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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
INSTITUTO “A VEZ DO MESTRE”
O EDUCADOR FRENTE À INTERAÇÃO CRIANÇA-CRIANÇA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
ELISÂNGELA NEVES DA SILVA
ORIENTADOR:
Profa. Adriana Spinelli
GOIÂNIA
MARÇO/2010
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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
INSTITUTO “A VEZ DO MESTRE”
O EDUCADOR FRENTE À INTERAÇÃO CRIANÇA-CRIANÇA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Elisângela Neves da Silva
Trabalho monográfico apresentado como requisito parcial a obtenção do Grau de Especialista em Educação Infantil e Desenvolvimento, sob orientação da professora Adriana Spinelli.
GOIÂNIA
MARÇO/2010
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RESUMO
Propõe-se com esse trabalho compreender o papel do educador
frente à interação criança-criança na educação infantil, para isso buscou-se
analisar o processo de formação de docentes para a Educação Infantil;
entender o papel da afetividade no processo de interação criança-criança na
educação infantil; e identificar as concepções de professores sobre a interação
no contexto escolar de Educação Infantil. A educação infantil precisa ser um
lugar seguro onde a criança possa desenvolver-se naturalmente. Ela deve
perceber este espaço como seu, deslocando-se livremente, falando sem medo,
agindo com segurança e criatividade. A criança precisa sentir esse espaço
como algo prazeroso de contato com outras crianças e de poder aprender
durante suas relações com outras crianças. O educador precisa se colocar
numa relação horizontal com o seu educando. Ambos caminham juntos na
construção do conhecimento e na apreensão crítica da realidade. O educador
não só ensina, mas também aprende e colocando-se ao lado da criança é
capaz de entendê-la e senti-la, o que contribuirá para a inovação de sua
prática. Cabe a esse profissional, criar situações de desafio, instigando a
criança a pensar, a criar, a expressar-se. É estando no mesmo plano que a
criança que o educador poderá criar condições desafiadoras e produtoras de
novos conhecimentos. O educador precisa e necessita se envolver e se auto-
produzir na relação com o seu educando. Trata-se de crescimentos recíprocos
em que educadores e educandos aprendam juntos a construir novas formas de
pensar e se relacionar com o mundo.
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METODOLOGIA
A pesquisa foi desenvolvida através de pesquisa bibliográfica,
buscando apoio teórico em Aquino (2001), Oliveira (1998), Freire (2006) e
outros estudiosos que tratam do tema; e através de conversas informais com
professores, da cidade de Pontalina, estado de Goiás, que atuam na educação
infantil.
Assume-se nesta pesquisa que a interação social é fator fundante
dos processos psicológicos superiores e que estes se constituem da
indissociabilidade entre afeto e cognição. As proposições da corrente
psicológica representada por Vygotsky e Wallon sobre esses dois processos
centram estudos na infância, em especial, quando discorrem sobre suas
relações com o meio sócio-cultural. Portanto, as análises dos dados obtidos
são referendadas nessa perspectiva teórica que contribuem para a
compreensão dessa temática no contexto da Educação Infantil.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 5
CAPÍTULO I 7
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL 7
CAPÍTULO II 20
O PAPEL DA AFETIVIDADE NO PROCESO DE INTERAÇÃO
CRIANÇA-CRIANÇA NA EDUCAÇÃO INFANTIL 20
CAPÍTULO III 29
CONCEPÇÕES SOBRE A INTERAÇÃO NO CONTEXTO ESCOLAR DE
EDUCAÇÃO INFANTIL 29
CONSIDERAÇÕES FINAIS 36
BIBLIOGRAFIA 39
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INTRODUÇÃO
A Educação Infantil não pode ser entendida hoje, como foi entendida
durante toda sua história. A sociedade mudou, a educação mudou e as
concepções mudaram. Seu papel é muito mais significativo e abrangente que,
preparar a criança para o ingresso da Escola Fundamental.
O educador deve necessariamente conhecer a criança de 0 a 6 anos
como sujeito de sua ação e como alguém que necessita de seu auxílio para
colaborar nas suas descobertas com outras crianças, então qual o papel deste
educador nesse processo.
A Educação Infantil assume novo significado, distante daquele de
“guardiã de crianças” ou “aprimoradora do intelecto”, à medida que visa
unicamente o preparo e a prontidão da criança para a alfabetização.
As crianças sentem necessidade de movimentar seu corpo, suas
idéias, de sentirem, manipularem. Quanto mais as crianças virem, ouvirem,
experimentarem, interagirem com outras, quanto mais elementos reais tiverem
em suas experiências, tanto mais produtiva e significativa será a atividade de
sua imaginação e de seu pensamento.
Tem-se como objetivo geral compreender o papel do educador
frente à interação criança-criança na educação infantil, para isso buscou-se
analisar o processo de formação de docentes para a Educação Infantil;
entender o papel da afetividade no processo de interação criança-criança na
educação infantil; e identificar as concepções de professores sobre a interação
no contexto escolar de Educação Infantil.
O interesse de pesquisar sobre o educador frente à interação
criança-criança na educação infantil advém da trajetória da pesquisadora
enquanto docente, neste nível de ensino, por isso buscou-se apoio teórico em
Aquino (2001), Oliveira (1998), Freire (2006) e outros estudiosos que tratam do
tema.
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Pensa-se que num processo ensino-aprendizagem que estimule a
descoberta, o pensar, o agir, a autonomia, a busca, a interação com os outros
parceiros e o gosto pelo aprender. Em que educador e educando, juntos,
interagem e criem novas formas de pensar, pois “formar” não é a ação pela
qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e
acomodado.
A educação infantil precisa ser um lugar seguro onde a criança
possa desenvolver-se naturalmente. Ela deve perceber este espaço como seu,
deslocando-se livremente, falando sem medo, agindo com segurança e
criatividade. A criança precisa sentir esse espaço como algo prazeroso de
contato com outras crianças e de poder aprender durante suas relações com
outras crianças.
Este trabalho foi organizado em três capítulos que mantêm uma
interlocução entre si. O primeiro capítulo busca analisar o processo de
formação de docentes para a Educação Infantil. O segundo capítulo aborda
temas que levem ao entendimento do papel da afetividade no processo de
interação criança-criança na educação infantil. No terceiro capítulo se busca
identificar as concepções de professores sobre a interação no contexto escolar
de Educação Infantil
Pode-se concluir pela pesquisa que o professor é o principal
mediador do processo ensino-aprendizagem. Ocupa uma função ímpar e
privilegiada no desenvolvimento da criança, podendo contribuir para o sucesso
ou o fracasso do aluno na escola. Ele pode estabelecer vínculos afetivos muito
fortes com e entre os alunos.
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CAPÍTULO I
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA
A EDUCAÇÃO INFANTIL
A institucionalização do atendimento às crianças de 0 a 6 anos, no
âmbito do sistema educacional brasileiro, é fato recente. Durante muito tempo,
a educação da criança foi pensada no espaço privado (doméstico) e
considerada como uma responsabilidade da família, ou de um grupo social no
qual ela estava inserida. Assim, era, geralmente, junto aos familiares e a outros
grupos sociais do seu convívio que a criança aprendia, através da apreensão
de tradições e costumes, as noções básicas de convivência e aprendizagem
para que ela se tornasse, gradualmente, um sujeito ativo, criativo,
independente e conhecedor de seu mundo e cultura.
De acordo com Aquino (2001), os estudos sobre a criança e a
infância como um todo, só começaram a ser empreendidos no Brasil, quando
foram instaladas as primeiras instituições de educação de nível superior no
país.
Deve-se ressaltar que, desde a implementação dos jardins-de-
infância no país, segundo Bastos (2001), sempre conviveram posições
favoráveis e contrárias à implementação de instituições infantis, divergindo
tanto nas opiniões, quanto na determinação das funções da educação e do
cuidado, no campo da Educação Infantil.
