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O JOVEM ROMANCISTA JORGE AMADO
Matheus de Mesquita e Pontes1
RESUMO: O objetivo desse trabalho é de analisar as influências existentes no período da
escrita dos três primeiros romances de Jorge Amado: Lenita (1930), escrito em coautoria com
seus companheiros baianos Dias da Costa e Edison Carneiro; O País do Carnaval (1931); e,
Rui Barbosa nº 2 (1932) que, depois de escrito, o autor nunca autorizou sua publicação. Essas
obras expressam o início de sua carreira literária, quando o escritor tinha entre 18 e 20 anos de
idade, e vivia o processo de mudança da vida literária da Bahia para a capital brasileira.
Teoricamente, compreender o(s) lugar(es) que inseriu-se Amado, ao observar as influências
dos grupos sociais que o autor estava envolvido, torna-se essencial para analisar suas posições
e dúvidas no início dos anos de 1930, relações que estão presentes na escrita de seus
romances. Desvendar o não dito ou que está subentendido na obra, seguindo o método
proposto por Michel De Certeau, nos leva a deduzir elementos da estratégia e das táticas do
autor. A mescla ambígua, de expressar o ceticismo e o engajamento individualista para se
chegar a felicidade, são as características de fundo comum vivenciadas por seus personagens
protagonistas burgueses nas três obras. Peculiaridades que levam a marginalização desses
textos, de acordo que Amado se insere em novos lugares e em novos grupos sociais que não
se aproximam dos conteúdos e perspectivas dos seus primeiros escritos na juventude.
PALAVRAS-CHAVE: História. Literatura. Jorge Amado. Ceticismo. Felicidade.
O campo de experiência obtido por Jorge Amado nos anos de sua infância nas
lavouras de Cacau no sul do estado da Bahia e nos anos de juventude nas ladeiras, ruas, becos
e nas praias de Salvador, tornaram-se vivências vitais para a elaboração do conjunto de sua
obra literária. Seja morando no Rio de Janeiro, Sergipe, São Paulo ou no continente europeu,
o escritor sempre se apropriou das representações dos personagens do universo baiano.
Com o avanço de sua maturidade na prática literária e na vida pessoal, o
comprometimento com o descrever e analisar o cotidiano do povo da Bahia se manteve e
avolumou-se. Mudaram-se cenários, temas, o grau de engajamento ou militância, mas a Bahia
e seus sujeitos permaneceram como os principais objetos para as tramas.
Esquecida pela crítica literária, marginalizada pelo autor em vida e pouco estudada por
pesquisadores da academia, os romances iniciais do jovem Jorge Amado revelam um escritor
cético, indeciso com o futuro, sem interesses em engajamentos que gerem resultados coletivos
1 Mestre em História. Professor do Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT) Campus Cáceres.
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e, que de pouco, enaltece sua terra e seu povo. El Rei (1929) ou Lenita (1930); O país do
carnaval (1931); e, Rui Barbosa nº 2 (1932), destoam do conjunto de sua obra. Não estão
entre as obras comprometidas com a transformação social e nem vinculadas com os romances
e contos que narram o viver bem humorado, sensualizado e sofrido dos baianos. Entre os
principais intérpretes e pesquisadores de sua obra e, em sua própria análise advinda de
entrevistas e de escritos das suas memórias, não se chega a classificar essas três primeiras
obras como uma fase em sua vida literária. Apenas O país do carnaval, recebeu alguma
interpretação mais ampla.
Lenita foi publicada em 1930 na cidade do Rio de Janeiro pelo editor A. Coelho
Branco Filho, novela que Jorge Amado escreve em coautoria com seus amigos baianos,
Oswaldo Dias da Costa e Edison de Souza Carneiro. Sua primeira versão saiu em forma de
folhetim, com o título El-Rei, pelo “O Jornal” da Bahia, órgão impresso da Aliança Liberal
que sustentava a candidatura de Getúlio Vargas a presidência da República. Um detalhe
interessante é que os jovens literatos assinavam suas intervenções na novela com os
pseudônimos de Glauter Duval para Dias da Costa, Juan Pablo para Edison Carneiro, e, Y.
Karl para Jorge Amado.
Para Amado, foi “a pior novela do mundo” – o que pode explicar a razão dos
pseudônimos – em que: “Um único subliterato não poderia tê-lo feito tão ruim, foi necessário
que se juntasse três” (AMADO, 2012b, p. 44). Explicando os motivos que levaram aquela
“subliteratura”, o escritor coloca que em parte a culpa foi do bar do Brunswick, local de
boemia e de encontro do seu círculo literário, e, por outra parte, pela “metodologia” na escrita.
