Post on 19-Nov-2015
Marta Thiago Scarpato
O corpo cria, descobre e dana
com Laban e Freinet
Trabalho apresentado como exizncia para obteno do ttulo de Mestre, Banca Examinadora da Faculdade de Educao Fsica da Universidade Estadual de Campinas, rea de concentrao: Educao Motora, sob a orientao do professor doutor Joo Batista Freire da Silva
Universidade Estadual de Campinas
1999
CM-00136655-4
FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA- FEF- UNICAMP
Scarpato, Marta Thiago Se 76 O corpo cria, descobre e dana com Laban e Freinet I Marta Thiago Scarpato. --
Campinas, SP: ( s. n. ), 1999.
Orientador: Joo Batista Freire da Silva Dissertao (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educao Fsica.
L Corpo. 2. Dana. 3. Escolas. 4. Laban, Rudolfvon, 1879-1958. 5. Freinet, Clestin, 1896-1966. L Silva, Joo Batista Freire da. Il. Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educao Fsica. ID. Ttulo.
Marta Thiago Scarpato
O corpo cria7 descobre e dana
com Laban e Freinet
Universidade Estadual de Campinas
Faculdade de Educao Fsica
1999
Este exemplar corresponde redao final da Dissertao de Mestrado defendida por Marta Thiazo Scarpato e aprovada pela Comisso Julzadora em 09/04/99.
Data: 15 de setembro de 1 999
J;_/ /
Prof. qf. Joo Batista Freire da Silva
Aos meus alunos,
AGRADECIMENTOS
A meus pa1s e irmos, que sempre acreditaram nos meus ideais,
apoiando-me em todas as fases da vida.
Aos amigos do Ncleo Freinet Cidade de So Paulo e, especialmente,
Rosa Maria Sampaio, pelos artigos cedidos, orientaes, s vezes, tarde da
noite, pelo telefone.
Ao meu orientador Joo Batista Freire, que em meio tempestade, me
acolheu com carinho e dedicao.
A todos os companheiros de Mestrado, pelos bate papos descontrados
e estimuladores ps-aula e ps-encontro com os orientadores, na cantina da
FEF.
A todos os professores da Faculdade de Educao da PUC de So Paulo,
especialmente as profas. dras. Arlete Assumpo, Vera Ronca, Emlia
Cipriano e Marisa Elias.
Ao FAEP (Fundo de Apoio ao Ensino e Pesquisa), pelo apoio financeiro
que me possibilitou a viagem de estudos Frana e Londres.
A todos aqueles que, nos bastidores contriburam para este trabalho,
especialmente os tradutores Joo Batista Lago ( Francs) e Laura Thiago
(Ingls).
Ao meu querido Marcos, pelos desenhos, apoio na fase final e
equilbrio que me proporcionou.
SUMRIO
Resumo 1
Rsum 2
Abstract 3
Apresentao 4
1 Introduo 8
2 Rudolf Laban: sensibilidade para compreender o movimento humano 11
2.1 Uma vida dedicada ao estudo do movimento 14
2.2 Os fatores do movimento 16
2.3 O sentido do movimento para o professor 18
2.4 A dana que instiga a criatividade 19
3 O corpo, a escola e o corpo ... discente 23
3.1 Que corpo a escola quer formar? 25
3.2 A viso do corpo nas correntes pedaggicas 28
3.3 O espao fsico escolar 29
3.4 O dia-a-dia numa escola que propicia a liberdade corporal 31
4 Clestin Freinet: uma pedagogia humanista para o 30. Milnio 33
4.1 A Pedagogia Freinet 36
4.2 O Movimento Freinet 37
4.3 As tcnicas que revolucionaram o ensino 38
4.4 Uma proposta para o 3 Milnio 44
4.5 Aprendizagem e motivao 4 7
4.6 A livre expresso da criana 51
4. 7 Freinet e a educao do corpo 53
4.8 A sala de aula freinetiana 57
5 Explorando o movimento pela dana 60
5.1 O movimento danante na escola 62
5.2 A dana como uma Tcnica. Freinet 63
5.3 Uma aula que faa danar 65
5.4 O movimento danante e o elo com o mundo 66
5.5 Reflexes e experincias de professores freinetianos 67
5. 7 Minha experincia 68
6 Consideraes finais: Freinet e Laban: idias e ideais convergentes 73
7 Referncias Bibliogrficas 77
1
KESUMO
Neste trabalho escrevi sobre a influncia, na minha formao como
professora e bailarina, de dois grandes pensadores: Rudolf von Laban e
Clestin Freinet. Proponho a dana na escola como um recurso
metodolgico para o trabalho do professor. Um recurso importante para a
formao integral do aluno que vive um final de sculo, que o espao fsico
e contato com a natureza tornam-se raros. As preocupaes da escola vo
pouco alm de manter o aluno imvel por horas, sentado em sua carteira,
ouvindo o professor falar, copiando lies da lousa. Apresento reflexes
sobre que corpo a escola quer formar: um corpo submisso ou um corpo com
autonomia para agir. Aponto as convergncias de idias entre Laban e
Freinet que podem vir a formar uma proposta de movimento danante para
o professor usar em sala de aula com seus alunos.
Palavras-chave: 1. Corpo. 2. Dana. 3. Escolas. 4. Laban, Rudolf von, 1879-
1958. 5. Freinet, Clestn, 1896-1966.
2
RSUM
Dans cette these, j'ai crit sur l'influence en ma formation, autant qu'
enseignante et danseuse, de deux grands penseurs: Rudolf Laban et Clestin
Freinet. Je propose la danse l'cole, comme une ressource mthodologique
pour le travail de l'enseignant. Une ressource important pour la formation
intgrale de l'leve du fin-de-siecle, dont l'espace physique et les rapports
avec la nature sont devenus rares. L'cole mantien l'leve immobile pendant
des heures, assis sa pupitre, en coutant le professeur et en crivant dans
son cahier les crits au tableau noir. Je prsente des rflexions sur le corps
que l'cole veut former: un corps soumis ou un corps disposant d'autonomie
pour agir. Je signale les convergences d'ides entre Laban et Freinet,
lesquelles peuvent devenir une proposition de mouvement dansant, tre
utilise par l'enseignant en salle de classe, avec ses leves.
Mots-cls: 1. Corps. 2. Danse. 3. coles. 4. Laban, Rudolf von, 1879- 1958.
5. Freinet, Clestin, 1896- 1966.
3
ABSTRACT
In this paper I write about the influence the great thinkers Rudolf
Laban and Clestin Freinet exercised on my development as a teacher and
dancer. I propose dance at school as a methodological aid for the teachers'
work. Dance is an essential support for the complete development of
students who live at the end of the century when space and contact with
nature are becoming rare. The concerns of the school hardly go beyond the
intention of keeping students quiet for hours, sitting at their desks, listening
to the teachers, and copying lessons from the black-board. I present
considerations about what body the school needs to form - either a
submissive body or one who is free to act. I point to the convergences of
Laban's and Freinet's ideas which can conceive a proposal for a dancing
movement to be used by the teachers in the classroom.
Key word: 1. Body. 2. Dance. 3. Schools. 4. Laban, Rudolf von, 1879- 1958.
5. Freinet, Clestin, 1896- 1966.
4
APRESENTAO
Mais importante que danar no palco ter a capacidade de perceber o movimento da vida no dia a dia.
Solange Arruda (1988, p. 7)
5
Como bailarina, com formao em Pedagogia, lecionei por seis anos
em escolas particulares tradicionais, para turmas de primeira e terceira
sries do Primeiro Grau. Tm origem a minhas inquietaes pela
imobilidade a que a prtica escolar sujeita os alunos.
No concordava com a longa permanncia dos alunos sentados,
tendo apenas vinte minutos dirios de recreio para mexer o corpo e
apenas duas aulas semanais de Educao Fsica. Sentia que no estavam
felizes, "presos" no pequeno espao das carteiras.
Como professora, propunha aulas fora da sala de aula, no ptio, no
jardim e at na capela da escola para que se movimentassem. Percebia
que locomover-se para realizar as mesmas tarefas que fariam na classe
deixava-os mais estimulados.
Eram atividades sem fundamentao terica, fruto da intuio e
observao dos alunos. Como Clestin Freinet, no incio do seu trabalho,
observava e registrava os gestos e depoimentos dos alunos.
Comecei aulas "movimentadas" integradas aos contedos escolares,
como fraes, ordem crescente e decrescente, animais vertebrados ...
Percebi que, vivenciando corporalmente um contedo escolar,
demonstravam mais interesse no aprendizado.
Tendo sido aluna da Maria Duschenes que foi aluna de Rudolf
Laban, aconselhou-me a fazer um curso sobre movimento e dana,
segundo Laban, com a professora Cybele Cavalcanti.
A partir dessa vivncia, compreendi que a dana, o movimento
deveriam estar presentes na escola, fundamentados em Rudolf Laban, que
tem propostas para escolas, hospitais e outras instituies para vivenciar
e adquirir o domnio do movimento. A proposta de dana e movimento
na educao era algo novo e complexo. Por isso, recorri a Freinet.
Por que Clestin Freinet? Conheci Freinet por acaso (se que existe
acaso), ao cursar o terceiro ano de Pedagogia na PUC - So Paulo. Em
um semnrio sobre educadores, entre os vrios nomes escritos na lousa
6
escolhi Clestin Freinet, sem conhec-lo ainda.
A identificao com Freinet ocorreu logo no incio da leitura do
livro Freinet - Evoluo histrica e atualidades, de Rosa Maria W. F.
Sampaio (1989), que mostra que seus princpios continuam vivos e
vlidos at hoje. Sua Pedagogia leva o aluno, por meio de Tcnicas, a
constante ao dentro da sala de aula.
Aps alguns anos, procurei Rosa Maria Sampaio, coordenadora do
Ncleo Freinet da Cidade de So Paulo. Ela me incentivou a prosseguir a
pesquisa e a me filiar ao Ncleo para maior contato com o Movimento da
Escola Moderna.
No primeiro ano do Mestrado (1996), com ajuda financeira do
Fundo de Apoio ao Ensino e Pesquisa (FAEP), participei das
comemoraes do Centenrio de Clestin Freinet na Frana.
Por indicao do professor dr. Pierre Clanch da Universidade de
Bordeaux II, visitei a cole Martinon, constatando o esprito democrtico
e cooperativo dos professores que, sem apoio da Direo, desenvolvem
um trabalho srio com os alunos.
Em Vence, foi difcil conter a emoo ao adentrar a escola
construda por Freinet e seus alunos, lembrando as dificuldades por que
passou e que nunca o desanimaram. Uma escola situada nos Alpes
Maritimos, em meio ao ar puro, plantas, pssaros, animais, as crianas
aprendem naquele pedacinho do paraso. Vivi o esprito freinetiano da
cooperao, autonomia, respeito e troca entre professores e alunos.
