Post on 19-Nov-2018
O ESPAÇO COLONIAL NO OLHAR DO IMIGRANTE: EXPECTATIVA
E REALIDADE
Rosane Marcia Neumann
Universidade de Passo Fundo
rosaneneumann@gmail.com
Resumo
No decorrer do século XIX e no início do século XX, emigrar para o sul do Brasil era
uma das possibilidades apresentadas aos emigrantes alemães em potencial. Nesse
contexto, objetiva-se analisar a trajetória migratória do emigrante citadino Wilhelm
Schäffer e sua família, que partiram da Alemanha em 1902, rumo à colônia Neu-
Württemberg, noroeste do Rio Grande do Sul, onde chegaram em dezembro e, em maio
de 1903, retornaram à Alemanha. A chegada, instalação e partida na/da colônia foi
registrada por Schäffer em um conjunto de 56 imagens fotográficas, nas quais representou
o seu estranhamento frente ao espaço da colônia em formação e os seus sujeitos. O
cruzamento da documentação, somado à leitura dessas imagens fornecem indícios sobre
a sua expectativa em relação ao espaço colonial e pistas para entender o seu retorno.
Palavras-chave: E/i/migrações; Colônia Neu-Württemberg; Wilhelm Schäffer.
E/i/migrações: utopias
A emigração é um processo complexo e completo, onde o emigrante do ponto de
partida e o imigrante no ponto de chegada são o mesmo (SAYAD, 1998). Expectativas,
sonhos, expressos e sintetizados na busca da “nova Canaã”, no “fazer a América”, na
concretização da sua utopia – o não lugar, segundo Thomas Morus. Enfim, a busca por
um futuro mais promissor do que o presente. Como fator de expulsão/atração, constam
motivações diversas, desde econômicas, sociais, políticas, religiosas ou demográficas
(RAISON, 1986; SAYAD, 1998).
Emigrar para o sul do Brasil era uma das possibilidades entre tantas, apresentada
aos emigrantes alemães em potencial, nos séculos XIX e XX. Famílias, indivíduos,
camponeses e citadinos deixavam sua heimat, na expectativa de encontrar uma nova
heimat, idealizada e representada pela propaganda que circulava nas conversas do
cotidiano, em panfletos, jornais, impressos e imagens. O choque com a realidade foi
narrado com caráter de denúncia, relativo a São Paulo, pelo imigrante suíço Thomas
Davatz, na década de 1850.
Lindas descrições, relatos atraentes dos países que a imaginação entreviu;
quadros pintados de modo parcial e inexato, em que a realidade é por vezes
deliberadamente falseada, cartas ou informes sedutores e fascinantes de
amigos, de parentes; a eficácia de tantos prospectos de propaganda e também,
sobretudo, a atividade infatigável dos agentes de emigração, mais empenhados
em rechear os próprios bolsos do que em suavizar a existência do pobre... –
tudo isso e mais alguma coisa contribuiu para que a questão da emigração
atingisse um grau verdadeiramente doentio, tornando-se uma legítima febre de
emigração que já contaminou muita gente. E assim como na febre física
dissipa-se a reflexão tranquila, o juízo claro, coisa parecida ocorre nas febres
de emigração. Aquele a quem ela contagiou, sonha com o país idealizado
durante o sono e durante a vigília, no trabalho e no descanso; agarra-se a
prospectos e folhetos que tratam, do seu tema favorito, dando-lhes o maior
crédito (em regra, porém, quando afagam as suas aspirações). Ao mesmo
passo, no entanto, desprezam geralmente as advertências e conselhos dos
homens sensatos e, logo que se ofereça oportunidade, decidem-se com
frequência a realizar os seus projetos até o dia em que – quantas vezes! – nada
restará senão confessar o triste engano. ‘Fui ludibriado!’, ou: ‘Desta vez estou
perdido!’, ‘Tenho de aguentar a brincadeira e fazer das tripas coração!’,
‘Arrependo-me amargamente do dia em que resolvi embarcar, mas agora é
suportar tudo em silêncio. Fulano avisou-me em tempo mas é tarde para
confessar-lhe o erro!’ Não faço meras conjecturas; limito-me a reproduzir o
que, desgraçadamente, tenho escutado, e muitas vezes, com estes ouvidos”
(DAVATZ, 1972, p. 1-2).
Os relatos fantasiosos, encontrados principalmente nas cartas do século XIX,
estavam relacionados à censura do governo brasileiro ou dos responsáveis pela
colonização, como o próprio Thomas Davatz (1972) denunciava, evitando a vazão de
notícias desfavoráveis à imigração e colonização. Somava-se a isso o próprio orgulho do
imigrante, de não se confessar derrotado, preocupando os seus parentes deixados na terra-
natal. Inúmeras vezes, omitia a real situação em que se encontrava, incentivando seus
familiares a emigrar também, reunindo novamente a família.