Foi numa noite de sábado que combinamos escrever tal novela. Não teve plano nem
esqueleto, nada. Ficou combinado que Dias escreveria o primeiro capítulo, passaria
para o Édison, que faria o segundo e eu o terceiro. Assim por diante. À proporção
que a novela era escrita, saía publicada no jornal. Porém, aconteceu que Édison no
segundo capítulo criou uma mulherzinha terrível de magra e de feia como heroína.
Eu, que neste tempo vivia sob a influência de uma pequena lírica e sentimental,
matei a prostituta no terceiro capítulo para moralizar o livro. Édison se danou e
então fêz da alma da mulher a heroína do livro. Cada qual queria atrapalhar o outro e
acabou saindo essa novela horrorosa (AMADO apud TÁTI, 1961, p. 20-21).
Os intérpretes de Amado e o próprio escritor nunca colocaram Lenita como uma obra
que integra o rol de sua produção. Além de pesar o questionamento da qualidade literária, que
o próprio Amado debocha, nenhuma outra obra feita em coautoria ganhou destaque no
conjunto de sua produção. Situação semelhante com o livro Descobertas do Mundo (1933),
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escrito em parceria com Matilde Garcia Rosa, sua primeira esposa; com o romance Brandão
entre o mar e o amor (1941-1942), em que Jorge Amado, José Lins do Rego, Graciliano
Ramos, Aníbal Machado e Rachel de Queiroz, cada um escreve um capítulo do livro; os
discursos de cunho político-literário para os intelectuais de São Paulo após o fim do Estado
Novo e da segunda Grande Guerra, organizados no livro O Partido Comunista e a liberdade
de criação (1945-1946), que foram proferidos e organizados por Amado, o poeta e senador
chileno Pablo Neruda e pelo dirigente comunista Pedro Pomar; e, entre outras produções.
O país do carnaval, após seu afastamento do PCB, teve suas primeiras reedições e
também suas primeiras traduções. A obra, depois dos anos de 1960, tornou-se referência na
representação do jovem e provinciano Jorge Amado, um texto que mescla ceticismo e
deboche (DUARTE, 1996, p. 40), representa as incertezas e alternativas de sua geração no
intuito de chegar-se à felicidade (TÁTI, 1961, p. 24). O próprio escritor enquadra o livro,
juntamente com os romances Cacau (1933) e Suor (1934), como textos que compõem a fase
de “aprendiz de romancista” (AMADO, 2012b, p. 146; AMADO apud RAILARD, 1990;
AMADO apud ESPINOSA, 1981).
Miécio Táti (1961) avalia que o romance foi um grande sucesso de crítica e um
fracasso nas vendas. A principal crítica elogiosa que lançava Jorge Amado no mundo literário
da capital brasileira, partia do seu próprio editor, Augusto Frederico Schmidt, proprietário da
Editora Schmidt que, no início dos anos de 1930, lançava vários literatos e intelectuais2.
Católico convicto, o editor gostou do final dado ao romance, em que o protagonista da trama
visualiza na religião a possível saída para solucionar suas incertezas e angústias. No prefácio3
escrito pelo próprio Schmidt, afirmava-se: “Cristo é a chave e é a medida. Felizes os que
vêem por acaso essa iluminação. – Pouco importa o que se está processando cá embaixo de
tolo e de inútil” (SCHMIDT apud TÁTI, 1961, p. 30). Além do editor, Amado relembra que
três grandes críticos da época, João Ribeiro, Medeiro e Albuquerque e Agripino Grieco –
dono da Editora Ariel –, foram unânimes em elogiar seu romance. “Quanto a venda, não
podia me iludir: dos mil exemplares da edição Schmidt, eu próprio devo ter adquirido mais ou
menos metade da tiragem para oferecer a amigos e conhecidos” (AMADO, 2012b, p. 147).
Mais maduro e tentando se distanciar do perfil de seu principal personagem, que vai
do ceticismo a possível aceitação da redenção religiosa, Amado afirma: “[...] o Paulo Rigger
2 Para citar alguns autores: José Lins do Rego, Gilberto Freyre e Plínio Salgado. 3 O contato de Jorge Amado com Schmidt partiu da intervenção de seu primo Gilberto Amado, que também fora
seu colega de faculdade no princípio dos anos de 1930.
