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O DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA TRADUTÓRIA E O CURRÍCULO DO BACHARELADO EM LETRAS –
ÊNFASE EM TRADUÇÃO: INGLÊS DA FALE-UFJF
Bráulio de Oliveira Silveira
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Bráulio de Oliveira Silveira
O DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA TRADUTÓRIA E O CURRÍCULO DO BACHARELADO EM LETRAS –
ÊNFASE EM TRADUÇÃO: INGLÊS DA FALE-UFJF
Monografia submetida ao Depar-tamento de Letras Estrangeiras Modernas da Universidade Federal de Juiz de Fora como parte dos requisitos para obtenção do título de Bacharel em Letras: Ênfase em Tradução – Inglês, elaborada sob orientação da Profa. Dra. Maria Clara Castellões de Oliveira.
Juiz de Fora Faculdade de Letras
Universidade Federal de Juiz de Fora Julho de 2009
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AGRADECIMENTOS
À Profa. Dra. Maria Clara Castellões de Oliveira,
Pela compreensão e, acima de tudo, pela paciência, que me incentivaram a concluir esta monografia.
Ao Hélder Dalamura, Gerente da Central de Atendimento,
Por ter mantido vivo em mim um sentimento de mais atenção e confiança pelo espírito colaborador.
Ao Eduardo Dias, Funcionário da Central de Atendimento, Pela sinceridade e pelo incentivo à responsabilidade e à participação.
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SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................... 6 CAPÍTULO 1 A COMPETÊNCIA TRADUTÓRIA E O CURRÍCULO ACADÊMICO ...... 9
1.1. A competência tradutória e suas subcompetências ....... 10
1.2. Proposta de desenho curricular ....................................... 16
CAPÍTULO 2 O CURRÍCULO DE TRADUÇÃO DA FALE-UFJF À LUZ DAS SUBCOMPETÊNCIAS TRADUTÓRIAS DE HURTADO ALBIR ........... 24
2.1. A estrutura do Bacharelado em Letras: Ênfase em Tradução – Inglês da FALE-UFJF ............................................. 25
2.2. O currículo sob a ótica dos alunos ................................... 32
2.3. Perspectivas futuras ........................................................... 41
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................... 44 REFERÊNCIAS ...................................................................................... 47 ANEXO
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BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________ Profa. Dra. Maria Clara Castellões de Oliveira (Orientadora) __________________________________________________ Profa. Dra. Ana Claudia Peters Salgado __________________________________________________ Profa. Ms. Angela Maria Gaudard Cheik Kaled
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As revoluções tecnológicas e a transculturalidade cada vez mais presentes no
mundo pós-moderno promoveram um cenário de grande expansão e especialização da
atividade tradutória. À medida que a política de globalização trouxe novos desafios para
o mercado e fomentou uma preocupação crescente com a definição das competências
requeridas de um tradutor profissional, em termos de qualidade e certificação, houve um
aumento na oferta de cursos de formação de tradutores em todos os níveis
universitários. Mesmo com o desenvolvimento da área de Estudos da Tradução, com
metodologias e teorias próprias, e o notável reconhecimento de algumas instituições de
ensino em diversos países, ainda não houve um consenso a respeito dos parâmetros
didáticos do ensino de tradução, tampouco da definição da competência do tradutor em
termos de conhecimento especializado.
O nosso objetivo é, pois, discutir a estrutura curricular do Bacharelado em
Letras: Ênfase em Tradução – Inglês da Universidade Federal de Juiz de Fora a partir da
investigação de um modelo teórico de competência tradutória e dos objetivos de
aprendizagem da formação de tradutores e à luz de avaliações feitas por seus alunos.
Para tanto, nos valeremos de colocações de Amparo Hurtado Albir, do grupo de estudos
PACTE (Processo de Aquisição da Competência Tradutória e Avaliação) da
Universidade Autônoma de Barcelona, e da análise de respostas fornecidas por alunos
do referido bacharelado a um questionário por nós construído (v. anexo).
No Capítulo 1, abordaremos questões acerca da competência tradutória enquanto
conhecimento especializado. Apoiaremo-nos, para tanto, nos artigos “O
desenvolvimento da competência do tradutor: em busca de parâmetros cognitivos”, de
Hurtado Albir (2005); “Questões polêmicas nos Estudos da Tradução: foco no ensino-
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aprendizagem”, de Leila Cristina de Mello Darin (2006), e em vários outros,
encontrados no volume temático sobre ensino de tradução de Cadernos de Estudo de
Tradução (2006), do programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução da
Universidade Federal de Santa Catarina. A partir de uma abordagem integralizadora do
processo tradutório, que reconhece suas características textuais, comunicativas e
cognitivas, definiremos sua estrutura e a dinâmica das subcompetências tradutórias.
Além disso, reconhecendo o caráter multifacetado do processo tradutório, discorreremos
sobre as necessidades de aprendizagem dos tradutores em formação e analisaremos o
desenho curricular proposto pela Hurtado Albir, que contempla a participação de alunos
e professores numa abordagem sócio-construtivista.
No Capítulo 2, com base na análise do currículo do Bacharelado em Letras:
Ênfase em Tradução – Inglês da FALE-UFJF e na pesquisa de opinião realizada entre
os alunos, descreveremos o modo como as subcompetências tradutórias são
desenvolvidas em sala de aula na medida em que são empreendidas discussões acerca
da prática e da teoria da atividade tradutória no âmbito acadêmico. Por fim,
apontaremos sugestões de aprimoramento do ensino de tradução no nível de graduação,
nos detendo no currículo do bacharelado acima mencionado, apontando, desse modo,
para o tipo de contribuição que o trabalho de Hurtado Albir e do grupo PACTE pode
fornecer nesse aspecto.
Assim sendo, esperamos poder contribuir, com o presente trabalho, para a
elaboração de currículos que atendam às necessidades dos neófitos em tradução,
tornando-os profissionais autoconfiantes, conscientes de seu papel social.
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Neste capítulo, discorreremos sobre o quadro teórico da didática da tradução,
apoiados no artigo "O desenvolvimento da competência do tradutor: em busca de
parâmetros cognitivos", de Hurtado Albir (2005). Ao longo da resenha do texto,
trataremos da competência tradutória, enquanto conhecimento especializado, e suas
subcompetências, reconhecendo suas características textuais, comunicativas e
cognitivas, a partir de uma abordagem integralizadora do processo tradutório. Após a
Em seguida, apoiados no modelo de Hurtado Albir, apresentaremos uma
proposta de desenho curricular aberto, de cunho sócio-construtivista e focado em
unidades representativas da prática tradutória, as tarefas de tradução.
1.1. A competência tradutória e suas subcompetências
A tradução está presente em nosso cotidiano. Desde tempos imemoriais ela
ocupa posição estratégica na formação das civilizações, tendo estado intimamente
ligada à gênese de línguas e culturas (AZENHA JUNIOR, 2006, p. 157). No contexto
atual, registra-se não só uma expansão no volume de traduções, em função de políticas
de globalização, como também uma ampliação das modalidades de serviços tradutórios,
impulsionada pelos avanços tecnológicos aplicados à informática e aos meios de
comunicação (MARTINS, 2004, p. 26).
Há de se notar o relativo desconhecimento do público acerca do papel que o
tradutor ocupa na sociedade. Contudo, muitos destacam o ofício da tradução como meio
para superar as barreiras linguísticas e ter acesso a conhecimentos que antes estavam
restritos a poucos. Se, por um lado, os tradutores ainda se mantêm invisíveis, por outro,
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o modo como a tradução se relaciona com as demais áreas de conhecimento coloca-os
em posição privilegiada para estabelecerem suas próprias reflexões e críticas.