O jardim-da-infância não tem nada com a instrução, é uma instituição
de caridade para meninos desvalidos, que serve para que a mãe ou o
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pai, sendo minimamente pobres, quando vão para o trabalho,
entreguem seus filhos àqueles asilos. O jardim-de-infância é antes de
tudo uma escola de educação [...] oferecendo aos meninos alimento à
curiosidade, pondo-lhes debaixo das vistas séries graduadas de
objetos, para os quais a sua inteligência é atraída e que lhes
proporcionam facilmente e sem fadiga conhecimentos elementares
com que se enriquece de dia em dia sua memória. (MONARCHA,
2001, p. 63-64)
A instauração de creches e jardins de infância no país ocorreu,
somente, no final do século XVIII e princípio do século XIX, bastante posterior
ao que aconteceu na Europa, onde as creches existiam desde o início do
século XVIII e os jardins, a partir do século XII (KRAMER,1995).
Até o século XIX, no Brasil, de acordo com Rosemberg (2004), a
concepção que orientava a educação da criança estava centrada no
“progresso” feminino, entendido como capacitação de “criadeiras”; isto é, das
mulheres serem boas mães e, consequentemente, se traduzia na preparação
de uma boa educadora e, nesse contexto, não se vislumbrava qualquer
perspectiva de profissionalização. Como explica Rosemberg (2004), dessa
forma, foi fácil fazer a transladação dessa concepção, do âmbito privado, para
o público, isto é, a mulher deveria exercer seu papel de educadora, não só em
casa, mas em qualquer contexto, local ou situação. Nota-se, assim, que a
história da Educação Infantil começa a se configurar de forma improvisada,
pouco sistematizada, mais ligada à vocação e aos dons femininos, do que a
uma formação consistente, especializada e profissional.
A década de 30, do século passado, foi marcada por muitas
transformações, fazendo com que se caminhasse em direção a uma educação
mais moderna e compatível com as necessidades do momento, então
vivenciado. No campo da educação, destaca-se a penetração do Movimento da
Escola Nova, que desloca o eixo da aprendizagem do adulto, para a criança e,
como resultado, é despertado o interesse e uma maior consideração para com
a criança.
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Segundo Oliveira (1998), nesse período denominado de
escolanovismo, no Brasil, compreendido entre 1930, até meados dos anos
cinqüenta, a criança passa a ser considerada como centro da atividade
educativa, em nítida contraposição com a concepção tradicional, anteriormente,
priorizada.
Posteriormente, assiste-se à uma ênfase nas discussões e estudos
sobre a importância da criança que são acirrados no período do pós Guerra,
em 1950. Assim, a temática sobre a Educação Infantil se intensifica a partir da
década de 70, do século passado, já com um novo enfoque, em decorrência do
contexto vivenciado pelo país, naquela época. De acordo com as ideias de
Fonseca, citado por Aquino:
Surgiu no decorrer desse século uma nova idealização da criança
que soa curiosamente parecida à certa dimensão da noção pré-
moderna. Vemos a criança de novo pintada como adulto em
miniatura, só que alguém privilegiado com direitos tradicionalmente
considerados como sendo de adulto: respeito, individualidade,
liberdade e cidadania (AQUINO, 2001, p.32).
Essa concepção sobre a criança foi sendo delineada, a partir das
transformações sóciopolíticas, econômicas e educacionais, e das mudanças
ocorridas face ao tratamento a ser dispensado à criança, que se
consubstanciava na valorização dessa faixa etária, tendo em vista o avanço,
sobretudo, de ciências como antropologia, a psicologia e a pedagogia.
A nova maneira de perceber a infância, através do aporte de
especialistas das referidas áreas, que centravam suas pesquisas nas
características da criança e na importância desse sujeito, foi essencial para a
concretização de uma nova forma de se organizar as instituições destinadas a
essa faixa etária, que é tão importante, no desenvolvimento do indivíduo. Entre
os progressos alcançados nos séculos XVI e XVII, enfatiza-se o
desenvolvimento da escola e do pensamento pedagógico moderno, que
motivaram a criação de creches e pré-escolas, principalmente, na Europa, pois
no Brasil esse processo ocorreu bem mais tarde.
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Segundo Kramer (1995), as mudanças políticas e econômicas
vivencidas nesse período, foram de fundamental importância para a ocorrência
de transformações educacionais. O modelo econômico implantado, a nova
burguesia urbano-industrial, a substituição do coronelismo pela política dos
Estados, o avanço das indústrias e a urbanização da classe média causaram
mudanças radicais na sociedade brasileira.
Assim, a idéia de proteger a infância começava a suscitar interesses,
mas as iniciativas ainda eram muito isoladas e partiam de certos grupos como
médicos, associações, entre outros.
Faltava um maior empenho e interesse do poder público pela
educação das crianças brasileiras, principalmente, pelas crianças das classes
menos favorecidas.
No entanto, creches e pré-escolas foram instaladas, assim como
instituições de ensino elementar, em um momento no qual se estruturava um
novo modelo familiar e um novo papel feminino, decorrentes da inserção da
mulher no mercado de trabalho. Nessa época, a infância e o papel da criança
na sociedade foram muito discutidos, em consonância com a visão de homem
e educação, então, priorizada.
A creche e a pré-escola representam alternativas concretas para
viabilizar a liberação da mulher para o mercado de trabalho, mas em
todos os tipos de atendimento se coloca como igualmente relevante a
necessidade de que o trabalho realizado no seu interior tenha não só
caráter assistencial, mas educativo. (ROCHA, 2001, p.32).
No entanto, essas instituições tinham, sobretudo, um caráter
assistencial, visando, apenas, o cuidado médico - higiênico, em sintonia com o
que era feito no lar das crianças pobres, sendo dirigidas por médicos. Como
afirma Kramer (1995), nesse momento, a educação das crianças de 0 a 6 anos
era de cunho assistencialista, sendo poucas as iniciativas educacionais, nesse
nível de ensino. “A educação assistencialista promovia uma pedagogia da
submissão, que pretendia preparar os pobres para aceitar a exploração social.
O Estado não deveria gerir diretamente as instituições” (KUHLMANN, 2000,
p.8).
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Nessa ocasião a creche, ainda, não era referida nos documentos
normativos, pois não era concebida como uma instituição educacional, mas,
apenas, como local de “guarda de crianças”, em geral pobres, cujas mães
precisavam se ausentar de casa, para trabalhar. Portanto, segundo a ótica
vigente, não se requeria formação específica para as pessoas que cuidavam
das crianças.
Na década de 1950, a Educação Infantil passa a ser considerada
como um tipo de ensino “pré-primário”, como o próprio nome indica, trata-se de
um período que antecede à fase primária de ensino, “podendo ser ministrado
nos jardins de infância, mas, também, nas chamadas escolas infantis e nas
classes de pré-primário, anexas aos estabelecimentos de ensino primário”
(VIEIRA, 2003, p.64).
Em decorrência dos processos crescentes de industrialização e de
urbanização, as mulheres da classe média, também, começaram a ingressar,
com maior força, no setor produtivo, sendo, então, necessário a expansão de
espaços nos quais pudessem deixar seus filhos, enquanto se dedicavam à
atividade laboral. Dessa forma, ocorreu um acirramento da demanda por vagas
na pré-escola sendo, então, necessário promover sua expansão, entre as quais
se destacaram, na época, as denominadas escolas alternativas.
“A temática contracultural e a sua crítica à família e aos valores
tradicionais inspiraram estudantes e profissionais, assim como foram referência
para a criação de pré-escolas particulares alternativas” (KUHMANN, 2000,
p.11).
Devido à enorme procura por esse segmento de educação, escolas,
sobretudo, particulares de cunho confessional, comunitárias e filantrópicas,
começaram, então, a se dedicar à oferta do ensino pré-escolar. As Igrejas
passaram a atuar nesse nível de ensino, com grande ênfase, principalmente,
as ligadas à concepção católica, e à protestante. No Brasil, a Igreja Católica,
predominante enquanto doutrina, desde o século XVI, e principal responsável
pela educação de cunho confessional, precisou rever, a partir dessa década,
certos conceitos e ações, inclusive no campo educacional, pois estava
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perdendo muitos adeptos para outras seitas. Essa concepção religiosa passa a
receber influência, nessa época, de movimentos ligados à ação popular e às
iniciativas populares, o que acarretou a criação de associações, creches e
centros comunitários.