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[protagonista] de O País do Carnaval é de todos os heróis dos meus romances, aquele em que
eu menos me projeto, o que me é mais estranho” (AMADO apud RAILLARD, 1990, p. 47).
Ao justificar a essência da obra, o autor alega que: “Êste livro narra a vida de homens céticos
que, entretanto, procuram uma finalidade” (AMADO apud TÁTI, 1961, p. 34), num período
em que a mocidade intelectualizada no Brasil começava a vivenciar a inserção e o embate de
novas correntes de pensamento no cenário social.
Em 1932, Jorge Amado já estava bem situado no Rio de Janeiro. Tinha iniciado o
curso de Direito na Universidade do Brasil – atual UFRJ –, estabelecia contatos com
estudantes de perfil católico e com colegas ligados a juventude comunista, aproximando-se
mais intensivamente dos integrantes do último grupo; iniciou suas contribuições no Boletim
de Ariel, vinculado a Editora Ariel que, na época, era o maior e mais completo periódico
brasileiro; e, dividia casa com o diplomata e poeta modernista Raul Bopp, numa residência
bastante frequentada por literatos no Bairro Ipanema. É nesse momento que Amado escreve
Rui Barbosa nº 2, obra que evidencia suas incertezas frente as novas ideias políticas que
agitavam a Europa e que ganhavam adeptos no Brasil, os movimentos fascista e comunista,
além dos debates sobre os limites do liberalismo econômico, da democracia no pós-Primeira
Guerra e da Crise de 1929.
Com perfil mais político e com ares de rejeição frente a religião como fonte de
solução dos problemas da infelicidade, Amado procurou a Editora Ariel para publicar Rui
Barbosa nº 2. Gastão Cruls, um dos proprietários da Ariel e amigo do escritor, disse-lhe: “[...]
publicaria se eu quisesse, mas que o livro não acrescentava nada em relação ao anterior [O
país do carnaval] e não era melhor que ele” (AMADO apud ESPINOSA, 1981, p. 16).
Segundo Amado, a opinião do primeiro leitor dos manuscritos, do também amigo e escritor
Otávio de Faria, contribuiu na opção por engavetá-lo. Para Faria se ele fosse editor não
publicaria e, que aquela obra, de nada acrescentava se comparada ao romance anterior, O país
do carnaval (AMADO apud TÁTI, 1961, p. 37). Justificando sua grande vontade inicial de
rapidamente publicar o seu segundo romance de autoria própria, Amado alega que: “[...]
embriagado com o sucesso de crítica de O país do carnaval, escrito em 1930, publicado em
1931, escrevo a correr Ruy Barbosa número 2, na mesma linha romanesca de influência
europeia, debate intelectual de ideias, bobageira” (AMADO, 2012b, p. 146).
Aos 80 anos, o literato emite uma interpretação mais lúcida sobre a proibição da
publicação do romance, vinculando-a ao contexto que ele vivenciava nas relações com novos
grupos sociais no Rio de Janeiro:
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Então escrevi este segundo livro [Rui Barbosa nº 2], mas tive o bom senso de não
publicá-lo. Pois foi justamente no momento em que as influências de esquerda
foram fortes para mim, em que me aproximei da Juventude Comunista e comecei a
engajar (AMADO apud RAILLARD, 1990, p. 48).
A leitura do único exemplar datilografado e pré-editado de Rui Barbosa nº 02,
existente na Fundação Casa de Jorge Amado (FCJA), ajuda a refirmar o posicionamento do
autor que, sua aproximação do movimento comunista, alterava as perspectivas na produção
literária, pois, na contracapa do manuscrito anuncia-se:
CONTINUANDO A SÉRIE:
I. O Paíz do Carnaval
II. Rui Barbosa nº 2
III. Vida de Jesus Cristo. (AMADO, 1932)
Percebe-se que uma terceira obra, com título que faz menção ao principal personagem
da religião cristã ocidental, não foi publicada, e, que a princípio, o literato visava uma lógica
sequencial para suas tramas, já que anuncia à continuidade de uma série literária.
Além disso, curiosamente, ele também comunicava uma outra série de novas
publicações abaixo:
A SAIR:
Cacau [escrito a mão e acima dos demais menções digitadas]
Samba, Coco e Nosso Senhor do Bonfim (Ensaio)
Jubiabá – romance da raça negra do Brasil (AMADO, 1932)
Os romances Cacau e Jubiabá, sairiam posteriormente em 1933 e 1935, sendo que o
ensaio anunciado não se concretizou. Sua ligação com o movimento comunista deve ter
alterado o conteúdo inicialmente previsto para os textos, tanto que em Jubiabá o subtítulo
divulgado não permaneceu e a discussão de raça presente na obra associou-se com a questão
social da classe trabalhadora. Porém, apesar das mudanças de perspectivas advindas das novas
influências, percebe-se que Jorge Amado tinha um prévio planejamento na escolha das
temáticas para sequenciar a escrita de suas obras.
