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Carolina Massoni de Almeida Bueno
O desenvolvimento da fala e o bilingüismo
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Faculdade de Educação
2008
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Carolina Massoni de Almeida Bueno
O desenvolvimento da fala e o bilingüismo
Turma da manhã: Trabalho apresentado como requisito para conclusão da Habilitação Educação Infantil à Comissão de professores responsáveis pelo Curso: Profas. Maria Angela Barbato Carneiro, Maria José P. M. França, Marisa Del Cioppo Elias e Neide Barbosa Saisi, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Ângela Barbato Carneiro”
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Faculdade de Educação
2008
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Agradecimentos
Para aquelas pessoas que fazem meu coração sorrir...
Para todos que sempre estiveram junto
até mesmo quando eu não estava disposta...
Para as pessoas que fizeram a
diferença em minha vida...
Para as pessoas que quando
olho para trás, sinto muitas saudades...
Para as pessoas que me aconselharam
quando me senti sozinha, e me ajudaram
a entender que não importa em quantos
pedaços meu coração tenha se partido, pois
o mundo não irá parar para que eu o conserte...
Para as pessoas que me deram um força quando
eu não estava muito animada.
Para as pessoas que amei...
Para as pessoas que abracei...
Para as pessoas que encontro
apenas em meus sonhos...
Para as pessoas que encontro
todos os dias e não tenho a chance de
dizer tudo o que sinto olhando nos olhos...
Quero agradecer meus amigos, minha família e principalmente meus pais que
me deram todo suporte que precisei para chegar até aqui.
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Resumo
Este trabalho teve como objetivo principal o estudo de Jerome Seymour Bruner
e Lev Semenovich vygotsky sobre o desenvolvimento da fala e sua relações
com o bilingüismo na educação infantil.
Foi feita uma comparação entre o pensamento dos dois autores e explicitadas
as contribuições destes em relação ao uso do ensino bilíngüe e de sua
importância.
Verificamos que o professor deve levar em conta fatores sociais, culturais e a
história educativa de seus alunos. Precisa ficar atento as necessidades
individuais dos educandos para poder analisar suas possibilidades de
aprendizagem e avaliar a eficácia das medidas adotadas.
Palavras-chave: desenvolvimento, linguagem, bilingüismo.
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Sumário
Introdução e Justificativa.......................................................................06
1 Desenvolvimento da Linguagem.........................................................09
2 Bilingüismo X desenvolvimento lingüístico e cognitivo...................... 19
Considerações finais.............................................................................24
Referências bibliográficas......................................................................25
Justificativa e Introdução
Quando era pequena fui matriculada diversas vezes em escolas de inglês, a
verdade é que nunca consegui me interessar de fato pelas aulas e concluir ao
menos um semestre. Foi somente quando iniciei a faculdade e comecei a
procurar estágio que realmente percebi a importância do conhecimento de
línguas estrangeiras.
Atualmente, a língua inglesa é a mais falada no mundo inteiro, o que a torna
importante no nosso dia – a – dia. Saber se comunicar em inglês vem ficando
indispensável, seja para viajar e conhecer outros países, pessoas e culturas,
como para fechar um contrato importante com uma empresa estrangeira.
Assim, o mercado de trabalho valoriza as pessoas que possuem a habilidade
de falar duas ou mais línguas.
Pensando na concorrência enorme entre os profissionais na busca por um
emprego e diante do processo de globalização, decidi me matricular em uma
escola de inglês e fazer intercâmbio.
Viajei para o Canadá durante as férias da faculdade entre 2006 e 2007 e
despertei finalmente o meu interesse por línguas. Na casa em que vivi durante
três meses convivi com uma família canadense que têm duas crianças e um
bebê, e com uma estudante de intercâmbio da Venezuela. Lá o que mais me
chamava a atenção era o bebê de um ano e meio que estava aprendendo a
falar em um ambiente com quatro línguas diferentes (o inglês e o francês do
Canadá, o meu português e o espanhol da estudante da Venezuela). Fiquei
impressionada com o fato de ele conseguir se comunicar com todos na casa de
alguma maneira.
O meu principal interesse é o desenvolvimento da fala da criança. A linguagem
oral é fundamental para que os pequenos se desenvolvam com os outros e se
insiram na sociedade em que vivem. No mundo atual a comunicação é
imprescindível e dela dependeu o progresso da humanidade. Ao adquirir a
linguagem o indivíduo dá um grande passo em seu desenvolvimento psíquico,
aumenta a possibilidade de conviver com outros indivíduos, de organizar seu
modo de agir e de pensar, além de mudar a maneira de interagir com o
mundo.