No âmbito do mercado editorial brasileiro, houve uma profissionalização, ainda
em expansão, de tradutores que chegam a ganhar status de autor, promovidos por
editoras preocupadas na escolha dos profissionais e sob a mira constante de uma crítica
pronta para deflagrar os erros mais sutis. Entre os sintomas mais evidentes dessa
profissionalização destacam-se a diminuição das traduções indiretas realizadas a partir
de versões inglesas e francesas, ao lado da proliferação de especialidades da atividade
tradutória, como a tradução para legendagem e dublagem e a tradução e adaptação de
um aplicativo de software , conhecida como localização.
Um assunto que aflige os tradutores que efetivamente vivem do ofício é a
invasão do mercado de tradução por pessoas sem a devida qualificação profissional. A
principal característica desses tradutores é a defasagem entre conhecimentos prévios de
língua materna e língua estrangeira.
Muitos ingressam em cursos de graduação em Letras ou de
Tradução/Interpretação, geralmente motivados pelo gosto ou a aptidão por línguas,
acreditando que a formação universitária lhes proporcionará o domínio efetivo da língua
estrangeira e das fórmulas de tradução, através do uso de manuais especializados
(STUPIELLO, 2006, p. 130). Diante desse cenário, o que os tradutores em formação
pensam a respeito da atividade tradutória e como desempenham na prática essa
atividade têm suscitado debates e discussões em meios especializados.
Em vista desses fatos, acreditamos, junto a Amparo Hurtado Albir, líder do
grupo PACTE, da Universidade Autônoma de Barcelona, Espanha, que a definição de
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parâmetros para os cursos de tradução possa atender à necessidade de sistematização
dos currículos de graduação e, consequentemente, formar profissionais que respondam
às expectativas do mercado de trabalho e garantir o desenvolvimento de senso crítico
dos tradutores em formação.
Juntamente com o desenvolvimento da atividade tradutória no fim do século
XX, os estudos da tradução puderam firmar-se como nova área de conhecimento,
propiciando o desenvolvimento de teorias e metodologias próprias que abordassem esse
caráter multifacetado do ato tradutório (MARTINS, 2004). O desenvolvimento das
teorias de ensino-aprendizado e dos estudos da tradução contribuíram para desmistificar
certas crenças que davam lugar a falsas expectativas acerca da performance do tradutor
e, consequentemente, determinavam a forma como a sociedade geral avaliava a
profissão de tradutor.
A concepção moderna da tarefa tradutória implica no reconhecimento de
complexas relações entre os elementos envolvidos no processo tradutório e as condições
que definem a qualidade do trabalho final. Junto a essas reflexões teóricas, o
desenvolvimento tecnológico suscitou novos desafios para a formação de tradutores, na
medida em que diversos perfis da competência do tradutor eram propostos.
Foi Don Kiraly (citado por MARTINS, 2004) quem propôs a expansão do
conceito de competência em tradução para além do bilinguismo, em vista das novas
exigências impostas ao profissional de tradução pelo mercado de trabalho. Kiraly
sugeriu um modelo de competência do tradutor que envolvia um conjunto de
habilidades que não se referiam somente às capacidades linguísticas, mas também às de
usar ferramentas e conhecimentos na elaboração de textos para fins comunicativos.
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A necessidade de conscientização dos tradutores em formação acerca da
complexidade do ato de traduzir levou à revisão dos conceitos de competência
tradutória e das teorias de pedagógicas da tradução. Os estudos desenvolvidos por
Hurtado Albir nos despertaram a atenção, em princípio, pela abordagem integralizadora
da tradução, concebida simultaneamente como atividade textual, comunicativa e
cognitiva. A partir dessa tripla perspectiva, a autora discute o desenvolvimento da
competência tradutória como meta do ensino e do aprendizado da tradução.
No texto de Hurtado Albir que utilizamos para fins deste trabalho, a autora
destaca que, embora qualquer falante bilíngue possua competência comunicativa nas
línguas que domina, nem todo bilíngue possui competência tradutória. Essa
competência pressupõe uma especialização por parte do indivíduo, sendo composta de
subcompetências que incluem aspectos que ultrapassam o caráter linguístico e tangem à
vida profissional, envolvendo domínios cognitivos, biológicos e sociointerativos.
José Luiz Vila Real Gonçalves e Ingrid Trioni Nunes Machado, em “Um
panorama do ensino de tradução e a busca da competência do tradutor” (2006), texto no
qual abordam as posições de Hurtado Albir acerca da competência tradutória no
contexto acadêmico, consideram que essas subcompetências se relacionam através de
uma multiplicidade de interfaces que remete a uma proposta de processamento em
paralelo, em que diferentes níveis interagem simultaneamente, como apontam. Por sua
vez, elas podem ser descritas conforme a figura a seguir, elaborada a partir dos estudos
empíricos do PACTE:
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Figura 1. Modelo Holístico PACTE Fonte: HURTADO ALBIR, 2005, p. 28-29.
Segundo o modelo holístico do PACTE, “considera-se que a competência
tradutória é um conhecimento especializado que consiste em um sistema subjacente de
conhecimentos declarativos (saber que) e, em sua maior proporção, operacionais (saber
como), necessários para saber traduzir, que está composto de cinco subcompetências
(bilíngue, extralinguística, conhecimentos sobre tradução, instrumental e estratégica) e
de componentes psicofisiológicos” (HURTADO ALBIR, 2006, p. 28).
Nesse modelo, a subcompetência bilíngue integra conhecimentos pragmáticos,
sociolinguísticos, textuais e lexicais, reunindo conhecimentos operacionais necessários
para a comunicação nas duas línguas. A subcompetência extralinguística compõe-se de
conhecimentos declarativos acerca do âmbito cultural (de grupos particulares) e
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enciclopédico (o mundo em geral). Já a subcompetência de conhecimentos sobre
tradução integra conhecimentos declarativos sobre princípios que regem o processo
tradutório - isto é, os procedimentos, métodos e conceitos empregados -, além dos
aspectos profissionais, como o tipo de tarefa e a quem se destina. A subcompetência
instrumental, por sua vez, consiste em conhecimentos operacionais acerca do uso de
fontes de documentação e de tecnologias de informática.
Em especial, a subcompetência estratégica constitui-se de conhecimentos
operacionais que administram as demais subcompetências e garantem a eficácia do
processo tradutório, reparando deficiências e controlando toda a dinâmica. A utilidade
da subcompetência estratégica reside justamente no planejamento do processo
tradutório e na escolha dos métodos a serem empregados, na ativação das diferentes
competências e no balanceamento desse sistema, além da avaliação dos resultados
parciais e finais e da aplicação de procedimentos para a resolução dos problemas
encontrados. Por essas razões, a sucompetência estratégica ocupa um lugar central no
modelo.
Por fim, os componentes psicofisiológicos, que se interpõem às
subcompetências, constituem-se de componentes cognitivos (memória, percepção,
atenção e emoção), aspectos de atitude (curiosidade, espírito crítico, rigor),
autoconfiança, motivação e habilidades gerais (criatividade, raciocínio lógico, etc.).
Hurtado Albir reconhece que as subcompetências interagem com os
componentes psicofisiológicos e estão inter-relacionadas de modo dinâmico, sujeito a
variações em função da especialidade de tradução que se objetiva (literária, técnica,
etc.), respeitando uma hierarquia em que a subcompetência estratégica ocupa o centro
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do sistema, uma vez que ela afeta diretamente a todas e é responsável pelo controle de
todo o processo. Esse modelo dinâmico, proposto pelo PACTE, deflagra a aquisição da
competência tradutória “como um processo de reconstrução e desenvolvimento de um
conhecimento novato (competência pré-tradutória) em um conhecimento especializado
(competência tradutória)” (p. 30).