Segundo Kramer:
Associações religiosas e organizações leigas, bem como médicos,
educadores e leigos eram solicitados a realizar juntos com o setor
público, a proteção e o direito à infância, com a direção e alguma
subvenção deste último. Se desde o século XVII, com a assistência
social privada, principalmente a católica, precedera a ação oficial no
Brasil, a partir da década de 30, o Estado assumia essa atribuição e
convocava indivíduos isolados e associações particulares a
colaborarem financeiramente com as instituições destinadas à
proteção da infância (KRAMER, 1995, p.61).
A demanda pelas instituições infantis que tinham diferentes
denominações - creches, jardins de infância, escolas maternais, parques
infantis, pré-escolas aumentaram, pois as crianças das classes menos
favorecidas, entre 0 a 6 anos, nelas adentraram, com maior força.
Essas escolas, por serem públicas ou particulares de periferia,
ofereciam um ensino de qualidade questionável, sobretudo, porque não eram
fiscalizadas.
A procura para a Educação Infantil pública aumentou na década de
1970, devido à implantação da denominada “educação compensatória”, que
passou a ser ofertada às crianças das classes populares, para minimizar suas
supostas defasagens, partindo da premissa de que essa educação, colaboraria
para um melhor desempenho das crianças do mencionado estrato social.
Acreditava-se que a educação compensatória daria oportunidade a
aprendizagens pré-elementares, necessárias ao bom desempenho da criança,
futuramente. Entretanto, muitos pesquisadores criticam essa educação
compensatória por ser atrelada a um modelo americano que, em vez de
solucionar os problemas sociais e, mais especificamente, os educacionais dos
alunos oriundos das classes populares, os gestores das políticas educacionais,
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lançam mão de uma estratégia populista e ideológica, que não supre as
necessidades sócio-culturais dos referidos sujeitos.
Dessa forma, na segunda metade dos anos de 1970, as creches,
uma das reivindicações femininas, são instaladas, sobretudo nos bairros
populares, atendendo, dessa forma, a uma antiga reivindicação das mulheres
que trabalhavam na indústria e no setor de serviços, entre outros. “O impacto
mais direto desses movimentos não vai dar imediatamente no setor
educacional, mas principalmente, nas áreas de assistência social, em certa
medida, também no campo das relações trabalhistas” (CAMPOS, 1999, p.122).
No início da década de 1980, a Educação Infantil, que era, quase
sempre, colocada em segundo plano, começa a ganhar um maior destaque. De
acordo com Campos (1999), as pesquisas realizadas no âmbito das
universidades começam a dar suas primeiras colaborações, mostrando um
quadro dramático, no que diz respeito ao atendimento de crianças, na maioria
das creches, principalmente, no que tange ao uso de técnicas ou métodos
aplicados e à precária qualidade dos serviços oferecidos.
Neste contexto, observa-se uma crescente preocupação para com a
Educação Infantil, e, desse modo, o recém criado Conselho Nacional dos
Direitos da Mulher (CNDM), elabora uma “Carta de Princípios da Criança:
Compromisso Social”, em 1989. Nesse documento, a creche é concebida como
um direito da criança e não, apenas, como ajuda às mães trabalhadoras. Nele,
a sociedade cívica e política são responsabilizadas pela Educação Infantil e,
não somente, a família.
Os anos 1980 foram de extrema importância, para a afirmação da
Educação Infantil em todo o país. Esse período foi marcado pela
redemocratização da sociedade brasileira, e, também, pela busca de melhores
condições de vida para toda a população. Nessa época, advoga-se,
enfaticamente, o direito à educação das crianças de 0 a 6 anos, o que fez
aumentar o crescimento de creches e pré-escolas públicas, devido, sobretudo,
à promulgação da Constituição Cidadã, de 1988 que, em síntese, defendia a
ação do Estado, no sentido da democratização do ensino público, em todos os
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níveis escolares. Com essa Constituição, a defesa da Educação Infantil se
amplia consideravelmente e, essa lei, se torna um marco na história da
construção social desse novo sujeito de direitos, a criança pequena.
Previa-se também, o atendimento global às crianças das classes
menos favorecidas, pois acreditava-se que, determinadas carências poderiam
afetar no desenvolvimento intelectual do indivíduo, e que seriam supridas pela
via da já mencionada educação compensatória. Uma das prioridades
defendidas pelos profissionais dessa categoria, foi mostrar o caráter
educacional das creches que atendiam, principalmente, aos mais carentes,
como meio de equalização social. “O vínculo das creches aos órgãos de
serviço social fazia reviver a polêmica entre educação e assistência, que
percorre a história das instituições de Educação Infantil” (KUHMANN, 2000,
p.12).
Segundo Silva (1999), a posição secundária conferida à Educação
Infantil se deve, historicamente, às políticas educacionais que lhes conferiam,
quase sempre, um caráter assistencialista e paternalista. Sendo assim, é fácil
compreender as mazelas e preconceitos que a Educação Infantil carrega até os
dias atuais.
Historicamente, as creches estiveram subordinadas às Secretarias
Estaduais ou Municipais de Promoção e Bem-estar Social, enquanto as pré-
escolas eram ligadas às Secretarias de Educação, tanto municipal, quanto
estadual. Somente, a partir da atual Constituição, essas instituições se
integraram ao sistema regular de ensino. Faz-se necessário ressaltar que as
origens históricas dessas instituições foram feitas através de duas redes
paralelas, que possuíam objetivos e públicos diferenciados.
De acordo com Vieira (2003), o atendimento às crianças de classes
menos favorecidas ficou a cargo de pessoas ligadas à própria população
atendida, caracterizando-se, em síntese, como assistência social, visando
conferir cuidados básicos a esses sujeitos. As crianças com idade entre 4 a 6
anos, sobretudo de classes mais privilegiadas, tinham um atendimento de
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cunho educacional, direcionado para prepará-las para a entrada no antigo
ensino primário.
Percebe-se, portanto, dentro do quadro exposto e segundo
Rosemberg (2004), que apesar de alguns avanços, até 1970, o modelo
desenhado que dicotomizava educação e cuidado ainda era considerado, como
ideal, por grande parte da população. Devido a isso, não havia, por parte dos
gestores das políticas públicas, a preocupação em especializar profissionais,
para exercerem essa função, pois, na ótica vigente, eles não necessitam de
adquirirem saberes/competências específicas e, isso justificava a falta de
investimentos nesse nível educacional.
A educação de zero a seis anos no Brasil, anterior à Constituição de
1988 e ao Estatuto da Criança e do Adolescente que surge em 1990, não era
defendida na sociedade como prioridade de ensino.
Reconhecida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei n. 9.394/96), a educação infantil é finalmente incluída como parte
integrante da educação básica. Enfatiza-se a necessidade de que educadores,
comunidade e pesquisadores envolvidos na problemática da educação infantil
estejam atentos para as definições e diretrizes tomadas no interior das políticas
públicas dirigidas à população de 0 a 6 anos e de que atuem, também, no
sentido de provocarem constantes intervenções, de modo a fortalecer o caráter
educativo e formativo do atendimento à infância no país.
A partir desses marcos históricos na legislação, as políticas públicas
para a educação infantil foram tomando caminhos menos nebulosos e mais
definidos no que se refere, por exemplo, à formação dos educadores, à
expansão de vagas e à necessidade de uma política educacional de
atendimento pedagógico dos pequenos cidadãos.
A formação do educador infantil e a indefinição de sua função quer
entre o cuidar e o educar, são aspectos que hoje estão bastante presentes nas
políticas assistencialistas pedagógicas para a infância na sociedade brasileira.
Uma educação e um atendimento para a criança de zero a seis anos voltados
apenas para o assistencialismo enfatizariam a higiene do corpo, a alimentação
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e os cuidados básicos. O profissional demandado, nesse caso, seria aquele
que estivesse atento aos cuidados voltados exclusivamente para a assistência
e que não tivesse necessariamente uma formação específica.
A educação infantil, sem desprezar a importância e a necessidade
dos cuidados citados acima, exige que a criança tenha também oportunidade
de se inserir em um espaço de formação, de legitimação da sua cultura e de
contato com novas formas de expressão – a arte, a música, a dança e outras
mais. Dessa forma, não necessitaríamos apenas daqueles profissionais que
“gostassem” e soubessem “cuidar” de crianças, mas sim de profissionais com
formação específica e em processo de formação permanente em suas
instituições de trabalho - a formação em serviço - e que fossem efetivamente
os pensadores e autores do projeto político-pedagógico nas instituições de
educação infantil de seus Municípios.