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A linguagem é um sistema simbólico fundamental em todos os grupos
humanos, ela nos permite designar os objetos do mundo exterior (como, por
exemplo, a palavra vaca, que designa um tipo específico de animal mamífero
de quatro patas), ações (como, correr, arremessar, furar, guardar), qualidades
dos objetos (como mole, duro, áspero, macio) e as que se referem às relações
entre os objetos (como perto, longe, do lado, acima, abaixo).
Quando voltei do Canadá, comecei a fazer estágio em uma escola bilíngüe
localizada no bairro de Pinheiros na cidade de São Paulo. Desde então tenho
me impressionado com crianças e com a maneira como aprendem rapidamente
duas línguas e especialmente a forma com que elas se relacionam entre si.
Uma das minhas maiores dúvidas, diante desta experiência profissional que
estou vivendo, é em relação ao contato de crianças pequenas com uma
segunda língua.
Neste trabalho discutirei sobre as questões do desenvolvimento da fala da
criança abordando especialmente o contato com uma segunda língua.
Objetivo
O objetivo do trabalho é estudar o desenvolvimento da linguagem,
especialmente do bilingüismo, na educação infantil.
Para isso tomei como ponto de partida os trabalhos de Bruner (1997) e
Vygostky (1988) uma vez que ambos tratam do desenvolvimento da linguagem,
embora não tenham estudado a questão do bilingüismo.
Metodologia
Trata-se de um estudo teórico com base em dois estudiosos da comunicação,
Jerome Seymour Bruner e Lev Semenovich Vygotsky, visto que ambos se
preocuparam com a linguagem como elemento importante na aprendizagem do
ser humano. Bruner identifica o modo como acredita que a linguagem se
desenvolve nos seres humanos e descreve a importância desta no cotidiano,
destaca o uso da narrativa não somente aquela usada em contos de fada e em
nossa imaginação mas aquela que usamos para expressar o que sentimos,
relatar ou/e justificar uma acontecimento real. Mostrou, ainda, como ela é
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fundamental para a apropriação da cultura. Sem a comunicação seria
impossível à humanidade o progresso e o avanço do conhecimento.
Vygotsky, por sua vez, dedicou muitos anos de sua vida estudando a relação
entre o pensamento e a linguagem trazendo inúmeras contribuições sobre o
tema.
Partiu-se, portanto, da história de vida de cada autor, buscando,
posteriormente, explicitar um pouco de sua teoria em relação ao
desenvolvimento da linguagem depois procurou-se identificar as semelhanças
e diferenças entre ambos para levantar as contribuições que tiveram em
relação a comunicação e ao bilingüismo.
Referencial Teórico
Muitos estudiosos pesquisaram a fala das crianças. Dentre eles Piaget
Vygotsky, Lúria e Bruner. Todos estes autores trataram sobre este assunto,
mas nenhum se aprofundou na questão do bilingüismo. Devido a escassez de
investigações que tratam da aprendizagem de duas ou mais línguas,
especialmente entre os pequenos, um estudo teórico buscou levantar algumas
bases que pudessem favorecer uma outra investigação do assunto em um
outro momento.
Dentre os autores que tratam do desenvolvimento da linguagem na criança
busquei aprofundar nesta pesquisa os trabalhos de Bruner e de Vygotsky, não
só por serem mais recentes como também por tratarem de questões que se
relacionam mais com o assunto desta pesquisa.
1 Desenvolvimento da linguagem
1.1 Considerações sobre os autores
Considerando-se a relevância que o trabalho de Bruner e Vygotsky assumiram
do ponto de vista da linguagem humana, procurou-se iniciar esta investigação
através dos estudo de cada um dos autores, ou seja, de suas biografias de
modo a entender melhor as contribuições feitas por cada um deles.
1.1.1 Jerome Seymour Bruner
Jerome Seymour Bruner nasceu em primeiro de outubro de 1915, em Nova
York, nos Estados Unidos. Seu pai era um fabricante de relógios e garantiu ao
filho uma infância despreocupada. Ingressou na Universidade de Duke com
apenas 16 anos pretendendo estudar direito para administrar os negócios da
família mas sua admiração por William McDougall o fez optar pela psicologia. É
aprovado em Yale e em Havard mas decide-se pela ultima, e finalmente em
1938, chega em Cambridge, Massachusetts, para cursar doutorado.
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A construção de suas teorias tem influencia em Titchner, Piaget, Lévi-Strauss,
Dewey, Woodworth, Wertheimer, Köhler, Koffka, Freud, Mc Dougall, Egon
Brunwik, Edward Tolman, David Krech e Vygotsky, entre outros psicólogos e
sistemas psicológicos vigentes do século XX.