Sendo assim, o principal objetivo da formação de tradutores profissionais em
nível universitário é o desenvolvimento da competência tradutória em toda a sua
extensão. É ela que confere especificidade à tradução como atividade intelectual e sua
aquisição será palco das discussões a serem desenvolvidas no âmbito pedagógico. No
capítulo seguinte, abordaremos a aquisição da competência tradutória e delinearemos os
objetivos de aprendizagem no ensino da tradução.
1.2. Proposta de desenho curricular
Como em qualquer outro contexto interacional, as atividades convencionais
executadas em sala de aula estabelecem-se a partir de trocas entre indivíduos que se
situam em diferentes níveis hierárquicos. No ensino universitário de tradução, as
expectativas geralmente sustentadas são as de que o professor, como detentor do
conhecimento, deve controlar todo o processo de aprendizagem, sendo avaliador das
traduções e juiz diante dos impasses inerentes à atividade tradutória. Essa concepção
objetivista de transmissão de conhecimento tem sido questionada pelas ideias pós-
modernas e pós-estruturalistas. As novas teorias propõem mudanças nos papéis
atribuídos a professor e aluno, levando à aprendizagem interativa e à formação de um
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currículo aberto, em que estudantes podem participar ativamente em colaboração com
os professores (HURTADO ALBIR, 2006, p. 32).
Os currículos de graduação em Tradução, como os de qualquer outro curso,
constituem-se em objetivos, conteúdos, avaliação e metodologia. No desenho curricular,
os objetivos de aprendizagem levam em consideração a competência a ser desenvolvida
(nesse caso, a competência tradutória), a captação de estratégias de aprendizagem e a
aquisição de atitudes e valores, consistindo “na descrição da intenção de uma atividade
pedagógica, sendo especificadas as mudanças em longo prazo que o estudante deverá
promover”.1 Hurtado Albir reconhece a existência de objetivos de diferentes tipos
(conceituais, procedimentais, etc.), níveis (globais, específicos, etc.) e importâncias
(secundários, derivados, etc.).
Já os conteúdos englobam o conjunto de saberes a serem assimilados, definidos
basicamente como conceituais (saber), procedimentais (saber fazer) e de atitude (para
quê e como). Por sua vez, a avaliação consiste na obtenção de informação sobre o
processo de aprendizagem, visando tomar decisões que qualifiquem (avaliação
cumulativa), meçam o processo de aprendizagem (avaliação formativa), ou captem as
características dos discentes (avaliação diagnóstico) (p. 34).
Ainda nos aspectos do desenho curricular, a metodologia constitui-se no
planejamento das atividades a serem realizadas, assim como na definição dos papéis dos
docentes, dos discentes e do material empregado. Hurtado Albir destaca, nesse contexto,
o enfoque por tarefas, cujo objetivo primordial é integralizar os elementos do desenho
curricular, centrando-se nos interesses dos discentes, como protagonistas do ato 1 É o seguinte o texto a que Hurtado Albir se refere: DELISLE, Jean. La traduction rasonée. Manuel d’initiation à la traduction professionelle de l’anglais vers le français. Col. Pédagogie de la traduction 1. Les Presses de l’Université d’Ottawa, 1993.
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didático, e promovendo a flexibilização do currículo. A autora ressalta a proposta de
Zanón (1990) acerca do ensino de língua estrangeiras, que aponta as características de
uma tarefa como a unidade organizadora do processo de aprendizagem: (1) ser
representativa de processos de comunicação na vida real; (2) ser passível de
identificação como unidade de atividade durante a aula; (3) estar dirigida
intencionalmente ao aprendiz de línguas; (4) estar desenhada com um objetivo, uma
estrutura e uma sequência de trabalho.
O ponto de partida da proposta didática apresentada por Hurtado Albir leva em
conta teorias cognitivas de aprendizagem com ênfase no construtivismo e teorias de
ensino que promovem o currículo aberto, em que participam os estudantes, e
integralizador, que leva em consideração todos os componentes do currículo. A autora
apóia-se em Kiraly (2000),2 que propõe um enfoque construtivista e social da didática
da tradução, baseado na colaboração entre professores e alunos, e em Delisle
(1980,1993)3, que propõe a organização de um currículo em torno de objetivos de
aprendizagem.
A base para o desenho curricular proposto por Hurtado Albir provém da análise
das necessidades de aprendizagem, levando em conta o estabelecimento de objetivos
próprios para a formação de tradutores. Ao distinguir quatro blocos de objetivos gerais
(metodológicos, contrastivos, profissionais e textuais), a autora avança o desenho de
objetivos de aprendizagem e guia suas pesquisas para a elaboração de um quadro
metodológico levando em consideração o enfoque por tarefas de tradução.
2 É o seguinte o texto a que Hurtado Albir se refere: KIRALY, Don. A Social Constructivist Approach to Translator Education. Manchester: St. Jerome, 2000. 3 É o seguinte o texto a que Hurtado Albir se refere: DELISLE, Jean. La traduction raisonnée. Manuel d’initiation à la traduction professionelle de l’anglais vers le français. Col. Pédagogique de la traduction 1. Les Presses de l’Université d’Ottawa, 1993.
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Para cada ramo do ensino da tradução, como para qualquer outro ensino, são
necessários objetivos conceituais, de atitude e procedimentais (uma vez que a tradução é
um saber essencialmente operacional). Esses componentes, por sua vez, relacionam-se
entre si e com determinadas subcompetências do modelo holístico do PACTE, diferindo
segundo o nível de ensino (início, consolidação), a direção (língua estrangeira/língua
materna e vice-versa) e especialidade (técnica, literária, etc.). Em vista disso, cada
especialidade do ensino de tradução terá seus próprios objetivos metodológicos,
contrastivos, profissionais e textuais.
Segundo Hurtado Albir (p. 37), os objetivos metodológicos, que visam captar
princípios e estratégias e desenvolver habilidades e atitudes relacionadas com a prática
da tradução, são responsáveis pelo desenvolvimento das subcompetências estratégica e
de conhecimentos sobre tradução, além de determinados componentes psicofisiológicos.
Uma vez que esses objetivos mudam conforme a especialidade, a autora cita, como
exemplo, o ensino da tradução técnica e científica, em que se procura dominar a
terminologia, captar a importância da documentação e as estratégias para adquiri-la, ao
passo que no ensino de tradução audiovisual prioriza-se captar a importância do modo
do discurso e a transcendência de visualizar conjuntamente texto e imagem.
O desenvolvimento da subcompetência bilíngue relaciona-se com os objetivos
contrastivos, que definem a busca de soluções sobre as diferenças fundamentais entre
duas línguas. Esses objetivos destacam-se na iniciação do processo de aprendizagem da
tradução de língua estrangeira para língua-mãe e do seu inverso (com maior relevância
nesta última pelas interferências da língua materna), visando dominar os aspectos
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contrastivos básicos, como convenções de escrita, discrepâncias morfossintáticas e
diferenças estilísticas.
Os objetivos profissionais que definem o estilo de trabalho do tradutor
profissional relacionam-se com o desenvolvimento das subcompetências instrumental e
de conhecimentos sobre tradução, no que diz respeito ao funcionamento do mercado da
tradução, as ferramentas básicas do tradutor, as etapas do processo, etc. Prosseguindo
com exemplificações acerca da variação dos objetivos em função da especialidade do
ensino, Hurtado Albir (p. 40) cita o caso da tradução jurídica, que envolve a necessidade
conhecimentos especiais quanto ao valor legal das traduções e o uso dicionários
especializados.
