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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS Instituto de Ciências Humanas
Departamento de Museologia e Conservação e Restauro Bacharelado em Conservação e Restauro de Bens Culturais Móveis
O conservador na gestão de acervos arqueológicos: um estudo de
caso do sítio Guarani PS-03 Totó (RS-Brasil)
Mara Lúcia Carrett de Vasconcelos
Pelotas-RS, novembro de 2011.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS Instituto de Ciências Humanas
Departamento de Museologia e Conservação e Restauro Bacharelado em Conservação e Restauro de Bens Culturais Móveis
O conservador na gestão de acervos arqueológicos: um estudo de caso do sítio Guarani PS-03 Totó (RS-Brasil)
Mara Lúcia Carrett de Vasconcelos
Trabalho acadêmico
apresentado ao curso de Conservação e
Restauro de Bens Culturais Móveis da
Universidade Federal de Pelotas, como
requisito parcial à obtenção do título de
Bacharel em Conservação e Restauro
de Bens Culturais Móveis.
Pelotas-RS, novembro de 2011.
Banca Examinadora: ____________________________________________ Prof. Ms. Diego Ribeiro (UFPel) ____________________________________________ Prof. Dr. Pedro Luis Sanches (UFPel) ____________________________________________ Prof. Dr. Lúcio Menezes Ferreira (UFPel) ____________________________________________ Prof. Dr. Jaime Mujica Sallés (UFPel/Orientador)
AGRADECIMENTOS
Na vida, não fazemos nada sozinhos. Se hoje mais uma etapa termina, é
porque muitos estiveram comigo, cada qual do seu jeito, cada um por um motivo.
Por isso, aqui vão meus sinceros agradecimentos:
Ao professor e orientador deste trabalho, já e para sempre amigo, Jaime
Mujica Sallés, por personificar aquilo que todos buscamos encontrar não somente no
percurso acadêmico, mas também nos caminhos da vida: um mestre. Contigo tenho
aprendido que são nossos princípios e valores que garantem o sucesso pessoal e
profissional. ¡Gracias por todo!
Ao corpo docente do Bacharelado em Conservação e Restauro, em especial
aos professores Andréa Bachettini e Roberto Heiden, pela resiliência com que
enfrentam as agruras de um curso ainda em desenvolvimento e pela dedicação com
que lutam por nossa formação.
Ao arqueólogo Aluísio Gomes Alves, pela oportunidade de aprendizado dada
à equipe de conservação no sítio PS-03 Totó, que fez com que vislumbrássemos um
novo horizonte profissional.
À equipe da Charqueada Santa Bárbara, com a qual tenho aprendido muito,
em particular ao professor Lúcio Menezes Ferreira, por oportunizar a participação
neste projeto e acreditar no potencial da Conservação Arqueológica, e aos
professores Diego Ribeiro e Pedro Sanches, por permitir a construção de novos
conhecimentos nas áreas da Museologia e Arqueologia.
À primeira turma de Conservação e Restauro da UFPel, em especial aos
colegas Eduardo Medeiros, Karen Caldas, Verônica Santos, Ricardo Jaekel, Fábio
Galli e João Abduch, por terem deixado em mim um pouco do muito de cada um, e
por terem me dado a oportunidade de deixar com eles um pouco de mim também.
A todos os amigos que fazem a vida mais bonita: Thais Cardoso Nora,
conterrânea e companheira de mudanças, chegadas e partidas; Renata Padilha,
amiga-irmã pelotense, por compartilhar as risadas e lágrimas que não puderam ser
contidas; Michele Monteiro, Vanessa Eyng e Luciane Menti, amigas de tempos
passados e futuros, sempre presentes.
Aos dindos Laura e Roberto e à vovó Zilda, pela calorosa recepção em
Pelotas e pela ajuda sempre solícita.
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Ao irmão Felipe, que mesmo distante, me inspira diariamente por sua
determinação e coragem.