As produções acadêmicas deste autor têm duas fases: a primeira limita-se ao
laboratório e a segunda inclui estudos em situações de observação natural.
Nas duas fases nota-se grande coerência e interação e o uso de
conhecimentos que vão além da área da psicologia, como ciência
computacional, matemática, economia, lingüística, filosofia, literatura, arte e
antropologia. Nas suas produções Bruner expressa o profundo interesse pelo
processo de aprendizagem e pela educação da criança, especialmente os
bebês.
1.1.2 Lev Semenovich Vygotsky
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Lev Semenovich Vygotsky nasceu no dia 5 de Novembro de 1896, em Orsha,
Bielorussia, e morreu em Moscou, de tuberculose, com 38 anos, em 11 de
Junho de 1934.
Vygotsky teve uma infância muito rica culturalmente, de família judia, aprendeu
a ler muito cedo e na adolescência já mostrava grande interesse por arte,
história, filosofia, lingüística e literatura. Logo se interessa também pela área da
Psicologia, entusiasmado com a literatura internacional de W.James e S.
Freud. Opta pelo curso de Direito, porém termina a graduação e não ingressa
na carreira. O ano de 1917 marca suas primeiras experiências como educador,
daí em diante se envolve com inúmeras atividades ligadas a área da educação
e da arte.
Em uma das várias escolas em que trabalhou monta um laboratório, onde
passa a desenvolver pesquisas em reatoligia1. Em 1924 faz uma apresentação
no II Congresso Panrusso de Psiconeurologia, destaca-se por defender o
estudo da consciência e criticar os trabalhos reflexológicos2 de Pavlov, e é
convidado para trabalhar no Instituto de Psicologia de Moscou, dirigido por
Kornilov, onde contaria com as colaborações de Luria e Lentiev. É nessa época
que começa a construir os princípios da corrente histórico cultural,
desenvolvendo uma abordagem do desenvolvimento humano que é
sociocultural, histórica, integrativa e semiótica.
É importante destacar que Vygotsky viveu na época da revolução comunista de
1917, que deu origem a União Soviética, período importantíssimo da história do
século XX e que vai marcar suas obras.
Este pensador russo mostra-se um marxista e para ele, “(...) a consciência não
é simples reflexo da história – pois a própria materialidade histórica é
constantemente plasmada pela ação de consciências envolvidas em processos
sociais.” ( Nova Escola, pág 4), ou seja, estamos usando a nossa consciência
quando agimos, por isso ela não pode ser somente fruto da história que
construímos com nossas ações.
Para este autor a aprendizagem é mais do que um sujeito desenvolvendo
ferramentas cognitivas. Toda ferramenta cognitiva, como a linguagem consiste 1 Área da psicologia relacionada à pesquisa experimental sobre o comportamento humano2 Os trabalhos reflexológicos de Pavlov referem-se às suas experiências de investigar os reflexos condicionados em cães.
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na capacidade de simbolização. Simbolizar necessita observar, perceber,
discriminar, classificar, analisar, sintetizar e significar, portanto, demanda de
processos comunicativos.
Além disso, para Vygotsky as funções psíquicas são de natureza e origem
sociais, ou seja, não são fatos naturais, mas resultam das relações entre o ser
humano e a cultura, daí a importância do desenvolvimento da linguagem como
forma de comunicação e apreensão da cultura.
1.2 Bruner e o desenvolvimento da linguagem
No livro Atos de Significação, Bruner (id) chama a atenção para a importância
da narrativa. Segundo o autor a habilidade de narrar não se limita apenas à
uma conquista mental mas uma conquista da prática social que empresta
estabilidade à vida social da criança, pois uma das formas mais poderosas de
estabilidade social está no ato de contar e partilhar histórias, fazendo com que
suas interpretações estejam de acordo com as obrigações institucionais e os
compromissos morais divergentes que prevalecem em cada cultura.
Mas como nós, seres humanos, ingressamos neste mundo de significados?
Como aprendemos a produzir significados (particularmente significados
narrativos) no mundo que nos rodeia?
A primeira coisa importante que deve ser dita é que o significado não depende
apenas de um sinal e de um referente mas também de um interpretante.
Seguindo esta linha de raciocínio é possível pensar que os símbolos dependem
então da existência de uma linguagem que contenha um sistema de sinais
ordenados ou governados por regras, e este sistema vai depender da
capacidade humana de interiorizar e interpretar tal linguagem.