A partir do desenvolvimento integrado de todas as subcompetências e dos
componentes psicofisiológicos, os objetivos textuais promovem a aquisição da
competência tradutória para a solução de diversos problemas de tradução conforme os
diferentes gêneros textuais. Uma vez que cada área de especialização do tradutor possui
seus gêneros próprios, os objetivos são organizados progressivamente. Entre os
exemplos citados pela autora, constam os gêneros educativo (manual didático, artigo) e
de investigação (pesquisa, monografia) na tradução técnica e científica, ao passo que na
tradução jurídica destacam-se os gêneros administrativos (documentos de registro civil,
certificados) e legais simples (declarações juramentadas, resoluções). Esta subdivisão
em blocos dos objetivos de aprendizagem reafirma a ideia de que o aprendizado da
tradução não é linear; a ativação das subcompetências tradutórias se dá de modo
paralelo, com variações. O caráter de cada objetivo reside no modo como ele se articula
com as subcompetências tradutórias.
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Definida a organização dos objetivos de aprendizagem, Hurtado Albir parte para
apresentação do conceito de tarefas de tradução, retomando as definições de tarefa por
Zanón (1990).4 Segundo a autora, o desenho curricular consiste no sequenciamento de
tarefas, consideradas unidades representativas da prática tradutória, organizadoras do
processo de aprendizagem e eixo principal da elaboração das unidades didáticas. As
tarefas são estruturadas pelo objetivo almejado, os materiais utilizados (textos e fontes),
o desenvolvimento próprio (atividades, dinâmica, etc.), a avaliação e os comentários
sobre seu desenrolar (modificações, sugestões, tarefas posteriores, etc.). No momento
em que se programa uma tarefa, torna-se essencial o envolvimento dos discentes,
fortalecendo a autonomia desses na escolha daquilo que atenda às suas necessidades.
As unidades didáticas, por sua vez, estão elaboradas em torno de um ou vários
objetivos específicos e visam a uma ou a várias tarefas finais. Como estão estruturadas
por várias tarefas, seu tamanho varia em função da dificuldade dos objetivos e a
complexidade da tarefa final. Ao lado dos objetivos específicos, as tarefas também
incorporam objetivos secundários, de reciclagem, associados e derivados. A figura
abaixo (2), criada para fins do presente trabalho a partir das figuras 6 e 7 do texto de
Hurtado Albir (p. 45-46), ilustra a relação entre tarefas e unidades didáticas.
4 É o seguinte o texto a que Hurtado Albir se refere: ZANÓN, Javier. Los enfoques por tareas para la enseñanza de lenguas extranjeras. CABLE. Revista de didáctica del español como lengua extranjera, 5, 1990, p. 19-28.
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Figura 2. Enfoque por tarefas de tradução.
Conforme ressalta Hurtado Albir (p. 45-46), os aspectos mais relevantes do
enfoque por tarefas são a metodologia ativa que vincula todos os grupos de objetivos, a
instrumentalização dos discentes através de uma metodologia centrada no
acompanhamento de processos, a aquisição de estratégias, o destaque do papel dos
discentes e a incorporação irrestrita de tarefas de avaliação (tanto para docentes quanto
para discentes).
De fato, os conceitos expostos pela autora fornecem subsídios para a elaboração
de propostas metodológicas com metas e critérios bem definidos, assim como permite
uma organização das atividades e da avaliação. Compreendendo a tradução como uma
atividade textual, comunicativa e cognitiva, numa perspectiva integralizadora, Hurtado
Albir avança na elaboração do modelo holístico de competência tradutória e no modelo
dinâmico da aquisição dessa competência, legitimados pelas pesquisas do grupo
PACTE. Juntos, os conceitos em torno da tradução, da competência tradutória e da
aquisição de competência tradutória constituem o que a autora denomina quadro
tradutológico da didática da tradução, isto é, o quadro de discussões epistemológicas
acerca da atividade tradutória e sua aquisição.
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Por sua vez, a discussão das teorias de aprendizagem e de ensino de tradução
constituem o quadro pedagógico da didática da tradução, que leva em conta a
abordagem construtivista do processo de aprendizagem, estruturado em torno de um
currículo que contemple a participação dos alunos (currículo aberto) e se preocupe com
os objetivos de aprendizagem, tendo como unidade básica as tarefas de tradução. Com
base na dinâmica das subcompetências tradutórias, que interagem entre si ao longo do
processo de aprendizagem, podemos traçar nossos objetivos de aprendizagem e elaborar
as tarefas que constituirão o currículo de tradução. Tomados em conjunto, os quadros
tradutológico e pedagógico formam o quadro teórico da didática da tradução. A figura
3, uma versão ligeiramente modificada da figura 4 de Hurtado Albir (p. 34), ilustra
nosso resumo teórico, a ser aplicado em nossa análise presente no capítulo seguinte.
Figura 3. Quadro teórico da didática da tradução (diagrama adaptado). Fonte: HURTADO ALBIR, 2005, p. 34.
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CAPÍTULO 2
O CURRÍCULO DE TRADUÇÃO DA FALE-UFJF À LUZ DAS SUBCOMPETÊNCIAS TRADUTÓRIAS DE HURTADO ALBIR
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Neste capítulo, discutiremos o modo como as subcompetências tradutórias são
desenvolvidas ao longo da estrutura do currículo do Bacharelado em Letras – Ênfase em
Tradução: Inglês, da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora, com
base no quadro teórico da didática da tradução apresentado nos capítulos anteriores.
Apoiados no artigo “A Aquisição da Competência tradutória. Aspectos teóricos
e didáticos. Competência em Tradução” de Amparo Hurtado Albir (2005), pretendemos
desenvolver uma análise que leve em conta a complexidade da dimensão social do
processo de ensino-aprendizagem no cotidiano da sala de aula, reivindicando um debate
sobre a teoria e a prática que estimule a autocrítica de professores e alunos. Acreditamos
que, ao lado da formação de indivíduos que atendam às expectativas do mercado de
trabalho, é possível formar cidadãos reflexivos, que têm consciência do papel social que
exercem, num ambiente universitário.
Como aponta Leila Darin, em “Questões polêmicas nos Estudos da Tradução:
foco no ensino-aprendizagem” (2006), de modo especial no contexto brasileiro, em que
se destaca a formação diversificada dos professores que atuam nas instituições de
ensino superior, os cursos voltados para formação de tradutores tendem a apresentar
diferentes orientações que carecem de sistematização didática; contudo, longe de se
tornarem um ambiente estritamente profissionalizante, essas academias promovem o
constante questionamento e contribuem para a formação crítica dos tradutores.
2.1. A estrutura do Bacharelado em Letras: Ênfase em Tradução – Inglês da FALE-UFJF
A Faculdade de Letras da UFJF foi criada em 2007, após a separação dos
Departamentos de Letras e de Letras Estrangeiras Modernas do então Instituto de
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Ciências Humanas e Letras (ICHL). O currículo da faculdade oferece uma diversidade
de disciplinas no âmbito dos estudos linguísticos (gramática, redação e linguística) e
literários (teoria literária e literaturas nacionais), nas modalidades licenciatura em letras
vernáculas e clássica (português, inglês, francês, italiano, espanhol ou latim) e
bacharelado em inglês com ênfase em tradução. Além das matérias do específicas do
curso de Letras, os alunos da licenciatura dispõem de disciplinas pedagógicas,
ministradas pela Faculdade de Educação.
O curso de Letras da UFJF pode ser integralizado em quatro anos no turno
diurno, e em cinco no noturno (mínimo: 3 anos e máximo 7 anos, com possibilidade de
ser estendido). Findo o curso, o aluno interessado em continuar os seus estudos poderá
inscrever-se em outras habilitações, de acordo com as normas do regulamento
acadêmico. Devido à flexibilização curricular, os discentes possuem maior autonomia
na escolha de sua trajetória acadêmica assim que completam os pré-requisitos para
cursar as disciplinas específicas de cada modalidade, o que ocorre em torno do quinto
ou sexto semestre. Desse modo, atende-se a um perfil do profissional de Letras que
contempla a formação diversificada e as diferentes possibilidades de atuação no
mercado de trabalho.