Campos (2005) chama atenção para a presença marcante das
instituições assistencialistas no que se refere ao atendimento destinado à
infância no Brasil:
Durante todo o tempo, a tradição assistencialista, que vê a creche
enquanto uma modalidade de caridade, como o orfanato ou o asilo,
nunca deixou de estar presente. Atuando em vários locais, as
entidades assistenciais privadas; religiosas e leigas, garantem a
continuidade do pequeno atendimento existente. (CAMPOS, 2005,
p.41-42).
Pode-se dizer que, na história sobre o atendimento à criança de zero
a seis anos no país, o profissional de educação infantil sequer foi preocupação
das políticas públicas.
Com o objetivo de resgatar na história as propostas que sinalizavam
concepções de infância e de educador para a educação infantil vindas dos
órgãos públicos, encontram-se nesses registros pistas de uma trajetória de
políticas públicas, marcada por uma enorme indefinição com relação a
verdadeira função do profissional que atuava junto às crianças de 0 a 6 anos
no país.
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A análise e discussão desse material pode fornecer subsídios para a
realização de possíveis relações entre as concepções precedentes de infância,
de criança, de atendimento e de educador, com concepções atuais, que
sustentam as políticas para a educação infantil, a definição do educador e as
políticas públicas destinadas à sua formação.
A Educação Infantil, no âmbito das políticas públicas, parece
apontar, através dos tempos, para uma ação diretamente ligada à proteção, ao
cuidado e à assistência das crianças menores de sete anos e pertencentes à
classe popular. Para Kramer (1995), a quantidade de programas, projetos,
propostas e discursos na área da educação infantil são reveladores de uma
política muito mais expressiva no campo do assistencialismo do que,
propriamente, no campo da educação. Em geral, como visto anteriormente, são
ações voltadas para a saúde; para a assistência social; para a prática jurídico-
policial; e para a atuação da Igreja.
Os profissionais que sempre estiveram à frente dessas ações, como
médicos higienistas, assistentes sociais, damas de caridade (em sua maioria
esposas dos prefeitos, governadores, deputados ou presidentes), surgiram em
meio a preocupações em salvar as crianças menos favorecidas da fome, da
miséria e do abandono. A herança desse tipo de atuação ora profissional, ora
beneficente ou filantrópica vem contribuindo para justificar propostas que se
isentam, até hoje, de estabelecer critérios mínimos de qualidade para se
pensar uma política educacional oficial para a formação do educador. A
questão do cuidado, a guarda das crianças e a necessidade de sua
escolarização e preparação para o ingresso no ensino fundamental, vêm
provocando uma enorme confusão nas propostas das políticas públicas para
formação dos educadores de crianças até os sete anos.
Portanto, as iniciativas tomadas pelo poder público em relação ao
destino da educação da criança de zero a seis anos no Brasil, desde meados
da década de setenta até pelo menos o final da década de oitenta, foram
marcadas fortemente pela visão da teoria da privação cultural e pela adoção,
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pelos programas educacionais de governo, da educação compensatória na pré-
escola e no ensino fundamental.
Enquanto que em décadas passadas, as políticas públicas para a
educação infantil se caracterizavam como ações de amparo e proteção,
distantes de projetos educacionais e de valorização e ampliação do magistério
nessa área, no decorrer, da década de 1990, se construiu, em meio a
movimentos da sociedade civil e medidas sancionadas pelo poder público, uma
nova mentalidade com relação ao significado de infância e de educação infantil
para a sociedade, sobretudo, no que diz respeito ao educador da criança
menor de sete anos e à sua formação. O interesse pelo aspecto educacional e
pedagógico do atendimento da população infantil, atrelado a projetos na área
da formação e dos currículos dos cursos para os profissionais vêm fazendo
parte das discussões e das ações nas políticas públicas no início desse século,
mesmo que timidamente.
Entende-se que não só as políticas públicas são suficientes para dar
conta da problemática da educação infantil. A produção do conhecimento
através das pesquisas e projetos de extensão realizados pelas Universidades
são tão necessários quanto as ações do poder público, pois ela pode ser um
espaço de formação e atuação social no campo educativo com certa autonomia
e relativo desprendimento das injunções políticas de momento, podendo
estabelecer trabalhos com mais continuidade e realizar projetos de
investigação de mais longo prazo, em diferentes conjunturas, ainda que em
trabalhos de parcerias com prefeituras e secretarias de educação e órgãos
afins.
Dessa forma, a educação infantil pode passar a ser entendida não
mais como assistência e caridade para as crianças pobres, mas sim, como um
espaço educacional e de formação para a cidadania. Logo, o educador infantil
que anteriormente não necessitava de formação e sim de ter “boa vontade” e
gostar de crianças, hoje demanda escolarização e formação na área,
rompendo com o estereótipo do profissional leigo e desinformado.
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A formação do profissional de educação infantil precisa ser
repensada, já que traz consigo muitos problemas. Pode-se perceber
educadores com pouca formação, isto é, com uma formação fragmentada e
decorrente também da ineficácia dos cursos de Magistério. Este quadro de
formação profissional leva a práticas diferentes dos discursos defendidos,
imagens deturpadas do papel da educação infantil, no desenvolvimento das
crianças, expectativas distorcidas por parte dos educadores, falta de subsídios
teóricos do profissional decorrentes do pouco conhecimento. “Muitas vezes
faltam-lhes atualização de conhecimentos na área, momentos para reflexão,
planejamento de aulas e para um tipo de pesquisa que subsidie sua prática de
formação”. (OLIVEIRA, 1998, p.17)
Ainda visando esta atuação do educador, esta precisa ser
explicitada. Há um distanciamento entre educador e criança, no que diz
respeito à subjetividade do ser humano. As relações entre educador e criança
na realidade são, muitas vezes, mecânicas, ritualistas, sem vida.
Oliveira (1998) ainda coloca que é preciso que o educador tenha,
além de uma visão sócio-política e organizacional, a qual possibilita considerar
o conjunto de fatores interagido na instituição, um referencial teórico sobre o
desenvolvimento infantil.
Assim, segundo Oliveira (1998), investir na formação do educador é
também evidenciar o seu papel enquanto profissional e a forma com que este
pode intervir mais adequadamente no processo de desenvolvimento das
crianças. Assim, para a autora não basta o educador gostar de crianças, ele
precisa conhecê- la.
Desta forma, preconiza-se a necessidade de uma formação mais
adequada ao profissional de educação infantil, a fim de que forneça ao
educador, subsídios teóricos que permitam superar práticas espontaneístas,
próximas ao senso comum.
20
CAPÍTULO II
O PAPEL DA AFETIVIDADE NO PROCESSO DE
INTERAÇÃO CRIANÇA-CRIANÇA NA EDUCAÇÃO
INFANTIL
Quando fala-se da necessidade de uma prática voltada para a
valorização da relação criança-criança, não quer-se, aqui, secundarizar ou
invalidar o papel do educador no cotidiano pedagógico. Muito pelo contrário,
neste novo contexto, tal papel é crucial para a prática educativa e para o
desenvolvimento das crianças.
O educador como mediador tem a importante tarefa de contribuir
para que seu educando passe das formas mais primitivas de consciência para
a consciência crítica da realidade. Para tanto, deve criar condições e ambiente
para que a criança se desenvolva em sua totalidade, seja, nos aspectos
motores, cognitivos, sociais, afetivos, etc.
O educador precisa se colocar numa relação horizontal com o seu
educando. Ambos caminham juntos na construção do conhecimento e na
apreensão crítica da realidade. O educador não só ensina, mas também
aprende e colocando-se ao lado da criança é capaz de entendê-la e senti-la, o
que contribuirá para a inovação de sua prática. Cabe a esse profissional, criar
situações de desafio, instigando a criança a pensar, a criar, a expressar-se.