Logo, era necessário baixar a febre de emigração, poupando muitos de um
arrependimento tardio. Davatz (1972, p. 193) aconselhava a todos aqueles que almejavam
emigrar a adiar esse projeto o máximo possível, mesmo que estivessem levando uma vida
pobre e cheia de privações, mas honrada e honesta em sua terra natal. Justificava que a
decepção, além dos perigos da viagem, não compensa. Ou, quando realmente
convencidos de que a emigração seria a única saída, que a priori realizassem uma rigorosa
investigação sobre a credibilidade do projeto de colonização em questão, buscando uma
colocação no país de destino antes de abandonar o de origem. Enfim, desaconselhava o
emigrante a se aventurar cegamente rumo à “terra da promissão”, pois “não há quem
imagine, em sua terra, como é doloroso ter de definhar em um país distante, onde não se
encontrou a felicidade apetecida...”.
Outra publicação, de autoria de Heinrich Pillmann (1921), iniciava explicando que
o autor havia emigrado para uma colônia pública no Rio Grande do Sul trinta anos atrás,
e, nessas circunstâncias, percebeu quão pouco os “novos colonos” sabiam sobre a nova
Heimat e a vida que ali levariam. Ainda, que no momento de decidir-se pela emigração,
induzidos pelas leituras, cartas e o que ouviam dizer, criavam a sua imagem desse novo
espaço, porém, esses materiais não condizem com a realidade, por isso a maioria acabava
se decepcionando ao se deparar com a colônia real. Assim, seu objetivo era indicar aos
emigrantes em potencial aquilo que precisavam nos dois primeiros anos de sua nova vida
em uma colônia.
O tema da nostalgia e o empobrecimento dos imigrantes foi tema do relato de João
Weiss (1949), pautado em sua experiência na colônia de Erechim. Segundo ele, a saudade
à terra natal “é uma força indomável, capaz de influir de um modo extraordinário no
sucesso do emigrante. Ela nem sempre é eliminada por uma vida de bem estar, mas
sempre é fomentada quando se encontrar em situação material menos agradável ou
difícil” (WEISS, 1949, p. 11). Segundo ele, os tropeiros que conduziram sua família da
sede da colônia até o seu lote teriam contado que “há dois anos traziam colonos para a
mata, mas que a metade tinha novamente voltado, procurando a cidade onde era mais
fácil obter meios de vida. Tinham ido para seus lotes com mulas carregadas, como nós,
mas voltavam a pé, só com um saquinho de roupas rotas” (WEISS, 1949, p. 31). O
sonhado enriquecimento, nesses casos, transformava-se em pobreza. O estabelecimento
na gleba de terras, por um lado, atendia às expectativas acalentadas desde a Alemanha,
mas, por outro, descortinava uma gama de dificuldades não imaginadas. “Impossível
descrever a sensação de que estávamos possuídos nos primeiros momentos quando
constatamos e compreendemos que estávamos longe, muito longe da civilização, longe
de meios normais de vida, numa solidão de fazer doer a alma em angustiosa dúvida quanto
à nossa existência futura (WEISS, 1949, p. 34).
Certa dose de fantasia e credulidade existiu sempre à origem de todas as migrações
em grande escala. O migrante tende a exagerar as possibilidades disponibilizadas pelo
local de destino, como se fossem infinitas, onde a capacidade de ação não encontra
obstáculos, idealizando em excesso. Os relatos de imigrantes sobre as dificuldades
enfrentadas no novo meio são escassos. A grande epopéia da imigração, construída a
posteriori, silencia os pormenores, afirmando que as dificuldades foram vencidas pelo
trabalho (cf. SANT’ANA, 1991).
No século XIX, Hermann Blumenau (2002, p. 32) escreveu que “uma Colônia
deve ser um ponto de apoio para a imigração e não um empecilho ou uma armadilha, onde
é fácil chegar, mas difícil ou impossível sair. Pela natureza de seu trabalho e também
pelas suas proporções limitadas, ela não pode oferecer ocupação e nem satisfazer os
desejos de todos os imigrantes”, logo, chegar e partir fazia parte do cotidiano de qualquer
projeto de colonização. Acreditava também que nem todos serviam para uma colônia
recém-formada, mas somente aqueles que concordavam em se adaptar a esse estilo de
vida inicial, valendo-se do auxílio de pessoas experientes.
Enfim, os movimentos migratórios não seguem uma trajetória linear – partir,
chegar, permanecer, progredir –, mas se adaptam a um leque de possibilidades,
atravessadas por inúmeros fatores internos e externos. Os vestígios da presença dos
e/imigrantes que retornaram para seu local de origem são quase imperceptíveis na
documentação e nas narrativas coletivas, onde as histórias de fracasso ocupam um espaço
marginal (cf. ELMIR; WITT, 2014).
Indícios da trajetória do imigrante Wilhelm Schäffer
A opção por alterar a sua trajetória normal de vida, por meio da e/imigração, torna
o e/ imigrante um sujeito com um diferencial em relação aos demais, pertencentes ao
mesmo grupo (VANGELISTA, 2010). Todavia, poucos são aqueles que deixaram algum
vestígio sobre sua trajetória, afora os registros formais – quando não desapareceram
nesses também. Consequentemente, resta-nos tratar dos relatos dos e/imigrantes de forma
indireta, a partir do coletivo. Em outros casos, o registro produzido, anônimo ou autoral,
destina-se aos familiares do além-mar, em um contexto conhecido por ambos.
