicílios(PNAD)doIBGEobtidasparaos
anos de 1981, 1992, 2001 e 2011, pode-se compreender a evolução das
estruturasderepartiçãoderendanasdécadasprecedentes,istoé,nasdécadasde
1970,1980,1990e2000.Aanálise comparativa entreosquatroanospermite
tratar de trajetórias distributivas ao longo do tempo. Foram consideradas na
análise de evolução da renda as partes constitutivas do rendimento familiar
(somatóriados rendimentosde todososmembros ativos e inativosda família),
do rendimento individual (ativo e inativo) e do rendimento dos ocupados
(ativos).
109
Assim,têm-secondiçõesparaavaliaremquemedidaaestruturaderepartição
darendaterminousendoafetadapelatrajetóriadistributivanoBrasil.Conforme
sepoderáconstataraseguir,opaísestabeleceuumanovatrajetóriadistributivaa
partirdaviradadoséculoXXI.
4.3.1.Rendafamiliar
Deacordocoma evoluçãona repartiçãodo rendimento familiardapopulação
brasileira com renda, destaca-se que o peso relativo dos 20% mais pobres
(primeiroquintildadistribuiçãoderenda)registrouumatrajetóriadequedanos
anos de 1981, 1992 e 2001. Entre 1981 e 2001, o peso relativo do primeiro
quintilderendacaiu6,1%.
Amesmatrajetóriadequedatambémfoiobservadaemrelaçãoaosegundo,
terceiro e quarto quintis da repartição da renda nacional. Numa comparação
entreoanode2001eode1981,osegundoquintilregistrouumadiminuiçãode
4,3%, o terceiro, de 6,0%, e o quarto, de 5,5%. O ano de 1992, contudo,
representouumadistinçãointeressante,poistodosostrêsquintisintermediários
(segundo, terceiro e quarto) registraram aumentos de participação relativa na
renda das famílias em relação a 1981. Na sequência, contudo, a queda se
mostroumuitomaispronunciada,quandocotejadacomoanode2001.
De todo modo, o único quintil de renda das famílias cujo peso relativo
cresceufoiosuperior.Assim,os20%maisricosdapopulaçãoaumentaramsuas
participações relativas,passandode58,4%,em1981,para60,6%,em2001,o
que significou uma elevação de 3,4% nomesmo período de tempo. Situação
equivalente foi verificada nos quintis intermediários, com o aumento de suas
participaçõesrelativasentre1981e1992eumadiminuiçãonoperíodode1992
e2001.Paraos20%maisricos,ocorreuumatrajetóriadequedanoiníciopara
na sequênciahaver significativa elevação.Em síntese, houveumdecréscimode
4,8%entre1981e1992eumaelevaçãode9%entre1992e2001.(Verfigura
4.9.)
Figura4.9–Brasil:evoluçãodadistribuiçãoporquintilderendadapopulaçãocomrendimentofamiliaremanosselecionados(total=100%)
110
Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)
Dada a trajetória da concentração de renda, verifica-se um aumento da
distânciaqueseparaosdoisextremosdadistribuiçãodorendimentofamiliar.No
anode2001,por exemplo,opeso relativodos20%das famíliasmais ricasna
rendanacionalera19,5vezesmaiorqueaparticipaçãodos20%dasfamíliasmais
pobres,enquantoem1981essadiferençafoide17,7vezes.Ouseja,nota-seum
crescimentode10,2%nograudedesigualdadeentreosextremosdadistribuição
derenda.
Nadécadade2000,adistribuiçãoderendasemodificou,comoregistrode
umamaiorparticipaçãoporpartede80%dapopulação.Entre2001e2011,por
exemplo, a parcela dos 20% das famílias mais pobres na renda nacional
aumentou 32,3%, enquanto o crescimento foi 24,2% no segundo quintil, de
16,5%noterceiroede6,4%noquarto.Apenasaparticipaçãorelativados20%
das famílias mais ricas diminuiu 9,2%. Assim, em 2011, o último quintil da
distribuiçãoderendaabsorvia55%darendanacional,enquantonoanode2001
suaparticipaçãoerade60,6%.