Lenita, O país do Carnaval e Rui Barbosa nº 2, expressam as influências da
“Academia dos Rebeldes” e seus integrantes. Um grupo pequeno de escritores da cidade de
Salvador, que reunia-se ao final dos anos de 1920 para debater sobre a vida literária e os
dramas da vida. Jorge Amado tinha por volta de 16 anos quando se aproximou do grupo. Era
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o mais jovem e, certamente, pelo contato com os novos amigos desvendou parte dos segredos
da boemia baiana, aproximou-se dos intelectuais locais, inseriu-se nos debates políticos e
literários da época e iniciou sua produção no universo da ficção. A princípio os personagens
populares da vida baiana estão ausentes ou secundarizados em sua escrita, a luta pela
transformação da sociedade não se apresentava de forma plena, ao prevalecer a preocupação
de como obter a felicidade individualmente. É um Amado pouco baiano, pouco popular e
distante do engajamento em prol do coletivo. Apesar disso, apropriou-se em parte de seu
jovem campo de experiência nas fazendas de cacau em Ilhéus, da vivencia com a “Academia
dos Rebeldes” em Salvador e dos primeiros anos no Rio de Janeiro, para dar vida as suas
primeiras tramas literárias.
A Academia dos Rebeldes como espaço de formação da experiência de Jorge Amado
A segunda metade dos anos de 1920 foi agitada no meio político e literário. Os
impactos da Primeira Guerra, a Revolução Russa, a crise financeira, as desilusões com o
sistema liberal democrático e o avanço de novas ideologias, o movimento Tenentista e a
fragmentação das estruturas da República Velha, entre outros acontecimentos, são fagulhas
que esquentaram o clima político no entre guerras. No campo das artes e da literatura as
vanguardas europeias agitavam o meio cultural com suas tendências: Futurismo,
Expressionismo, Cubismo, Dadaísmo, Surrealismo e outras de menor expressão. No Brasil,
em 1922, no ano do primeiro centenário da independência, intelectuais, artistas e literatos
vinculados as elites de São Paulo promoveram a I Semana de Arte Moderna; o Estado
brasileiro, por outro lado, promoveu a Exposição Internacional do Centenário da
Independência, no Rio de Janeiro, que durou de 07 de setembro de 1922 à março de 1923,
contando com a presença das principais potencias capitalistas da época; enquanto no nordeste,
por sua vez, ocorre em 1926, o I Congresso Regionalista em Recife, que teve entre seus
principais articuladores o sociólogo Gilberto Freyre, ao defender a valorização cultural e
política da região na formação da nação brasileira.
A efervescência da época contribuiu para delinear os dois principais perfis dos
integrantes da “Academia dos Rebeldes”: o ceticismo e a incerteza. A Guerra, a crise
econômica e a deterioração do liberalismo democrático no mundo ocidental, incluindo o
próprio Brasil, estimulavam o ceticismo perante o presente e ao futuro. O crescimento da
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inserção das novas ideologias, o emergir das múltiplas tendências nas artes e na literatura e a
busca de características próprias para interpretar e estimular a cultura nacional, abrem para
Amado e seus companheiros “Rebeldes” um leque de possibilidades que eles podiam
apropriar ou rejeitar, peculiaridades que estimulavam a dúvida, a incerteza. Porém, de forma
ambígua, nos primeiros romances de Amado a luta é para romper com a incerteza e o
ceticismo. O engajamento na busca por uma vida sólida e feliz é a meta principal dos seus
personagens protagonistas, não por um viés coletivo mas, pela conquista individual.
A maioria dos integrantes da “Academia dos Rebeldes” eram jovens e viviam a
angústia da busca pela emancipação perante à família e de terem que traçar seus destinos
profissionais para o futuro. Por outro lado, o “patrono” do grupo fugia a regra. Era Pinheiro
Viegas, um septuagenário que aglutinava aqueles jovens. Nas memórias de Amado:
Quando o conheci, ele trabalhava no Imparcial [jornal de Salvador]; escrevia artigos
de fundo e panfletos ferozes, particularmente virulentos para estigmatizar a retórica
oca e inflamada que dominava certos meios; era respeitado e nos fascinava.