O bebê não é capaz de captar significados, mas aprende muito rapidamente
como fazê-lo e é isso que vai marcar o começo do uso da linguagem. A
aquisição da linguagem requer assistência e interação com as pessoas que
cuidam das crianças. “A linguagem é adquirida não no papel de espectador,
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mas através do uso” (Id. p.67), ou seja, o contexto e as situações as quais a
criança é exposta são de estrema importância. Por isso Bruner diz que ser
exposto a um fluxo de linguagem aprendendo apenas o que dizer não é tão
importante quanto usá-la em meio ao fazer, aprendendo como, onde, para
quem e sob que circunstâncias.
Determinadas funções ou intenções comunicativas podem ser facilmente
notadas antes que a criança tenha dominado a linguagem formal para
expressá-las linguisticamente. Elas incluem, no mínimo, indicar, rotular, solicitar
e enganar. Um exemplo disto é quando o bebê inicia um choro forçado apenas
porque sabe que assim a mãe o pegará no colo.
Para Bruner o argumento sobre como nós ingressamos na linguagem deve
basear-se em um conjunto aptidões pré-lingüísticas para o significado.
Segundo o autor, possuímos um dom inato para a linguagem, nascemos
“equipados” com um conjunto de predisposições para interpretar o mundo
social de uma forma particular e para agir sobre nossas interpretações.
Justifica seu pensamento dizendo que sem esta “teoria da mente”
protólingüísticas não poderíamos interagir com os outros “humanamente”,
como quando o bebê acompanha o ato de apontar o dedo de um adulto e, não
encontrando nada lá volta para verificar a direção daquilo que o adulto apontou.
É depois de dominar, através da interação, as formas pré-linguísticas
apropriadas ao manejo ostensivo de referências, que a criança pode
ultrapassá-las para operar dentro dos limites da linguagem adequada.
A gramática “formal” não é uma prioridade das necessidades comunicativas. As
unidades “naturais” da comunicação são as unidades de discurso que
preenchem uma função discursiva “pragmática” (fazer com que os outros ajam
em nosso interesse) e “matética” ( esclarecer qual o nosso ponto de vista,
nosso pensamento, sobre o mundo); ambas usam sentenças mas nenhuma se
limita ás fronteiras de uma sentença.
Nosso cenário cultural nos força a sermos narradores e, por mais que as
crianças pequenas ainda não saibam sobre a cultura, são perfeitamente
capazes de produzir narrativas, reconhecendo o que elas fizeram, planejam
fazer e interpretando o que é aceitável ou não por essa cultura. Bruner chama
atenção para o fato de que todos os ambientes narrativos são especializados
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para a satisfação de necessidades culturais, todos estilizam o narrador como
uma forma de si mesmo todos definem tipos de relações entre narrador e
interlocutor.
A criança assume e desempenha um papel, ou seja, tornar-se
protagonista/agente na família/ sociedade/ cultura em que está inserida antes
que lhe seja exigida qualquer narração, justificação ou desculpa. Portanto,
aquilo que é aceitável ou não, e como chegamos a certos resultados é
aprendido primeiro na ação.
Algumas situações do dia-a-dia fazem com que a criança perceba que o que
ela faz é afetado pela forma como relata o que está fazendo, fez, ou fará.
Como por exemplo, dois irmãos que tentam contar sobre uma briga entre eles
para a mãe, nesse caso o relato narrativo não será mais neutro, além de dizer
o que aconteceu os narradores procurarão oferecer também uma justificativa
para a ação, colocando seu ponto de vista e interesse. “Narrar torna-se não
apenas um ato expositivo, mas retórico” (Id, p. 78). Narrar passa a exigir da
criança um conhecimento daquilo que é canônico, já que ela pretende fazer
com que suas ações pareçam uma extensão do canônico3; e é adquirindo
essas habilidades que ela aprende a usar ferramentas como o ato de enganar,
por exemplo, e entra na esfera da cultura humana.
Nossa capacidade para transmitir uma experiência em termos de narrativa é
importante e faz toda a diferença em nossas vidas, já que está presente desde
a hora de contar histórias para fazer uma criança dormir à hora de prestar um
testemunho em nosso sistema legal. O dom da narrativa é uma das principais
formas de manutenção da paz, é a nossa capacidade de interpretar, justificar e
dramatizar que muitas vezes evitam conflitos na habitualidade da vida.
Para que a criança aprenda e desenvolva a linguagem, segundo Bruner ela
deve agir, desenhar e simbolizar. Portanto tanto a linguagem oral quanto a
escrita advêm da função simbólica que deve ter passado pelas atividades
concretas, entre elas o jogo infantil.