Durante a Conferncia do Centenrio de Clestin Freinet, no prdio
da UNESCO, em Paris, houve o Encontro das Crianas de escolas
freinetianas do Japo, Frana, Brasil, Colmbia, Senegal, Romnia e de
outros pases. Alunos que praticaram a Correspondncia Interescolar e
iriam se conhecer pessoalmente. Foi a primeira Conferncia de que
participei, com crianas de nove e dez anos dando depoimentos,
integradas e envolvidas com o evento.
7
Cada pas apresentava uma dana, um canto, um poema, que
mostravam sua arte e cultura, ressaltando o valor dado arte na
Pedagogia Freinet.
Em Londres, estagiei no Laban Centre for Movement and Dance.
Deparei com uma biblioteca repleta de livros sobre a importncia da
dana e do movimento na educao. Textos do Laban e videos com
aulas de dana nas escolas londrinas, materiais escassos no Brasil,
contriburam para minha pesquisa. Retornei com farto material e com a
esperana de ver um dia o "movimento danante" nas escolas brasileiras.
Esta dissertao prope-se unir numa ao transformadora as duas
grandes paixes da minha vida: a dana e a educao, a partir dos
pressupostos de Freinet e Laban.
8
1 INTRODUO
9
Neste final de sculo os avanos tecnolgicos tornam o homem
cada vez mais sedentrio, parado na frente do computador, televisor ou
video-game.
O cidado moderno sai do apartamento para ma1s um dia de
trabalho. Vai de elevador at a garagem do prdio, onde est seu carro.
Aciona o controle remoto para abrir. Ao chegar empresa, o porto se
abre e ele estaciona o carro.
Ao chegar em sua sala pelo elevador do prdio, tem sobre a mesa
um computador acessado Internet, um telefone/fax, garrafa de gua e
de caf ao lado da mesa. Basta girar a cadeira com um impulso mnimo
dos ps para servir-se.
Para pagar as contas no precisa ir at o Banco, usa a Internet.
Encaminha documentos por fax e cartes de aniversrio por e-mail. Na
hora do almoo, liga para um fastfood, faz o pedido e come em sua
mesa na frente do computador, afinal, falta-lhe tempo para movimentar o
corpo.
No final do dia, levanta-se da cadeira giratria, onde esteve sentado
no mnimo sete horas. Desce pelo elevador at a garagem, pega o carro e
volta para casa. No camnho saca dinheiro num drive-thru. Entra na
garagem do prdio, estaciona o carro e vai de elevador at o apartamento.
No jantar pede uma pizza por telefone, deita -se no sof e assiste
televiso a cabo, mudando os canais pelo controle remoto. Aguarda, aps
um dia exaustivo, o sono chegar.
Essa imobilidade tambm ocorre na escola. O aluno fica por duas
horas sentado, ouvindo o professor falar, copiando lies da lousa. A
dana, no como mais uma disciplina, mas como estratgia metodolgica
para o trabalho do professor, poderia introduzir o movimento danante
na sala de aula;
Freinet prope vrias tcnicas pedaggicas a fim de trazer sala de
10
aula motivao, interesse e envolvimento porque considerava
desestimulante prender-se ao livro e lousa.
Clestin Freinet (1896-1966) e Rudolf Laban (1879-1958)
viveram na Frana, mas no se conheceram. Suas idias podem formar
uma proposta de movimento danante para o trabalho do professor em
sala de aula com os alunos.
O futuro professor, no Magistrio ou faculdade de Pedagogia, no
percebe a importncia do movimento, priorizando o aspecto intelectual e
deixando o desenvolvimento motor a cargo dos professores das reas
especficas.
uma grande falha, quando se pretende oferecer educao
integral. A Pedagogia Freinet leva o aluno ao e ao movimento na sala
de aula.
Os Parmetros Curriculares Nacionais - PCNs (1996) estabelecem
que o processo de ensino e aprendizagem deve considerar as
caracteristicas dos alunos em todas as dimenses: corporal, cognitiva,
afetiva, social...
2 RUDOLF LABAN:
SENSIBILIDADE PARA COMPREENDER O
MOVIMENTO HUMANO
11
12
Em 15 de dezembro de 18 79, nasce, em Bratislava, Hungria, Rudolf
von Laban. Filho do governador do exrcito austro-hngaro, convive
pouco com o pai. Conheceu um pouco mais sua me, apesar de ela estar
freqentemente fora de casa, acompanhando o marido nas obrigaes
militares. Laban visita sempre seu pai nos pases em que este est
trabalhando.
Na infncia, em me10 a luxos e VIagens, conheceu tambm a
solido. Tem dificuldade em cuidar-se sozinho, por ter sido servido por
criados. Para sua pouca idade apresenta uma diversidade de experincias
muito vasta.
Seu primeiro contato com o mundo das artes ocorreu em casa, com
lendas e mitos que ouvia a av contar. Solta a imaginao e comea a
express-la nos brinquedos com fantoches.
Para satisfazer a vontade do pai, Laban ingressa na Academia
Militar, mas logo a abandona e, com 21 anos, vai a Paris estudar na
Escola de Belas Artes.
Demonstra interesse especial por dana e drama, figurinos,
cenrios e arquitetura de teatro. Comea, nesta poca, a questionar a
dana acadmica como a nica metodologia de ensino da dana,
procurando nela uma forma de expresso mais natural.
Em 1910, cria a Dance Farm, com danas baseadas nas
experincias da comunidade do Lago Maggiore, em Ascona, Sua. Com o
objetivo de criar danas, buscava nas cidades elementos nas festas e
danas da regio. Dirige, trs anos antes da Primeira Guerra Mundial, os
festivais de vero do Lago Maggiore.
Laban desenvolve a Dana Coral com coreografias improvisadas,
realizando experincias atravs do movimento, ao ar livre e com roupas
leves para destacar o contato entre os danarinos participantes.
13
Na dana coral no s um bailarino que se movimenta seguindo seus prprios impulsos interiores. Cada individuo estimula a criao do outro, resultando numa coreografia mais rica, especialmente se improvisada.
Ullmann, L. (apud Arruda, 1988, p.41)
A Dana Coral prope um momento de libertao dos movimentos
mecanizados do dia-a-dia. Integra o individuo na totalidade corporal,
fazendo com que se sinta como ser completo em relao sociedade.
Para Laban, o pensamento humano no seria o que sem a arte, a
representao das qualidades sublimes do homem. E a dana, como forma
de arte, torna-se a mais rara e mais admirada das manifestaes
artsticas.
Amigos de Laban o consideram um homem de coragem, bem
humorado, com a pacincia e vocao do artista e cientista. Graas s
suas caractersticas pessoais e diversidade de experincias na infncia,
cria, atravs de seus conceitos e de suas experincias, uma nova
concepo de dana.
Na dana, no considera apenas a graciosidade, beleza das linhas e
leveza dos movimentos mas a liberdade que possibilita pessoa expor-se
atravs dos prprios movimentos e encontrar a auto-suficincia no
prprio corpo.
O ensino no ocorre apenas pela tcnica, como no Bal Clssico e
Jazz, mas deve ter sentido educativo e pessoal, conforme o ritmo interno
de cada um. Sua proposta de dana resgata a movimentao espontnea e
a integrao corpo-mente.
A Segunda Guerra Mundial interrompe sistemas educacionais e
sociais, levando ao reexame de valores bsicos e surgimento de novas
idias.
14
Em 1952, o Ministrio da Educao de Londres recomenda a
atividade fsica orientada para crianas, enfatizando a auto-expresso, o
movimento consciente e a importncia da dana nas escolas, o que se
deve s idias e trabalhos desenvolvidos por Laban.
2.1 Uma vida dedicada ao estudo do movimento
Laban dedicou-se ao estudo do movimento do ser humano em seus
significados e relaes com o meio. Observa o movimento nas danas e
aes dos homens primitivos, no manuseio das mquinas das fbricas,
estendendo suas investigaes a hospitais e instituies educacionais.
Observa que os gestos humanos so mecnicos, padronizados, em
virtude da rotina do cotidiano, como um operrio que manuseia
mquinas ou um militar que tem uma postura rgida.
A rotina restringe a expressividade e torna as pessoas menos
sensveis. Sua preocupao resgatar os atos espontneos pela dana,
levando as pessoas a pensarem em termos de movimento e a encontrarem
suas prprias formas de expresso.
O movimento, portanto, revela evidentemente muitas coisas diferentes. o resultado, ou a busca de um objeto dotado de valor, ou de uma condio mental. Suas formas e ritmos mostram a atitude da pessoa que se move numa determinada situao.
15
Pode tanto caracterizar um estado de esprito e uma reao, como atributos mais constantes da personalidade. O movimento pode ser influenciado pelo meio ambiente do ser que se move ...
Laban (1978, p.ZO)
O movimento ocorre, quando o corpo ou partes dele se locomovem
de uma posio a outra, traando formas no espao. O homem expande
seu conhecimento do mundo pelo movimento das pessoas e objetos que
esto ao seu redor.
Ao mover-se, a pessoa relaciona-se com outra, com um objeto ou
com partes do prprio corpo, atravs do contato fsico. O homem
demonstra, por intenndio de seus movimentos e aes, o desejo de
atingir certos fins e objetivos... (Laban, 1978, p.156)
Atravs do movimento, o gesto revela aspectos da vida interior
porque expressa sentimentos, pensamentos e intenes.
O ser humano um todo integrado: corpo, mente e sentimentos
que se interagem continuamente. O movimento o elo entre a vida
mental, espiritual e fsica, a manifestao exterior de um sentimento
interior interferindo na personalidade de cada um.
Aspectos sociais, culturais, geogrficos e at educacionais
determinam o movimento e o comportamento do ser humano. A
educao atua diretamente na formao do individuo, principalmente na
infncia.
Quando tomamos conscincia de que o movimento a essncia da vida e que toda forma de expresso (seja falar, escrever, cantar, pintar ou danar) utiliza o movimento como veculo, vemos quo importante entender esta
16
expresso externa da energia vital interior (coisa a que podemos chegar mediante o estudo do movimento) ...
Laban (1990, p.lOO)
No decorrer da vida, o homem desenvolve experincias com o
movimento. preciso que lhe conhea o significado, aprenda a
reconhecer seus princpios e a experimentar suas variadas formas.
O ato de mover gera reao na mente, no psiquismo, despertando
emoes variadas ... a intensidade da emoo varia conforme a
intensidade da ao. (Laban,1990, p.102). Mais que ligar a atividade
interior do homem ao mundo que o cerca, atualiza suas reaes.