A mudança recente no sentido da trajetória distributiva indicou uma
desconcentração na repartição da renda das famílias. A diferença entre o peso
relativodos20%dasfamíliasmaisricasedos20%dasfamíliasmaispobresera
de 19,5 vezes em 2001, passando para 13,4 vezes no ano de 2011, o que
significouumaquedade31,3%.
Poroutro lado,observa-seque40%dapopulação commenor rendimento
noBrasilcapturou12,3%darendadetodasasfamíliasem2011,enquantoem
2001essamesmaparcelaabsorviasomente9,7%,ouseja,21,1%amenosdoque
em2011.Em1992,aparticipaçãodos40%dasfamíliasdemenorrendaerade
10,4%,istoé,umvalor15,4%abaixoemrelaçãoaodoanode2011.Nocaso
111
dos 40% das famílias mais ricas houve pouco decréscimo.O peso relativo na
distribuiçãoderendapassoude79,3%,em2001,para74,9%,em2011.Noano
de1981,essevalorerade78,2%,eem1992,de77,3%.
4.3.2.Rendaindividual
Para além domovimento distributivo da renda das famílias, interessa também
analisar a evolução da distribuição do rendimento individual. Consideram-se,
para isso, todos os indivíduos com 14 anos oumais com rendimento, seja na
condiçãodeativosocupados,sejanadeinativosreceptoresdealgumaformade
renda(aposentadoria,pensão,programadetransferênciaderenda,entreoutros).
Nota-se que no período de 1981 a 2011 não se percebe omesmo sentido da
trajetóriadistributivaverificadaanteriormentenoconjuntodasrendasfamiliares.
Emvezdedoismovimentosnítidosnoprocessodistributivo entre a rendadas
famíliasantesedepoisde2001,constata-sequenocasodarendadosindivíduos
atrajetóriadeinversãodistributivainicia-seantecipadamente.
No primeiro quintil de renda dos indivíduos, por exemplo, após um
estancamentodesuaparticipaçãorelativaentreosanosde1981e1992,houve
uma importante elevação de 27,6% registrada em 2001. Além disso, dez anos
depois, a participação dos 20% dos indivíduos mais pobres voltou a crescer
(21,6%).Poroutrolado,noextremodadistribuiçãoderenda,aparticipaçãodos
20%dosindivíduosmaisricosnãosofreualteraçãoentreosanosde1981,1992
e2001.Somenteem2011équeseregistrouumaquedade8,8%.
Emfunçãodisso,adesigualdademedidapeladiferençaentreasparticipações
doprimeiro(omaispobre)edoquinto(omaisrico)quintisdedistribuiçãode
rendapermaneceuestávelentreosanosde1981(21,5vezes)e1992(21,4vezes).
Noanode2001(16,9vezes),adesigualdadeentreosextremosdadistribuiçãode
rendaindividualdecresceu21%e,em2011(12,6vezes),decaiumais25,4%.
Nos quintis intermediários (segundo, terceiro e quarto), o sentido
distributivo também não foi homogêneo. No segundo quintil, por exemplo,
houveaumentonaparticipação(12,7%)darendaindividualdapopulaçãode14
anosoumaiscomrendimentoentre1981e1992,equeda(9,9%)entre1992e
2001.Na sequência, entre os anos de 2001 e 2011, houve novo aumento na
participaçãorelativa(34,4%)dosegundoquintil.Noterceiroquintil,aquedado
peso relativo da renda individual da população ocorreu somente em 1992
(5,7%),demodoquenosanosde2001e2011osaumentosnaparticipaçãoda
rendaforamde3%e14,7%,respectivamente.
Por fim,oquartoquintil registrouestabilidadeemsuaparticipaçãorelativa
nadistribuiçãoderendaindividualentre1981e1992.Noanode2001houve
112
quedade3,9%eaumentode5,8%em2011.
Aosetomarcomoreferênciaaparticipaçãonadistribuiçãoderendados40%
dosindivíduosmaispobres,percebem-seoscrescimentosde9,2%em1992,de
10%em2001ede13,2%noanode2011.Nocasodos40%dos indivíduos
commaiorrendimento,omovimentofoi inverso;houvequedasde0,4%entre
1981(80,4%)e1992(80,1%),de0,5%em2001(79,7%)ede5,6%em2011
(75,2%).(Verfigura4.10.)