O cruzamento de dados diversos fornece pistas e indícios sobre a e/imigração das
famílias de Wilhelm Schäffer e Friedrich Garn. Trata-se de duas famílias citadinas,
residentes na cidade de Kiel, capital do estado de Schlesvig-Holstein, no norte da
Alemanha, que embarcaram em novembro de 1902 no porto de Hamburgo, no vapor
Rosário, que fazia a linha Hamburgo-América do Sul, e desembarcaram no porto de Rio
Grande em início de dezembro de 1902. O destino final era a colônia Neu-Württemberg,
de propriedade da Empresa de Colonização Dr. Herrmann Meyer, localizada em Cruz
Alta, no noroeste do estado do Rio Grande do Sul.
O deslocamento das duas famílias seguiu o trajeto da época: via fluvial de Rio
Grande até Porto Alegre, seguindo de trem até Santa Maria, com conexão para Cruz Alta.
A partir de então, seguia de carroça até a colônia. As duas famílias chegaram em Neu-
Württemberg em fins de dezembro de 1902, permanecendo, possivelmente, por alguns
dias no barracão do imigrante, na sede da colônia.
O imigrante Wilhelm Schäffer era eletrotécnico de profissão. Emigrou com a
esposa e quatro filhos com idade entre 8 e 14 anos. Já Friedrich Garn emigrou com esposa
e pelo menos três filhos menores. A documentação consultada não permite afirmar se
havia algum grau de parentesco entre as duas famílias. Fato é que compraram em
sociedade, em primeiro de janeiro de 1903, o lote colonial número 9, na Linha 15 de
Novembro, com área de 26,4 hectares, pelo preço de um conto de réis (Rs. 1:000$000),
pagando como entrada no ato da compra cem mil réis (Rs. 100$000). O restante do valor,
conforme o contrato, seria pago em duas prestações, a vencer em 3 e 6 anos, com juros
de 6% ao ano.1
As duas famílias se instalaram no lote colonial, localizado às margens do rio
Palmeira, no limite norte da colônia, relativamente afastado da sede da colônia. Nesse
ponto, cabe questionar, conforme Giovanni Levi (2015), porque uma família permaneceu
na colônia, enquanto a outra, nas mesmas condições, retornou para a Alemanha. Uma das
possíveis variáveis foi a situação econômica e o erro de cálculo, pois imediatamente após
a sua chegada na colônia, Schäffer recorreu ao administrador da colonizadora em Porto
Alegre, Horst Hoffmann, solicitando a sua intervenção para agilizar a remessa de capital
da Alemanha referente aos bens que havia vendido, ou providenciar um adiantamento,
pois estava em uma “situação insuportável”. Ao emigrar com Rs. 2:250$000, Schäffer e
Herrmann Meyer haviam previsto que não teria problemas financeiros, mas a realidade
mostrou-se outra e, segundo ele, havia faltado mais orientação ao partir na Alemanha.
1 Contrato particular de compra e venda, n. 88. Neu-Württemberg, 1/1/1903. Vendedora Empresa de
Colonização Dr. Herrmann Meyer, comprador Wilhelm Schäffer e Friedrich Garn. Caixa 1-2 Contratos,
MAHP.
Após reiterados pedidos, o capital foi enfim remetido em fevereiro de 1903.2 Contudo,
em maio de 1903, a família Schäffer retornou para a Alemanha, sem deixar rastros.3
Na mesma condição, a família de Friedrich Garn permaneceu na colônia Neu-
Würrtemberg. Sabemos que em julho ainda permanecia no lote, como proprietário de um
cavalo.4 No contrato de compra e venda do lote colonial, não consta se o mesmo foi
devolvido e em qual condição. Possivelmente, a devolução para a Colonizadora foi
efetivada quando venceu o prazo para quitar a primeira prestação, visto que em 1908 o
lote já contava com outro proprietário.5
Pelas evidências é possível afirmar que Garn também não se adaptou à vida de
colono, transferindo-se para a sede urbana. Em três de fevereiro de 1903, Garn adquiriu
o terreno urbano número 18, na quadra 19, na sede Elsenau, com a área de 0,30 hectares,
pelo preço de Rs. 100$000, pago no ato da compra. Em 1912 e 1913 vendeu esse terreno
fragmentado em dois.6 Posteriormente, Garn adquiriu mais terrenos na sede urbana: em
12 de março de 1904 comprou o terreno número 16, da quadra 12, com área de 0,10
hectares, por Rs. 50$000. Em 1912 e 1914 devolveu para a Colonizadora.7 Em três de
abril de 1906 adquiriu o terreno 14, da quadra 19, com área de 0,12 hectares, por Rs.