Desenvolver o sentido do movimento leva conscincia das
sensaes motoras, que devem ser experienciadas para se adquirir o
domnio do movimento, por exerccios e atividades esportivas.
O domnio do movimento proporciona o aperfeioamento pessoal e
social. A escola pode ajudar o aluno a adquiri-lo e aperfeio-lo em suas
tarefas dirias em sala de aula.
Clestin Freinet salienta que a escola precisa conhecer, aceitar e
propor experincias com o corpo dos alunos, para adquirir o domnio do
movimento.
2.2 Os fatores do movimento
Para Laban, todo movimento humano ocorre pela combinao de
quatro fatores: peso, espao, tempo e fluncia.
O peso do corpo todo ou parte dele suspenso e carregado numa
direo do espao, em um tempo e fluncia, o que gera a qualidade do
movimento:
ESPAO
PESO
TEMPO
- Pessoal ( kinesfera)
-Geral
- Plano: alto, mdio e baixo
- Direo: frente, atrs, acima, abaixo,
direita, esquerda e diagonais
- Forma: redonda, reta, curva,
estreita, larga, angular
- Tamanho: pequeno, grande
-leve
-pesado
-lento
-rpido
FLUNCIA - livre
- controlada
O simples gesto de pegar uma caneta tem :
Peso - forte ou fraco
Tempo - rpido ou lento
Espao - direto ou flexvel
Euncia - livre ou controlada
17
18
... O carter das pessoas em atividade melhor expresso em termos de movimento, ou seja, atravs dos elementos Espao, Peso, Tempo e Fluncia, na medida em que se revelam nas aes corporais. Estes elementos comportam a chave da compreenso daquilo que se poderia chamar o alfabeto da linguagem do movimento; e possvel observar e analisar o movimento em termos desta linguagem ...
Laban (1978, p.167)
North (1975) e Kestenberg (1971), seguidoras de Laban, realizam
anlise psicolgica do movimento, propondo a dana teraputica. Na
escola, mais que interpretar os movimentos, preciso deixar o aluno
experienciar e descobrir novas formas de movimento.
2.3 O sentido do movimento para o professor
O estudo do movimento importante para os professores de todas
as reas, no somente para o professor de Dana ou Educao Fsica. A
criana sentada atrs de uma carteira est fisicamente limitada e s pode
se manifestar verbalmente. Com a atividade fsica encontra uma vlvula
de escape natural, o que no objetivo da atividade fsica.
importante explorar os movimentos dos alunos, tendo em vista os
benefcios que traz para sua educao integral.
O professor no deve limitar-se a exerccios e provas mas observar
os movimentos da criana. Esta, s vezes, rotulada como preguiosa por
ter movimentos lentos, pesados, est apenas executando seus atos
conforme seu tempo e ritmo. O professor deve ajud-la a adquirir e
experienciar um tempo mais rpido.
19
... um professor diante dos alunos sentados em suas carteiras pode, atravs da compreenso, fazer tanto para ajudar toda a classe e cada criana individualmente como o professor de dana ou de ginstica, cujo interesse pelo movimento mais imediato. O docente que ensina matrias do tipo acadmico deve apreciar os esforos expressados por meio do movimento, assim como o professor de dana que tem que se dar conta de que h um esforo mental implcito em toda atividade.
Laban (1990, p.102)
Para o educador sem experincia corporal e costume de
movimentar seu corpo, fica difcil compreender a importncia de
trabalhar o corpo dos alunos no cotidiano escolar.
O curso de Magistrio ou Pedagogia poderia oferecer-lhe
oportunidade de refletir sobre a importncia do movimento para o
desenvolvimento integral da criana.
Ajudar o aluno a enfrentar seus medos leva-o a adquirir confiana
para se comunicar livremente, com sensibilidade e imaginao,
adquirindo conscincia de seu potencial.
2.4 A dana que instiga a criatividade
Laban prope uma tcnica de dana livre, sem regras especficas.
Como arte a dana supe e expressa uma bagagem de conhecimentos,
tradio, evoluo histrica, princpios que podem ser constatados nas
imagens criadas, no mtodo, nas relaes entre formas e estilos de
movimento.
20
Ao se conscientizar do mundo em que est inserido, o homem
descobre o prprio corpo como meio pelo qual manifesta a inter-
relao mundo interior e mundo exterior. A dana visa ao
aperfeioamento dessa harmonia e ao domnio do movimento.
... Quando criamos e nos expressamos por meio da dana, quando executamos e interpretamos seus ritmos e formas, preocupamo-nos exclusivamente com o manejo de seu material, que o prprio movimento. Por meio dos movimentos de nosso corpo aprendemos a relacionar nosso ser ltimo com o mundo exterior. Recebemos de fora impresses que nos fazem reagir e, assim mesmo, projetamos para fora nossos impulsos internos espontneos, com o que expressamos a presena da energia vital...
Ullmann (apud Laban, 1990, p.l 08)
H dois estilos de dana: convencional e espontneo (Bucek,
1992). O convencional se caracteriza por movimentos-padro
apreendidos pela imitao, prescritos, inventados e propagados pelos
adultos, arraigados nos valores culturais e sociais. 1
O espontneo decorre de experincias estticas que capacitam a
criana a exprimir seus sentimentos e idias do mundo. Essas formas
incluem direes, percepo do espao, do tempo e de qualidades do
movimento. Convida a viagens imaginativas, a comunicar e expressar
pensamentos e emoes, retratando o desenvolvimento pessoal e cultural.
O objetivo da dana na escola no formar bailarinos com
tcnicas e estilo convencional. possibilitar ao aluno conhecer e
1 As msicas do conjunto baiano o tchan (t9']6) ilustram. esse estilo de dana com coreografias que tm gestos relacionados as letras das msicas. co.mo a Dana da Bundlnll;L
21
descobrir a variedade de usos que pode fazer com seu corpo, descobrir os
benefcios da atividade criativa da dana.
Para Laban, a criana tem o impulso inato de realizar movimentos
similares aos da dana. escola cabe:
- cultivar e concentrar as expresses naturais e fazer com
que as cnanas tomem conscincia dos princpios que governam o
movimento;
- preservar a espontaneidade do movimento e
- ajudar a expresso criativa das crianas, representando
danas adequadas aos seus dons naturais e grau de desenvolvimento.
O aprendizado da dana deve integrar o conhecimento intelectual e
criatividade do aluno. Para l.aban, o homem um ser integrado e a
educao no visa apenas completar partes do ser .
... A aprendizagem da dana requer especial importncia medida que os estudos acadmicos so mais intensos, com o fim de equilibrar os esforos intelectuais cada vez maiores com esforos ativos, de maneira que a criana se desenvolva em sua totalidade, isto , fsica, mental e emocionalmente ...
Laban (1990, p.Z9)
O aluno muito tempo imvel numa carteira ou numa mesma
posio encontra na dana um meio de extravasar a represso dos
movimentos do corpo, experimentando sensao de alvio e prazer.
A dana uma atividade onde surgem os esforos 2 Na fase adulta,
diminui o impulso de danar que, quando criana, natural, espontneo.
O adulto que teve a oportunidade de conhecer e viver a dana na
2 Lahan de:fme esforo como a energia que surge dos desejos. intenes, impulsos, estados de esprito e presses internas que se manifestam. no movimento do corpo.
22
infncia saber lidar muito melhor com seus esforos, equilbrio e
domnio do movimento.
A dana favorece o relacionamento humano, oferece diferentes
mtodos de comunicao aos alunos. Como arte, integra o fsico, a mente
e o esprito num nico ato de criao.
O aluno pode coreografar uma dana para si mesmo ou, com os
outros, produzir uma dana para pequenos ou grandes grupos. Pode
participar de situaes criativas de dana na escola, o que lhe trar
conscincia do movimento.
23
3 O CORP07 A ESCOLA
E O CORPO ... DISCENTE
24
Algumas escolas, muitas vezes, impedem a expresso corporal dos
alunos, pela adoo de mtodos de ensino que dificultam a ao,
priorizando a educao intelectual, o raciocnio lgico. Acreditam que s
atravs da preparao intelectual os alunos estaro aptos a enfrentar o
mundo competitivo do mercado de trabalho.
Os Parmetros Curriculares Nacionais - PCNs (1996) estabelecem
que a educao deve formar cidados autnomos, crticos e
participativos, com capacidade para atuar com competncia, dignidade e
responsabilidade na sociedade.
A escola deve desenvolver as capacidades fsicas, afetivas,
cognitivas e estticas dos alunos, para uma formao ampla, humanista e
tica. A capacidade fsica ... engloba o uso do corpo na expresso de
emoes, nos jogos, no deslocamento com segurana... (Brasil, 1996,
p.54)
- Desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de confiana em suas capacidades afetiva, fsica, cognitiva, tica, esttica, de inter-relao pessoal e de insero social, para agir com perseverana na busca de conhecimento e no exerccio da cidadania. - Utilizar as diferentes linguagens -verbal, matemtica, grfica, plstica e corporal - como meio para expressar e comunicar suas idias, interpretar e usufruir das produes da cultura. - Conhecer e cuidar do prprio corpo, valorizando e adotando hbitos saudveis como um dos aspectos bsicos da qualidade de vida e agindo com responsabilidade em relao sua sade e sade coletiva.
PCNs, Brasil (1996, p.41)
25
A escola deve desenvolver a corporeidade dos alunos, em todas as
reas, no apenas em Educao Fsica e Artes.
A criana das grandes cidades fica tempo excessivo confinada num
apartamento, diante do televisor, video-game, com poucas reas verdes e
liberdade para brincar e correr. Ao chegar escola, a atitude mais
habitual ficar sentada.
3.1 Que corpo a escola quer formar?
No Currculo Escolar, o Corpo, na maioria das vezes, abordado
num momento da aula, como tarefa a ser cumprida. Os exerccios
acabam sendo grficos, com "folhinhas de atividades" ou figuras da
anatomia do corpo humano: recortar a parte do corpo que voc enxerga,
cheira... ou pintar as partes do corpo do Carlinhos. Exerccios nada
criativos que subestimam a capacidade intelectual dos alunos.
No h relao da figura ou do desenho com o que o aluno faz
com o corpo. Alguns professores cantam com os alunos ao trabalhar as
partes do corpo, e tudo se encerra, assim que cumprem o contedo. E o
corpo do aluno volta a ser esquecido e massacrado pela imobilidade
provocada pelas carteiras da sala de aula.
O professor, muitas vezes, por sua formao deficiente, sente-se
incapacitado para explorar o corpo no cotidiano escolar. A organizao
escolar leva a acreditar que o aluno s aprende sentado.