Portanto, começamos a nos reunir à sua volta (AMADO apud RAILLARD, 1990, p.
34).
O velho Viegas era um poeta que, segundo Amado, tivera seu momento de glória com
a publicação de Poemas da Carne que foi bem aceito pela crítica e no meio literário carioca e
em São Paulo. Porém, sua “posição muita democrática na hora da “campanha civilista” de Rui
Barbosa contra os militares” (AMADO apud RAILLARD, 1990, p. 34), levou a perder o
cargo público que ocupava na capital brasileira, obrigando-o a mudar-se para a Bahia. Após
sua morte no início dos anos de 1930, o grupo se dissolveu. Seu perfil cético e excêntrico,
além dos problemas de saúde antes do falecimento, estão representados na obra O país do
carnaval, através do personagem Pedro Ticiano que influenciava um grupo de jovens literatos
baianos.
Agripino Grieco, um dos donos e editores da Editora Ariel e do afamado Boletim de
Ariel, era amigo e admirador de Pinheiro Viegas nos tempos em que vivia e escrevia no Rio
de Janeiro. Fato que, possivelmente, contribuiu para que Jorge Amado, seu pupilo baiano,
recentemente vivendo em terras cariocas, tivesse a oportunidade de publicar seus “romances
proletários”, Cacau e Suor, pela Editora Ariel, além de tornar-se um colaborador assíduo e de
ter suas obras analisadas elogiosamente – mesmas as não lançadas pela Editora – no Boletim
de Ariel.
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Se Viegas era o patrono, João Cordeiro era o presidente não eleito e sem diretoria da
“Academia dos Rebeldes”. O fato de assumir atividades burocráticas e “afetivas” para o
grupo, fez com que o companheiro Jorge Amado o proclamasse para tal cargo em suas
memórias: “João Cordeiro fazia as vezes de presidente da Academia quando tínhamos de
tratar com estranhos – proprietários de oficinas gráficas, anunciantes da revista, gente de outro
meio” (AMADO, 2012a, p. 211). O fato de ser mais velho entre os jovens – excetuando
Viegas – e por ser o mais bem remunerado, por trabalhar na Mesa de Rendas do Estado,
tornou-o como representante nos negócios externos dos “Rebeldes”. Além disso, segundo
Amado, sua situação financeira aliada a preocupação que ele tinha com os pares, levava-o ao
zelo do “equilíbrio emocional” de alguns integrantes do grupo, ao pagar mulheres-damas para
dar-lhes carinho (AMADO, 2012a, p. 211).
Mesmo sendo o aglutinador e tutor dos jovens “Rebeldes”, Viegas não foi visto por
Amado como o comandante teórico do grupo. Esse posto ficou com José Alves Ribeiro,
crítico e ensaísta literário que segundo o romancista contribuiu na definição dos preceitos
criadores da produção intelectual do grupo. Fazendo menção ao prefácio do único número da
Revista Meridiano, editada pelos integrantes da “Academia dos Rebeldes” e escrito por Alves
Ribeiro – sem assinar –, Amado afirma:
[No prefácio] traçou os rumos de uma literatura de sentido universal porque plantada
na realidade da vida brasileira, na tradição e no caráter brasileiros, na cultura
original resultante de nossa formação. Teorizando sobre a criação literária no Brasil,
o ensaísta adolescente opunha aos modismos europeus que dirigiam os movimentos
ditos modernistas (em contraposição a eles, nós, os Rebeldes, nos afirmávamos
modernos e não modernistas) uma literatura de problemas, temas formas e
sentimento brasileiros, resultando desse conteúdo nacional sua expressão universal.
O conhecimento, a seriedade, a justa visão de Alves Ribeiro marcaram a obra de
todos nós, fomos ou somos todos seus devedores (AMADO, 2012a, p. 207-208).
A avaliação de Jorge Amado é que Alves Ribeiro prognosticou e conduziu, ele e
outros membros da “Academia dos Rebeldes”, para um modelo de literatura que
posteriormente seria denominada de “literatura de 30”, com romances e/ou reflexões mais
próximas e preocupadas com as questões populares.
Porém, tal literatura de “problemas” e de “sentimentos brasileiros”, existente em O
país do Carnaval e Rui Barbosa nº2, possuem um tom de descrença e desdenho com o futuro
do Brasil, além de distante da vida das camadas populares, sendo que em Lenita a obra se
debruça sobre os desejos e “tédios” da insaciável vida burguesa. A influência que Amado
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afirma ter obtido com seu companheiro Alves Ribeiro, parece ter aflorado definitivamente em
sua produção literária após a dissolução do grupo.