50$000, pagando no ato da compra Rs. 20$000. Devolveu esse terreno em partes, em
1916 e 1918.8 Em seguida, estabeleceu-se mais afastado da zona urbana, na área das
chácaras. Em 14 de dezembro de 1909 adquiriu a chácara nº 10, com área de cinco
hectares, na Linha Berlim nº 7, pelo valor de Rs. 300$000. Devolveu a mesma para a
2 Carta. Neu-Württemberg, 3/2/1903. W. Schäffer a Horst Hoffmann, Porto Alegre. Anexo do Relatório 24.
De 16 a 31/12/1902. Porto Alegre, 7/1/1903. Horst Hoffmann a Herrmann Meyer, Leipzig. Pasta
Transcrição Livro Copiativo 44, Caixa 109, MAHP. 3 Relatório 22/23. De 16/11 a 15/12/1902. Porto Alegre, 17/12/1902. Horst Hoffmann a Herrmann Meyer,
Leipzig. Pasta Transcrição Livro Copiativo 44, Caixa 109, MAHP. 4 Friedrich Garn foi contado com os proprietários da Linha Brasil. Tabela estatística dos animais em Neu-
Württemberg, elaborada por Hermann Faulhaber, em julho de 1903. Livro Copiativo 10, Fl. 110-112,
MAHP. 5 Contrato particular de compra e venda, n. 240. Neu-Württemberg, 2/09/1908. Vendedora Empresa de
Colonização Dr. Herrmann Meyer, comprador Paul Wagner. Caixa 1-2 Contratos, MAHP. 6 Contrato particular de compra e venda, n. 101. Neu-Württemberg, 3/2/1903. Vendedora Empresa de
Colonização Dr. Herrmann Meyer, comprador Friedrich Garn. Caixa 1-2 Contratos, MAHP. 7 Contrato particular de compra e venda, n. 136. Neu-Württemberg, 12/3/1904. Vendedora Empresa de
Colonização Dr. Herrmann Meyer, comprador Friedrich Garn. Caixa 1-2 Contratos, MAHP. 8 Contrato particular de compra e venda, n. 193. Neu-Württemberg, 3/4/1906. Vendedora Empresa de
Colonização Dr. Herrmann Meyer, comprador Friedrich Garn. Caixa 1-2 Contratos, MAHP.
colonizadora em 1914.9 Por fim, a última transação registrada junto a Colonizadora
transcorreu em 19 de janeiro de 1911, ao adquirir a chácara nº 11, com área de 5,2
hectares, pelo valor de Rs. 300$000, onde possivelmente permaneceu.10
Na trajetória de Friedrich Garn há inúmeras lacunas, como a sua formação
profissional. Todavia, em novembro de 1903, Garn assumiu o moinho construído na
colônia em 1901 e a serraria em anexo, mas comprou todo complexo apenas em 1906 –
o lote urbano 14, da quadra 19, na sede Elsenau. Permaneceu nessa atividade até 1913,
quando vendeu a serraria a vapor e o moinho anexo, pelo preço de Rs. 18:000$000, e o
lote urbano n. 14, na quadra 19, na Karlstrasse, pelo valor de Rs. 4:000$000, em
26/7/1913, incluindo o açude e o moinho, para Albino Weissheimer, comerciante e
industrialista residente no município de Montenegro.11
Observando a configuração populacional da colônia de Neu-Württemberg e o
comportamento dos imigrantes nesse meio, o pastor Hermann Faulhaber anotou, em
inícios de 1903:
Quase metade dos nossos camponeses são “velhos colonos” [alte Kolonisten],
acostumados à vida e ao trabalho na floresta, a maioria já nascidos no Brasil
ou imigrados bem jovens. Eles vieram em sua maioria da antiga zona colonial
da região leste do estado, em busca de terras baratas e lugar para ter os seus
filhos. Eles têm como característica ser individualistas, independentes e
autoconsciente, mais do que nossos camponeses lá [na Alemanha]. Eles são
independentes, pelo menos em relação ao Estado, à Igreja, ao jornal, ao partido
político, apesar de toda sua simplicidade são reis livres em sua terra.
Aproximadamente ¼ de nossos colonos são compostos de pessoas, que como
artesãos (Handwerker) imigraram há anos, e em Porto Alegre ou outro lugar
qualquer, exerciam o seu ofício, mas em decorrência da depressão econômica
dos últimos anos, foram forçados a tornarem-se colonos: funileiro, serralheiro,
sapateiro, marceneiro, ourives. Eles não sabem trabalhar tão bem como os
velhos colonos, mas são bem ágeis. Até onde a situação permite, eles exercem
paralelo ao seu trabalho agrícola o seu ofício. E só os alemães recém-chegados
(Deutschländer) imigraram há pouco. Entre eles, há vários tipos humanos
misturados. Eu lembro de dois jovens instruídos, agricultores de lá
9 Contrato particular de compra e venda, n. 286. Neu-Württemberg, 14/12/1909. Vendedora Empresa de
Colonização Dr. Herrmann Meyer, comprador Friedrich Garn. Caixa 3-4 Contratos, MAHP. 10 Contrato particular de compra e venda, n. 389. Neu-Württemberg, 19/01/1911. Vendedora Empresa de
Colonização Dr. Herrmann Meyer, comprador Friedrich Garn. Caixa 3-4 Contratos, MAHP. 11. Um incêndio consumiu o moinho e a serraria, em 18/9/1918, paralisando o fornecimento de energia
elétrica. Albino Weissheimer devolveu o lote e as benfeitorias que não foram destruídas pelo fogo em 2 de
dezembro de 1918, passando-as ao seu genro Hermann Krapf (Cruz Alta, 09/10/1913; Contrato manuscrito.