Figura4.10–Brasil:evoluçãodadistribuiçãoporquintilderendadapopulaçãocomrendimentoindividualemanosselecionados(total=100%)
Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)
4.3.3.Rendadosocupados
Uma vez analisada a evolução das estruturas de rendimento das famílias e dos
indivíduos nos últimos 30 anos, resta acompanhar o movimento ocorrido na
renda proveniente fundamentalmente do exercício do trabalho. Isso porque as
rendas das famílias e dos indivíduos contêm a presença importante dos
rendimentos originados pela intervenção das políticas públicas, como
aposentadoria, pensão, seguro-desemprego, programas variados de transferência
derenda,entreoutras.
No caso da renda dos ocupados, o valor total segue mais a dinâmica do
funcionamentodomercadodetrabalho,aindaquecontenhaapresençadaação
doEstado.Issoporqueocomportamentodorendimentodotrabalhoexpressaa
influência das políticas governamentais no emprego e na remuneração de
funcionários públicos, no valor do salário mínimo e nos benefícios do marco
regulatórioparaosempregadosedesempregados.
Nesse sentido, identifica-seummovimentodomercadode trabalhomenos
desfavorável para os 20% mais pobres dos ocupados na primeira década do
séculoXXI.Aomesmotempo,constata-setambémtantoumaquedarelativano
113
peso dos 20% mais ricos dos ocupados quanto uma expansão dos quintis
intermediáriosdadistribuiçãoderenda.
O resultado desse movimento foi a redução significativa do grau de
desigualdadenoconjuntodarendadosocupadosem2011.Antesdisso,ouseja,
entre 1981 (3%) e 1992 (2,8%), por exemplo, o peso relativo dos 20% dos
ocupados demenor rendimento decaiu 6,7%, enquanto subiu 25% em 2001
(3,5%)e40%em2011(4,9%).
No caso do quinto quintil da distribuição, sua participação relativa
aumentouem1992(0,3%)eem2001(1%).Noanode2011,aquedanopeso
relativodarendados20%maisricosdiminuiu9,3%.
Emfunçãodisso, a trajetóriadadesigualdadenaparticipaçãodos20%dos
ocupados commenor rendimento em relação ao peso dos 20% dos ocupados
maisricosregistrouaumentode7,3%entre1981(20,5vezes)e1992(22vezes).
Nosanosseguintes,houvequedade19,1%em2001(17,8vezes)ede35,4%em
2011 (11,5 vezes). Nos mesmos anos, o segundo e o quarto quintis da
distribuição de renda dos ocupados apresentaram trajetória semelhante, isto é,
crescimentoentre1981e1992eentre2001e2011,bemcomodecréscimode
1992 a 2001. O terceiro quintil decaiu em 1992, estabilizou-se em 2001 e
somentecresceuem2011.
Nocasodos40%dosocupadosmaispobres (primeiro e segundoquintis),
registra-se estabilidadeemsuaparticipação relativana renda total entre1981e
1992(9,7%).Em2001(10,1%)eem2011(13,5%),houveelevaçõesde4,1%e
de 33,7%, respectivamente, no peso dos dois quintos dos ocupados demenor
rendimento. No entanto, percebe-se que no caso dos 40% dos ocupados de
maiorrendimentohouveaumentode0,9%emsuaparticipaçãorelativanarenda
verificada entre os anos de 1981 e 1992. Nos anos seguintes, contudo,
contabilizaram-se quedas de 0,5% entre 1992 e 2001 e de 6,4% entre 2001 e
2011.(Verfigura4.11.)
Paraatrajetóriadistributivadarendadosocupados,cabetambémconsiderar
os efeitos do emprego e da remuneração nos distintos setores de atividade
econômica. Pode-se observar, por exemplo, que o setor terciário da economia,
constituído pelos serviços públicos e privados e pelo comércio, trouxe amaior
contribuiçãoparaaelevaçãodaparticipaçãoderendadosocupadosnoperíodo
analisado,aocontráriodoqueocorreunosetorprimário(agropecuária,extração
mineralevegetal),quefoioquemenoscontribuiuparaaalteraçãodatrajetória
distributivadosocupados.