Clóvis Amorim foi o secretário das libertinagens dos “Rebeldes”. Autor dos romances
O Alambique (1934) e Massapê (1959 – sem publicação) era, segundo Amado (2012a), o
companheiro de “vida mais largada” dentre o grupo. Não concluiu os estudos por ser um
faltoso assíduo; dedicou-se a vários negócios, falindo em todos; jogador de pôquer metido a
manhas e truques, mas sempre a perder dinheiro; candidato a deputado com poucos votos; e,
frequentador da vida noturna e das “casas de dama” em Salvador. Na literatura: “Dono de
uma estilo original, cheio de invenção e graça, com dois traços punha de pé, inteiro e vivo, um
personagem” (AMADO, 2012a, p. 241), porém, em verdade, “Amorim amava mesmo era
viver romances e não escrevê-los [...]. Seu maior personagem foi ele próprio” (AMADO,
2012a, p. 241-242). Sua vida desregrada foi fundamental para que a “Academia dos
Rebeldes” não tivesse nenhuma ata ou registro formal, além disso, seus palavrões foram
essenciais para que o grupo fosse expulso da sua primeira sede em sua primeira reunião,
transferindo os encontros para os bares baianos.
Recordando das atividades noturnas juntas do amigo e de seu perfil, Amado descreve:
Rapazolas, palmilhamos juntos, inseparáveis, as ruas da Bahia, começamos –
quando havia dinheiro – nos restaurantes mais vagabundos, habitávamos nos
cubículos dos casarões do Pelourinho, amamos as mulheres mais pobres, de
romântico e puro amor em míseros castelos, lindas meninas em cujo seio fatigado
derramávamos nossa agreste poesia de subliteratos adolescentes.
Assim o recordo, o charuto nos dentes, jovem quase imberbe, alto, irônico,
brigão, ameaçando nossos desafetos com os epigramas e a grossa bengala afanada ao
pai, coronel do Recôncavo (AMADO, 2012a, p. 242).
Entre os principais amigos que integravam a irmandade estavam Oswaldo Dias da
Costa e Edison Carneiro, sendo mais próximo do último. Foram também companheiros na
produção da novela El-Rei / Lenita e fiéis a Jorge Amado através da escrita de artigos
elogiosos referente aos primeiros romances do amigo, destinados ao Boletim de Ariel. Através
da amizade desvendaram a vida popular de Salvador, dividiram momentos de engajamento no
campo político e no debate sobre cultura e raça negra no Brasil.
Com ele [Edison Carneiro] e Dias da Costa, meu compadre Oswaldo, vivi profunda
e intensamente a vida popular da Bahia, na saga de nossa adolescência maravilhosa:
atravessávamos os dias e as noites nos cafés de literatos mas sobretudo nas feiras,
nos mercados, nas festinhas juninas, nas pensões de raparigas, nos saveiros, nas
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moquecas na rampa do Mercado, no sarapatel nas Sete Portas, nas casas de santo,
nos pejis dos orixás e na luta antifascista irredutível (AMADO, 2012a, p. 243).
Edison Carneiro tornou-se etnólogo com foco no estudo sobre o negro brasileiro, ao
analisar as influências da sua cultura, religião e folclores na formação da identidade nacional.
Em conjunto com Aydano do Couto Ferra Rapazola, um dos últimos a integrar a irmandade
dos “Rebeldes”, foram os primeiros a pesquisar sobre os candomblés, as rodas de capoeira, os
mercados e feiras da Bahia, que futuramente iriam influenciar Jorge Amado na escrita dos
romances Jubiabá (1935) e Tenda dos Milagres (1968), na elaboração do guia Bahia de
Todos-os-Santos: guia de ruas e mistérios de Salvador (1945), entre outros vários artigos e
ensaios. Além disso, contribuíram na organização do I Congresso Afro-Brasileiro no Recife
(1934) – sobre a liderança de Gilberto Freyre – e do II Congresso Afro-Brasileiro em
Salvador (1937), eventos que Amado participou escrevendo e apresentando suas
comunicações.