Pasta 4 - Empresa de Colonização – diversos documentos, Caixa 149, MAHP; Relatório. Neu-
Württemberg, 19/12/1910. Hermann Faulhaber ao Major Antonio Pereira dos Santos, delegado de polícia
de Cruz Alta. Livro Copiativo 8, Fl. 125-127, MAHP).
[Alemanha], solteiros, os quais estão morando juntos em uma tenda de cigano.
Vieram com todo tipo de teoria de agricultura para cá, e devido à quebra do
arado e de outros experimentos, não plantaram nada ao longo deste ano que
eles aqui se encontram; e apesar disso, se sentem homens importantes e
regularmente vem a cavalo, com rostos sérios, para o Stadtplatz para comprar
pão, fazer contato com os demais e saber dos últimos acontecimentos! Ao ver
as suas figuras, muitas vezes lembro dos rapazes que brincam de “Urwälder”!
Todavia, são pessoas simpáticas e eu gosto de vê-los na casa pastoral.
Recentemente veio um eletrotécnico de Berlin com grande família, e era até
então diretor de uma grande fábrica, e então perdeu toda sua fortuna, e procura
aqui agora sua salvação. Um autêntico berlinense: “agora eu venho, agora tudo
vai mudar aqui! Até agora não tinha ninguém aqui ainda que pudesse fazer
algo por essas pessoas. Isso vai mudar. E uma festa de Natal bem diferente nós
teremos da próxima vez, não mais demoradas velas de cera, mas sim lâmpadas
elétricas. Isso vai impressionar as pessoas! Elas vão arregalar os olhos com
isso!” Agora ele está lá no meio da floresta e provavelmente está trabalhando
na sua plantação. E na colônia tudo está como antes... Outros, após ter
enterrado as ilusões que trouxeram, logo se encontram bem aqui, como um
Stuttgarter com família, até então empacotador em uma livraria; um
marceneiro de Brettach; um eletrotécnico de Stuttgart com esposa, um
Siebenbürger com família camponesa veio recentemente. Também não quero
esquecer daqueles que, após uma curta estada, partiram novamente, porque a
vida na floresta, uma vez experimentada, era bem diferente daquela que eles
haviam imaginado. Trabalho e não pombas assadas voando, pequeno
camponês e nenhuma salvação! [...]. O destino desses que vem para a colônia
e em breve já jogam o machado e a enxada para o lado é, na maioria, difícil e
triste! Muitos passam a beber cachaça, e acabam morrendo na beira de alguma
estrada. Por isso, nunca é demais insistir: só pessoas que são acostumadas a
pesados trabalhos braçais e têm alguma experiência, como nossos pequenos
camponeses, ou um ofício, podem, depois de superadas as dificuldades iniciais,
conquistar aqui uma existência satisfatória. Outros só com raras exceções
(FAULHABER citado por FAULHABERSTIFTUNG, 1933, p. 14-15).
Enfim, Wilhelm Schäffer e Friedrich Garn integram o grupo dos imigrantes
alemães urbanos, atraídos pela possibilidade de ser proprietário de terras, mas
fracassaram como colonos, optando o primeiro pelo retorno e o segundo, pela sede
urbana, tornando-se moleiro. Mas a experiência como desbravadores de um lote colonial
foi registrada por Schäffer em imagens fotográficas, narrando nesse formato sua
percepção desse espaço, seus sujeitos, utopias e desafios.
A colônia no olhar do imigrante
O imigrante Wilhelm Schäffer trouxe na bagagem entre os seus pertences um
moderno aparelho fotográfico, chapas e um pequeno laboratório de produtos químicos, o
que denota que tinha domínio da técnica da fotografia e da reprodução das chapas para o
suporte de papel. Com esse diferencial, documentou a sua chegada, instalação e partida
na/da colônia, em um conjunto de 56 imagens fotográficas. Em 18 de outubro de 1903,
Horst Hoffmann identificou esse conjunto de fotografias, remetendo-as para Herrmann
Meyer, em Leipzig,12 que publicou parte dessas imagens em seus prospectos fotográficos,
sem mencionar, porém, o fotógrafo (MEYER, 1904; 1906). Note-se que a fotografia, em
fins do século XIX, ainda era um recurso caro, mas já amplamente difundido na Europa
e no Brasil. Os imigrantes eram grandes consumidores desse recurso/produto, pois era
uma “prova real” e de fácil compreensão para seus pares, cruzando o oceano de lado a
lado (NEUMANN, 2016).
Aqui, a trajetória do documento e da pesquisa são tão relevantes quanto o acervo.
