Post on 17-Jul-2020
José Pastore
O futuro do trabalho e do emprego Defensor da flexibilização da legis
lação trabalhista e da modernização do sistema educacional como alternativas
contra o desemprego, o sociólogo José Pastore se dedica há mais de 40 anos ao
estudo das relações do trabalho. Para ele,
a estrutura do trabalho vive uma revo
lução mundial que inclusive já chegou
ao Brasil "Os trabalhadores do faturo
terão que ser versáteis, multifimcionais e
polivalentes'; diz. Professor aposentado
da Faculdade de Economia e
Admnistração da Universidade de São
Paulo, ele ainda atua como pesquisador
da Fundação Instituto de Pesquisas
Econômicas {Fipe). Na entrevista exclu
siva que deu a Sistema, após palestra na
reunião de diretoria da Fecomércio-Rj
do dia 28 de fevereiro, o sociólogo dá
sugestões para vencer o desemprego, explica as demandas do novo mercado de
trabalho e comenta o impacto da tec-
nologia nas relações profissionais. José Pastore defende a modernização das relações trabalhistas
Sistema - O que é preciso para que o Brasil vença a a t ual onda de desemprego?
José Pastore - O desemprego tem inúmeras causas. No caso brasileiro, há três que não podem ser esquecidas: o Brasil cresce pouco, educa mal e legisla péssimo na área trabalhista. O crescimento econômico no Brasil manteve-se anêmico nos últimos anos. Para absorver os que necessitam trabalhar, o país precisaria crescer em torno de 5% ou 6% ao ano. Em 1999, cresceu menos de 1 %. Se este ano o país crescer 4%, serão ge rados cerca de 1,6 milhão de novos postos de trabalho. Mas também é preciso ter uma força de trabalho educada. É a educação básica que permite aos trabalhadores ler e compreender novos manuais de instrução, ter lógica de raciocínio, saber trabalhar em grupo, etc. No Brasil a força de trabalho tem, em média, apenas quatro anos
16 Março de 2000
de má escola, enquanto nossos concorrentes, como a Coréia do Sul e os países do Mercosul têm mais de oito anos de boa escola. Além disso, é preciso ter uma legislação flexível para acomodar as pessoas nos novos métodos de produzir e vender. Os contratos de trabalho têm que ser mais maleáveis, pois há postos novos e profissões novas, que não se enquadram na rigidez da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Em resumo, o Brasil precisa voltar a crescer, educar melhor e legislar com intel igência.
S ist e m a - A qualifi cação perm ane nte é fundamental para a sobrevivência do t rabalhador. Nosso sistema educacional está preparando os jovens para esse novo m ercado ?
José Past ore - Nossa educação é muito precária. O trabalhador de sucesso tem que se manter atualizado, pois o tempo do apadrinhamento está
acabando. Isso depende da educação. A sugestão que posso dar aos jovens é que, seja qual for a profissão escolhida, prepare-se para ser bom nela. O sucesso vai brilhar para quem ficar acima da média. Não estou dizendo que educação cria empregos. Mas, para as oportunidades
existentes, sai melhor quem é capaz. E como conseguir essa competência? Basta ler o que o professor recomenda? Não. É preciso estudar, pelo menos, o dobro e ter dentro de si o vírus da curiosidade. Já foi o tempo em que você tinha grandes chances no mercado de trabalho quando anunciava ser engenheiro, administrador ou economista fo rmado por um boa faculdade. As empresas pararam de comprar profissões e faculdades . Estão atrás de respostas e, sobretudo, de pessoas que enfrentem a
ENTREVISTA
realidade com uma clara, comprovada e indomável disposição de se apropriar do incompreensível. As boas escolas estão conseguindo informar bem. Poucas, porém, sabem como inocular nos alunos o vírus da curiosidade.
Sistema - Em sua opinião, que profissões deveriam receber especial atenção em um planejamento educacional especialmente voltado para o Brasil?