A implantação do curso de bacharelado em tradução ocorreu em 1987 e sua
estruturação teve como base a experiência no curso de Especialização em Tradução-
Inglês, ministrado entre março de 1985 e junho de 1986. Para cursar as disciplinas do
bacharelado, exige-se um conhecimento avançado de língua estrangeira por parte do
aluno (a partir do Inglês V), além dos conhecimentos de teoria e crítica literárias (Teoria
da Literatura I e II), de fundamentos epistemológicos e perspectivas linguísticas
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(Linguística I e II) e de fenômenos sintáticos e morfológicos da língua materna
(Português IV e V). A fim de bacharelar-se em Letras – Ênfase em Tradução: Inglês é
necessário que o aluno cumpra todas as disciplinas necessárias à sua licenciatura nessa
língua, exceto aquelas pedagógicas, substituídas pelas específicas à formação
pretendida. As disciplinas específicas da modalidade são estruturadas em até quatro
semestres, conforme apresentado na figura 4.
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Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora Modalidade Bacharelado em Letras: Ênfase em Tradução – Inglês
Disciplinas organizadas por semestre (a modalidade geralmente se inicia a partir do quarto ou quinto período do curso de
Letras)
Pré-requisitos (disciplinas do tronco obrigatório e
disciplinas dos semestres anteriores)
Semestre 1 LEM071 Teoria da Tradução I
LEC034 Português IV, LEC035 Português V, LEC051 Linguística II, LEM009 Língua Inglesa V
Semestre 2 LEM072 Teoria da Tradução II LEM073 Tradução I LEM075 Versão I
LEM071 Teoria da Tradução I LEM071 Teoria da Tradução I, LEM010 Língua Inglesa VI LEM071 Teoria da Tradução I, LEM010 Língua Inglesa VI
Semestre 3 LEM074 Tradução II LEM076 Versão II
LEC002 Teoria da Literatura II, LEM073 Tradução I, LEM047 Língua Inglesa VII, LEM072 Teoria da Tradução II LEM075 Versão I, LEC002 Teoria da Literatura II, LEM047 Língua Inglesa VII, LEM072 Teoria da Tradução II
Semestre 4 LEM077 Estágio Supervisionado – Tradução (30h) LEM097 Trabalho de Conclusão de Curso (de um a dois semestres)
Figura 4. Disciplinas do Bacharelado em Letras: Ênfase em Tradução – Inglês da FALE-UFJF. Fonte: Coordenadoria de Assuntos e Registros Acadêmicos da Universidade Federal de Juiz de
Fora, Correspondência de Currículo Mínimo – Letras, Licenciatura e Bacharelado.
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As disciplinas do tronco obrigatório, que constituem os pré-requisitos das
disciplinas do bacharelado, concentram-se tanto na área da Linguística quanto da
Literatura. No decorrer dessas disciplinas, espera-se que o aluno adquira conhecimento
mais crítico sobre os fenômenos linguísticos da língua materna e da estrangeira, com os
quais lidará constantemente, e sobre as culturas a que pertencem essas línguas. Nesse
momento inicial, o desenvolvimento das subcompetências bilíngue e extralinguística é
mais notório.
No primeiro semestre do bacharelado, ao cursar a disciplina Teoria da Tradução
I, o aluno se deparará com os estudos acerca da conceituação, da tipologia, dos modelos
e dos procedimentos técnicos de tradução, além de se deter nas diferentes etapas do
processo de tradução e nos recursos dos quais poder-se-á valer para ultrapassá-las a
contento. Para tanto, ele terá à sua disposição material bibliográfico constuído por
especialistas que abordam a tradução a partir de um pensamento moldado por estudos
desenvolvidos na área da Linguística. A partir desse momento, o desenvolvimento da
subcompetência instrumental, de cunho operacional, e de conhecimentos sobre
tradução, de caráter declarativo, se faz mais presente, na medida em que os alunos
analisam as técnicas mais comumente aplicadas e adquirem conhecimentos sobre os
diversos meios utilizados; não obstante, o desenvolvimento das subcompetências
bilíngue e extralinguística – respectivamente operacional e declarativa – mantém-se
contínuo, conforme os alunos especializam seus conhecimentos comunicativos. É a
partir das atividades práticas que as subcompetências de ordem operacional se
destacam, do mesmo modo que as declarativas se sobressaem nas aulas teóricas.
Enquanto começam a analisar e planejar o processo tradutório, os alunos fortalecem a
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subcompetência estratégica, que interage com as demais e com os componentes
psicofisiológicos.
Logo no segundo semestre, são oferecidas as disciplinas de Tradução I e Versão
I, de caráter prático, ao lado da Teoria da Tradução II, que aborda os principais textos
que conduziram à virada culturalista no âmbito da tradução e trata essa atividade como
um dos principais fatores de formação de identidades culturais. O trabalho prático
envolverá a tradução de textos jornalísticos, técnicos e científicos da língua inglesa para
a língua portuguesa e vice-versa, a elaboração de glossários e a discussão das diversas
ferramentas hoje disponíveis ao tradutor. O desenrolar das subcompetências tradutórias
extralinguística e de conhecimentos sobre tradução, a partir desse momento, se dá de
forma mais dinâmica, assim como da estratégica, variando conforme as necessidades
apresentadas pelos alunos e as atividades propostas em sala e em equilíbrio com as
subcompetências bilíngue e extralinguística. A formação dos graduandos torna-se mais
crítica, culminando com a conscientização desses sobre a complexidade do ato de
traduzir.
Já no terceiro semestre, ao cursar as disciplinas Tradução II e Versão II, o
acadêmico desenvolverá suas habilidades de tradução literária do inglês para o
português e vice-versa, com base em diversos gêneros e estilos. Dotado de maior
maturidade e independência, o aluno terá a oportunidade de comparar originais e
traduções e questionar o posicionamento do tradutor diante das particularidades dos
gêneros literários e da influência cultural no texto de partida e de chegada
(subcompetências bilíngue e extralinguística). Da mesma forma, aprofundará sua
experiência nas ferramentas e nos aspectos profissionais do mercado de tradução
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(subcompetências instrumental e de conhecimentos sobre tradução). Acreditamos que,
nesse momento, o aluno já tenha maturidade para dar prosseguimento à sua formação
acadêmica de forma mais autocrítica, tendo adquirido sensibilidade às discussões
teóricas, enquanto participa das atividades práticas. É a partir dessa variedade de tarefas
em sala que as subcompetências tradutórias continuam a serem estimuladas de modo
equilibrado
O currículo do bacharelado ainda pode ser enriquecido com a inclusão de aulas
especiais de utilização de ferramentas de processamento de textos específicas da
tradução e da descrição dos recursos aplicados à legendagem e à interpretação, que
dizem respeito à subcompetência instrumental. Por fim, o Estágio Supervisionado e o
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) completam a grade específica do bacharelado.
Durante o Estágio Supervisionado, o aluno trabalha com textos da comunidade docente,
recebendo orientação de professores com ampla experiência no mercado tradutório. No
TCC, o aluno é encorajado a pesquisar um tema que sirva de referência para uma
dissertação, cuja orientação pode ainda se estender por mais um semestre letivo. Espera-
se que, ao término dessas atividades, o aluno adquira maior experiência na prática
tradutória (subcompetência de conhecimentos sobre tradução), lidando com situações
reais e desenvolva sua opinião acerca de um tema específico da área de tradução.