A afilhada Chiara, que com sua existência mudou minha vida para melhor.
Aos melhores pais do mundo, porque são os meus: Ana e Luiz, obrigada
pelo incondicional apoio, em todos os sentidos e em todos os momentos, e pelo
aprendizado constante que essa nossa vida juntos tem nos proporcionado.
A Moysés Siqueira Neto, parceiro nesta caminhada, que com sua chegada
deixou estampado um sorriso infinito no meu rosto.
RESUMO
VASCONCELOS, Mara Lúcia Carrett de. O conservador na gestão de acervos arqueológicos: um estudo de caso do sítio Guarani PS-03 Totó (RS-Brasil). 2011. 99 fs. Monografia (Graduação) – Curso de Bacharelado em Conservação e Restauro de Bens Culturais Móveis da Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS.
Os acervos arqueológicos se diferenciam de outras tipologias de coleções em
função da fragilidade dos objetos, da diversidade de informação associada e pelo
fato de se formarem ainda no trabalho de campo. Em virtude destas especificidades,
a gestão destes acervos é complexa, e tem resultado em práticas inadequadas e
não consonantes com sua preservação. Por esse motivo, vem crescendo a
participação do conservador como um dos gestores destes acervos, em um trabalho
que inicia nas escavações e culmina dentro das reservas técnicas de laboratórios e
museus de arqueologia. Neste contexto, este trabalho busca analisar, através do
estudo de caso do sítio PS-03 Totó (RS, Brasil) a influência dos procedimentos de
conservação in situ e o papel do conservador na gestão dos acervos arqueológicos.
Palavras-chave: Conservação. Acervos Arqueológicos. Gestão de acervos.
RESUMEN
VASCONCELOS, Mara Lúcia Carrett de. O conservador na gestão de acervos arqueológicos: um estudo de caso do sítio Guarani PS-03 Totó (RS-Brasil). 2011. 99 fs. Monografia (Graduação) – Curso de Bacharelado em Conservação e Restauro de Bens Culturais Móveis da Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS.
Los acervos arqueológicos se diferencian de otras tipologías de colecciones en
función de la fragilidad de los objetos, de la diversidad de información asociada y por
el hecho de que se forman aún en el trabajo de campo. En virtud de estas
especificidades, la gestión de estos acervos es compleja e tiene resultado en
prácticas inadecuadas y no consonantes con su preservación. Por ese motivo viene
creciendo la participación del conservador como uno de los gestores de estos
acervos, en un trabajo que se inicia en las excavaciones y culmina dentro de las
reservas técnicas da laboratorios y museos de arqueología. En este contexto, este
trabajo busca analizar, a través del estudio de caso del sitio PS-03 Totó (RS, Brasil),
la influencia de los procedimientos de conservación in situ y el papel del conservador
en la gestión de los acervos arqueológicos.
Palabras-clave: Conservación. Acervos Arqueológicos. Gestión de acervos
ABSTRACT
VASCONCELOS, Mara Lúcia Carrett de. O conservador na gestão de acervos arqueológicos: um estudo de caso do sítio Guarani PS-03 Totó (RS-Brasil). 2011. 99 fs. Monografia (Graduação) – Curso de Bacharelado em Conservação e Restauro de Bens Culturais Móveis da Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS.
The archaeological collections differ from other types of collections due to the fragility
of the objects, the diversity of associated information and because it is formed still in
the field. Because of these characteristics, the management of these collections is
complex, and has resulted in improper practices not in line with its preservation. For
this reason, the participation of a conservation professional as one of the managers
of these collections has been increasing, in a work that begins in the field and ends
at the storage areas of archaeological laboratories and museums. In this context, this
paper seeks to examine, through the case study of the archaeological site PS-03
Totó (RS, Brazil), the implications of in situ conservation and the role of the
conservation professional in the management of archaeological collections.
Key-words: Conservation. Archaeological Collections. Collections Management.