Aquele aluno que parece estar aprendendo, por estar sentado com o corpo voltado para a frente, imvel e olhar fixo na professora - posio considerada ideal - nem sempre est envolvido com o que ocorre na sala.
26
Por mais imvel que aparentemente esteja, pode estar vivendo um enorme conflito, que tambm fsico.
Silva (1994, p.95)
O corpo, imvel, pode estar internamente inquieto, querendo se
mexer, porque insuportvel permanecer muito tempo na mesma
posio.
A escola mantm os alunos ocupados, sentados e calados, talvez
para torn-los "dceis".
... dcil um cozpo que pode ser submetido) que pode ser
utilizado) que pode ser transformado e aperfeioado ... (Foucault, 1987,
p.lZG). O corpo, como objeto e alvo do poder, pode ser treinado,
modelado e manipulado. Os Corpos Dceis (1987), reprimidos, no
expressam o que sentem e realizam movimentos socialmente aceitos .
... Quem tem o controle do corpo, tem o controle das idias e dos sentimentos. Quem fica confinado em salas apertadas, sentado e imvel em carteiras, milhares de horas durante boa parte da vida, aprende a ficar sentado nas cadeiras, de onde talvez nunca mais venha a se erguer ...
Freire (apud Moreira, 1992, p.l14)
A preocupao da escola com a disciplina, que, segundo Foucault
(1987), pretende produzir ... corpos submissos e exercitados ... (p.lZ7).
Apesar de a escola querer controlar e acalmar os corpos dos alunos,
com a ajuda dos famosos cabealhos escritos na lousa, eles aguardam
ansiosamente o recreio e, quando o sinal toca, saem disparada e
desesperadamente corredor afora.
27
Os recreios so tumultuados, talvez por serem os nicos momentos
de liberdade corporal. Os alunos podem fazer o que querem com o corpo,
no so mais "obrigados" a obedecer voz da professora:
-Sente-sei
- Pare quieto no lugari
Por alguns minutos, o corpo est livre e eles voltam a ser donos de
seus atos e vontades.
... Nas escolas, os corpos infantis gritam por liberdade, por brinquedo, por carinho, mas os intelectos insensveis dos corpos maltratados dos professores no so capazes de compreend-los ...
Freire, J. B. (1991, p.32)
Na Pedagogia Tradicional, o aluno costuma passar, no minimo,
duas horas sentado numa carteira, quase sem se mover. Sua nica forma
de expresso verbal e, mesmo assim, s quando autorizado.
O corpo desejado/buscado pela escola, para o seu aluno, um corpo limpo, disciplinado. A posio desejvel sentada. No entanto, esses corpos no devem sentar-se de qualquer maneira. Existem regras sociais, culturais, para eles, prescritas pelas boas maneiras e pela cincia ...
Silva (1994, p.72)
No preciso estar sentado para aprender. Movimento e
aprendizagem no so dicotmicos.
Deve-se influncia da concepo cartesiana a ciso entre corpo e
28
mente. Privilegiar a mente e relegar o corpo pode levar a uma
aprendizagem empobrecida.
3.2 A viso de corpo nas correntes pedaggicas
Confrontando as vrias tendncias pedaggicas, pode-se apontar
duas posies caractersticas e opostas a partir do modo como vem o
corpo.
TRADICIONAL PROGRESSISTA
DIFICULTA FACILITA o aluno valorizado pelos resultados o aluno no somente intelecto. intelectuais.
Corpo permanece imvel, "dcil". a aprendizagem se d tambm por meio do corpo.
a distribuio das carteiras na sala de a disposio dos materiais nas salas aula impede o movimento. de aula e atelis propicia o
movimento.
contedos e mtodos de ensino no contedos e mtodos de ensino tm tm significado e relao com a significado para a criana. H realidade da criana. atividades fsicas e mentais a fim de
no entediar os alunos.
somente nas aulas de Ed. Fsica e nas o tempo todo, o corpo visto como "festas comemorativas" lembra-se integrado mente. que o aluno um corpo.
o tempo e espao para atividades so h um plano de ocupao e uso do determinados pelo professor. tempo e espao de sala de aula
a lousa o nico recurso no processo Jornais, livros, computador e outros de ensino-aprendizagem. recursos.
o professor impe sua autoridade por ambiente cooperativo: o professor uma postura corporal rgida. no impe sua autoridade,
mostrando-se espontneo e dinmico.
29
Nota-se a diferena entre as duas tendncias, relacionada ao uso
do corpo na sala de aula. Para a Tradicional, o corpo parece ser
empecilho no momento da aprendizagem, aluno bom o que est sempre
quietinho em seu lugar, que s participa, s se movimenta, quando
chamado lousa, na fila, no recreio, na sada. Aluno "disciplinado",
"obediente", "bonzinho" mantm-se quieto e imvel.
... Um terrvel exemplo o que fazem as escolas com as crianas. Talvez por isso ningum aprenda. Acham sempre que o corpo pode ficar margem do processo de educao ...
Freire,]. B. (1991, p.53)
... A caricatura das escolas um corpo minsculo com uma imensa
cabea ... (Freire,]. B. 1991, p.149). preciso desmascarar, destruir essa
caricatura construda h dcadas, elaborando estratgias que utilizem o
corpo dos alunos, a fim de que eles possam participar, interferir,
construir e no somente ficar quietos, ouvindo, o que os tornar mais
motivados e envolvidos com a escola.
3.3 O espao fsico escolar
Os regulamentos escolares, conforme Moreira (1995), restringem
o movimento do corpo.
A distribuio do mobilirio na sala deixa pouco espao para a
circulao. So em mdia 40 carteiras, enfileiradas. Quem define o lugar
do aluno o professor, que separa os amigos, os falantes. A mesa do
professor est na frente das carteiras dos alunos e atrs do quadro-negro,
um armrio no fundo ou na lateral e, s vezes, um mural.
30
Tudo parece visar impedir o movimento dos alunos e controlar a
disciplina. A disciplina procede em primeiro lugar distribuio dos
indivduos no espao ... (Foucault, 198 7, p.l30)
A cor neutra, sem vida, das paredes no contribui para tornar o
ambiente prazeroso mas feio e frio. Os corredores so compridos e
escuros.
O ambiente no estimula os alunos a permanecerem mais tempo na
escola. As escolas deveriam ser bonitas, alegres, coloridas, sonorizadas
com o objetivo de educar os sentidos dos alunos, como lembra Freire, J. B. ( apud De Marco, 1995, p.40).
Laban (apud Hodgson,1990, p.11) condena a sala de aula com
cadeiras e mesas juntas que impossibilitam a inclinao natural do corpo.
E Freinet percebe que a escola no desperta a vontade de professores e
alunos de freqent-la.
Os Parmetros Curriculares Nacionais propem nova organizao
do espao fsico da sala de aula para tornar o aluno autnomo,
participativo e responsvel pela ordem, limpeza e decorao ... preciso
que as carteiras sejam mveis, que as crianas tenham acesso aos
materiais de uso frequente, as paredes sejam utilizadas para exposio de
trabalhos individuais ou coletivos, desenhos, murais... (Brasil, 1996,
p.82)
As escolas da Rede Estadual de Ensino (So Paulo, 1997)
implantaram as salas-ambiente com livros didticos, paradidticos,
jornais, revistas, jogos, equipamentos para atividades experimentais,
computador, etc., o que, na Pedagogia Freinet, constitui os atelis.
O objetivo propiciar uma prtica pedaggica de interao, de
troca, de respeito mtuo, de construo do conhecimento pelo professor e
alunos, onde ambos decidem em conjunto e respeitam o espao por eles
construdo.
O aluno, como ser total e nico, quer aprender de forma dinmica,
prazerosa, envolvente, quebrando o paradigma de que s aprende
31
sentado, ouvindo o professor.
3.4 O dia-a-dia numa escola que propicia a liberdade corporal
Na Pedagogia Tradicional, o movimento em sala de aula
"proibido", invivel pela distribuio das carteiras, e s pode acontecer
com a permisso do professor. Na Pedagogia Freinet, " obrigatrio"
porque o aluno precisa se mover para realizar suas tarefas, para procurar
os materiais que vai utilizar.
Durante todo o perodo escolar realiza vrias atividades. Levanta-
se, pega o baco, vai ao canto da biblioteca, escolhe um livro, senta-se ou
deita-se, enfim, escolhe a posio mais confortvel e l.
O professor no recrimina o aluno por estar sentado de maneira
incorreta. Qual a maneira correta de sentar? Incorreto deixar o aluno
horas sentado numa cadeira, que, s vezes, pequena ou grande demais
para seu tamanho. O professor precisa conhecer, refletir sobre a
importncia do movimento na educao para poder explorar mais o
corpo de seus alunos.
A liberdade de ao e de movimento no tira a concentrao e
interesse dos alunos. Nas classes Freinet que visitei na Frana reina o
silncio, a concentrao. Os alunos se envolvem com o que fazem. O
professor no precisa pedir a todo momento para fazer silncio, para
ficar em seus lugares, como numa classe Tradicional.
... Infeliz educao a que pretende, pela explicao terica, fazer crer aos individuos que podem ter acesso ao conhecimento pelo conhecimento e no pela experincia.
32
Produziria apenas doentes do corpo e do esprito, falsos intelectuais inadaptados, homens incompletos e impotentes ...
Freinet (1991, p.42)
Para Freinet, a educao deve ser global, no apenas de um aspecto
do ser humano, o que implica a introduo da motricidade na escola.
4 CLESTIN FKEINET:
U.MA PEDAGOGIA HU.MANISTA
PARA O 3 MILNIO
33
34
Em 15 de outubro de 1896, nasce, em Gars, vilarejo ao sul da
Frana, Clesfii :n Baptistin Freinet. Passa sua infncia como pastor de
rebanhos em c::::ontato com a natureza, os animais e as tradies de seu
povo.
Por vive:Jr numa vila muito pequena, considerada, na poca, uma
das mais atrasadas do pas, no tem oportunidade de conhecer um
jornal, um trcem, uma vitrine de loja. Mas isso no o impede de
reivindicar o p:rozresso e o acesso ao conhecimento para todas as pessoas.
Em 191 2~ com 16 anos, ingressa na Escola de Formao de
Professores de Nice. No conclui o curso por ter sido convocado para o
servio militar- Na Primeira Guerra Mundial, em 1914, os gases txicos
o deixam doente dos pulmes.
Apesar
35
crianas est no que acontece fora da sala de aula.
Questiona a escola tradicional, com normas rgidas de ensino, a
prtica educativa baseada em discursos orais, expresso reprimida,
individualismo estimulado pela competio, obedincia coagida por medo
do professor ou nota baixa. O mesmo faz Laban com relao dana que
incentiva a competio, o individualismo.