É estando no mesmo plano que a criança que o educador poderá
criar condições desafiadoras e produtoras de novos conhecimentos. O
educador precisa e necessita se envolver e se auto-produzir na relação com o
seu educando. Trata-se de crescimentos recíprocos em que educadores e
educandos aprendam juntos a construir novas formas de pensar e se relacionar
com o mundo.
21
Desta forma, são essas discussões que possibilitarão o afloramento
de novas mentalidades e práticas na educação infantil. Com isso, salienta-se
como uma possibilidade de superação, a compreensão das contribuições de
Vygotsky no que diz respeito ao conceito de Zona de Desenvolvimento
Proximal, a qual poderá levá-lo a pensar possíveis direcionamentos às práticas
com base na interação criança-criança.
Ao apresentar uma explicação sobre a relação entre aprendizagem e
o desenvolvimento, Vygotsky (1988) descreve que:
[...] a aprendizagem não é, em si mesma, desenvolvimento, mas uma
correta organização da aprendizagem da criança conduz ao
desenvolvimento mental, ativa todo um grupo de processos de
desenvolvimento, e esta ativação não poderia produzir-se sem a
aprendizagem. Por isso, a aprendizagem é um momento
intrinsecamente necessário e universal para que se desenvolvam na
criança essas características humanas não-naturais, mas formadas
historicamente. (p. 115)
O autor sustenta a idéia de que a aprendizagem da criança inicia-se
muito antes de ela ir para a escola, na interação com o outro, no processo
sócio-histórico-cultural, desde seu nascimento. Neste contexto, afirma que para
elaborar as dimensões do aprendizado escolar utiliza-se de um conceito capaz
de explicar como ocorre esse processo, denominado: zona de desenvolvimento
proximal (VYGOTSKY, 1998).
Isso posto, o autor explica como se processam as atividades e como
se dão as relações entre o processo de desenvolvimento e a capacidade de
aprendizagem, estabelecendo dois níveis de desenvolvimento: o real e o
potencial.
O nível de desenvolvimento real é a capacidade que o indivíduo
possui para realizar suas tarefas, no cotidiano da sua vida, autonomamente.
Segundo o autor, muitos teóricos passaram anos estudando o desenvolvimento
mental da criança, a partir dos dados coletados nos testes psicológicos sobre
aquilo que a criança conseguia realizar sozinha.
Segundo Vygotsky (1998):
22
O primeiro nível pode ser chamado de nível de desenvolvimento real,
isto é, o nível de desenvolvimento das funções mentais da criança
que se estabeleceram como resultado de certos ciclos de
desenvolvimento já completados. Quando determinamos a idade
mental de uma criança usando testes, estamos quase sempre
tratando do nível de desenvolvimento real. Nos estudos do
desenvolvimento mental das crianças, geralmente admite se que só é
indicativo da capacidade mental das crianças aquilo que elas
conseguem fazer por si mesmas. (p. 111)
O nível de desenvolvimento real vem a ser a capacidade que a
criança apresenta para solucionar atividades ou funções; são as vitórias e as
conquistas que consegue em um determinado período do seu
desenvolvimento, sem o auxílio de outra pessoa. O próprio nome que recebeu
é bem característico: desenvolvimento real, aquilo que a criança consegue
fazer na realidade, naquele momento, indicando que os processos mentais
estão em harmonia e que os ciclos de desenvolvimento já se completaram.
O outro nível é chamado de desenvolvimento proximal ou potencial,
ou seja, são aquelas ações que a criança não é capaz de realizar sozinha, mas
com a ajuda de um adulto ou de uma criança mais experiente. Este processo
pode acontecer em situações em que existam diálogo, colaboração, trocas de
experiências, interação, imitação, que, para Vygotsky, têm um papel importante
a desempenhar no desenvolvimento da aprendizagem da criança.
Assim, com o auxílio de uma outra pessoa mais experiente, a
criança é capaz de realizar uma ação, antes não dominada, mesmo se a ação
for permeada pelo uso da imitação, passando a realizar determinadas ações de
acordo com um modelo. No entanto, a criança possui, na perspectiva de
Vygotsky, um potencial que possibilitará no futuro internalizar o processo
realizado e resolver sozinha aquela ação que foi imitada ou auxiliada por um
outro.
Para Vygotsky (1998):
A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que
ainda não amadureceram, mas que estão em processo de
maturação, funções que amadurecerão, mas que estão
23
presentemente em estado embrionário. Essas funções poderiam ser
chamadas de “brotos” ou “flores” do desenvolvimento, ao invés de
“frutos” do desenvolvimento. O nível de desenvolvimento real
caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente, enquanto a
zona de desenvolvimento proximal caracteriza o desenvolvimento
mental prospectivamente. (p. 113)
Compreende-se que a idéia de se estabelecer a aprendizagem de
acordo com os níveis de desenvolvimento da criança não se justifica mais, visto
que a necessidade é descobrir como se estabelece a relação entre o
desenvolvimento e a capacidade de aprendizagem atual que a criança
demonstra. Entende-se a determinação feita por Vygotsky sobre a necessidade
de identificar os dois níveis de desenvolvimento que caracterizam a zona de
desenvolvimento proximal. Vygotsky (1998) define este conceito como sendo:
[...] a distância entre o nível do desenvolvimento real, que se costuma
determinar através da solução independente de problemas, e o nível
de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de
problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com
companheiros mais capazes. (p. 112)
A zona de desenvolvimento proximal (ZDP) desperta nos
educadores e pessoas interessadas uma grande expectativa ao se trabalhar no
contexto da sala de aula porque em contato direto com as crianças pode-se
observar o movimento que as funções mentais estão realizando e identificar
como vai auxiliar para que a aprendizagem seja internalizada, completando o
processo do interpessoal para o intrapessoal.
Com isso, o educador conhecendo as idéias de Vygotsky sobre a
Zona de Desenvolvimento Proximal, terá um aparato teórico que norteará suas
pesquisas, tendo em seus resultados a constituição de sua prática pedagógica.
Diante deste enfoque de educação infantil, preconiza-se um novo tipo de
relação com o conhecimento e informações, de forma que afaste-se da
natureza das práticas tradicionais, baseadas na transmissão e repetição de
conhecimentos.
Essa nova maneira de se relacionar com o conhecimento supera a
transmissão de conhecimentos e a sua memorização, redefinindo o ato de
24
conhecer como que essencialmente ativo e dinâmico. Desta forma, trata-se de
uma construção contínua elaborada a partir do pensamento e do exercício
crítico frente às informações que o mundo lhe oferece.
Na educação infantil torna-se fundamental propor atividades que
levem a criança a levantar hipóteses, formular idéias, a pesquisar, a descobrir,
a criar, indagar e a buscar respostas para suas dúvidas. O educador deve
também se assumir enquanto sujeito da produção do saber, se convencendo
definitivamente de que “ensinar não é transmitir conhecimentos, mas criar as
possibilidades para a sua produção ou a sua construção”. (FREIRE, 2006,
p.25)
Para Vygotsky (1998) o desenvolvimento da criança está baseado
na aprendizagem que envolve sempre a interferência dos outros. Assim, na
educação infantil, especialmente, a criança deve reviver o contato e a interação
com os outros como forma de se socializar e a partir daí, reconstruir
internamente o que vê e ouve.
Atividades em grupo, oficinas, visitas a bibliotecas, passeios,
confecções de painéis, brincadeiras e jogos diversos, constituem ricas
possibilidades de interação entre crianças e de significativas construções de
conhecimentos.
Assim, pode-se perceber que o papel do educador muda de
fornecedor de informação e conhecimentos necessários à preparação da
criança para o Ensino Fundamental, para o de guia, mediador e apresentador
de problemas e tarefas. Dentre as responsabilidades do educador, está a de
criar ambientes ricos em informações e materiais diversificados, que levem a
criança a pensar, explorar e conhecer. Deve criar ambientes que ofereçam
múltiplas fontes de informações: jornais, revistas, livros, enciclopédias, etc, de
modo que favoreça uma autonomia intelectual e uma postura crítica diante das
informações.
A criança não pode mais ser vista como uma “tábula rasa” ou um
receptáculo do conhecimento, mas entendida como construtora do
conhecimento, processadora ativa da informação.