LISTA DE FIGURAS
Figura 01: Localização geográfica do sítio PS-03 Totó, em uma área de restinga arbórea. ....................................................................................................... 42
Figura 02: Paisagem do sítio PS-03 Totó, mostrando a desembocadura do Arroio Totó na Lagoa dos Patos. ............................................................................... 43
Figura 03: Testes de consolidação em material ósseo. ................................ 48
Figura 04: Material ósseo após os testes de consolidação. ......................... 48
Figura 05: Testes de limpeza eletrolítica com materiais metálicos. .............. 49
Figura 06: Elemento metálico após limpeza eletrolítica. ............................... 50
Figura 07: Imagem ilustrativa do resgate em bloco. ..................................... 52
Figura 08: Imagem ilustrativa do resgate do tipo enfaixado/engazado. ........ 52
Figura 09: Imagem ilustrativa do resgate em suportes rígidos. .................... 53
Figura 10: Consolidação de bloco de sedimento para resgate. .................... 54
Figura 11: Resgate em bloco de fragmentos ósseos após consolidação. ... 54
Figura 12: Consolidação de material ósseo úmido. ...................................... 57
Figura 13: Consolidação de material ósseo seco. ........................................ 57
Figura 14: Reintegração de fragmentos cerâmicos. ..................................... 58
Figura 15: Material ósseo consolidado antes do resgate. ............................. 58
Figura 16: Imagem ilustrativa de embalagem de acondicionamento. ........... 59
Figura 17: Imagem ilustrativa de acondicionamento para transporte. .......... 59
Figura 18: Embalagem de polietileno com fecho hermético. ........................ 60
Figura 19: Acondicionamento de fragmentos cerâmicos em bloco. ............. 61
Figura 20: Acondicionamento de fragmentos cerâmicos. ............................. 61
Figura 21: Acondicionamento de fragmentos líticos. .................................... 62
Figura 22: Fichas e livro-diário em laboratório de campo. ............................ 63
Figura 23: Documentação dos procedimentos in situ. .................................. 64
Figura 24: Peça n 10 após intervenção in situ. ........................................... 66
Figura 25: Peça n 34 após intervenção in situ. ........................................... 66
Figura 26: Peça n 15 após intervenção in situ. ........................................... 67
Figura 27: Peça n 59 após intervenção in situ. ........................................... 68
Figura 28: Peça n 64 após intervenção in situ. ........................................... 68
Figura 29: Peça n 78 após intervenção in situ. ........................................... 69
Figura 30: Peça n 82 após intervenção in situ. ........................................... 69
Figura 31: Peça n 90 após intervenção in situ. ........................................... 70
Figura 32: Peça n 82 acondicionada em sedimento acompanhada da etiqueta de identificação. ........................................................................................... 70
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Análise dos materiais cerâmicos ................................................ 76
Tabela 2 – Análise dos materiais ósseos ..................................................... 78
13
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS ..................................................................................... 5
RESUMO ........................................................................................................ 7
RESUMEN ...................................................................................................... 8
ABSTRACT .................................................................................................... 9
LISTA DE FIGURAS .................................................................................... 10
LISTA DE TABELAS ................................................................................... 12
INTRODUÇÃO ............................................................................................. 14
CAPÍTULO 1. GESTÃO DE ACERVOS ARQUEOLÓGICOS: CONCEITOS
E PRÁTICAS................. ............................................................................................ 19
1.1 Gestão de acervos .......................................................................... 19
1.2 Os acervos arqueológicos ............................................................... 24
1.3 Arqueologia e Conservação ............................................................ 32
CAPÍTULO 2. A INTERVENÇÃO IN SITU NO SÍTIO PS-03 TOTÓ ............ 42
2.1 O sítio Guarani PS-03 Totó ............................................................. 42
2.2 A intervenção in situ no sítio Totó ................................................... 46
2.3 Análises em laboratório ................................................................... 64
CAPÍTULO 3. A CONSERVAÇÃO IN SITU COMO ESTRATÉGIA PARA A
GESTÃO DOS ACERVOS ARQUEOLÓGICOS ....................................................... 72
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 83
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................ 86
ANEXOS ...................................................................................................... 92
INTRODUÇÃO
Em 27 de julho do presente ano, o Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN) comemorou os 50 anos da aprovação da Lei n 3.924, de
26 de julho de 1961, que dispõe sobre a proteção dos monumentos arqueológicos e
pré-históricos [sic]. Trata-se da primeira legislação nacional que se refere
especificamente a esta tipologia de patrimônio, trazendo a ideia dos sítios
arqueológicos como um bem comum a toda a população brasileira. Além de
delimitar conceitos e regularizar a prática arqueológica, a lei criminaliza, no artigo 5,
a destruição ou mutilação destes sítios.