Freinet prope atividades interessantes e envolventes, tirando da
vida das crianas elementos para o seu trabalho pedaggico.
No separa a escola da vida, rejeitando a idia de que a educao
possa se desenvolver fora do contexto social. ... Se no encontrarmos
respostas adequadas educao continuaremos a forjar almas escravas
nos alunos (Freinet, apud Santos,I996).
Sua prtica pedaggica VIsa formar homens autnomos,
cooperativos, cidados que participem da construo de uma sociedade
digna e justa.
As propostas de Freinet podem ser explicadas por suas condies de
sade.
. .. Talvez Freinet tivesse suportado melhor a aco deplorvel da defeituosa instalao escolar e da pobreza, talvez se tivesse adaptado menos mal aos processos tradicionais ... , se no tivesse existido o grave problema de uma sade comprometida ...
Freinet, lise (I 978, p.ZZ)
As lies orais o deixavam cansado, sem flego. A sala de aula mal
ventilada, cheirando a mofo, dificultava a respirao. Sua voz no era
forte nem seu fsico, imponente, o que impedia o domnio da situao,
apesar de saber que isso no resolve o problema educativo.
36
Desejando conhecer e viver situaes novas, pe em prtica o que
outros teorizavam. Era preciso mudar a estrutura pedaggica devido
insatisfao e falta de interesse que observava diariamente em seus
alunos.
4.1 A Pedagogia Freinet
A Pedagogia Freinet surgiu das vivncias e experincias do seu
autor. Popular, destinava-se s crianas filhas de operrios e camponeses.
Mas pode ser desenvolvida em qualquer nvel socioeconmico, mesmo
porque surgiu para atender s necessidades vitais de qualquer criana.
Cooperativa, propicia a troca, a ajuda mtua e a solidariedade
atravs de sua ao e tcnicas de ensino. No h disciplina imposta.
Professor e alunos elaboram, aplicam e fiscalizam suas prprias leis, o
que gera a aprendizagem da liberdade e da responsabilidade. Liberdade
dentro de um aprendizado histrico-social, no havendo lugar para a
indisciplina, porque os alunos, concentrados, realizam as atividades que
querem, relacionadas s suas vidas.
A concorrncia e a competio no tm espao nesta prtica. A
preocupao com a vida de cada um e da classe como um todo. Nas
Reunies Cooperativas professor e alunos aprendem a se orgamzar,
respeitar-se e ajudar os que esto com dificuldades.
uma Pedagogia que acolhe o conhecimento das crianas, respeita
o ritmo de trabalho e as diferenas de cada uma, humanista e
democrtica, aberta vida. Os instrumentos didticos propiciam
situaes de comunicao, a pesquisa da informao, a criatividade, a
tomada de decises, o trabalho em grupo, a diviso de responsabilidades,
a idealizao e a realizao de projetos.
Segundo o Dossier de Presse da Celebrao do Centenrio de
37
Clestin Freinet, na UNESCO, em Paris (out, 1996), a Pedagogia Freinet:
centra-se na criana, apoiando a motivao, expresso,
tateamento experimental;
- aberta ao que ocorre na vida familiar, cultural e social da
criana;
- privilegia os projetos individuais e coletivos, os planos de trabalho
e de pesquisa atravs dos mtodos naturais de aprendizagem;
- desenvolve o auxilio mtuo, a autonomia, a responsabilidade e a
comunicao em todas as formas, pela vida cooperativa;
- defende os Direitos da Criana e a laicidade3 do ensmo,
praticando a cooperao internacional, aspirando sociedade de justia,
fraternidade, liberdade e paz.
4.2 O Movimento Freinet
Pais, moradores e professores da regio dos Alpes Franceses tomam
conhecimento do trabalho de Freinet e sua prtica pedaggica.
Em Congressos de Educao, Freinet divulga seu trabalho na
pequena aldeia de Bar sur Loup, atraindo muitos simpatizantes, criando
o Movimento da Escola Moderna.
A Pedagogia Freinet muito mais um movimento que um corpo
terico. Um movimento cooperativo e de autogesto, criado por um
professor primrio.
A proposta de Freinet contagiou educadores do mundo todo,
gerando um Movimento Pedaggico, que deu origem, em 1948, ao ICEM
- Instituto Cooperativo Escola Moderna, hoje FIMEM - Federao
Internacional do Movimento da Escola Moderna.
A FIMEM reconhecida pela UNESCO como organizao no-
3 A escola pblica francesa laica e Freinet,. apesar de respeitar todas as crenas. no se filia a nenhuma (Oliveira, 1995).
38
governamental. uma associao de movimentos nacionais e regionais
do mundo inteiro que trabalham com a pedagogia popular e a educao
cooperativa, favorecendo os contatos e a troca entre os educadores
freinetianos.
A FIMEM composta por um Conselho Administrativo com
membros de diversos pases. Seu rgo principal a Assemblia Geral
composta por delegados de diferentes grupos que se renem anualmente.
Pases filiados FIMEM: frica, Arglia, Alemanha, Blgica, Brasil,
Bulgria, Canad, Colmbia, Dinamarca, Espanha, Estnia, Finlndia,
Frana, Hungria, Itlia, Japo, Lbano, Mxico, Panam, Portugal, Polnia,
Romnia, Rssia, Senegal, Sucia, Sua, Tunsia.
A FIMEM tem como objetivos:
- a correspondncia internacional;
a organizao de estgios, seminrios, encontros,
exposies e manifestaes;
- a constituio de grupos de trabalhos internacionais;
- a publicao de jornais e outros materiais;
- a informao e a troca de meios didticos para a prtica da
Pedagogia Freinet e sua difuso;
- a organizao bienal da RIDEF (Encontro Internacional dos
Educadores Freinet) em diversos pases, com o objetivo de trocar
experincias pedaggicas, fazer novos amigos, discutir alternativas para a
educao.
4.3 As tcnicas que revolucionaram o ensino
Freinet no prope um mtodo de ensino mas tcnicas pedaggicas
para trazer sala de aula o interesse, a alegria, a cooperao.
A livre expresso, pesquisa e tateamento experimental, exigindo a
39
cooperao dos participantes, podem facilitar o trabalho escolar.
Toda a nossa pedagogia se baseia em instrumentos e tcnicas. So eles que alteram a atmosfera da aula, e tambm o prprio comportamento do professor, e tornam possvel este esprito de libertao e de formao que a prpria razo de ser das nossas inovaes.
Freinet (1977, p.46)
Freinet percebia seus alunos completamente desinteressados em
repetir frases sem nexo, desvinculadas de sua vivncia, como ocorre na
cartilhas das escolas brasileiras. Era preciso encontrar uma nova tcnica
de aprendizagem de leitura.
Prope tcnicas mais atrativas, envolventes: fazer um jornal,
vend-lo, enviar para um correspondente, para os familiares. No fazer o
jornal uma s vez, para mostrar um trabalho diferente, e nunca mais
explorar essa tcnica.
Os alunos aprendem o que os envolve, que permeia seus objetos
de estudo. Escrevem para quem vai ler e responder e estudam o local em
que vive o destinatrio, o selo, o preo do selo, desenvolvendo vrias
habilidades, como mostra o grfico:
Sociabilidade
Comunicao
Envolvimento
Senso Crtico
40
As Tcnicas Freinet levam a criana a perceber o que est ao seu
redor. Ao receber a carta de um colega que conta que o seu co morreu,
envolve-se com o fato e expressa pesar pelo que aconteceu.
A criana de hoje no sente porque no lhe do tempo para isso.
Est sempre ocupada com vrias atividades: aula de ingls, escolinha de
esportes, bal, aulas de msica, sem contar as obrigaes da escola. O
mundo contemporneo no permite ao homem viver essas sensaes,
perceber o que ocorre consigo e ao seu lado. Estamos sempre correndo,
sem tempo para dizer um oi para o colega ou escrever para aquele amigo
de quem no temos notcias h tempos.
As Tcnicas foram elaboradas por Freinet, no incio do sculo XX,
num contexto bastante diferente do atual. Porm, elas podem e devem ser
adaptadas em qualquer poca, para evitar ... a esclerose das Tcnicas
Freinet(Frenet, 1975, p.167):
Aulas-passeio: o objetivo levar as crianas a conhecerem a vida
fora da sala de aula. Acontecia aps o almoo para afugentar o sono de
Freinet e de seus alunos. Ele senta que o interesse deles estava l fora.
Passeavam na aldeia, observando a natureza, os trabalhadores, os
instrumentos agrcolas ...
Outras escolas realizam estudos do meio e no aulas-passeio, como
a freinetana, com envolvimento e interesse.
Hoje, com o computador, a Internet, possvel viajar e conhecer
41
lugares do mundo todo. Entretanto, as emoes de ver, ouvir, sentir, tocar
pessoalmente so necessrias formao do ser humano, incomparveis
e indescritveis.
Texto livre: a cnana escreve livremente, quando tem vontade,
quando algum tema a inspira. Quando retornavam das aulas-passeio, os
alunos escreviam com Freinet o que tinham visto e observado, sentindo
que isso fazia parte de suas vivncias, expressando seu interior.
Pierre Clanch, da Universidade de Bordeaux II, salienta, em sua
palestra realizada na PUC-SP (1996), que os motivos e instrumentos
sociais estimulam a criana a escrever.
Pelos textos livres o aluno expressa o seu interior. Freinet critica
manuais escolares que limitam a criatividade .
... Para que uma criana se eduque, no precisa engolir todas as matrias que lhe so apresentadas de uma forma mais ou menos atraente: precisa agir por si mesma; precisa criar ...
Freinet (apud Freinet E, 1978, p.103)
Pelos textos livres o professor conhece o pensamento da criana, a
ao do meio sobre ela.
Imprensa escolar: a tipografia desperta o interesse, a boa vontade,
a curiosidade. Os alunos escrevem seus textos e poemas, selecionam-nos,
imprimem e sentem-se felizes e orgulhosos de ver seus textos impressos .
... A Tipografia na Escola fez com que a expresso livre e a actividade
criadora dos nossos alunos passassem para o domnio da prtica
quotidiana ... Freinet (apud Freinet, E, 1978, p.113).
A imprensa torna a criana ativa, muscular e intelectualmente, e
reaviva seu interesse pelos contedos escolares. A tipografia fica na sala
42
de aula, no numa sala fechada, qual s o professor tem acesso.
Livro da vida: um grande caderno para anotar os acontecimentos
do dia-a-dia, os momentos mais vivos e interessantes, escrito, ilustrado
com desenhos, folhas impressas pelos alunos e pelo prprio Freinet. A
criana tem total liberdade de escrever, quando quiser, o que sente, o que
quer.