Durante o desenvolvimento das diversas atividades de tradução em sala de aula,
as discussões propostas propiciam a formação de debates entre professores e alunos,
numa perspectiva sócio-construtivista, que permitem os envolvidos expressarem suas
opiniões acerca dos temas pertinentes ao currículo do bacharelado. O que
aparentemente pode se resumir em um diálogo sobre teoria e prática tradutória, sob a
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perspectiva de Hurtado Albir se torna palco para o reconhecimento da especificidade da
tradução para além do espaço compartilhado com outros profissionais da linguagem,
levando em conta os grupos de subcompetências operacionais e declarativas, além da
estratégica.
O questionamento das atividades realizadas, assim como das possibilidades de
expansão e modificação da grade curricular, guia-se principalmente pelas expectativas
que os discentes tinham antes do ingresso nessa modalidade. Ao longo do curso,
percebemos mudanças de atitude do professor conforme as necessidades apresentadas
pela classe. Isso demonstra uma interatividade nos moldes da proposta de didática da
tradução apresentada por Hurtado Albir.
2.2. O currículo sob a ótica dos alunos
Logo que iniciam as disciplinas do bacharelado, os alunos questionam seus
próprios conceitos acerca da atividade tradutória, assim como as expectativas que têm
sobre o que essa modalidade pode-lhes proporcionar. A fim de verificarmos os pontos
mais importantes na escolha pela formação universitária em tradução e,
consequentemente, analisarmos de que modo as subcompetências tradutórias são
desenvolvidas ao longo do Bacharelado em Letras: Ênfase em Tradução – Inglês da
FALE UFJF, elaboramos um questionário (em anexo à presente monografia) que foi
distribuído a graduandos e graduados na modalidade. Nossa pesquisa visou analisar as
necessidades desses acadêmicos e de que modo as subcompetências tradutórias são
desenvolvidas em sala.
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As questões foram elaboradas de forma a avaliar de que modo cada uma das
subcompetências era desenvolvida em sala, assim como fornecer informações sobre a
visão que os alunos tinham do ofício da tradução. Ao todo, foram entrevistados 17
alunos: 7 graduandos do 1.º semestre (grupo A – 41%), 3 graduandos do último
semestre (grupo B – 18%) e 7 graduados (grupo C – 41%). A divisão em grupos foi
feita com base nas repostas à questão 1 do formulário.
Com base na segunda questão, procuramos investigar o principal motivo pelo
qual os entrevistados optaram pela carreira de tradutores. A partir da tabela 1, podemos
constatar que a maioria dos entrevistados se guiou principalmente pelo interesse em
línguas estrangeiras, seguido pela oportunidade de trabalho/estudo. Houve um caso de
aluno com influência pelo bilinguismo, do grupo A. Entendemos a expressão de tais
dados como uma preocupação inicial com as atividades que promovam o
desenvolvimento da subcompetência bilíngue, influenciada pelo mito de que todo
falante com essa habilidade operacional dispõe de competência tradutória.
Grupo A Grupo B Grupo C Gosto pelo aprendizado de línguas estrangeiras. 5 72% 2 67% 5 72%
Oportunidade surgida na área de trabalho/estudos. 1 14% 1 33% 1 14%
Bilinguismo por descendência estrangeira ou vivência no exterior. 1 14% 0 0% 0 0%
Influência de outro tradutor. 0 0% 0 0% 0 0%
Nulo ou branco. 0 0% 0 0% 1 14% Tabela 1: Motivação pela carreira em tradução.
Visando detectar possíveis diferenças na experiência tradutória dos alunos,
interrogamos os entrevistados de que forma eles se relacionavam profissionalmente com
o ofício da tradução (questão 3). Com base nos dados obtidos, constatamos que o
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cenário profissional muda significativamente conforme os acadêmicos avançam rumo à
formação profissional em nível de graduação. Os alunos do grupo A, iniciantes, atuam
pouco ou ainda não atuam no mercado tradutório (apenas 30% encontra na tradução
uma fonte de renda secundária), ao passo que os alunos do grupo B demonstram estar
mais presentes (67% têm a tradução como fonte de renda secundária), e os alunos do
Grupo C já atuam de maneira mais notável (14% atua ativamente no mercado e o
restante, 86%, encontram na tradução uma fonte de renda secundária). Em vista disso,
consideramos essencial o aprofundamento gradativo nas atividades e discussões que
desenvolvam as subcompetências instrumental e de conhecimentos sobre tradução, logo
a partir dos primeiros semestres do curso, de forma a facilitar a adaptação dos alunos ao
mercado de tradução.
Grupo A Grupo B Grupo C Principal fonte de renda. 0 0% 0 0% 1 14% Fonte de renda secundária. 2 30% 2 67% 6 86%
Apenas um passatempo. 1 14% 0 0% 0 0%
Ainda não faço traduções. 3 42% 1 33% 0 0%
Não respondeu. 1 14% 0 0% 0 0% Tabela 2: Ofício da tradução no cotidiano dos alunos.
Uma vez que o desenvolvimento da competência tradutória pode se dar fora do
âmbito acadêmico, questionamos os entrevistados sobre a importância que esses davam
à formação universitária (questão 4). A maioria dos alunos considera a formação
acadêmica como essencial (grupo A – 42%, B – 67% e C – 42%) ou de grande auxílio
(A – 58%, B – 33% e C – 42%). Reconhecemos, amparados em Hurtado Albir, que o
processo de aprendizagem de um conhecimento pode se dar dentro ou fora do contexto
acadêmco; contudo, a sistematização do ensino de tradução só é de fato efetiva quando
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atende às mais diversas especialidades desse ofício, garantindo uma formação do
tradutor adequada à complexidade dos processos tradutórios.
Grupo A Grupo B Grupo C É essencial. 3 42% 2 67% 3 42%
Auxilia em grande parte. 4 58% 1 33% 3 42%
Auxilia um pouco. 0 0% 0 0% 0 0%
Não faz diferença. 0 0% 0 0% 0 0%
Não respondeu. 0 0% 0 0% 1 16% Tabela 3: Importância da formação do tradutor em nível universitário.
Dando prosseguimento à análise sobre a importância da formação acadêmica em
tradução, questionamos o momento ideal para o desenvolvimento da competência
tradutória (questão 5). Destacamos a preferência dos alunos do grupo B (100%) pela
pós-graduação stricto sensu (especialização), em detrimento da graduação, que, por sua
vez, foi a mais indicada pelos alunos dos grupos A (86%) e C (72%). De modo geral,
acreditamos que a preferência pelo ensino de tradução na graduação e na pós-graduação
stricto sensu (especialização), descartando-se a pós-graduação lato sensu
(mestrado/doutorado), pode ser justificada pelo interesse numa formação mais técnica,
de maior valorização dos conhecimentos operacionais (subcompetências bilíngue,
instrumental e estratégica) do que teórica, que envolve conhecimentos declarativos
(subcompetências extralinguística e de conhecimentos sobre tradução).
Grupo A Grupo B Grupo C Graduação. 6 86% 0 0 5 72% Pós-Graduação Stricto Sensu (Especialização). 1 14% 3 100% 2 28%
Pós-Graduação Lato Sensu (Mestrado/Doutorado). 0 0% 0 0% 0 0%
Tabela 4: Momento ideal para a formação da competência tradutória.
Como complemento à questão anterior, perguntamos sobre a necessidade da
criação de um curso independente de tradução (questão 6). De imediato, notamos
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grande favoritismo em todos os grupos (A – 58%, B – 67% e C – 58%), que poderia
promover a elaboração de um currículo mais específico para os alunos do curso de
Letras interessados somente no bacharelado. A princípio, acreditamos que as
subcompetências tradutórias poderiam ser estimuladas de modo mais equilibrado num
curso de graduação independente do que em uma especialização, em vista das da carga
horária maior e a possibilidade de se promoverem atividades e discussões
diversificadas.