Anos mais tarde da aprovação da referida lei, a portaria n 07, de 1 de
dezembro de 1988, traz em seu artigo 11 a obrigatoriedade, pelo arqueólogo, de
tomar medidas relativas à conservação do material arqueológico, e também de
indicar instituição responsável pela guarda destes bens. Outra portaria, de n230, de
17 de dezembro de 2002, em seu artigo 6 parágrafo 7, indica que deve estar
atrelado aos trabalhos de laboratório e gabinete o adequado acondicionamento do
material coletado em campo, recomendando ainda, no parágrafo 8, que estes
materiais sejam destinados a unidades museológicas.
Como demonstrado, tais instrumentos legais trazem em seu conteúdo
indicações a respeito da conservação dos bens arqueológicos encontrados em
território nacional. Diversos autores, entre eles Froner (2008), Lima & Rabello
(2007), Rodgers (2004), entretanto, destacam que os materiais arqueológicos têm
sofrido com as consequências de reservas técnicas não consonantes com a
conservação preventiva, da desinformação a respeito das políticas de preservação
de acervos, da falta de corpo técnico especializado e da descontextualização da
documentação. Estas colocações indicam que, na prática, em muitos casos, a
legislação vem sendo cumprida de forma não apropriada.
A complexidade dos artefatos arqueológicos, devido à diversidade de
materiais e ao fato de terem estado enterrados ou submersos durante muito tempo,
requer um gerenciamento estratégico das coleções e, consequentemente, das
reservas técnicas, que se configuram como um espaço organizado e sistematizado
dentro de museus, arquivos e outras instituições, e têm como objetivo a salvaguarda
adequada dos acervos. É neste contexto que o conservador-restaurador vem
15
desempenhando um papel de extrema importância, com uma atuação que inicia nos
procedimentos de intervenção in situ, caracterizados pelo conjunto de medidas de
conservação tomadas no momento da escavação, e termina dentro das reservas
técnicas dos laboratórios e museus, em um trabalho de conservação preventiva,
curativa e de restauração.
Dessa problemática surgem, em distintos lugares, iniciativas que buscam a
modificação do cenário atual de aparente descaso com a preservação dos acervos
arqueológicos. Entre abril e junho de 2010, a convite do arqueólogo Aluísio Gomes
Alves, participante do Programa de Pós-graduação do Museu de Arqueologia e
Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE/USP), uma equipe formada pelo
Professor Jaime Mujica e pela autora deste trabalho, juntamente com os demais
alunos da disciplina “Conservação de Materiais Arqueológicos”, do Curso de
Conservação e Restauro de Bens Culturais Móveis da Universidade Federal de
Pelotas (UFPel), foi a campo para participar da escavação do sítio pré-histórico
Guarani denominado PS-03 Totó, com o objetivo principal de entender o trabalho do
arqueólogo e as metodologias utilizadas em uma escavação e, a partir daí, refletir a
respeito dos procedimentos da conservação dos materiais arqueológicos in situ e a
compatibilidade dos mesmos com as demandas da arqueologia e da museologia.