Correspondncia Interescolar: em 1926, Freinet lmCia a
correspondncia com a classe de seu amigo Daniel, de Saint-Philibert-de-
Trgunc (Finisterra).
Os alunos comeam a se corresponder com colegas de outras
escolas, enviam seus textos impressos, fotografias, presentes, postais,
frutas, etc. Todos ficam envolvidos e ansiosos por receber a resposta.
Esta Tcnica contagia cada vez mais as pessoas. Em 1996, na
UNESCO, em Paris, realiza-se o Encontro de Crianas que praticam a
Correspondncia Interescolar Internacional. Mais de 1 00 crianas de
vrios pases encontram os colegas com os quais se corresponderam pelo
menos por um ano e no conheciam pessoalmente.
Alunos do Senegal conversavam com alunos da Frana, do Brasil,
da Colmbia, da Romnia, entre outros. Num ambiente de harmonia,
interao, socializao, interesse e envolvimento, vivenciaram uma
verdadeira educao para a paz. Hoje, essa Correspondncia pode ser
feita via Internet.
Jornal Escolar: Textos livres escolhidos democraticamente pela
classe, impressos e agrupados ms a ms, so encadernados e distribudos
entre os alunos, correspondentes e pessoas da aldeia.
A informao muito mais rica nos livros e nas revistas, mas o que encontramos no jornal escolar, feito maneira que Freinet prega, a alma das crianas,
43
as suas reaes perante o mundo, as suas hesitaes, seus temores e seus triunfos.
Sampaio (1989,p.Z05)
Fichrio Escolar Cooperativo: para Freinet, os livros escolares so
complexos, fazendo a criana perder muito tempo. (Abaixo os manuais
escolares,1979). Cria fichas de estudos simples, funcionais e prticas de
manusear e compreender, com assuntos que interessam aos alunos.
Cooperativa escolar: reunies que acontecem semanalmente, tendo
um aluno como coordenador e outro como relator. Discutem-se
problemas do dia-a-dia: brigas com colegas, atividades realizadas na
semana, propostas, acidentes, medos, anseios, alegria. O professor
interfere, quando julga necessrio. Ocorrem em todas as salas de aula, do
Pr at as sries mais adiantadas. Um aluno conta que se machucou no
recreio e todos ouvem, respeitam e opinam.
Planos de trabalho: nos pnme1ros dias de aula, o professor
conversa com os alunos e explica que h um curriculo oficial que
precisa ser cumprido. Sugere que dividam seus planos de trabalho nos
meses letivos e escolham estratgias: palestras, slides, teatro, etc. a fim de
tornar os contedos mais atraentes.
Biblioteca: num dos cantos da sala de aula. A criana, sozinha,
procura seu livro, l, pesquisa os assuntos de seu interesse. Quando h
outra sala destinada biblioteca, o aluno procura seu livro e o registra no
computador com auxlio do professor. Os outros alunos espalham-se pela
biblioteca, escolhendo seus livros, sentados como querem, com liberdade
de movimento. ... as crianas se encontram, se comunicam e tm a
oportunidade de construir sua autonomia, seu saber, num lugar de
prazer ... (Sampaio, 1989, p.l83).
Como seria uma classe Freinet ? Os alunos o tempo todo sentados,
44
atentos ao professor ou todos trabalhando, movimentando-se e
produzindo, como numa oficina de trabalho?
4.4 Uma proposta para o 3 Milnio
As propostas de Freinet, consideradas arrojadas para sua poca,
no foram bem aceitas por muitos educadores e acadmicos, o que
continua ocorrendo at hoje. Segundo Paulo Freire (1991), uma
proposta avanada demais para o nosso sculo.
Entretanto, a escola tem de se modernizar (Freinet, 1977, p.13),
atualizar-se no mundo, no apenas adaptando seus programas e horrios.
... No devemos acomodar-nos por mais tempo com uma escola que tem cem anos de atraso, com seu verbalismo, seus manuais, seus manuscritos, o gaguejo de suas lies, a recitao de seus resumos, a caligrafia de seus modelos. No sculo do reinado inconteste da imprensa, da imagem, fixa e animada, dos discos, do rdio, da mquina de escrever, da fotografia, da cmara, do telefone, do trem, do automvel e do avio I
Freinet (1996, p.13)
A escola inseparvel da vida e deve acompanh-la em todos os
seus aspectos e realizaes.
45
progresso
Para Freinet, as inovaes tcnicas complementam o dia-a-dia
escolar, porque o aluno tem que se sentir motivado, interessado em
aprender, em vir escola.
por isso que a Pedagogia Freinet sempre atual. Quando traz
para a sala de aula a imprensa, abre as portas a todos os avanos
tecnolgicos, sem deixar de lado os aspectos culturais, familiares e
sociais da vida das crianas.
A pedagogia de Educao Popular de Freinet um marco universal para Educao de hoje. Fornece instrumentos e mtodos de trabalho. No ano 2001, 75% das crianas que esto na escola atualmente trabalharo em profisses que no existem ainda. 90% das crianas trabalharo com mquinas ainda no inventadas. Por isso vital ensinar criana como aprender e essa uma de nossas mais importantes tarefas. Freinet, atravs de sua pedagogia, colocou a servio da criana os meios mais modernos de comunicao.
46
A necessidade de compreender a afetividade e as relaes soc1ms, insistindo em um Esprito Vital e buscando explicaes alm das terminologias da poca, levou Freinet intuitiva e pragmaticamente quilo que Dewey, Piaget, Rogers vieram a confirmar cientificamente anos mais tarde. Atualmente os professores e educadores do mundo inteiro encontram-se face aos mesmos problemas. Cada um em sua prpria cultura pe na prtica e nos atos o que Freinet e os primeiros educadores da poca fizeram. Esses acontecimentos so sempre adaptados realidade de pases to dferentes como a Frana, a Tunsia, o Brasil, o Canad e, agora, o Japo. Eles nos mostram claramente que, no alvorecer do sculo XXI, a pedagogia Freinet nos d respostas realistas e profundas a duas principais caracteristicas de nossa poca: a universalidade de problemas e a necessidade da existncia de um respeito real s diferenas de cada um.
Ncleo Freinet (So Paulo, jan, 1996)
uma pedagogia que procura se adaptar realidade social e
cultural do morador de favela, cortio, casa ou manso . ... ser fiel a Freinet
, genuinamente, na linha que ele mesmo sempre pregou, super-lo, no
transformar sua obra em mais um sistema "escolstico" (Oliveira, 1995,
p.9Z). preciso ir alm, inventar tcnicas, adaptar recursos para a poca
atual.
A instituio escolar que Freinet criticou no comeo do sculo
continua, em muitos casos, na virada do milnio, a cometer os mesmos
erros. A proposta freinetiana preconiza que a prtica escolar e o processo
47
de ensino-aprendizagem sempre se atualizem, ligados aos
acontecimentos sociais, ao progresso tecnolgico e vivenciados na escola.
O aluno da poca do Freinet, com menos recursos tecnolgicos,
tinha espao livre, rea verde, liberdade, corria pelos campos, subia em
rvores, escalava rochas, o que falta ao aluno de hoje.
As casas modernas no so previstas para as crianas, que s muito raramente podem contar com o seu lugar l: acabaram-se os recantos esquecidos, as granjas, os campos, os animais domsticos ou selvagens, os operrios ou artesos, probe-se fazer barulho na cozinha, deslizar pelo corrimo da escada, correr ou brincar na rua invadida por veculos ensurdecedores. A criana j no pode dedicar-se a nenhuma das actividades que lhe so essenciais e que constituem a base natural da sua formao.
Freinet (1974, p.l3)
Tal contexto e modo de vida geram a imobilidade, o sedentarismo,
prejudicial ao desenvolvimento, o que poderia ser compensado pelo
movimento e dana na escola.
4.5 Aprendizagem e motivao
Para que o aluno queira aprender necessrio estimulo, motivao
e isso ocorre, quando suas necessidades vitais so satisfeitas. Segundo
Freinet (apud Sampaio, 1989, p.l77), as necessidades vitais so:
... -criar, inata em todo ser humano; - expressar-se;
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- comumcar-se; - viver em grupo; - ter sucesso; - de agir-descobrir e - organJ.Zar-se.
Se o aluno puder satisfazer essas necessidades, sentir-se- ma1s
animado, envolvido, com interesse, querendo produzir, construir seu
conhecimento e autonomia.
Os Mtodos Tradicionais de ensino no consideram a sociedade e
suas mudanas, levam obedincia passiva com uma instruo
dogmtica. No preparam o cidado para viver numa sociedade
democrtica. Os contedos so meramente acadmicos sem ligao com o
cotidiano dos alunos.
Freinet, observando a natureza, percebe que ela sempre se
transforma atravs de ensaio e erro, num constante tatear. Recomenda o
trabalho junto natureza, atravs de observao, tateamento e
experincia.
natureza
homem
escola
o Mtodo Natural, que a escola deve estimular e desenvolver.
49
todas as crianas do mundo, incluindo os filhos de preceptores e de professores, aprendem a caminhar e a falar segundo um mtodo natural que nunca conheceu fracasso, mesmo nos meios mais desfavorveis educao. Todas as crianas do mundo, desde que no tenham alguma tara fisiolgica, aprendem a caminhar e a falar naturalmente, com um mximo de eficincia e sem nunca sentirem esse sentimento de fadiga ou de hesitao perante a tarefa a cumprir, o que um dos maiores defeitos da Escola ...
Freinet (1989, p.44)
A criana no aprende a falar juntando letras para formar slabas
e, depois, palavras. E a escrever, conhecendo as regras de gramtica,
mesmo porque produzir textos despersonalizados, que no expressam o
seu interior. Ela aprende a ler e escrever, escrevendo; desenhar,
desenhando; danar, danando.
H um princpio de vida inato que estimula o homem a crescer, a
aperfeioar-se. Quando se depara com algo ou situao que no sabe
definir, procura resolv-la.
O beb, para pegar um objeto diante de seus olhos, tenta com as
mos e vai experienciando vrias situaes at atingir o seu objetivo.
Repete atos, gestos e palavras at se tornarem automatizados, procurando
harmoniz-los com o meio que o cerca.
Os atos da criana e sua interao com os outros desenvolvem a
expresso verbal, social, artstica, corporal e percepo do mundo e do
que acontece ao seu redor, onde vai captando, observando, aprendendo e
formando seus conceitos.
O Mtodo Natural, prtico e construtivo, procura integrar as
tcnicas de ensino vida. Respeita e aproveita a bagagem cultural que o
50
aluno traz escola, acredita que o meto interfere no processo de
aprendizagem, desenvolve mltiplos saberes: saber pensar, saber fazer,
saber agir, saber dizer, saber compartilhar, saber viver junto (apud Le
Nouvel Educateur, 1996, p.7).