Figura4.11–Brasil:evoluçãodadistribuiçãoporquintilderendadosocupadoscomrendimentoemanosselecionados(total=100%)
114
Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)
Em relação às últimas quatro décadas, o peso do primeiro quintil na
distribuiçãoda rendadosocupadosdosetorprimário somenteaumentouentre
osanosde1992e2001(12,5%).Nosdemaisperíodosselecionadosdetempo,
houvequedasde25,6%entre1981e1992ede11,1%entre2001e2011.No
outroextremodadistribuiçãoderendadosocupadosnosetorprimário,houve
elevação de 4,8% apenas no período de 1981 e 1992, enquanto se registram
quedasde2,4%entre1992e2001ede5,2%entre2001e2011.Assim,ograu
de desigualdade na renda dos ocupados por quintis entre os extremos da
distribuiçãoaumentoude13,6vezes,em1981,para17,7vezes,em2011.
Os quintis intermediários aumentaram suas participações relativas na
comparaçãodoanode1981comode2011.Nesseperíodo,somenteoprimeiro
e o quinto quintis da distribuição de renda dos ocupados no setor primário
apresentaram os menores pesos relativos à distribuição da renda. (Ver figura
4.12.)
Figura4.12–Brasil:evoluçãodadistribuiçãoporquintilderendadosocupadoscomrendimentonosetorprimáriodaeconomiaemanosselecionados(total=100%)
115
Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)
Na ocupação do setor secundário da economia brasileira, composta
principalmente pelas indústrias de transformação e de construção civil, a
trajetória distributiva teve outro sentido. Desde 1981, houve um aumento na
participaçãorelativadoprimeiroquintildadistribuiçãoda rendadosocupados
comcrescimentosde5%em1992,de14,3%em2001ede37,5%em2011.Já
o segundo e o terceiro quintis da distribuição decresceram seus pesos relativos
somenteem1992paraaumentaremtantoem2001quantoem2011.Oquartoe
o quinto quintis de renda dos ocupados elevaram suas posições relativas em
1992,masdecresceramem2001.Noanode2011,oquartoquintilaumentou
sua participação relativa na renda dos ocupados em 8,5%, enquanto o quinto
quintildecresceuem12,1%oseupesorelativo.
Com isso, a desigualdade entre os extremos da distribuição de renda caiu
significativamente.Em2011,adiferençaentreaparticipaçãodoquintoquintil
derendaemrelaçãoaoprimeiroquintilfoide7,6vezes,enquantoem1981essa
diferençaerade14,5vezes.Issosignificou,portanto,umadiminuiçãode47,6%
nograudedesigualdadedarendadosocupadosnosetorsecundáriodeeconomia
brasileira.(Verfigura4.13.)
Figura4.13–Brasil:evoluçãodadistribuiçãoporquintilderendadosocupadoscomrendimentonosetorsecundáriodaeconomiaemanosselecionados(total=100%)
Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)
Em relação ao setor terciário da economia, a distribuição da renda dos
ocupadosapresentoumudançasaindamaisexpressivas.Deumlado,houveum
maiorecontínuocrescimentodaparticipaçãonarendados20%ocupadosmais
pobresdesde1981.Noanode1992,porexemplo,aparticipaçãorelativadessa
parcelacresceu3,8%,e,nosanosde2001e2011,osaumentosforamde25,9%
116
e50%,respectivamente.Deoutro,comoopesorelativodoquintoquintilcaiu
em1992e2011,areduçãonadesigualdadeentreosextremosdadistribuiçãofoi
elevada.Noanode2011,porexemplo,ograudedesigualdadeentreoquintoeo
primeiro quintil na repartição da renda dos ocupados do setor terciário foi de
11,2 vezes ante a diferença de 23,7 vezes constatada em 1981, o que
correspondeuaumaquedade52,7%nomesmoperíododetempo.
Ossegundoequartoquintissubiramsuasparticipaçõesrelativasem1992e
2011,apresentandoquedaem2001.Emcompensação,opesorelativonarenda
do terceiroquintildecresceuem1992e2001,para somente em2011voltar a
aumentar sua posição relativa na renda dos ocupados do setor terciário. (Ver
figura4.14.)