O sítio PS-03 Totó, identificado no ano de 2005, está localizado à margem
da Laguna dos Patos, no Balneário Totó, na cidade de Pelotas, RS, Brasil. A
campanha foi realizada de forma inter e multidisciplinar, envolvendo também
professores e acadêmicos dos cursos de Antropologia/Arqueologia, Museologia,
História e Geografia da UFPel, do curso de Arqueologia da Universidade Federal de
Rio Grande (FURG), do Programa de Arqueología Subacuática da Universidad de
La Republica Oriental del Uruguay (PAS-UDELAR), bem como de pesquisadores
das áreas de Biologia e dos Programas de Pós-Graduação em Arqueologia do
Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE/USP) e do
Mestrado em Memória Social e Patrimônio Cultural da UFPel.
A participação da equipe de Conservação e Restauro propiciou a
experimentação de procedimentos relativos à conservação in situ dos materiais,
através da aplicação de protocolos elaborados previamente para tais fins. Esta
experiência multidisciplinar confrontou os discentes com as problemáticas
decorrentes das escavações arqueológicas, e, além de permitir verificar a eficácia de
determinados protocolos de conservação in situ, fortaleceu a decisão da equipe de
16
continuar trabalhando com a temática da conservação de materiais arqueológicos,
em especial no que se refere aos procedimentos de conservação preventiva e
curativa a campo.
É neste panorama que surge a ideia principal para a elaboração deste
trabalho, que tem como proposta averiguar como a intervenção in situ se configura
como uma estratégia eficaz de conservação na gestão dos acervos arqueológicos
salvaguardados nas reservas técnicas de instituições como museus e laboratórios
de arqueologia. O objetivo principal da pesquisa foi caracterizar a influência da
intervenção in situ na gestão dos acervos arqueológico, e teve como objetivos
específicos: analisar a problemática da conservação de acervos arqueológicos,
desde o momento da retirada dos materiais a campo, até a conservação de longo
prazo nas reservas técnicas, e descrever e analisar criticamente, os procedimentos
de conservação in situ realizados durante a escavação do sítio arqueológico PS-03
Totó.
Para elaboração do trabalho, foram traçadas como metas a realização de
revisão bibliográfica a respeito do tema da conservação preventiva de materiais
arqueológicos, a análise da documentação resultante dos procedimentos de
conservação in situ no sítio arqueológico PS-03 Totó, e a avaliação dos resultados
dos procedimentos de conservação in situ na campanha.
A metodologia compreendeu a pesquisa bibliográfica e documental a
respeito do tema da conservação de materiais arqueológicos e da intervenção no
sitio Totó. Foram utilizadas, como algumas das principais referências, as pesquisas
de Yaci Ara Froner Gonçalves, consultora e pesquisadora nas áreas de
Conservação Preventiva de acervos museológicos e Arqueologia, e que tem entre
seus trabalhos títulos como Acondicionamento e armazenamento das coleções
etnográficas e arqueológicas nas áreas de reserva técnica (1998) e Conservação
preventiva e patrimônio arqueológico: ética, conceitos e critérios (1995); Bradley A.
Rodgers, especialista em Arqueologia Náutica e Ciência da Conservação, autor do
Archaeologist’s Manual for Conservation (2004); Janen M. Cronyn, consultora e
pesquisadora da área de Conservação e autora do livro The elements of
archaeological conservation (1990), que explicita o conceito de Conservação
Arqueológica, descreve os agentes de deterioração e as técnicas de preservação
para cada material, abarcando desde os procedimentos in situ até as metodologias
de armazenamento e exposição.
17
Além dos preceitos teóricos, a realização de atividades práticas também
auxiliou na elaboração desta pesquisa. Juntamente com o professor Jaime Mujica,
orientador deste trabalho, realizou-se uma visita técnica ao laboratório de
arqueologia da FURG, a fim de verificar como se dá a gestão do acervo neste local.