25
As crianças aprendem melhor fazendo, experimentando, agindo e
interagindo, porque as situações de aprendizagem ativa provêm oportunidades
a que as crianças testem o que estão aprendendo.
Muitas propostas pedagógicas julgadas adequadas para a Educação
Infantil, apresentam sérios equívocos, quanto ao entendimento que se têm
sobre o processo de aprendizagem e desenvolvimento da criança, alguns
educadores assumem como “metodologia” a tarefa de “dar o jogo simbólico”
para as crianças, como se isso fosse uma situação que dependesse
unicamente da iniciativa do educador, ou ao contrário, deixando a criança à
vontade para jogar, como se jogar, não precisasse de aportes culturais.
E para isso necessário que o educador tenha respaldos teóricos
principalmente sobre o processo de aprendizagem e desenvolvimento das
crianças, já que é seu papel intervir adequadamente neste processo.
Cabe ao educador, assumir com mais vigor seu papel de
pesquisador, pois a pesquisa lhe dará subsídios teóricos importantes para a
compreensão e intervenção na prática educativa. O educador é um constante
aprendiz, e é essa sua capacidade de aprender que lhe trará as ferramentas
necessárias para conhecer a criança e o seu desenvolvimento.
Enquanto pesquisador, não pode negar-se o dever de, na sua
prática docente, reforçar a capacidade crítica do educando e sua autonomia
frente a situação concretas.
Uma de suas tarefas primordiais também é, trabalhar com os
educandos a busca pela descoberta científica. É neste sentido, que se alonga a
produção das condições em que aprender criticamente é possível.
Não basta “ensinar” conteúdos, a tarefa do educador é muito mais
ampla e comprometedora. Seu trabalho requer conhecimentos técnicos e
metodologia diversificada e uma compreensão teórica profunda dos prejuízos
irreversíveis que uma má educação nessa idade produz.
Para tanto, o educador necessita buscar uma nova postura, pois
“ensinar” exige pesquisa; portanto não há ensino-aprendizagem sem pesquisa
26
e pesquisa sem ensino. “Ensino porque busco, porque indago e me indago.
Pesquiso para constatar, constatando intervenho, intervindo educo e me educo.
Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a
novidade.” (FREIRE, 2006, p.32)
Vale ressaltar que não há qualidade de pesquisador no educador; ou
uma forma de ser ou de atuar pré-definida no ensino-aprendizagem. O
importante é que o educador, se perceba e se assuma como pesquisador. Para
que essa postura seja viável no trabalho com as crianças, é necessário uma
proposta que valorize a pesquisa, à investigação, a descoberta, a socialização,
o pensamento reflexivo. O educador atuando com essa nova postura, realiza
um trabalho não por elas (crianças), não para elas, porém com elas.
Tal posicionamento refletirá em mudanças de práticas, alcançadas
também devido aos conhecimentos que a própria pesquisa estará
possibilitando ao educador.
Grupos de estudos, reflexões, pesquisas contribuirão para um
alargamento teórico do educador, bem como para melhorar sua visão de
mundo, homem, criança, educação.
É preciso ter claro que as teorias, os conhecimentos nem sempre
poderão ser aplicados diretamente em situações concretas, mas nortearão o
trabalho do educador, contribuindo assim, para transformar as práticas
existentes. No processo ensino-aprendizagem, há constante troca entre
educador e educandos, e nesta relação horizontal, ambos aprendem e se auto
produzem. “Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao
aprender”. (FREIRE, 2006, p.25)
Contudo, basta que o educador tenha:
[...] Coragem e elimine medos tolos: o medo de que perca sua
influência, de que os conteúdos sejam sacrificados, de que a aula ou
Reunião vire bagunça. O autoritarismo é insegurança dos medrosos e
os medos são muitos; como os fantasmas. Mas somem logo, onde
brilha a luz da inteligência, do diálogo do respeito, recíproco, da
confiança. (ANDREOLA, 1999, p.28)
27
Acredita-se, assim, que a educação infantil precisa ser um lugar
seguro onde a criança possa desenvolver-se naturalmente. Ela deve perceber
este espaço como seu, deslocando-se livremente, falando sem medo, agindo
com segurança e criatividade.
A criança precisa sentir esse espaço como algo prazeroso de
contato com outras crianças e de poder aprender durante suas relações com
outras crianças.
Precisa-se deixá-la segura de que não precisará abrir mão de sua
infância, do brincar para se ater as novas responsabilidades, mas entender que
poderá brincar durante as interações com outras crianças.
Contudo, é preciso que a prática que até então vem sendo
“adestradora de crianças”, seja substituída por uma “libertadora”; capaz de
possibilitar a livre expressão da criança, o agir, o criar, e a própria liberdade de
se interagir com outras crianças, mediante o faz-de-conta, troca de
experiências, brincadeiras, jogos, etc.
Através desta perspectiva, percebe-se a necessidade de buscar
alternativas facilitadoras para o desenvolvimento da criança, atrelando seus
conhecimentos às diferentes formas de compreensão do mundo que a criança
ainda ingenuamente possui e aos saberes artísticos, éticos, estéticos,
filosóficos e científicos refletidos e experimentados na linguagem cultural.
Dessa maneira espera-se contribuir para que as crianças, sujeitos-aprendizes,
desse processo, decifrem mais que o código escrito e percebam, no dizer de
Freire (2006, p.60), que “o mundo da cultura que se alonga em um mundo da
história é um mundo de liberdade, de opção, de decisão, mundo de
possibilidades”.
Sabe-se ainda que as crianças pequenas, vem tendo sua infância
desrespeitada, à medida que a prática de educadores vem negando a
importância das interações para o próprio crescimento dessa criança. Pensa-se
que muitas vezes, no fazer pedagógico, não há liberdade para que as crianças
falem, ajam, joguem, se interagem com outras, troquem experiências,
dialoguem.
28
No entanto, essa atitude, em muitos casos, começa com a família,
quando os pais negam a importância do brincar, e até mesmo de poder se
relacionar com outras crianças, projetando para os filhos outras
responsabilidades que se contrapõem àquelas ditas para a infância. Muitas
vezes também percebe-se a insegurança, o medo, questões do próprio
trabalho e até mesmo a própria televisão, que contribui para que os pais tolhem
o direito a infância.
Não se pode privar a criança de sua infância, da sua necessidade de
brincar e comunicar com outras crianças, de se exercer, de descobrir, de ter
curiosidade para as coisas que a cercam. Não se pode negar tudo isso,
especialmente nesse momento histórico em que tudo lhe diz “não”. Ouve-se
muito freqüentemente pais que desconhecem o valor do brincar com outras
crianças para o desenvolvimento infantil. “Não brinca na areia, porque você se
suja muito”. “Não usa tinta, que você mancha a roupa”.“Não brinque com
aquele menino que ele é mal educado”.
Essas e outras muitas frases revelam a pouca importância que os
pais e outros que trabalham com as crianças dão às interações entre crianças
durante as brincadeiras, a criança aprende e se desenvolve, que a criança fala,
troca idéias, imita, pensa, levanta hipóteses, cria, etc.
Poucos são os que conhecem o verdadeiro significado das
interações entre crianças para o desenvolvimento cognitivo e social das
crianças. No entanto, não se quer aqui ressaltar críticas às maneiras de pensar
dos pais, mas pretende-se fazer uma alerta aos educadores para que criem
uma nova mentalidade colocando o valor as interações entre crianças como
cerne da educação infantil.
29
CAPÍTULO III
CONCEPÇÕES SOBRE A INTERAÇÃO NO CONTEXTO
ESCOLAR DE EDUCAÇÃO INFANTIL
A investigação utilizou os pressupostos da pesquisa qualitativa,
porque a intenção desta não é quantificar, mas sim, trabalhar com aspectos
mais profundos das relações e processos de fenômenos, como explica Minayo
(2001).
A pesquisa investigou, através de conversas informais, as
concepções e reflexões das docentes sobre a afetividade com professores, da
cidade de Pontalina, estado de Goiás, que atuam na educação infantil.
Ao todo foram investigadas dez docentes responsáveis pelas
interações escolares de aproximadamente 200 alunos.