3 Daquilo que é aceitável pela sociedade, considerado correto, ético.
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1.3 Vygotsky e o desenvolvimento da linguagem
Os estudos de Vygotsky se baseiam no fato de que o homem se forma e se
transforma na medida em que se relaciona com a sociedade, ou seja, se não
houver o outro, o homem não se constrói (a inteligência humana se desenvolve
a partir das interações). O Psicólogo discordava das teorias inatistas (quando
o ser humano nasce já possui as características que desenvolverá durante a
vida) e empiristas e comportamentais (o ser humano é um produto dos
estímulos externos), para ele o homem modifica o meio e o meio modifica o
Homem, ou seja, o Homem se constrói através de uma relação dialética entre
ele e a sociedade. Contudo o mais importante é a experiência pessoalmente
significativa, aquela que cada pessoa estabelece individualmente com certo
ambiente.
Para este autor (In REGO,1994) os reflexos são apenas as funções
psicológicas elementares, aquilo que nos diferencia dos animais só se forma e
se desenvolve pelo aprendizado. As condições orgânicas são necessárias mas
não são suficientes, desta maneira, o desenvolvimento pleno de um individuo
só acontecerá através do aprendizado que este irá adquirir em contato com
uma determinada sociedade, ou seja, a criança só falará se estiver inserida em
um ambiente de falantes.
O pensamento e a fala embora tenham origens diferentes e se desenvolvam
independentemente devido a inserção do individuo num grupo cultural se
encontrarão e darão origem ao funcionamento psicológico tipicamente humano.
Uma das principais funções da palavra é ser usada como meio de contato com
outras pessoas, e por isso a conquista da linguagem representa uma marca
enorme no desenvolvimento do homem. A linguagem possibilita que as
crianças planejem suas ações, superem ações impulsivas e controlem seu
próprio comportamento, portanto expressa e age como organizadora dos
pensamentos da criança.
O desenvolvimento da linguagem é impulsionado pela necessidade da
comunicação. A criança usa meios de contato com o grupo em que está
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inserida desde os primeiros meses de vida quando balbucia, ri, chora ou
expressa de alguma maneira o que está sentindo. Apesar de conseguir se
comunicar, as manifestações do bebê ainda não indicam significados
específicos (o choro pode ter sido causado por uma dor de barriga ou pode ser
apenas fome), por exemplo. Vygotsky (Id) nomeou esta fase de estagio pré
intelectual do desenvolvimento da fala.
A criança interage no ambiente mesmo antes de aprender a falar; coloca
objetos na boca, arremessa brinquedos, sobe em móveis e explora ambientes;
para o autor, esta fase em que a criança demonstra possuir inteligência pratica
é chamada estágio pré-linguistico do desenvolvimento do pensamento.
Os adultos em todo momento atribuem significados as ações da criança, e é
nesta interação que ela vai aprender a usar a linguagem como meio de
comunicação e instrumento do pensamento, transmitindo aquilo que pensa por
meio das palavras e fazendo com que estas sejam racionais.
O processo de conquista da utilização da linguagem como instrumento do
pensamento apesar de ser dinâmico obedece a uma trajetória: fala exterior ou
discurso socializado, fala egocêntrica e fala interior. No primeiro estagio da fala,
que Vygotsky chamou de fala exterior ou discurso socializado, a criança utiliza
as palavras como forma de contato com outras pessoas, para fazer apelos ao
adulto para conseguir alguma coisa que quer. Aqui a fala ainda não é
considerada instrumento do pensamento porque não é utilizada para planejar
ações que serão executadas.
Aos poucos a criança começa a apelar para si mesma para resolver um
problema e internaliza a fala socializada, somando à fala a função de
planejadora além de comunicativa e emocional. A fala passa a preceder a ação
e permite que a criança possa ir além das experiências imediatas, conseguindo
realizar operações psicológicas mais complexas como prever, comparar e
deduzir.
A fala egocêntrica é uma espécie de transação entre a fala exterior e a interior.
Aqui, a criança fala ao mesmo tempo em que age, sem se dirigir a nenhum
interlocutor, dialoga consigo mesma, planeja em voz alta aquilo que fará ou
esta fazendo (por exemplo: “Como vou pegar aquela boneca que esta la em
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cima na prateleira? Ah... tive uma idéia! Vou subir na prateleira mais baixa e
escalar as outras ate a alcançar!
A linguagem permite a comunicação entre indivíduos porque é um sistema de
signos, ou seja, porque representa uma realidade compartilhada por
determinado grupo de pessoas e dessa forma garante precisamente a
transmissão e assimilação de informações e experiências, descobertas e
vividas pela humanidade anteriormente.