Foram também utilizados na produção deste trabalho os conhecimentos adquiridos
em estágio curricular realizado no Laboratório de Metrologia do Departamento de
Energia Nuclear da Universidade Federal de Pernambuco, no qual pude entrar em
contato com a técnica de datação de cerâmicas arqueológicas por
termoluminescência e conhecer os protocolos de coleta e acondicionamento para
materiais com esta finalidade.
Além disso, a participação no trabalho de campo do sitio arqueológico
histórico da Charqueada Santa Bárbara, ligado ao projeto de pesquisa O Pampa
Negro: Arqueologia da Escravidão na Região Meridional do Rio Grande do Sul
(1780-1888), de coordenação do arqueólogo Lúcio Menezes Ferreira, também
contribuiu para esta pesquisa. Desenvolvido pelo Laboratório Multidisciplinar de
Investigação Arqueológica (LÂMINA), com a participação de alunos da Conservação
e Restauro, Museologia e Antropologia/Arqueologia da UFPel, o trabalho de campo
tem como um dos objetivos identificar as diferentes temporalidades do registro
arqueológico da Charqueada Santa Bárbara, situado às margens do antigo leito do
arroio Santa Bárbara, e composto por um conjunto de edificações em estilo colonial.
Através do trabalho realizado juntamente com a equipe de Conservação e Restauro,
foi possível elaborar protocolos de intervenção preventiva e curativa a campo das
distintas tipologias de material e pensar modelos de gestão dos materiais
arqueológicos referentes à coleta seletiva, descarte, reenterramento, dentre outras
temáticas pertinentes.
A apresentação da pesquisa foi dividida em três momentos. O primeiro
capítulo, intitulado “Gestão de acervos arqueológicos: conceitos e práticas”, traz as
definições de gestão de acervos e acervos arqueológicos, sob a ótica da
preservação. Através destes conceitos, é apresentada a questão da Conservação
como disciplina adjacente à Arqueologia, e o papel do conservador enquanto um dos
profissionais que atuam na gestão das coleções de origem arqueológica.
No segundo capítulo, “A intervenção in situ no sitio PS-03 Totó”, tendo como
estudo de caso o referido sítio arqueológico, são descritas e analisadas as
metodologias relativas à planificação da escavação, resgate, estabilização,
18
consolidação, acondicionamento, transporte e documentação propostas para cada
tipologia de material. É relatado ainda o estado atual de conservação de alguns dos
objetos que sofreram intervenção, em diagnóstico realizado no Laboratório de
Ensino e Pesquisa em Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal de
Pelotas, vinculado ao Instituto de Ciências Humanas (LEPAARQ/ICH/UFPEL), onde
atualmente estes estão sendo processados.
No terceiro capítulo, “A conservação in situ como estratégia para a gestão
dos acervos arqueológicos”, estes dados são então confrontados com os princípios
elucidados no capítulo 1, sendo analisada qual a influência da intervenção in situ
realizada no sítio Totó na preservação dos materiais arqueológicos, e de que modo
esta se configurou como uma estratégia para a gestão deste acervo.
Assim, através deste trabalho, almejou-se definir modelos e estratégias que
permitam uma melhor conservação da cultura material de origem arqueológica e da
informação associada a tais elementos. Espera-se, também, difundir a necessidade
de uma maior integração entre os especialistas das áreas da Conservação, da
Museologia e da Arqueologia, no que se refere à salvaguarda do patrimônio
arqueológico.
CAPÍTULO 1. GESTÃO DE ACERVOS ARQUEOLÓGICOS: CONCEITOS E
PRÁTICAS
1.1 Gestão de acervos
Um dos caminhos possíveis, ao falar de acervos, inicia-se na tarefa de
definir o campo das coleções e compreender sua complexidade quando
institucionalizado através de dispositivos patrimoniais. Por coleção, podemos
compreender o conjunto de objetos “mantidos temporária ou definitivamente fora do
circuito das actividades económicas, sujeitos a uma protecção especial num local
fechado preparado para esse fim, e expostos ao olhar do público” (POMIAN, 1984,
p. 53).