Figura4.14–Brasil:evoluçãodadistribuiçãoporquintildosocupadoscomrendimentonosetorterciáriodaeconomiaemanosselecionados(total=100%)
Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)
Alémdos setores da atividade econômica, considera-se tambéma trajetória
distributiva dos ocupados segundo o nível de escolaridade. Com isso, pode-se
observarmelhorocomportamentodarepartiçãodarendaentre1981e2011.
Nota-se, por exemplo, que entre os ocupados com ensino fundamental o
pesorelativonarendadoprimeiroquintildecresceuem1992(20%)eaumentou
em2001(11,1%)eem2011(37,5%).Nooutroextremo,odoquintoquintil,a
participaçãorelativaaumentouem1992(0,6%)eem2001(2,8%),decaindono
ano de 2011(3,7%). Como consequência, o grau de desigualdade entre a
participaçãorelativados20%maisricoscomensinofundamentaleados20%
maispobrestambémcomensinofundamentalcaiude13,1vezes,em1992,para
8,5vezes,em2011,oquesignificouumdecréscimode35,1%.
Noquetangeàdesigualdademedidaentreasparticipaçõesrelativasdos40%
dosocupadosdemaiorremuneraçãoedos40%demenorremuneração,também
seobservaidênticomovimentodequeda.Noanode2011,adiferençaentreas
117
duasparticipaçõesfoide3,9vezes,e,em1992,de5,4vezes,oquerepresentou
umadiminuiçãode27,8%nadesigualdadederendaentreosquintis.(Verfigura
4.15.)
Figura4.15–Brasil:evoluçãodadistribuiçãoporquintilderendadosocupadoscomensinofundamentalecomrendimentoemanosselecionados(total=100%)
Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)
Com relação aos ocupados do ensino médio, nota-se que a trajetória
distributiva se diferenciou sobretudo no quinto quintil. Isso porque o peso
relativonarendatotaldos20%ocupadosdemaiorrendimentocresceuem1992
(0,6%) e em 2011 (3,8%), caindo, entretanto, em 2001 (3,9%).No caso do
primeiro quintil de distribuição do rendimento dos ocupados, constata-se um
movimentodistinto.Ouseja,houveaumentosrelativosnoanode2001(9,6%)e
de2011(21,1%)eumaquedaem1992(14,7%)entreos20%maispobresdos
ocupados.
Assim,ograudedesigualdadeentreaspontasdadistribuiçãoporquintilde
renda dos ocupados cresceu 25,6% somente na comparação entre os anos de
1981 e 1992. Na sequência, percebe-se uma queda na desigualdade na
comparaçãoentre1992e2001(12,3%)eentre2001e2011(14,2%).
No conjunto dos quintis intermediários (segundo, terceiro e quarto) da
distribuiçãoderendadosocupados,houvequedanaparticipaçãoemrelaçãoao
totaldorendimentoentre2001e2011.Amaiordiminuiçãoocorreunosegundo
quintil(9,5%),seguidopeloquartoquintil(5,7%)epeloterceiroquintil(4,1%)
dadistribuiçãodosocupadosdeensinomédionacomparaçãodomesmoperíodo
detempo.(Verfigura4.16.)
Figura4.16–Brasil:evoluçãodadistribuiçãoporquintilderendadosocupadoscomensinomédioecomrendimentoemanosselecionados(total=100%)
118
Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)
Por fim, analisa-se a distribuição da renda dos ocupados com ensino
superior.Oquintildos trabalhadoresdemenor rendimentodecresceu seupeso
relativoem1992(6,7%)eem2011(4,5%),comumaumentoem2001(4,8%).
O quintil de maior renda dos ocupados com ensino superior cresceu sua
participação relativa tantoem1992 (1,6%)quantoem2001 (8,8%),decaindo
em2011(1,8%).
O resultado da desigualdade medida entre os quintis extremos da
distribuição do rendimento entre os ocupados de ensino superior indicou
crescimentosem1992(8,8%),em2001(3,9%)eem2011(2,9%).Somenteo
terceiro(1,7%)equarto(5,1%)quintisdadistribuiçãoderendadosocupadosde
ensino superior aumentaram seus pesos relativos, enquanto o segundo quintil
permaneceuestávelentreosanosde2001e2011.(Verfigura4.17.)