A linguagem também permite generalizar. Por meio dela podemos analisar,
abstrair e atribuir características à objetos e situações. Podemos designar
elementos presentes na realidade e também conceituar e ordenar o real em
categorias, por exemplo, a palavra/signo “cachorro” designa qualquer cachorro
(independentemente de ser grande, pequeno, ter pelo comprido, pelo curto,
etc.), a palavra generaliza esse tipo de animal e o inclui em uma determinada
categoria: cachorros.
Além de estar associada a função de comunicação e a função de
generalização, a linguagem ainda permite lidar com os objetos do mundo
exterior mesmo quando eles estão ausentes. Por exemplo, a mãe vai levar o
filho à escola, este se distrai e não percebendo quando ela vai embora começa
a chorar quando não a vê, então a professora conforta o aluno: “A mamãe foi
embora agora mas mais tarde ela volta para te apanhar”. A criança se acalma e
para de chorar pois é capaz de compreender o evento mesmo sem tê-lo
presenciado porque opera esta informação internamente.
1.4. Semelhanças e diferenças entre os autores
Bruner Vygotsky
1. Narrar, se comunicar por meio da
linguagem, possibilita estabilidade a
vida social da criança.
Uma das principais funções da
palavra é ser usada como meio de
contato com outras pessoas, nos
inserindo em determinada cultura e
proporcionando vida social.
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Bruner Vygotsky
2. Nosso cenário cultural nos força a
sermos narradores
O desenvolvimento da linguagem é
impulsionado pela necessidade da
comunicação.
3. O Homem possui um dom inato
para a linguagem, nasce “equipado”
com um conjunto de predisposições
para interpretar e agir sobre o mundo
de forma particular.
O homem se constrói através de uma
relação dialética entre ele e a
sociedade. O que nos diferencia dos
animais só se forma e se desenvolve
pelo aprendizado.
4. Intenções comunicativas podem ser
notadas antes que a criança tenha
dominado a linguagem.
A criança interage no ambiente
mesmo antes de aprender a falar.
5. A aquisição da linguagem requer
assistência e interação com as
pessoas que cuidam das crianças.
É por meio da interação que a criança
vai aprender a usar a linguagem como
forma de se comunicar e instrumento
do pensamento.
6. O bebê não á capaz de captar
significados mas aprende
rapidamente.
Apesar de conseguir se comunicar
(como quando chora para indicar
alguma coisa que a esta
incomodando por exemplo) as
manifestações do bebe ainda não
indicam significados específicos.
Bruner e Vygotsky concordam sobre o fato de que a comunicação verbal é de
extrema importância pois possibilita a criança inserir-se no nosso mundo,
participando deste como ser ativo. A sociedade “exige” que possamos nos
comunicar, e é a necessidade de se adequar a determinado meio que nos
estimula a desenvolver a linguagem.
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Os autores também acreditam que a criança consegue se comunicar antes
mesmo de desenvolver a fala. Apesar disso as manifestações do bebê ainda
não têm significado, para que ele internalize nossos signos e seus respectivos
significados ele terá que interagir com outros falantes.
Os dois autores divergem em relação ao fato de a linguagem ser ou não inata.
Para Bruner a linguagem é um dom que trazemos conosco desde o momento
em que nascemos, o meio e as pessoas ajudam a criança a desenvolver esta
habilidade. Vygotsky discorda, defende a idéia de que esta habilidade é
construída em uma relação dialética entre o bebê e a sociedade.
2. Bilingüismo X desenvolvimento lingüístico e cognitivo.
Na realidade a aprendizagem do bilingüismo depende do desenvolvimento de
processos mentais superiores, que surgem a partir das interações sociais. É
através do desenvolvimento de papéis e principalmente durante o brincar que
as crianças se comunicam e conseguem ampliar seu vocabulário.
2.1 O que é bilingüismo?
Vivemos em um mundo globalizado e por isso torna-se de extrema importância
o domínio de mais de uma língua. A língua inglesa, mais usada no mundo
inteiro, tornou-se um padrão internacional de comunicação e por isso seu
domínio tem sido exigido.
Pais e educadores entendem a importância de falar Inglês e cada vez mais
cedo estão introduzindo o aprendizado desta segunda língua na vida de seus
filhos e alunos.
Como conseqüência algumas escolas estão se capacitando para oferecer um
ensino bilíngüe.