Pelo Mtodo Natural, a cnana, fora da escola, corre, salta,
movimenta-se, observa, v, pinta, dana. Ao chegar escola, deve
continuar essas experincias e no ser reprimida numa cadeira, horas
seguidas, olhando para um caderno e o quadro-negro.
Se a criana no compreendeu, preciso explicar-lhe o que no entra em seu entendimento. S se pode explicar intelectualmente, como se os mecanismos sensveis dos individuas funcionassem todos em circuito fechado no crebro soberano. Nunca ocorreria a um educador tradicional a idia de que a criana colocada em certas condies, depois de ter feito um certo nmero de observaes e de experincias, possa, por si mesma, resolver certas dificuldades cujo segredo o professor acredita ser o nico a conhecer ...
Freinet (apud Freinet, E, 1979, p.145)
A aprendizagem por tateamento experimental processo natural,
universal, interativo, que supe vrias tentativas pela ao-reflexo .
... um mtodo que deve ser vivo (Freinet, apud Le Nouvel
Educateur, 1996, p.7). O aluno deve vivenciar antes a teoria pela
tentativa experimentaL
51
4.6 A livre expresso da criana
O homem tem necessidade e desejo de se comunicar, de se
expressar, pelo desenho, escrita, fala e outros meios. Expresso livre pode
ser termo inadequado, porque qualquer expresso sofre influncias do
meio. Freinet e Laban tm conscincia de que os fatores externos
interferem na vida e na formao da pessoa.
Viver livremente s adquire sentido, na nossa sociedade burguesa, para aqueles poucos que podem preocupar-se exclusivamente com seus prazeres ... Trabalhar livremente so duas palavras que, nesta sociedade, aparecem como completamente antagnicas.
Freinet (apud Oliveira, 1995, p.14 7)
Para Freinet, liberdade significa cada homem construir a concepo
de mundo com
interferindo nos
respeito mtuo,
fatos cotidianos
expressando seu
da vida pessoal e
discernimento, livre de imposies e incompreenses.
ponto de vista,
do grupo, com
A criana, em sua espontaneidade, criativa. A escola deve dar-lhe
oportunidade de expor, de maneira livre, seus pensamentos, sonhos e
alegrias, atravs do desenho, textos livres, pintura, canto, teatro,
trabalhos manuais.
52
A livre expresso facilita a criatividade da criana no desenho, na msica, no teatro, extenses naturais da atividade infantil, progressivamente responsvel por seus comportamentos afetivos, intelectuais e culturais.
Freinet, (1979, p.31)
Uma sala de aula freinetiana repleta de pinturas, desenhos e
confeces dos alunos. O projeto educativo no visa torn-los escritores
ou artistas, mas possibilitar que se manifestem livremente, sem modelos
nicos ou impostos.
lise Freinet, sua esposa e artista, torna-se sua parce1ra no
entusiasmo e estmulo s expresses artisticas dos alunos.
Em 1955, organiza uma exposio de desenhos livres de seus
alunos de Vence, que deixa Fabio Picasso emocionado pela exuberncia e
qualidade de criao.
No Encontro das Crianas, em Paris (1996), observei as danas
regionais de vrios pases. E nas RIDEF (Encontro Internacional dos
Educadores Freinet), que ocorrem de 2 em 2 anos, os educadores
apresentam as danas de seus pases.
Na Pedagogia Frenet, a dana vista como a livre expresso da
criana, como um meio de demonstrar corporalmente o que sente, vive e
aprende .... Para s falar da msica: a criana possui o sentido musical
muito antes de um pedagogo lho inculcar; canta com naturalidade ...
(Freinet apud Freinet, , 1978, p. 404)
A criana possui o impulso inato de danar. Laban (1990) procura
recuperar o movimento espontneo, a livre expresso pelo movimento,
expondo o que est em seu interior.
Nas aulas de dana criativa com alunos do Ensino Infantil, procuro
incentiv-los a movimentos de forma variada, sem um estilo-padro. Com
total liberdade para movimentar-se, descobrindo o que podem fazer, com
53
a ousadia de querer ultrapassar seus limites.
Desprendendo-se, aos poucos, dos movimentos rotineiros a que a
prtica escolar os submete, vo sentindo prazer, ao descobrir novas
formas de agir com o corpo.
uma aula que foge da rotina de movimentos escolares, d maior
liberdade e os deixa mais soltos. Essa liberdade de expresso numa aula
de dana deveria acontecer freqentemente em escolas de qualquer
tendncia pedaggica.
O professor precisa compreender a importncia do movimento no
processo de ensino-aprendizagem e propiciar essa oportunidade ao
aluno, deixando fluir o Mtodo Natural e a livre expresso.
4. 7 Freinet e a educao do corpo
Freinet substitui a prtica tradicional por uma proposta pedaggica
que leva ao.
A tcnica das aulas-passeio se deve situao de sua classe em
Bar sur Loup: pequena, mal ventilada, escura, dificultava sua respirao,
deixando os alunos inquietos, com sensao de priso.
Eles saem. Comeam as famosas "aulas-passeio" (curiosa antinomiaT) -que vm, tranqilamente, negar o disciplinamento forado dos corpos e das mentes das crianas do povo.
Oliveira (1995, p.112)
O objetivo era colocar o aluno em contato com o meio externo para
descobertas que motivassem a criao do texto livre.
Para Freinet, a escola deve desenvolver a sade mental e fsica do
54
aluno, oferecendo-lhe:
- restaurante com alimentos naturais;
- medicina natural (plantas), que proteja a cnana da
indstria farmacutica;
vida comunitria com atividades fsicas, manuais,
intelectuais e espirituais: jardinagem, culinria, criao de animais, para
que ele mesmo construa o conhecimento (Le Gal, 1971).
Para Freinet, a sade prtica corporal educativa. A escola prec1sa
aceitar e conhecer as experincias do corpo, que no um esqueleto que
se deve treinar pela repetio de movimentos mas com exerccios e
atividades prazerosas.
A criana tem necessidade de andar e saltar: no a podemos condenar a ficar imvel, porque certamente falharamos e a prejudicaramos ... Porque a criana tem necessidade de agir, criar e trabalhar, isto , empregar a sua atividade numa tarefa individual ou socialmente til...
Freinet (197 4, p.49)
A criana quer experimentar, correr riscos, subir em rvores, fazer
desenhos, descobrir o mundo que a cerca.
Deve-se deix-la viver experincias variadas: cair, sujar as mos,
escorregar, gritar, pintar, etc. Os adultos, ao querer proteg-la, acabam
impedindo que desenvolva seus msculos, audcia e curiosidade.
O ser humano j nasce com pr-disposio para a atividade, que,
segundo Freinet, essencial vida.
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-No recm-nascido as incapacidades so exclusivamente fisiolgicas e fsicas. Tenta venc-las por reaces e recursos exclusivamente fisiolgcos e fsicos. No h, na origem, qualquer tara psquica susceptvel de motivar reaces complexas caracterizadas.
Freinet (1976, p.54)
As pnme1ras reaes do recm-nascido no so pensadas ou
elaboradas mas espontneas. Ele age conforme o que o incomoda ou
atrai. Se tem fome, agta-se ou chora, frente luz forte, pisca os olhos e
vira a cabea.
- Na sua origem, os recursos fsicos e fisiolgicos no se encontram carregados de contedos cerebrais ou psquicos. Realizam-se tacteando, sendo esse tactear, nesse estdio, apenas uma espcie de reaco mecnica entre o indivduo e o meio, na procura do seu poder vital.
Freinet (1976, p.58)
Atravs de tentativas experimentais a criana vai automatizando
seus gestos. Algumas tm necessidade de repetir um gesto vrias vezes,
at domin-lo, porque seu corpo pouco permevel s experincias;
outras executam o gesto apenas uma vez.
No h educao desvinculada do corpo, o homem um ser
integral ... preciso aprender por meio do corpo... (Freinet, apud Freinet,
E, 1979, p.87).
A educao corporal possibilita:
- desenvolver a capacidade perceptiva que permitir criana agr
sobre o meio que a cerca, o que antigamente ocorria de modo natural.
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Hoje, por falta de ambientes livres, pequeno espao das residncias,
excesso de imobilidade frente ao televisor ou computador, ocorrem cada
vez menos as experincias naturais que desenvolvem as capacidades de
ouvir, sentir, tocar, experimentar e olhar.
- desenvolver as capacidades de expresso e comunicao para o
autoconhecimento, domnio corporal, adaptao ao meio, bases de uma
expresso livre e consciente.
- agir sobre o meiO, os seres, o mundo pelas capacidades
funcionais: correr, atacar, defender-se, escalar, lanar, e pelas
capacidades de motricidade fina.
O Congresso Internacional da Educao Nova, em Nice, 1932,
reconheceu a importncia dos materiais e atividades propostos por Maria
Montessori: a experincia tateada, porm dentro dos moldes sociais: pr
a mesa, abotoar casacos, medir objetos. Freinet no consegue imaginar
seus alunos espontneos nos gestos e impulsos, agindo assim .
.. . as crianas podero tactear ou experimentar vontade: enterrar-se no lodo de um fosso e de l sair, por si prprias; saltar um muro, escalar rochedos, trepar em rvores, fazer festas a um co, subir um tronco ou montar um cavalo, seguir a charrua, correr atrs das borboletas, apanhar flores, brincar na terra ou beira de gua... Tudo l estaria: exerccio dos membros, agilidade do corpo, habilidade e harmonia dos gestos na sua finalidade natural, construo da vida pessoal a partir de um meio real, aquisio de regras de vida justas, susceptveis de influenciarem todo o comportamento subseqente.
Freinet (1976, p.ZZ4)
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criana, no final do sculo XX, sem reas verdes e espaos livres,
difcil desenvolver a motricidade e preparar-se para criar, improvisar e
enfrentar situaes novas.
Um mundo pequeno Esse mundo muito pequeno No tem espao Para jogar bola, pular corda. Quem joga bola bate nas casas. Quem pula corda atrapalha os outros andar. Ai, que mundo chato! No d para brincar. Eu queria mudar de casa.
Ferreira (apud Elias, 1996, p.l70)
O desafio para a escola do Terceiro Milnio este: propiciar espao
e oportunidade para os alunos se exercitarem fisicamente como meio de
educar e desenvolver o corpo.
4.8 A sala de aula freinetiana
Em Bar sur Loup, numa casa antiga, pequena e escura, com janelas
estreitas e altas que impediam os alunos verem o que acontecia fora,
Freinet iniciou seu trabalho como professor.