Da Costa Andrade, o escritor de sonetos, Sosígenes Costa e seus livros de poesias A
Obra poética e Iararana, e, Walter da Silveira advogado de trabalhadores baianos e ensaísta
sobre temas ligados ao cinema – que chegou a receber telegrama do afamado diretor e ator
Charles Chaplin referente aos seus escritos –, compõem o restante da confraria da “Academia
dos Rebeldes”. A princípio o grupo tentou instalar suas reuniões na sala do centro espírita
Terreiro de Jesus, cedida pelo professor Souza Carneiro, pai de Edison Carneiro, porém a
agitação desregrada dos seus integrantes e os palavrões de Clóvis Amorim, levaram a perda
do concessão do espaço após o primeiro encontro. Um fato “irrelevante” – ou quem sabe
positivo – para Amado, já que depois do incidente: “Passamos a nos reunir nas mesas dos
botequins, do Brunswick, do Bar Bahia, do Café das Meninas (ah! O Café das Meninas!)”
(AMADO, 2012a, p. 211).
Amado coloca que os impactos do movimento modernista de São Paulo – tendo como
marco a Semana de Arte Moderna – foram chegar na Bahia somente cinco anos depois, em
1927: “A partir de Eugênio Gomes, grande personagem de ensaio crítico do Brasil, de
Godofredo Filho [poeta], começaram a aparecer as primeiras manifestações do modernismo
na Bahia” (AMADO apud RAILLARD, 1990, p. 35). A nova movimentação literária em
Salvador levou a criação dos grupos “Arco & Flecha” e “Samba”, além das suas respectivas
revistas que levavam o mesmo nome. O grupo Arco & Flecha foi impulsionado pelo crítico
literário e ensaísta Carlos Chiacchio que atuava no jornal A Tarde, que, segundo Amado, “era
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um grupo forte, formado por jovens que vinham de famílias ricas, um grupo de intelectuais da
alta burguesia” (AMADO apud RAILLARD, 1990, p. 35), sendo que o grupo Samba reunia
jovens de origem mais modesta ao redor do poeta Bráulio de Abreu. Ambos os grupos, na
visão de Amado, defendiam ambiguamente uma renovação literária mas com respeito à
tradição e as especificidades brasileiras, aproximando-se assim, do perfil nacionalista e
nativista da linha mais conservadora do modernismo paulista com Menotti del Picchia,
Cassiano Ricardo, entre outros.
Em 1928, um pouco mais tarde que os demais grupos, emergiu a “Academia dos
Rebeldes” sobre a égide de Viegas, o poeta baudeleriano. Os jovens “Rebeldes” e seu ancião,
se opunham de forma virulenta aos outros grupos baianos e aos poetas e demais movimentos
literários que antecederam o modernismo. Para Jorge Amado, o objetivo do seu grupo era
“[...] de varrer com toda a literatura do passado – raríssimos os poetas e ficcionistas que se
salvariam do expurgo – e iniciar[íamos] a nova era” (AMADO, 2012b, p. 76). Em suas
reflexões, Amado visualiza que: “De todos [os grupos baianos] fomos os únicos a começar
um pouco mais tarde, a ter uma atividade política de esquerda” (AMADO apud RAILLARD,
1990, p. 36), e, aprofundado a diferenciação com os demais, o literato afirma:
Não nos pretendíamos [ser] modernistas, mas sim modernos: lutávamos por uma
literatura brasileira que, sendo brasileira, tivesse caráter universal. Uma literatura
inserida no momento histórico em que vivíamos e se inspirava em nossa realidade, a
fim de transformá-la4 (AMADO apud RAILLARD, 1990, p. 36).
Além disso, propunha-se “afastar as letras baianas da retórica, da oratória balofa, da
literatice, para dar-lhe conteúdo nacional e social na reescrita da língua falada pelos
brasileiros” (AMADO, 2012b, p.76). Radicalizando as peculiaridades dos “Rebeldes” frente
ao modernismo paulista e aos grupos literários baianos, Amado coloca que também o
“chamado “regionalismo nordestino” de Gilberto Freyre [menção ao I Congresso Regionalista
de 1924] não teve jamais a menor repercussão na Bahia” (AMADO, 2012a, p. 54) e entre os
integrantes da “Academia dos Rebeldes”.
Destoando de suas memórias, as obras El Rei ou Lenita, O país do Carnaval e Rui
Barbosa nº 2, escritas no período de existência da “Academia dos Rebeldes”, de nada tem de
popular ou de aproximação com a língua falada pelos brasileiros e, muito menos, se aproxima,
4 Para Amado, como dito anteriormente, essa linha literária-política se fez presente no prefácio do primeiro e
único número da revista Meridiano, escrito por Alves Ribeiro.