Segundo o Minidicionário da Língua Portuguesa (1996), bilíngüe é aquele “que
fala duas línguas” (p.100). Na Wikipédia o bilingüismo é definido como
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“situação lingüística em que os falantes utilizam alternadamente duas ou mais
línguas”
O bilingüismo esta se tornando cada vez mais comum ao redor do mundo e
pode ser visto de várias maneiras: segunda língua aprendida no colégio;
imigrantes que falam a língua do país hospedeiro; cidadãos de países como o
Canadá e a Ilha de Malta, que têm mais de uma língua oficial e por isso falam
mais de uma língua; crianças que convivem com pessoas de diferentes
nacionalidades; pesquisadores, que estudam e escrevem em outras línguas; e
ainda os surdos.
Todas as pessoas destes grupos são diferentes, portanto, tem necessidades e
capacidades diferentes. O bilingüismo trará contribuições e avanços
dependendo do contexto e da maneira como esta sendo abordado.
2.2 O desenvolvimento lingüístico e cognitivo e sua relação
com o bilingüismo.
No inicio do século muitos trabalhos sugeriam que o bilingüismo não era
favorável para o desenvolvimento. Era visto como atributo negativo, que
sobrecarregava as crianças mentalmente, prejudicando o funcionamento
intelectual e lingüístico e sendo responsável, portanto, por um baixo
aproveitamento acadêmico.
Porém, estes trabalhos não levavam em consideração o fato de que as
crianças que foram usadas para fazer estes testes “psicoeducacionais” eram
lingüística e culturalmente diferentes, estrangeiros obrigados a tornar-se
bilíngües para conseguir se inserir em uma nova sociedade.
Nas últimas décadas, investigações mais sofisticadas (usando medidas
distintas e habilidosas que levavam em consideração cada língua diferente e a
par da utilização de medidas psicométricas da inteligência e da cognição mais
confiáveis e consistentes) concluíram que o bilingüismo não é nenhuma
desvantagem lingüística, pelo contrário, está associado a níveis mais elevados
de funcionamento cognitivo. Estes resultados baseiam-se, sobretudo, na
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investigação realizada com crianças onde a segunda língua é adicionada para
enriquecer e complementar a língua nativa, não eliminar esta.
Torna-se importante aqui destacar que a aquisição de uma segunda língua não
interfere à língua nativa, as duas “caminham” juntas e não disputam um espaço
no sistema cognitivo humano. Quando a criança utiliza duas línguas para se
expressar em determinados momentos (por exemplo, uma garotinha convida
outra para brincar dizendo “Você quer play de boneca comigo?”) não está
misturando as duas línguas e sim “emprestando” uma palavra de uma delas
para significar o que deseja. A menina não conhece outro signo que represente
o ato de brincar, então usa o que conhece (no exemplo dado acima, a palavra
play) mesmo que seja em outra língua.
Os primeiros anos de vida da criança são de extrema importância, são a base
daquilo que ela vai construir e desenvolver mais tarde, por isso um ambiente
rico é essencial para incentivar as crianças lingüística e comunicativamente.
É fundamental que se preserve a língua materna e a herança cultural da cada
criança pois é o que da sentido a vida e a família, contribuindo fortemente na
formação da identidade. A criança deve estar exposta a situações onde
educadores e/ou familiares utilizam sua língua materna, aumentando o
vocabulário e aperfeiçoando a gramática. É a aprendizagem sólida da primeira
língua que da o suporte para aprender mais facilmente uma segunda língua.
Sons, expressões corporais e faciais são as primeiras formas que o bebê
encontra para se comunicar. O educador precisa estar atento a todos os sinais
de comunicação (apontar, chorar, espernear, fazer caretas, etc.), reagindo
naturalmente e indicando uma vontade de se comunicar também. Se o adulto
se recusa a interagir e ignora as tentativas da criança de se comunicar, esta
deixará de fazê-lo.
O educador pode incentivar a criança a interagir colocando músicas, poemas,
brinquedos, fotografias e livros que mostrem a cultura nativa dela e forneçam
coisas familiares para apontar e nomear, o bebê precisa se sentir bem vindo no
contexto em que está inserido.
O educador, infelizmente, tem a tendência de olhar para essas crianças e
famílias como estrangeiras, rotulando-as de diferentes. Este comportamento
pode gerar sentimentos e tratamento negativos, seja por desconfiança ou
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talvez ainda autodefesa. O professor não tem que tentar diminuir as diferenças
entre seus alunos mas aprecia-las, respeita-las e usa-las para enriquecer
nossas vidas.
2.3 As contribuições de Bruner e Vygotsky
Bruner (Id) quando escreve sobre a narrativa em nossas vidas deixa claro que
o motivo desta ser tão importante é porque nos possibilita comunicar com
outras pessoas e com o mundo, trazendo estabilidade à vida social.