Grupo A Grupo B Grupo C Sim. 4 58% 2 67% 4 58%
Não. 2 28% 0 0% 2 28% Não respondeu. 1 14% 1 33% 1 14%
Tabela 5: Alunos a favor da criação de um curso autônomo de tradução.
A fim de avaliarmos o interesse nas áreas de conhecimento consideradas
essenciais para a formação de tradutores, solicitamos aos alunos que mensurassem a
importância que dão a cada um dos diversos conhecimentos específicos trabalhados em
sala de aula. A escala consistia em graus de importância que variavam entre nada (0%),
pouco (25%), bem (50%) e muito (100%). Avaliamos, dessa forma, a importância
atribuída ao desenvolvimento da subcompetência bilíngue, nas áreas de gramática e
redação; extralinguística, nas áreas de estudos lingüísticos, literários e culturais; de
conhecimentos sobre tradução, nas disciplinas teóricas de tradução e
administração/economia; instrumental, nas disciplinas práticas de tradução e
informática; e, em todos os aspectos, a subcompetência estratégia, pois participa das
demais. Classificamos as áreas de pesquisa científica e de conhecimento geral como
sendo de caráter multidisciplinar, envolvendo simultaneamente teoria e prática, à qual
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os alunos têm acesso durante toda a graduação. Detectamos, novamente, haver grande
interesse pelas áreas de conhecimento de ordem operacional, tais como a prática
tradutória, seguido pela preocupação com os domínios das línguas materna e estrangeira
e pelo conhecimento geral; atrás desses itens, ficaram os conhecimentos de informática
e de administração. Em vista desse resultado, acreditamos ser necessário trabalhar um
pouco mais o equilíbrio das subcompetências, aplicando atividades que exponham os
alunos ao cotidiano do tradutor e os façam buscar mais conhecimento fora da sala de
aula.
Grupo A Grupo B Grupo C Gramática normativa e redação em língua materna 96% 100% 100%
Gramática normativa e redação em língua estrangeira 96% 100% 100%
Estudos linguísticos (teorias da linguagem) 78% 83% 78%
Estudos literários (teoria e crítica literárias) 78% 75% 78%
Teorias da tradução 92% 91% 82%
Prática de tradução de textos referenciais 100% 100% 100%
Prática de tradução de textos literários 100% 91% 96%
Prática de versão de textos referenciais 100% 100% 100%
Prática de versão de textos literários 100% 91% 96%
Informática (conhecimentos básicos) 64% 91% 89%
Informática (domínio de ferramentas para tradução) 82% 75% 92%
Administração/economia 42% 58% 64%
Estudos culturais 92% 83% 89%
Pesquisa científica 67% 83% 71%
Conhecimento geral 92% 91% 100% Tabela 6: Importância das diversas áreas de conhecimento na formação do tradutor.
Ainda no âmbito das especialidades tradutórias, conferimos quais seriam as mais
procuradas pelos alunos, a partir da questão 8. Entre as mais votadas, as áreas de
tradução literária e audiovisual (cinema e televisão), que envolvem atividades
multidisciplinares, ficaram em evidência, seguidas pelas áreas médica, de mídia
impressa/on-line, turística e geral. Como sugestão para “outra”, um aluno destacou a
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tradução de revistas em quadrinhos. Essa diversidade de interesses dos alunos evidencia
a importância de se promoverem atividades que visem o desenvolvimento extensivo de
todas as subcompetências tradutórias, de modo a garantir uma formação mais
autocrítica e independente.
Grupo A Grupo B Grupo C Total Traduções literárias. 3 (30%) 1 (10%) 3 (60%) 7 (53%)
Direito. 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%)
Informática (software, jogos) 0 (0%) 1 (10%) 0 (0%) 1 (8%)
Mídia impressa e on-line 0 (0%) 0 (0%) 2 (40%) 2 (15%)
Audiovisual (cinema e televisão) 4 (40%) 1 (10%) 3 (60%) 8 (62%)
Turismo. 1 (10%) 0 (0%) 1 (20%) 2 (15%)
Médica. 1 (10%) 1 (10%) 2 (40%) 4 (30%)
Negócios. 0 (0%) 0 (0%) 1 (20%) 1 (7%)
Outra. 0 (0%) 0 (0%) 1 (20%) 1 (7%)
Formação geral. 1 (10%) 1 (10%) 0 (0%) 2 (15%)
Tabela 7: Interesse nas especialidades de tradução.
O caráter multifacetado do profissional de tradução emerge conforme as suas
habilidades interceptam diferentes áreas. A partir da questão 9, pretendemos evidenciar
o modo como os alunos visualizam o perfil do tradutor comparado a outros
profissionais, a partir de uma escala de 0% a 100%. A maior afinidade com
artista/artesão (85%) e estudante (71%), registrada pelo grupo A, ressalta a idéia da
tradução como conhecimento especializado. O grupo B apresentou respostas mais
equilibradas e registrou maior afinidade do tradutor com o estudante (75%),
artista/artesão (66%), técnico (66%) e linguista (66%), evidenciando seu papel para
além do domínio profissional da linguagem. Da mesma forma, o grupo C registrou
maior afinidade do tradutor ao linguista (85%) e ao técnico (78%). Outro destaque
comparações foi a baixa afinidade do tradutor com o empresário/administrador, em
menor expressão nos grupos A e C. Há de se notar que essa variação entre os grupos
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pode ser interpretada como a transformação, de maneira gradativa, do aluno neófito ao
tradutor profissional.
Grupo A Grupo B Grupo C Um estudante 71% 75% 64%
Um artista/artesão 85% 66% 67%
Um professor 46% 58% 67%
Um técnico 60% 66% 78%
Um filósofo 32% 41% 39%
Um linguista 46% 66% 85%
Um empresário/administrador 21% 58% 35% Tabela 8: Comparação do tradutor a outros profissionais.
Preocupados em avaliar o grau de satisfação que os alunos tiveram do curso em
relação às expectativas iniciais, computamos os seguintes resultados a partir da questão
10. Acreditamos que, embora os índices de aprovação sejam expressivos, a promoção
de novas atividades e a adequação dessas às necessidades específicas dos alunos sejam
sempre válidas, a partir das discussões em sala de aula.
Grupo A Grupo B Grupo C Muito satisfeito. 5 71% 1 33% 3 42%
Bem satisfeito. 2 29% 2 67% 3 42%
Pouco satisfeito. 0 0% 0 0% 1 17%
Insatisfeito. 0 0% 0 0% 0 0% Tabela 9: Grau de satisfação acerca do curso de bacharelado.
Reservamos as últimas questões aos alunos do último período (grupo B) e aos
que já haviam concluído o bacharelado (Grupo C), de forma que avaliassem o currículo
cursado.
Objetivando uma avaliação específica do currículo de tradução oferecido
(questão 11), elaboramos uma escala que consistia em graus de importância que
variavam de 0% a 100%, a partir do qual obtivemos o seguinte percentual para cada
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disciplina, que destacou a importância do estágio no currículo de tradução (100%). Por
outro lado, as disciplinas teóricas, com destaque para a Orientação do Trabalho de
Conclusão de Curso (82%), registraram importância ligeiramente inferior às demais,
refletindo uma tendência pelas atividades práticas na graudação.
Teoria da Tradução I Aulas sobre as teorias linguísticas da tradução
75%
Teoria da Tradução II Aulas sobre as teorias culturalistas da tradução
85%
Tradução I Traduções comentadas de textos referenciais
96%
Tradução II Traduções comentadas de textos literários
96%
Versão I Versões comentadas de textos referenciais
96%
Versão II Versões comentadas de textos literários
96%
Estágio Atividade prática supervisionada
100%
Orientação do TCC Trabalho de Conclusão de Curso
82%
Tabela 10: Avaliação da importância das disciplinas oferecidas.