Figura4.17–Brasil:evoluçãodadistribuiçãoporquintilderendadosocupadoscomensinosuperiorecomrendimentoemanosselecionados(total=100%)
Fonte:IBGE/PNADs(elaboraçãodoautor)
119
Consideraçõesfinais
Aanáliserelativaàevoluçãotemporaldaestruturaderepartiçãonarendarevela
alteraçõesimportantesnacomposiçãodasocupaçõesporquintisderendimentos,
bemcomonaapropriaçãodarendaporindivíduosefamíliasnoBrasil.Seentre
osanosselecionados,condizentescomoperíodode1981a2001,houverelativa
estabilidadenaestruturaregressivadadistribuiçãoderenda,omesmonãopode
serditoemrelaçãoàprimeiradécadadoséculoXXI.
Constatou-se nos anos 2000 uma leve desconcentração do conjunto das
ocupações situadas no primeiro quintil da distribuição do rendimento dos
trabalhadores. Da mesma forma, no que tange a esse primeiro quintil, não
obstanteareduçãodesuadimensãorelativa,cresceuopesodarendaabsorvida.
Assim, compreende-se que após longo período em que a composição das
ocupações não registrava significativas modificações, na década de 2000
começaram a ser registradas alterações substanciais na estrutura dos postos de
trabalhoconcentradosfundamentalmentenabasedapirâmidesocialdopaís.O
resultadodisso foi a ampliaçãoda rendaabsorvidapelo segmentopopulacional
representadopelos40%maispobresdosbrasileiros.
Essa ampliação no nível do rendimento dos trabalhadores de menor
rendimento permitiu ampliar o consumo, uma vez que esse segmento social
dificilmente teria condições de poupar, dada a demanda reprimida
historicamente. Com isso, a elevação no rendimento permitiu incluir, pelo
consumo, parcela importante da sociedade, derivadadosmovimentos positivos
dasocupaçõesedosrendimentosdostrabalhadoresdesaláriodebase.
120
REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS
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Publicadoemmaiode2014,dezanosdepoisda
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Índice
SobreOmitodagrandeclassemédia 2Sobreoautor 3Créditos 6Sumário 8Prefácio-MarilenaChaui 11Apresentação 161.Classemédiaemquatrotempos 201.1.Nocapitalismodalivreconcorrência 211.2.Nocapitalismooligopolista 221.3.Nocapitalismopós-industrial 241.4.Nocapitalismomonopolistatransnacional 25
1.4.1.Padrõesdemobilidadeeclassemédia 261.4.2.Deslocamentodariquezaegeografiadocrescimento 301.4.3.Redivisãointernacionaldaclassemédia 331.4.4.Experiênciabrasileirarecente 35
Consideraçõesfinais 382.Classemédia:fatoseinterpretaçõesnoBrasil 442.1.Padrãodecrescimentoeconômicoeestruturasocialnocapitalismoavançadodosegundopós-guerra 46
2.2.Industrializaçãotardiaesubconsumodaclassetrabalhadorabrasileira 50
2.3.Ascensãodostrabalhadorespobreseprojetosocial-desenvolvimentista 57
Consideraçõesfinais 643.Cadeiasglobaisdeproduçãoeciclosdemodernizaçãonopadrãodeconsumobrasileiro 66
3.1.Cadeiasprodutivasglobaisemassificaçãodoconsumodebaixocusto 68
3.1.1.Novoparadigmadeprodução 693.1.2.Sociedadelowcost 73
3.2.CiclosdemodernizaçãodopadrãodeconsumonoBrasil 753.2.1.Alteraçãonaestruturadospreçosrelativos 77
134
3.2.2.Efeitosdarendaeamassificaçãodoconsumopopular 813.2.3.Impactodatributaçãosobrearendadasfamílias 863.2.4.Alteraçãonacomposiçãodopadrãodeconsumopornívelderenda 90
Consideraçõesfinais 984.TrajetóriasdistributivasnoBrasil 1014.1.Sentidogeraldamobilidadesocial 1024.2.Transformaçõesnaestruturaocupacional 1044.3.Mudançasnadistribuiçãoderenda 109
4.3.1.Rendafamiliar 1104.3.2.Rendaindividual 1124.3.3.Rendadosocupados 113
Consideraçõesfinais 120Referênciasbibliográficas 121
135