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de uma linha de esquerda. Se a boemia dos “Rebeldes” aproximava-os da vida de populares e
da realidade brasileira, isso não terá impacto expressivo na escrita de Amado entre 1929 a
1932, aflorando-se somente com a escrita de Cacau em 1933, quando o grupo já havia se
dissolvido.
O que prevalece incialmente em seus escritos é o ceticismo e o deboche herdado de
Pinheiro Viegas. Reforçando essa perspectiva, no primeiro e único número da revista
Meridiano editada pelos “Rebeldes”, em setembro de 1929, Amado escreve um conto
intitulado Nacastro e Souza que foi dedicado ao mentor teórico do grupo, Alves Ribeiro. No
texto narra-se que numa noite de talento, Nascasto e Souza, chegou à conclusão que se
deixassem ele reorganizar o mundo dividir-se-ia os homens em duas classes: os que tem
talento e os que não tem talento e, que posteriormente, eliminaria os sem talento deixando o
mundo habitado por anormais, sendo que o mais anormal e degenerado seria posto como o
mais perfeito. Numa mistura de narrativa que mistura a terceira com a primeira pessoa,
Amado aproxima a visão de seu personagem Nascastro e Souza com a sua, chegando as
seguintes considerações:
O homem de talento, ao contrário, é quasi sempre um triste. Eu cultivo a tristeza
interior. E fico deveras aborrecido nos dias que acordo alegre, quer dizer normal. Ser
original é ser degenerado, e para ser original faz-se preciso muito talento.
[...]
Eu quero ser o mais degenerado, porque quero ser o mais original. Não
refreio os meus instinctos. Ao contrário. Satisfaço a todas as minhas vontades. E o
meu maior desejo é que todos os imbecis falem mal de mim.
[...]
Só admito a minha crítica que considero a maior e a melhor. Há tempos eu
quis fazer de mim o meu próprio Deus. Hoje eu sou para mim mas que o meu Deus:
Sou o meu único amigo. Como todo o homem de talento, nunca me arrependo do
que faço. O arrependimento é uma invenção torpe dos padres para as almas fracas.
Deus é o tipo de homem normal.
Satanaz o do homem de talento (AMADO, 1929).
Apesar de questionar os padrões morais da sociedade, o jovem Amado com seus 17
anos, é notoriamente cético, debochado e individualista, peculiaridades que estão presentes na
escrita dos seus três primeiros livros ficcionais. Porém, não existe nessa pesquisa, o intuito de
questionar o literato sobre a importância do campo de experiência que ele obteve ao lado dos
“Rebeldes” no final dos anos de 1920 e seus impactos no restante de sua produção literária.
Como o próprio escritor afirma: “Foram anos fundamentais para tudo o que escrevi depois.
Ainda hoje [1985] as linhas mestras do meu trabalho literário repousam sobre estes anos de
minha adolescência nas ruas da cidade da Bahia” (AMADO apud RAILLARD, 1990, p. 39).
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Referências Bibliográficas:
AMADO, Jorge. Bahia de Todos-os-Santos: guia de ruas e mistérios de Salvador. São Paulo:
Companhia das Letras, 2012a.
______. Cacau. São Paulo: Martins, s/d.
______. Nacastro e Souza. In: Revista Meridiano. Salvador-BA, Setembro 1929.
______. Navegação de Cabotagem: apontamentos para um livro de memórias que jamais
escreverei. São Paulo: Companhia das Letras, 2012b.
______. O país do carnaval. São Paulo: Martins, s/d.
______. Rui Barbosa nº 2. Salvador-BA: Fundação Casa de Jorge Amado (manuscrito),
1932.
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.
COSTA, Dias; CARNEIRO, Edison; AMADO, Jorge. Lenita. Rio de Janeiro: Editor A.
Coelho Branco Filho, 1930.
DUARTE, Eduardo de Assis. Jorge Amado: romance em tempo de utopia. Rio de Janeiro:
Record; Natal-RN: UFRN, 1996.
ESPINOSA, Antônio Roberto. É preciso viver ardentemente (entrevista biográfica). In:
GOMES, Álvaro Cardoso. Jorge Amado. Literatura Comentada. São Paulo: Abril Educação,
1981.
RAILLARD, Alice. Conversando com Jorge Amado. Rio de Janeiro: Record, 1990.
TÁTI, Moreno. Jorge Amado: obra e vida. Belo Horizonte: Itatiaia, 1961.