Os alunos do último período e os já formados foram estimulados a destacar as
atividades realizadas durante o curso que julgam ter mais contribuído para a formação
de sua competência tradutória (questão 12). De modo geral, foram priorizadas as
atividades práticas, que incluíram leitura de textos, confecção de glossários, estágio e
participação em congressos da área, com algumas referências às aulas de teoria literária
e linguística. Esses comentários acentuaram a tendência já identificada anteriormente
pelo desenvolvimentos das subcompetências de ordem operacional.
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Na última discursiva (questão 13), os alunos dispunham de um espaço para
comentários acerca do curso. Entre as manifestações, destacamos o apelo à organização
de um curso de tradução mais independente da graduação em Letras e a promoção de
programas de especialização na área de estudos linguísticos.
2.3. Perspectivas futuras
A partir de agora faremos uma sugestão de ampliação e aprimoramento do
currículo do Bacharelado em Letras: Ênfase em Tradução – Inglês da FALE UFJF, em
função das respostas fornecidas pelos alunos, levando em conta as tarefas de tradução.
Embora as questões teóricas sejam abordadas a priori e estejam sempre presentes no
currículo do bacharelado em questão, há preferência dos alunos pelas atividades
práticas. Acreditamos que o aparente desequilíbrio possa ser resolvido através de
atividades e discussões, entendidas, nos termos de Hurtado Albir, como tarefas de
tradução a serem realizadas ao longo do curso, distribuídas conforme a necessidade de
docentes e discentes. Essas tarefas lidariam com o desenvolvimento das
subcompetências de ordem operacional e declarativa alternadamente, garantindo a
eficácia da aprendizagem da tradução.
Discussões acerca da vida profissional por diversas vezes levam os alunos a
revisarem criticamente seus preceitos e refletirem sobre sua formação. A nosso ver, é
nesse momento que os alunos têm a oportunidade de reconhecerem a especificidade da
atividade tradutória, estendendo-a para além do domínio dos profissionais da
linguagem, e reconhecendo a importância do desenvolvimento das subcompetências
tradutórias como um todo em sua formação.
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O anseio dos alunos pela prática tradutória pode ser resolvido através da
exploração dos objetivos metodológicos do ensino de tradução que lidam com o
desenvolvimento das competências estratégica e de conhecimentos sobre tradução, nas
mais diversas especialidades desse ofício. Atividades que envolvam a pesquisa de
terminologia e o acompanhamento do processo tradutório por um profissional
experiente servem de exemplo para nossa proposta: tarefas de elaboração de material de
consulta, de planejamento do processo tradutório, de identificação dos problemas de
tradução e de escolha dos procedimentos de resolução.
A preocupação com o domínio gramatical e a fluência, que toca ao
desenvolvimento da subcompetência bilíngue e está diretamente relacionada aos
objetivos contrastivos do ensino de tradução, pode ser resolvida a partir de tarefas que
promovam o domínio dos aspectos linguísticos fundamentais e das convenções textuais,
tais como redação e revisão de textos bilíngues.
Não obstante, ressaltamos a necessidade de um reforço aos objetivos
profissionais do ensino de tradução. Apesar das discussões realizadas em sala de aula
acerca da atividade tradutória, e o interesse dos alunos pelas ferramentas de tradução,
consideramos fundamental a inserção de atividades que promovam desde cedo uma
interface entre a sala de aula e o mercado de trabalho. Dessa forma, é fundamental a
promoção das subcompetências instrumental e de conhecimentos de tradução, com base
em tarefas de estágio em tradução, de manipulação de ferramentas informatizadas e de
busca de fontes de informação.
Respondendo pelos objetivos textuais, que abrangem todas as áreas de
especialização do tradutor e condicionam o desenvolvimento integrado das
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subcompetências, destacamos as atividades que envolvam a análise crítica e a prática
tradutória de diversas fontes, garantindo aos alunos a oportunidade de conhecerem os
diversos ramos da tradução e realizarem suas escolhas com mais certeza: tarefas de
tradução/versão de textos jornalísticos, científicos, jurídicos, comerciais, etc.
Por fim, reconhecemos que as tarefas aqui apresentadas apenas generalizam os
conceitos trabalhados em cada objetivo do ensino de tradução, podendo, assim, serem
ampliadas e adaptadas. Essa ampliação pode-se dar em direção a um bacharelado
autônomo que dê conta de todas essas atividades com mais intensidade, Ressaltamos,
porém, a necessidade de mantermos o foco nos objetivos do ensino de tradução e a
partir deles refletirmos os currículos atuais. No caso do currículo analisado, em que a
tradução é uma modalidade do bacharelado, também deveriam ser pensadas as
mudanças que poderiam ocorrer em pré-requisitos específicos do curso de Letras, uma
vez que são essas disciplinas que colaboram para a formação linguística e, em parte, de
conhecimento de mundo dos discentes.
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Neste trabalho, lidamos com a formação da competência tradutória em nível de
graduação e discutimos a formação do currículo de tradução, levando em conta o
desenvolvimento dessa competência. Para tanto, fomos guiados, principalmente, pelas
leituras de Amparo Hurtado Albir, do grupo de estudos PACTE da Universidade
Autônoma de Barcelona, que nos forneceu um modelo teórico do funcionamento e da
aquisição da competência tradutória. A partir de considerações de Hurtado Albir e de
resultados de uma pesquisa de opinião realizada entre os discentes do Bacharelado em
Letras: Ênfase em Tradução – Inglês da Universidade Federal de Juiz de Fora,
desenvolvemos uma análise do currículo do referido bacharelado, procurando contribuir
para eventuais modificações ou expansões em sua grade curricular.
Os ingressantes nesse bacharelado, guiados inicialmente pelo interesse em
línguas estrangeiras, têm a oportunidade de ampliar seu campo de atuação, ao lidarem
com os diversos gêneros textuais e equipamentos. O estímulo às atividades (tarefas) de
tradução em sala, por sua vez, propicia o desenvolvimento de uma reflexão que leva à
sistematização do conhecimento adquirido pelos alunos. Estamos de acordo com
Hurtado Albir ao afirmamos, desse modo, que elaboração de um currículo de tradução
deve levar em conta a organização das tarefas em função dos objetivos priorizados e a
resposta dos alunos e professores ao que é oferecido.
Concluímos que, ao longo do bacharelado em questão, espera-se que a
sensibilização do tradutor em relação às questões teóricas ocorra paralelamente à prática
tradutória realizada em sala, uma vez que todas as subcompetências tradutórias são
contempladas na organização atual do currículo. A integração das subcompetências ao
mercado de trabalho pode, ainda, ser reforçada a partir de uma expansão da grade
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curricular, que promova ações profissionais no âmbito acadêmico. Em consonância com
Leila Cristina de Mello Darin (2006), reconhecemos que, ao incluir aspectos da vida
profissional no modelo holístico da competência tradutória, Hurtado Albir promove
uma aproximação entre o profissional experiente e o estudante de tradução, e contribui
para a interação entre ensino universitário e mercado de trabalho.
Por fim, concluímos que, ao considerar como premissa básica o
desenvolvimento da competência tradutória em toda sua extensão e propor objetivos
para a elaboração dos currículos de graduação, a proposta de Hurtado Albir é de grande
importância para os estudos de tradução, uma vez que promove a conscientização do
tradutor acerca da complexidade da natureza da tradução e garante sua formação
autocrítica.
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AZENHA JUNIOR, João. O lugar da tradução na formação em Letras: algumas reflexões. Cadernos de Tradução, Florianópolis, v. 17, n. 1, p. 157-188, 2006.
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