Das 10 docentes pesquisadas, 07 delas têm formação universitária e
as demais possuem graduação no Magistério (Ensino Médio). Quanto à
experiência em Educação Infantil, 07 docentes atuam há três anos e 03 têm
dez anos de docência na Educação Infantil.
Como o professor é elemento chave no processo educativo, esta
pesquisa iniciou-se buscando compreender como as docentes vêem a questão
da afetividade na relação professor-aluno.
A proposta de ensino que orienta as práticas pedagógicas das
docentes traz explicitada que o foco central da Educação Infantil é a formação
de cidadãos críticos, autônomos, atuantes, preocupados com as causas
humanitárias e ambientais (BRASIL, 1999). Por isso, a instituição de Educação
Infantil segue os preceitos gerais da educação escolar e desenvolve seu
projeto político-pedagógico de forma ampla, visando oportunizar aos alunos a
construção de conceitos, a apropriação de valores e a formação de hábitos e
atitudes.
30
A proposta pedagógica das instituições de Educação Infantil, em
atendimento às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
(BRASIL, 1999), reconhece a importância da identidade pessoal de alunos,
suas famílias, professores e outros profissionais que irão, em ação conjunta,
construir a identidade de cada unidade educacional no contexto de sua
organização. Buscam desenvolver práticas pedagógicas de qualidade, para
que as crianças e suas famílias sejam incluídas em uma vida de cidadania
plena.
Esses parâmetros são norteadores das práticas desenvolvidas pelas
docentes no âmbito da Educação Infantil. Portanto, procurou-se na análise das
respostas considerar esses pressupostos como eixos de condução da atividade
pedagógica. No entanto, para efeito de análise classificou-se, aqui, as
respostas obtidas em duas categorias: afetividade como expressão de
sentimentos e atitudes exclusivamente positivos ou “do bem”; e afetividade que
envolve uma complexidade e diversidade maior de sentimentos e atitudes.
Analisando os conteúdos das respostas e as unidades de significado
decorrentes destas, verificou-se que das dez (10) docentes investigadas seis
(6), ou seja, a maioria delas compreende o termo “afetividade” como sinônimo
ou expressão de sentimentos positivos, tais como carinho, querer bem ao
outro, amizade, amor, afeto, entre outros.
O predomínio desta compreensão pode ser interpretado como
decorrente do atendimento exclusivo à como esse significado consiste no
próprio histórico da Educação Infantil retratado por ocasião dos Jardins de
Infância. As jardineiras (docentes) cuidavam das crianças pequenas como se
fossem plantinhas que necessitavam ser “regadas” diariamente com carinho e
amor, desde a mais tenra idade (BASTOS, 2001).
Isto tudo é reforçado pela predominância de mulheres como
profissionais da Educação Infantil, que se reportam ao “instinto maternal” para
o exercício do magistério.
Verificou-se, que a maioria das docentes fundamenta e justifica seus
argumentos no senso comum, relacionando a afetividade como expressões
31
amorosas, demonstrando desconhecimento das teorias mais atuais que
discutem esta relação de forma mais complexa e menos linear.
Uma parte das docentes (02 docentes) acredita que a afetividade
ocorre em relações escolares, preferencialmente, interações entre professor-
aluno, bem como em relações ocorridas no âmbito familiar, no dia-a-dia, na
convivência em sociedade.
Nessas concepções as docentes destacam a afetividade como
inerente às relações humanas e se aproximam de uma compreensão mais
complexa e mais próxima do que acontece na vida real. Embora sem
explicitarem ou estabelecerem relações com enfoques teóricos aprofundados
suas concepções parecem partir de suas observações e vivências no fazer
educativo.
Duas (02) docentes atribuíram à afetividade o papel de facilitadora
da aprendizagem. Para elas, a afetividade é entendida como pré-condição para
a apropriação de novas aprendizagens. E colocaram o professor como
mediador neste processo. Pareciam estarem de fato, conscientes da
necessidade de buscar seu papel como educadoras, frente à concepção de
Educação Infantil que retrata o educando como um sujeito em fase de
formação, com características peculiares e que necessita, desta forma, de
educação e cuidados que favoreça sua constituição como pessoa completa e
não apenas intelectual (BRASIL, 1999).
Desse modo, a prática pedagógica é entendida como prática social que oportuniza, através da ação mediada entre professor e alunos, relacionar os processos sociais aos processos psicológicos. (SPAZZIANI, 2003, p.73).
Cinco (05) das docentes destacaram os efeitos que a prática afetiva
pode acarretar aos alunos. Afirmaram que esta norteia o desenvolvimento do
aluno, em especial de sua personalidade, auxiliando na formação de seu
caráter. Para elas a afetividade também tem o poder de ampliar a interação
social, solidificar laços de amizade e promover qualidade nos relacionamentos.
Também age favoravelmente à constituição do indivíduo, ao resgatar e/ou
32
fortalecer sua auto-estima, ao ajudá-lo na superação de obstáculos e promoção
de seu sucesso.
O entendimento dessas cinco docentes, ao destacarem o papel da
afetividade nas relações humanas e destas no desenvolvimento do ser
humano, vem ao encontro das premissas defendidas, dentre outros, por
Vygotsky. Este considera a constituição social do sujeito dentro de uma cultura
concreta.
Verificou-se que três docentes afirmam que a postura assumida e as
atitudes do professor são explicitações de afetividade. Ou seja, o interesse do
professor pelos seus alunos, o seu envolvimento, a atenção demonstrada, o
respeito pelos alunos e com seus problemas, a compreensão e, ainda, o fato
de expressar-se com palavras, olhares e gestos carinhosos, de ouvi-los e dar
voz a esses pequenos sujeitos, são atitudes que marcam positivamente os
seus alunos, contribuindo para sua formação.
Percebe-se que ampliam o significado do que seja o termo
afetividade na relação escolar, mas anda permanece uma compreensão
extremamente e exclusivamente positiva do conceito.
Em contrapartida, duas docentes abordam que a afetividade seria,
também, a expressão de conflitos, discordâncias e desafetos entre professora
e alunos e entre os próprios alunos. Estas docentes apontam que afetividade é
por elas entendida como a presença de aspectos que norteiam as relações
humanas, tanto as brigas e confusões, como as expressões de agrado e
concordância.
Verificou-se que no cotidiano escolar se deflagram muitas
expressões de afetividade: momentos de carinho, afeição, solidariedade, mas
também situações de embate, desentendimento entre os próprios alunos, entre
professor e aluno. Estas são cenas corriqueiras em qualquer instituição onde
ocorrem várias interações entre pessoas advindas de meios sócio-culturais
diferentes, com características, desejos, motivos e interesses tão diversos. E
não seria diferente nas instituições de Educação Infantil.
33
Isto porque a afetividade é uma dimensão sempre presente em
todos os processos interativos, inclusive e, especialmente, nas dinâmicas de
sala de aula onde também a interação social é indispensável para a
apropriação de novos conhecimentos.
Assim, se as interações próprias da sala de aula são carregadas de
afetividade, seguramente, esta carga afetiva vai exercer uma influência na
aprendizagem, seja ela positiva ou negativa.
Esta concepção mais ampliada do conceito da afetividade envolve
compreensão de que a troca entre indivíduos de sua espécie é salutar, pois,
através da interação social, própria do aprendizado construído historicamente
entre humanos, é que há possibilidade única e imprescindível para despertar
os processos internos do indivíduo, propiciando o seu desenvolvimento na
medida em que propicia a sua relação com o ambiente sociocultural no qual
está inserido.
Esta pequena porcentagem de docentes que assumem uma
compreensão mais complexa e dialética do termo afetividade nos remete a
reflexão sobre o que leva a maioria das docentes a um entendimento limitado e
restrito do termo. Será que não estão apresentando dificuldades para aceitar e
lidar com os conflitos, tão comuns nas relações humanas? Ou será que em
suas repostas preferem abordar somente os aspectos considerados, por elas,
como “positivos” nas relações?
Para Wallon (1979), a criança, desde o seu nascimento, vai
vivenciando fases de desenvolvimento onde predominam ora a afetividade, ora
a cognição. De acordo com ele, a criança, que hoje freqüenta a Educação
Infantil está vivenciando a fase personalista, onde há predominância da
afetividade. Nessa fase, a criança vai constituindo seu Eu, sua subjetividade,
sua personalidade. Este processo de individuação, de distinção entre o Eu e o
Outro acontece através de atividades de oposição ao outro e, ao mesmo
tempo, de sedução e de imitação, tão comuns nas relações infantis.