José Pastore - As máquinas tornaram-se surpreendentemente inteligentes e baratas, transformando-se em concorrentes dos trabalhadores. É a era da polivalência. Isso não quer dizer que, da noite para o dia, os cidadãos não qualificados ficarão sem o que fazer. Algumas profissões são mais pressionadas do que outras, mas quase todas estão requerendo aprendizagem contínua. No mercado do futuro, tenderão a declinar as profissões que independem de contatos com outras pessoas e a crescer as que envolvem interação entre profissionais e clientes. É bem provável que, até o ano 2020, os atuais 25% dos brasileiros que trabalham na agricultura venham a ser reduzidos para uns 1 5%. E os setores de comércio e serviços (incluindo administração pública) tenderão a passar dos atuais 5 1 % para 71 %. No setor comercial, deverão aumentar os que trabalham no comércio eletrônico. Nos serviços, crescerá a demanda pelas profissões ligadas a saúde, educação, viagens, hospedagem, alimentação, entretenimento, seguros, administração, importação, exportação e atividades financeiras em instituições não-bancárias. O mundo do futuro será permeado por grande número de autônomos nos campos da administração, cuidados pessoais, reparação e manutenção, educação, compras, vendas e corretagem.
Sistema - Muito se fala no fim do emprego tradicional. Isso se
aplica ao Brasil? Como será o futuro do trabalho no país?
José Pastore - Conheço um técnico de raios-x que trabalha em um grande hospital há cinco anos. Esse hospital, porém, não é seu empregador. Os serviços são realizados por uma outra empresa, especializada no ramo. Mas, o referido técnico não é empregado dessa empresa tampouco, pois ela tem vários contratos com outras empresas, cooperativas de trabalho e pessoal autônomo. O técnico em questão tem uma microempresa que, juntamente com seu irmão, presta serviços a várias empresas que , por sua vez, prestam serviços a hospitais. Há milhões de brasileiros trabalhando dessa forma. Diminui a proporção de pessoas que trabalham na mesma empresa em empregos fixos, de longa duração, em tempo integral e com salários prédeterminados e aumenta a proporção dos que trabalham de forma intermitente, por projetos, subcontratados, terceirizados e com remuneração variável. Educação e legislação precisam avançar muito para acomodar as pessoas dentro das condições de emprego e trabalho que o novo mundo está requerendo.
Sistema - O sr. defende a flexibilização das leis trabalhistas. Será que a grande maioria dos brasileiros, que ganha pouco, não tem qualificação e é desorganizada sindicalmente, terá condições de sobreviver sem direitos garantidos por lei?
José Pastore - Hoje temos uma legislação que não é cumprida para a maior parte dos brasileiros. Cerca de 57% estão na informalidade, sem nenhuma proteção. Quando . envelhecerem, não vão poder se aposentar. Ao morrerem, não vão deixar nenhum amparo às viúvas ou viúvos. Se ficarem desempregados, não ha nenhum colchão temporário para agüentar a crise. Enfim, são pessoas excluídas da lei e da proteção humana. Será que esse problema se resolve, aumentando-se o número
continuação
de fiscais do trabalho? Penso que não. Precisamos de uma legislação trabalhista simples, realista e amigável. Precisamos dar às partes mais espaço para elas mesmas negociarem o que lhes é útil. É preferível garantir direitos mínimos para todos do que garantir direitos máximos para uma pequena minoria - como acontece nos dias atuais. E o argumento de que a mão-de-obra não está preparada é falso. Nunca o salário real subiu tanto quanto depois da desindexação. Ninguém acreditava que os brasileiros pudessem negociar. E, a partir de 1994, negociaram. E negociaram bem. É claro que há muito caminho a ser percorrido no campo da negociação e da sindicalização. Mas as pessoas só aprendem a negociar negociando.
Sistema - Qual o impacto da Internet no emprego? E no trabalho?
José Pastore - O tema é extremamente controvertido. Dizer que tecnologia substitui trabalho é fácil. Provar que ela causa desemprego é difícil. O mundo atual está repleto de casos de tecnologias que criaram novos produtos, geraram novas demandas e oportunidades de trabalho.A televisão, o videocassete, o CD player, o tênis, a calça jeans, o McDonald's, o telefone celular, etc. são exemplos de inovações bem recebidas pelos consumidores e criadoras de empregos - diretos e indiretos. As tecnologias voltadas para processos diminuem custos o que, em ambientes competitivos, reduz preços e libera forças que geram trabalho. As tecnologias podem ser negativas ou positivas para o emprego. Quando seus benefícios são apropriados por poucos, o efeito é devastador. Quando seus benefícios são apropriados por muitos, o impacto é criativo. Uma boa educação facilita a readaptação da mão-de-obra às novas tecnologias e aos empregos. Uma educação precária dificulta.
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