Ingressar neste mundo de significados não é tão simples. Cada país, estado,
cidade, e as vezes até cada grupo de pessoas, possuem seus próprios signos,
portanto, o significado depende também do ser humano e de sua capacidade
de interiorizar e interpretar tal linguagem. Um brasileiro que visita os EUA, por
exemplo, pode dizer a um americano “Quero uma água por favor” infinitas
vezes mas nunca conseguirá bebê-la se não utilizar os signos que aquele
determinado americano compreende, no exemplo dado acima “I want water
please”.
A aquisição da linguagem requer assistência e principalmente interação. O
ensino bilíngüe possibilita a criança não apenas aprender o que dizer mas à
usá-la em meio ao fazer, interiorizando como, onde, para quem e sob que
circunstâncias.
Segundo Vygotsky (Id), as condições orgânicas são obviamente necessárias,
mas o desenvolvimento pleno de um indivíduo só acontecerá através do
aprendizado que este irá adquirir em contato com uma determinada sociedade.
O desenvolvimento da linguagem é impulsionado pela necessidade da
comunicação. Esta afirmação consagra mais uma vez o bilingüismo como
positivo.
Uma criança que só domina uma língua e que em determinado momento de
sua vida passa a aprender uma segunda, pode compreender a importância
disso mas nunca vai entender de fato a necessidade de se comunicar em duas
línguas como uma criança que o faz todos os dias e depende disso para
interagir com o meio. A criança que domina apenas uma língua entende que
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dominar outras línguas significa poder interagir com outros tipos de pessoas,
entender outras culturas, conhecer outros países mais facilmente, etc., porém,
existe a barreira da comunicação. A criança bilíngüe convive com o
multiculturalismo e multlilinguismo diariamente, na vida delas não existe esta
barreira e elas têm portanto, desde muito pequenas, suas vidas enriquecidas.
Considerações finais
De acordo com As Orientações Curriculares (2007) “Defende-se por princípio
democrático que todas as crianças tenham direito aos bens de sua própria
cultura” e um dos bens mais preciosos é a linguagem.
Como a fala é um processo que se revela na interação, torna-se necessário
que o professor se apresente à seus alunos como um ser ativo e interessado.
O educador deve apoiar as crianças que, fazendo um tremendo esforço,
começam a se arriscar a falar por conta própria. Os erros gramaticais
desaparecerão com o tempo, através da interação com adultos e dos exemplos
corretos que estes proporcionam, as crianças aprenderão a maneira correta de
falar ao longo do tempo, com vivência, interação e boas e variadas
oportunidades de expressar-se verbalmente.
Embora a linguagem verbal seja usada diariamente, nem sempre ela é
adequadamente trabalhada pelo professor. Em algumas instituições de
educação infantil os educadores infantilizam e minimizam a complexidade da
língua, o que é extremamente errado. Fazer isso significa privar os bebês da
realidade do mundo e afastá-los de avanços nas tentativas de comunicação.
O professor deve levar em conta fatores sociais, culturais e a história educativa
de seus alunos. Precisa ficar atento também às necessidades individuais dos
educandos para poder analisar suas possibilidades de aprendizagem e avaliar
a eficácia das medidas adotadas. Segundo os Parâmetros Curriculares
Nacionais (2000) “(...) as diferenças não são obstáculos para o cumprimento de
ações educativas; podem e devem, portanto, ser fator de enriquecimento”.
Referências Bibliográficas
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Fundação Colouste Gulbenkian, 2002.
BRASIL. Ministério da educação. Secrettaria de educação fundamental. Parâmetros
curriculares nacionais: introdução ao parâmetros curriculares nacionais. 2. edição,
Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
DUARTE, Newton. “O significado e o sentido”. In REVISTA VIVER MENE &
CÉREBRO. Rio de Janeiro, Ediouro; São Paulo: Seguimento- Duetto, 2005, p. 30-
33.
OLIVEIRA FORMOSINHO, Julia; KISHIMOTO, Tizuko Morchida e PINAZZA, Mônica
Appezzato (orgs). Pedagogia (s)da infância: dialogando com o passado, construindo
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REVISTA NOVA ESCOLA. Lev Vygotsky: O teórico do ensino como processo social
.In_______. São Paulo, Editora Abril, Julho 2008, p. 92-95.
REGO, Teresa Cristina. Vygotsky. 18. Edição, Petrópolis, Vozes, 2007.
SÃO PAULO (SP). Secretaria Municipal da Educação. Diretoria de orientação
técnica. Orientações curriculares: expectativas de aprendizagens e orientações
didáticas para a Educação Infantil. São Paulo: SME/ DOT, 2007.