A investigação e leitura exaustiva de diferentes documentos confirmava a existência
desse conjunto fotográfico. Porém, o acervo documental de Herrmann Meyer, em
Leipzig, Alemanha, foi danificado durante a II Guerra Mundial e restaram poucos
documentos, recentemente organizados e disponibilizados no Leipnitz Institut für
Volkerkunde, em Leipzig. O fundo documental Dr. Hermann Meyer está reunido em três
caixas de documentos, onde constam alguns escritos originais, os prospectos e fotografias
diversas. Contudo, toda documentação administrativa da Colonizadora Meyer e a
documentação pessoal de Meyer foi extraviada ou destruída. A expectativa de localizar
as fotografias produzidas por Schäffer, após esgotar todas possibilidades apresentadas no
guia de busca do arquivo, levou a uma caixa de documentos desconectada do fundo
Herrmann Meyer, na qual constava uma pasta identificada como “fotografias de Neu-
Württemberg” e eis as fotografias produzidas por Schäffer.13
A particularidade e excepcionalidade desse conjunto de imagens está no ato
fotográfico e, consequentemente, na construção de sua narrativa. O olhar é, ao mesmo
tempo, o do imigrante diante da nova Heimat, e do colono (kolonist), empenhado em
registrar o seu estabelecimento na floresta e a sua vida de colono nesse lugar. Ou seja, a
representação em imagens de seu estranhamento frente ao espaço da colônia em formação
e os seus sujeitos, documentado para uso privado, sem compromisso com a Colonizadora.
Já a leitura dessas imagens fornece indícios sobre a sua expectativa em relação ao
espaço colonial, o contato com a “colônia real” em formação e pistas sobre as motivações
12 Lista de fotografias. Avulso, Caixa 43, MAHP. 13 Fundo Dr. Herrmann Meyer, Caixas 12, 13 e 14. Leipnitz Institut für Volkerkunde (IFL), Leipzig,
Alemanha.
para o seu retorno. Do total das 56 imagens, a família Schäffer é tema de 27 fotografias,
que representam a sua instalação no lote colonial e o seu cotidiano como colono –
kolonisten leben – no lote colonial número 9, na linha 15 de Novembro, às margens do
rio Palmeira. Os recortes tratam da chegada da família no lote, o acampamento provisório
– hütte – e definitivo, a formação da roça, a família em suas atividades, e o rio Palmeira,
evidenciando seu potencial hídrico.
Também constam 14 fotografias retratando propriedades de outros colonos
instalados nas proximidades, com pequenas casas mais sólidas, com suas roças e alguns
animais, o trabalho cotidiano, aqui evidenciando a mulher – buscar água, assar pão, tratar
os animais. Outro conjunto de sete fotografias trazem momentos de sociabilidade, com
destaque ao pastor Hermann Faulhaber e sua esposa Marie, chegados na colônia também
em dezembro de 1902, garantindo a partir de então atendimento religioso e escolar. Os
recortes aqui são variados: um batizado em meio a mata, o retorno do culto, uma pose do
casal Faulhaber, o pastor Faulhaber e três colonos, um grupo de colonos. Ainda, há seis
imagens da sede: uma vista panorâmica de toda área e retratos das poucas construções.
Por fim, duas fotografias do campo (kamp). Logo, do total do acervo, 41 imagens tratam
da formação da colônia e das condições do colono em seu lote colonial, evidenciando a
precariedade das suas instalações, o predomínio da mata, o trabalho de derrubada das
árvores, as queimadas e a formação das primeiras roças. As demais, exibiam a nascente
sede urbana, com destaque para a casa do imigrante, a casa do pastor e o atendimento
pastoral.
Contrastando com a sede da colônia, já “civilizada”, estava a floresta ou Urwald,
onde se localizavam os lotes coloniais. Após uma curta estada no barracão do imigrante,
o recém-chegado estabelecia-se, provisoriamente, no seu lote colonial, principiando a
abertura de uma clareira para a construção do rancho ou cabana e a formação da primeira
roça. Essa simplicidade da vida do recém chegado em uma colônia em fase de instalação,
era mais penosa do que os imigrantes imaginavam. Talvez por isso foi o tema central das
tomadas fotográficas do imigrante Schäffer, que registrou, detalhadamente, a chegada e
instalação de sua família no lote colonial –e das famílias Garn e Uhr –, a derrubada das
primeiras árvores, o trabalho na formação de uma pequena roça, enfim, aquilo que
denominou de “vida de colono” – kolonisten leben.
Dentre as representações, a mais emblemática da simplicidade e das dificuldades
da vida na colônia, foi sintetizada na fotografia Anfang des kolonisten Schäffer – o
começo do colono –, Figura 1, que apresenta a chegada em seu lote colonial.
Imediatamente, a família improvisou um pequeno abrigo com estacas cobertas de palha,
para proteger seus pertencentes e alimentos. Além do núcleo central – sua esposa em pé,
segurando uma panela, onde provavelmente pretendia improvisar nas estacas à sua frente
um fogo de chão para fazer a comida; atrás dela, sentados no tronco de uma árvore, os
filhos: dois meninos maiores, um menor em pé, e a filha sentada em uma cadeira, o único
indício de conforto nesse meio. A ausência do patriarca na imagem deve-se ao fato dele
próprio ser o fotógrafo. Contornando e limitando o cenário, a mata – Urwald. Esse
registro fotográfico talvez foi o mais emblemático desse primeiro contato do imigrante
com o seu lote colonial, visto que no século XIX predominaram as gravuras e pinturas.