Wallon (1979) ressalta que a criança muitas vezes necessita negar e
opor-se ao adulto. Por isso, obviamente, durante essa fase da criança fazem-
34
se presentes além dos afetos positivos, também os entendidos como negativos
(a raiva, tristeza, ciúme, inveja, dor e tantas outras).
Pelo que se pode constatar pela análise das respostas das
docentes, se dependesse do modo como estas expressam o conceito sobre
afetividade, estas crianças não experimentariam emoções e afetos negativos,
como se isso fosse possível. Porque estes sentimentos e emoções são formas
complexas de expressão da nossa humanidade, tanto nos aspectos positivos e
negativos e que, portanto, os conflitos também fazem parte do
desenvolvimento e da constituição do sujeito como pessoa completa.
Com relação a este aspecto, Galvão (1998), referindo à proposição
de Heloysa Dantas, sobre os professores de Educação Infantil a partir da
concepção de Wallon sobre a função social e a natureza das emoções, sugere
que estes tomem este tema como objeto de estudo e reflexão. Quanto à
natureza das emoções, enfatiza que seu imenso poder de contágio e seu
antagonismo à atividade intelectual são responsáveis por seu poder regressivo,
isto é, por dificultar a percepção do exterior e por conseqüência, do raciocínio.
Conclui-se que a emoção, presente nos conflitos das relações
sociais, faz parte do processo de constituição do sujeito. Por outro lado,
sabendo que a emoção precisa de um espectador vale refletir sobre a postura
do adulto frente às manifestações de crises emocionais das crianças,
considerando que na “ausência da platéia as crises emocionais tendem a
perder sua força” (GALVÃO, 1998, p.64).
Em outras palavras, as emoções modificam-se e evoluem no contato
social, sendo que quem dá sentido às manifestações emocionais da criança é o
outro.
Corroborando essas afirmações, no Referencial Curricular Nacional
para a Educação Infantil (BRASIL, 1998) há o destaque para que os aspectos
emocionais e afetivos sejam tão relevantes quanto os cognitivos. Em
decorrência disso, entende-se que devem existir vínculos estreitos entre razão
e emoção para que o desenvolvimento infantil não seja comprometido.
35
Vale destacar que apenas em uma resposta apareceu a questão dos
limites infantis e da necessidade de demarcá-los com os alunos como uma
expressão de afetividade. Observou-se, também, a resposta de uma única
docente que relacionou a afetividade com as expressões físicas das emoções e
com suas reações orgânicas, tais como aceleração do batimento cardíaco,
brilho nos olhos, sorriso e vozes alegres.
Acredita-se, então, que no desenvolvimento das crianças, a
afetividade, a motricidade, o cognitivo e o social desempenham papéis de
extrema importância. A relação ensino-aprendizagem é um fenômeno
complexo, em que diversos fatores de ordem social, política e econômica
interferem na dinâmica da sala de aula. Isso é, estando inserida no contexto
social, a escola não é uma instituição independente. Por isso, uma educação
voltada para a realidade existencial do sujeito e fundamentada nela, tem maior
significado pelo fato já visto de que a compreensão está radicada na vivência
que se tem do mundo.
36
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em vista a importância da afetividade deflagrada pelos
resultados obtidos na pesquisa, conclui-se que há uma forte preocupação
destas docentes em “afetar” positivamente seus alunos, oportunizando
momentos e espaços adequados ao estabelecimento de interações sociais
capazes de promover o desenvolvimento do sujeito em todas as suas
dimensões, ou seja, cognitiva, afetiva, motora e social.
A afetividade desempenha um papel fundamental na constituição e
funcionamento da inteligência, determinando os interesses e necessidades
individuais, possibilitando avanços progressivos no campo intelectual, ou seja,
são os motivos, necessidades, desejos que dirigem o interesse da criança para
o conhecimento e conquista do mundo exterior.
Desta forma, faz-se necessária a conscientização do professor
quanto ao seu importante papel na relação com os alunos: é o principal
mediador em sala de aula, é quem planeja as aulas, organiza todos os
espaços, disponibiliza materiais, promove e participa das brincadeiras,
mediando a construção do conhecimento.
Posto isso, é imprescindível que o professor e toda a equipe escolar,
incluindo os profissionais que trabalham na Educação Infantil, estejam em
constante capacitação, refletindo sobre suas práticas e atualizando-se com os
estudos mais recentes sobre as crianças da faixa etária com que trabalham. O
ideal é que esta formação em trabalho seja oferecida pelos órgãos
competentes em parceria com os poderes públicos. Por vezes o que ocorre, é
o profissional que comprometido com sua prática tem buscado capacitar-se
independentemente dos apoios e fomentos para sua formação continuada.
Suas buscas têm objetivado compreender, entre outros assuntos, o processo
de construção de novos conhecimentos, novos conceitos a partir das
interações em sala de aula e fora dela.
Consequentemente, se o profissional da Educação Infantil estiver
37
sempre atualizando seus conhecimentos teóricos, fundamentando sua prática,
observando direta e objetivamente seus alunos, bem como lançando mão das
reflexões resultantes deste processo, poderá orientar o aprendizado no sentido
de promover o desenvolvimento potencial de uma criança, tornando-o real.
Como se constatou pelos estudos e pelas respostas analisadas, o
professor, dentro da sala de aula, é o principal mediador do processo ensino-
aprendizagem. Ocupa uma função ímpar e privilegiada no desenvolvimento da
criança, podendo contribuir para o sucesso ou o fracasso do aluno na escola.
Ele pode estabelecer vínculos afetivos muito fortes com e entre os alunos.
Através de seu comprometimento profissional, das sondagens dos
conhecimentos prévios da turma, das intervenções adequadas e pertinentes,
dos elogios, das correções que faz, dos incentivos que dá, da ajuda na
resolução de problemas, pode ensinar muito a seus alunos. Nas atitudes de
respeito à diversidade e limitações específicas de cada ser humano, bem como
na valorização dos diferentes saberes e na disseminação de valores éticos e
de solidariedade, conquista a admiração, a simpatia e o respeito de seus
alunos.
Na teoria e na prática, as interações entre as docentes e os alunos
não se limitam apenas aos aspectos cognitivos. Elas são impregnadas de
afetividade e esta orienta o processo e pode se tornar aliada de qualquer
professor.
Portanto, analisar o processo de construção de novos conceitos,
sejam eles matemáticos, lingüísticos, artísticos e outros, a partir das interações
em sala de aula, direcionando o olhar para os aspectos afetivos inerentes à
relação professor-aluno, é um grande desafio que deve ser estendido a todos
os que abraçam o Magistério.
Assim, faz-se necessário que as instituições de Educação Infantil,
articuladas às políticas públicas sociais, se constituam num espaço onde as
formas de expressão da criança de 0 a 6 anos, dentre elas a linguagem verbal
e corporal ocupem lugar privilegiado. Num contexto lúdico e prazeroso de jogos
e brincadeiras, onde as famílias e as equipes de educadores possam conviver
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intensa e construtivamente, cuidando e educando, objetiva-se promover o
desenvolvimento individual, social e cultural destas crianças. Torna-se
premente que exista uma progressiva articulação das atividades de
comunicação e ludicidade com o ambiente escolarizado, no qual
desenvolvimento, socialização, constituição de identidades e construção de
conhecimentos possam ocorrer.
Concluindo, as instituições escolares, e neste caso específico, as de
Educação Infantil, devem ser sempre “locus” de investigação por parte do
professor de sua própria prática pedagógica. Devem ser também, um espaço
dinâmico e vivo, no qual as crianças alcancem o pleno desenvolvimento de
suas capacidades e potencialidades corporais, cognitivas, afetivas, emocionais,
estéticas, éticas, de relação interpessoal e inserção social. As instituições de
Educação Infantil que primam pela qualidade da educação e cuidados
oferecidos, que propiciam interações sociais afetivas contribuem para a
formação de crianças saudáveis, inteligentes e, acima de tudo, felizes.
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