As carteiras, pesadas e dispostas umas atrs das outras, davam a
sensao de aprisionamento e deixavam os alunos mais nervosos,
agitados e indisciplinados.
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No se espantem os higienistas com nossas mesas horizontais nem com nossos tamboretes leves e sem encosto. A escrita e a leitura no so mais, em nossa escola, as umcas tarefas escolares, e os alunos no sero obrigados a horas de imobilidade anormal, geradora de escoliose. Pela diversidade das atividades que lhes so oferecidas, corrigiro eles mesmos as posies defeituosas, compensando por uma atividade corporal uma concentrao intelectual ou artstica que retesou seus msculos e imobilizou seu corpo.
Freinet (1996, p.59)
A interao entre a aprendizagem e o espao contribui para a
aprendizagem do aluno. Segundo Tsoukala (1994, p.361), a Pedagogia
Freinet propicia essa interao porque existe melhor controle de
informao pela prpria arquitetura da sala de aula, dividida em quatro
ou cinco cantos que formam um ateli de trabalho. O aluno escolhe o
seu cantinho em funo do trabalho que vai desenvolver: cantinho da
matemtica, desenho, escrita, pintura, recorte-colagem, biblioteca, etc.
H, tambm, (Santos, apud Elias, 1996, p.37), um local para expor
as produes dos alunos: desenhos, poesias, correspondncias, e um
espao para os momentos coletivos de conversa, planejamento do dia,
comunicao dos trabalhos realizados em ateli, atividades coletivas
diversas.
As atividades propiciam o movimento, o aluno no fica sentado na
carteira ouvindo o professor falar e copiando lies da lousa, que deixa
de ser o nico recurso didtico para o processo de ensino-aprendizagem.
As informaes circulam entre os alunos e o professor,
desenvolvendo o senso crtico, a autonomia e a reflexo, num clima de
trabalho ativo e disciplinado e confiana mtua.
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Se o trabalho escolar compreendesse diversos lugares - no fosse quase que restrito sala de aula -, vrias atividades e posies corporais, talvez os alunos - tambm os professores e demais educadores da escola realizassem com mais prazer seus trabalhos, construssem relaes mais felizes. Mas, ento, seria outra escola.
Silva (1994, p.141)
Inspirados em Clestin Freinet, os Parmetros Curriculares
Nacionais (1996) propem nova distribuio dos materiais em classe. A
Secretaria da Educao de So Paulo (1997) est implantando as salas-
ambiente para propiciar um local prazeroso, que estimule a curiosidade
e o interesse dos alunos.
5 EXPLORANDO O MOVIMENTO
PELA DANA
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61
A dana nasce da necessidade de dizer o que indizvel, de estar
em relao com o outro, comunicar-se com o mundo, abrir o corao .
... A dana7 em minha opinio7 tem como finalidade a expresso dos
sentimentos mais nobres e mais profundos da alma humana ... (Duncan,
apud Ossona, 1988, p.9).
A dana uma das expresses humanas que sempre esteve
presente na histria e evoluo da sociedade e em nosso cotidiano
(Harlow & Rolfe, 1992), assumindo vrios conceitos:
- atividade fsica em vrias modalidades: sapateado, jazz,
bal, etc;
- entretenimento popular: filmes e musicais;
- rituais religiosos e culturais;
- forma recreativa e socializadora nas discotecas e festas;
- meio de expresso nacional;
- terapia que oferece benefcios emocionais, psquicos;
- profisso;
- educao e cultura;
- forma artistica de expresso, comunicao e apreciao
para uma platia.
Um dito popular ilustra o gingado corporal do brasileiro: O
brasileiro j nasce sambando I
Devido a seu tamanho e diversidade tnica, o Brasil um pas
riqussimo em manifestaes culturais: cantos, religies, festas, danas,
como o carnaval, nossa maior festa, bastante conhecido no exterior. O
brasileiro convive com a dana, porm, ao chegar escola, todo
movimento e gingado cessam, por razes polticas, econmicas, culturais
e outras.
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5.1 O movimento danante na escola
O ambiente das escolas, em geral, srio, montono e sombrio. Os
professores, sisudos e corporalmente rigidos.
... um absurdo, dizia ele, levar uma criana a uma sala de aula e dizer-lhe: Agora, vou formar sua inteligncia; depois lev-la ao ginsio e dizer-lhe: Agora, vou formar seu corpo; para em seguida, lev-la igreja e dizer-lhe: Agora vou formar sua alma. O homem uno. Dividi-lo mutil-lo ...
(Ted Shawn, apud Garaudy, 1980, p.73)
As escolas tm medo de inovaes, de tcnicas novas que tragam o
prazer e o interesse aos alunos.
Os autores so unnimes (Gardner, 1994) quanto importncia de
a escola explorar as vrias inteligncias dos alunos, visando educao
integral.
Aos sete anos, a criana saber normalmente falar e expnrmr-se, escrever e ler com uma riqueza de vocabulrio talvez mais intuitiva do que o formal, mas que nunca estar abaixo da mdia admitida nas escolas. Em duplo contato com um ambiente auxiliante e tcnicas mecnicas, intelectuais e artsticas apropriadas, ela ter aperfeioado a segurana dos gestos, que a base da segurana de seus juzos e reaes.
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O que ainda no souber exprimir com suficiente preciso pela palavra, pela escrita ou pela realizao manual, saber exteriorizar com sucesso por meio do desenho, da gravura, do canto, da mimica ...
Freinet (1996, p.46)
O movimento danante capacita a criana a demonstrar com vigor
o que sente e pensa, suas mltiplas inteligncias, o que infelizmente,
ainda, no unanimidade entre os educadores:
... a dana nega a educao e por isso no h lugar para a dana na educao. H uma real oposio entre a dana e educao, sob vrios aspectos: a dana unifica o homem, a educao precisa dividi-lo; a dana une os homens, a educao os separa; a dana no visa produo, a educao visa primeiramente e fundamentalmente produo; etc.
Fontanella (1985, p.125)
Freinet v o movimento, a atividade, a experincia, o que inclui a
dana, elementos fundamentais para uma educao integral e prtica.
5.2 A dana como uma Tcnica Freinet
Por sua contribuio para o desenvolvimento emocional, fsico e
social do ser humano, a escola deve explorar o movimento danante em
suas atividades.
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Como Tcnica Freinet, a dana pode trazer aos alunos o interesse,
a cooperao, a autonomia, a criatividade.
No se prope a insero da dana como disciplina do currculo
mas como recurso para o movimento em sala de aula, como Mtodo
Natural da Educao Corporal.
A dana no deve ser um adorno da educao, como salienta Fux
(1983, p.40), ... uma linguagem a mais na educao; a linguagem verbal
e a escrita so, cezto, fundamentais para ela mas, s vezes, resultam
insuficientes.
O uso da dana na sala de aula, contudo, no VIsa apenas
proporcionar a vivncia do corpo e diminuir tenses decorrentes de
esforos intelectuais excessivos. Na medida em que favorece a
criatividade, pode trazer muitas contribuies ao processo de
aprendizagem, se integrada com outras disciplinas.
O trabalho com o corpo gera a conscincia corporal. O aluno
questiona-se e comea a compreender o que se passa consigo e ao seu
redor, fica corporalmente mais espontneo e expressa seus desejos de
modo mais natural, o que pode criar dificuldades para a prtica
pedaggica autoritria, que ainda acredita que o aluno s aprende,
sentado na carteira.
A dana como uma Tcnica Freinet tem como objetivo:
- desenvolver a imaginao, comunicao no-verbal e
criatividade;
explorar e exprmur idias e sentimentos, atravs de
movimentos individuais e em grupo, a fim de perceber as emoes que
emanam;
cnar e demonstrar danas, envolvendo-se com outras
formas de arte;
- adaptar noes artsticas aos elementos: tempo, espao,
peso, fluncia, forma e energia, analisando formas e qualidades de
movimento;
65
- desenvolver habilidades de pensamento crtico;
- fazer conexes entre o individual e o mundo dentro de um
contexto histrico, social e cultural;
-aprimorar o desenvolvimento motor, a conscincia corporal
e a percepo musical;
- integrar-se com outras reas do currculo escolar.
No se admite mais a tcnica padronizada. A preocupao maior
passa a ser a criana, os movimentos por ela criados e reproduzidos, suas
habilidades imaginativas e as diversas maneiras que descobre de se
mover e construir formas com o corpo.
Neste estilo de dana no h certo nem errado. Os alunos, com
interesse e envolvimento, deixam fluir a livre expresso.
Tudo que parte da criao, da descoberta do aluno vlido,
garantindo o direito e o prazer de danar. A dana encoraja a auto-
expresso, ensina a resolver problemas e a no ficar passivo, usa os
movimentos naturais ao invs de formas idealizadas. Para Laban,
qualquer pessoa pode ser um danarino, no h um bitipo especfico e
todos devem ter oportunidade de experimentar e vivenciar a dana.
5.3 Uma aula que faa danar
O currculo escolar que obriga a provas, a cumprir contedos, a
verificar a presena dos alunos corre o risco de perder seu fascnio e
tornar o aprendizado maante, sem interesse para os alunos.
Danar to importante para uma criana quanto falar, contar ou aprender geografia. essencial para a criana, que nasce danando,
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no desaprender essa linguagem pela influncia de uma educao repressiva e frustrante ...
(Bjart, apud Garaudy, 1980, p.lO)
A dana pode perder seu encanto e deixar de ser vista como arte,
sendo disciplina obrigatria. Como Tcnica Freinet, uma estratgia
pedaggica prazerosa e interessante para os alunos.
Na escola tradicional, os alunos ficam por muito tempo parados.
Quando surge a oportunidade de movimentar-se, tornam-se eufricos,
inquietos e desatentos. E o professor acaba gastando muito tempo para
conseguir que os alunos parem, concentrem-se e ouam a proposta de
atividade do dia.
Numa classe Freinet os alunos esto acostumados a mover o corpo,
no so inquietos mas capazes de ouvir e entender o que o professor
prope, elaborando regras que todos devem cumprir: ouvir, falar no
momento certo, respeitar a todos, troca mtua, etc.
5.4 O movimento danante e o elo com o mundo
No h, na Pedagogia Freinet, represso ao corpo mas incentivo a
deixar a criana livre, para descobrir a si mesma e ao mundo que a
cerca.
A Pedagogia Freinet no tem medo de inovar, como outras, presas
aos Manuais escolares (Freinet, E, 1979, p.33).
... Dana deve ser Hgada ao mundo para recriar e refo1111ar o
mundo que vivemos ... (Taylor, 1994, p.70). O aluno deve ter a
oportunidade de vivenciar o que experimenta fora da escola: correr,
saltar, pular e danar. Na escola ele fica "preso" a padres e normas
im