Também é uma das mais conhecidas, por estar publicada na obra de Jean Roche (1969).
As informações coletadas permitem afirmar que Schäffer permaneceu por 5 meses
na colônia, mas não sabemos quantos dias eles permaneceu no barracão do imigrante, e
quantos dias levou para construir o seu rancho provisório – Hütte –, formado por uma
pequena construção precária, com telhado de tábuas e tabuinhas, além de folhas de
palmeira, com um pequeno puxado anexo e um telhado separado, que servia de cozinha.
O lugar escolhido para construir a habitação foi a margem do rio Palmeira, em uma
pequena clareira no meio da mata. Essa proximidade com o rio contribuía para abastecer
a família além de facilitar as suas atividades cotidianas.
Figura 1 – Instalação do imigrante Wilhelm Schäffer em seu lote colonial
Fonte: Fotografia de Wilhelm Schäffer, Neu-Württemberg, 1903. Leipnitz Institut für Volkerkunde (IFL),
Leipzig, Alemanha. Reproduzida em: MEYER, 1904, fl. 3; MEYER, 1906, fl. 17; ROCHE, 1969.
A partir de então, essa pequena moradia e seus moradores foram retratados, por
vezes tomadas pousadas, outras, espontâneas, mostrando o movimento nesse espaço rural
– mulher pegando água, mulher cortando lenha, crianças caminhando, Schäffer a cavalo
com as crianças, dentre outras.
Vistas panorâmicas, obtidas da outra margem do rio Palmeira, permitem ter uma
ideia do todo da propriedade, como na Figura 2. O rio como o limite – aqui da imagem,
mas também territorial, pois marcava a divisa entre os municípios de Cruz Alta e Palmeira
–, interligado de margem a margem por uma pinguela de corda, delimita o cenário na
parte inferior. Ao centro, a moradia provisória da família, cercada por troncos de árvores
caídas, indicando para o avanço da derrubada da mata e o início da formação de uma roça.
Ao fundo da imagem, indicando para um terreno mais acidentado, a mata, aqui como
limite e possibilidade de expansão.
Figura 2 – Colônia e Hüte (cabana provisória) de Wilhelm Schäffer
Fonte: Fotografia de Wilhelm Schäffer, Neu-Württemberg, 1903. Leipnitz Institut für Volkerkunde (IFL),
Leipzig, Alemanha.
Esse enquadramento fotográfico foi realizado sob diversos ângulos e distâncias.
Porém, o cenário é o mesmo, com destaque à presença da mulher e das crianças à margem
do rio, variando, neste caso, as suas poses – ora a mulher pegando água, ora as crianças
no rio, ou atravessando o pinguela. Enfim, a família no cenário rio, rancho, roça foi o
tema da maior parte das fotografias de Schäffer.
Apesar da rusticidade representada nas imagens, o imigrante/colono era
proprietário de suas terras, de sua produção, e de tudo o mais que ali houvesse. Um lote
colonial de 25 hectares era uma área considerável para os parâmetros de propriedade de
pequenos camponeses na Alemanha, na época. Outro indício de que valia a pena migrar
e se submeter a essas dificuldades era a possibilidade de posse de animais para o trabalho,
como mulas e cavalo, enquanto na Europa o cavalo era de posse restrita da alta elite. E
mais: se na Europa a obtenção de lenha era problemática após o cercamento dos campos
públicos, na nova Heimat havia uma mata inteira para ser explorada.
Já a moradia, observada sob vários ângulos, denota uma construção rústica, feita
com o que havia à disposição, sem muita técnica, mas capaz de abrigar a família.
Comparada com os outros pequenos ranchos, era talvez o mais precário. De acordo com
Horst Hoffmann, tanto os imigrantes suabos quanto os alemães-russos que já estavam em
Neu-Württemberg construíam casas de madeira, visto serem as mais baratas e rápidas
para serem concluídas, e por não disporem de recursos para construir casas como aquelas
de sua terra natal.14 Assim, as maneiras de habitar próprias de sua pátria são adaptadas
nesse e a esse novo meio, e com essa combinação de elementos, “cria para si um espaço
de jogo para maneiras de utilizar a ordem imposta do lugar”, instaurando a pluralidade e
criatividade (CERTEAU, 2007: 92-93).
Essa fase pioneira era provisória e fazia parte da epopéia da colonização, superada
em dois ou três anos, quando então o colono já conseguiu acumular capital suficiente para
construir uma casa para abrigar a sua família, bem como galpões, estábulos, currais.
Segundo a orientação de Herrmann Meyer, os imigrantes deveriam preocupar-se primeiro
em cultivar as suas roças e prover o seu sustento, o que revertia em acúmulo de capital
suficiente para prover as demais necessidades, como as construções e a ampliação da área
de cultivo.
Na viagem de retorno, ao passar no escritório da Colonizadora Meyer em Porto
Alegre, Schäffer deixou uma cópia dessas imagens, as quais foram remetidas para Meyer,
em Leipzig. A partir de então, o circuito de circulação das mesmas passou do uso privado
para o público, servindo de propaganda à Colonizadora Meyer, atendendo ao seu discurso
de “mostrar a colônia real”, sem criar ilusões ou idealizações em relação à colônia e as
privações na fase de formação desse espaço (NEUMANN, 2016). Meyer organizou seu
acervo fotográfico em um álbum, reunindo as fotografias de sua autoria, de Schäffer e de
funcionários da colonizadora, disponibilizando-o à consulta dos interessados em seu
escritório, em Leipzig.15
Paralelamente, com o objetivo de colocar em circulação um conjunto de vistas
parciais da colônia e de seus colonos, Herrmann Meyer organizou e editou pelo Instituto
Bibliográfico de Leipzig um prospecto fotográfico, Ansichten aus Dr. Herrmann Meyers
Ackerbaukolonien Neu-Württemberg und Xingu in Rio Grande do Sul (Südbrasilien) –
[Vista das colônias agrícolas Neu-Württemberg e Xingu no Rio Grande do Sul (sul do
Brasil)]. A primeira edição veio a público em novembro de 1904, contendo 31 imagens
14 Relatório 1-4. De 1°/1 a 18/2/1903. Porto Alegre, 15/03/1903. Horst Hoffmann a Herrmann Meyer,
Leipzig. Pasta Transcrição Livro Copiativo 44, Caixa 109, MAHP. 15 Carta. Leipzig, 8/8/1908. Walter Schimpf a Hermann Faulhaber, Stettin/Alemanha. Pasta 9 - Cartas
Walther Schimpf a Kolonisations-Unternehmen Dr. H. Meyer, Caixa 45, MAHP.
distribuídas em 18 páginas; e a segunda edição, ampliada para 47 imagens, com 27
páginas, em 1906.16
Ao comparar as fotografias presentes nos prospectos fotográficos com as
fotografias produzidas por Schäffer, percebe-se que significativa parcelas das imagens
são as mesmas, especialmente aquelas que abordam a instalação dos colonos em seu lote
colonial e a vista da sede urbana, realçando o barracão do imigrante, a casa pastoral e o
prédio escolar. Tratamos aqui de circulação de imagens, com a temática colonização no
sul do Brasil, divulgadas junto com notas nos jornais, anexadas a correspondências
encaminhadas às autoridades do governo alemão e meios emigrantistas, pelo Dr. Meyer,
com o propósito de comprovar a existência e êxito de seu empreendimento, na busca por
apoio governamental, financeiro e novos emigrantes.17 Na época, tendo em visto o perfil
da produção e uso dessas fotografias, não foi observada nem preservada a autoria como
informação relevante.
Considerações finais
O imigrante Wilhelm Schäffer foi um dentre tantos que “passou” pela colônia Neu-
Württemberg, durante a sua fase de instalação. Muitos não deixaram rastros, outros, são
localizados em cartas de reclamações enviadas à Colonizadora Meyer, ao Consulado da
Alemanha ou à imprensa, externando a frustração de suas expectativas. Note-se que
Schäffer era um sujeito que circulava em diferentes instâncias: na Alemanha, fez contato
com Meyer, por correspondência ou pessoalmente; na colônia, apesar de se instalar em
um lote colonial distante da sede urbana, transitava entre seu lote e a sede, pois enviou
várias cartas para Meyer, e fotografou esse espaço; ainda, tinha uma boa relação de
vizinhança, tanto com a família Garn, quanto com outras famílias, cujas propriedades e
sujeitos fotografou; por fim, frequentava os nascentes espaços de sociabilidade em
formação pelo pastor Faulhaber.
16 O prospecto fotográfico da edição de 1904 encontra-se arquivado na Biblioteca do Instituto Ibero-
Americano de Berlin, Alemanha (Bibliothek des Ibero-Amerikanischen Instituts – SPK). Já a edição de
1906 está disponível no acervo do MAHP. 17 A divulgação e recepção do projeto de colonização do Dr. Herrmann Meyer na Alemanha, junto ao
governo e nos meios emigrantistas, especialmente a Kolonialgesellschaft, foi tema de pesquisa durante o
pós-doutorado na Freie Universität, em Berlim, Alemanha (julho de 2017 a fevereiro de 2018), cujos
resultados serão publicados futuramente.
Portanto, esse estudo contribui para aprofundar e ampliar as discussões em torno
das expectativas e idealizações – ou utopias – dos emigrantes e as migrações de retorno
decorrentes, quando o ideal e o real possível não convergem. O estranhamento de Schäffer
frente ao cotidiano de uma colônia em formação no norte rio-grandense era uma prova
do que aguardava o emigrante.
Referências
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MEYER, Herrmann. Ansichten aus Dr. Herrmann Meyers Ackerbaukolonien Neu-
Württemberg und Xingu in Rio Grande do Sul (Südbrasilien). Leipzig: Bibliographischen
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Württemberg und Xingu in Rio Grande do Sul (Südbrasilien). Leipzig: Bibliographischen
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(1897-1932). São Leopoldo: Oikos; Editora Unisinos, 2016.
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