Do ponto de vista de uma abordagem antropológica, o colecionismo é
prática comum desde tempos remotos, perpassando toda a coletividade humana
(GONÇALVES, 2007). Em qualquer que seja a sociedade, o ato de colecionar tem
sido um exercício praticado constantemente pelo ser humano. Segundo Bruno
(1999), a guarda e valorização dos objetos demonstram, ao mesmo tempo, a
necessidade de transposição da finitude humana e de ostentação e poder, e por isso
o hábito de colecionar.
Conforme aponta Lourenço (1999), uma coleção é composta, geralmente, de
objetos da mesma natureza ou ainda de itens que guardam relações entre si, mas
que de um modo geral dizem respeito a um anseio ou característica individual.
Nesse sentido, o colecionismo possui caráter de coisa particular, sugere um
conjunto privado. E é na figura do colecionador que reside o poder da seleção de
determinado conjunto para entrar no círculo fechado da coleção: é ele quem confere
ao objeto a característica necessária para fazer parte da coleção, e esta
normalmente está relacionada ao gosto pessoal do colecionador (LOURENÇO,
1999).
Santos (2000) afirma que a intenção de colecionar pressupõe a preservação,
ou seja, a criação de meios para que a coleção prolongue seu tempo de vida e
permaneça por mais tempo em bom estado. Desta forma, colecionar implica em
20
conservar. De usos e valores simbólicos, rituais, educativos, estéticos, emocionais,
dentre outros diversos, coleções são criadas pelo desejo de permanência ao seu
próprio tempo, como que numa tentativa de alcançar a eternidade (LOURENÇO,
1999).
As coleções, especialmente as arqueológicas, estão na gênese da história
dos museus (BRUNO, 1999). Desde o século XVI, coleções de artefatos
arqueológicos eram exibidas nos gabinetes de curiosidade, representando relações
de poder e alteridade. A partir do século XIX, muitas coleções particulares deram
origem a importantes instituições museais, como, por exemplo, o British Museum, de
Londres, constituído a partir das coleções do médico naturalista e humanista Hans
Sloane (BRUNO, 1999).
Nesses processos de musealização, então, o conjunto de objetos de uma
coleção, reunidos inicialmente por motivações individuais, passa a representar um
grupo de pessoas, a ser “objeto de museu”, ou seja, bem cultural patrimonializado.
Dentro dos espaços de salvaguarda, a coleção é ressignificada, evoluindo ao status
de patrimônio e passando a ser denominada acervo. Como afirma Gonçalves,
Na medida em que assim classificados e coletivamente reconhecidos, esses objetos desempenham uma função social e simbólica de mediação entre o passado, o presente e o futuro do grupo, assegurando a sua continuidade no tempo e sua integridade no espaço (GONÇALVES, 2007, p.28).
A diferença entre coleção e acervo, reside, então, no fato de que este último
pressupõe a institucionalização dos objetos e, por consequência, “um processo
cotidiano para o reconhecimento e a formulação de sentidos” (LOURENÇO, 1999,
p.13). A constituição de acervos é condição importante para a existência das
instituições de salvaguarda de bens culturais1. Sem estes, museus, bibliotecas e
arquivos, dentre outros, não possuiriam seu objeto de estudo, preservação e
divulgação, ou seja, estariam alijados de um elemento sem o qual não podem
cumprir sua função (SWAIN, 2007).
1 Existe um debate em torno da possibilidade de existência ou não do museu sem acervo.
Meneses (2002), ainda que considere possível a existência deste, coloca a materialidade como algo intrínseco à vida humana, indicando que sua eliminação pode ser comprometedora à compreensão do mundo pelo homem. Segundo o autor, o material operacional, “aquele sobre o qual opera o museu” (p. 17), também é parte integrante do acervo de uma instituição, e por esse motivo a configuração do museu sem acervo não seria possível.
21
A simples salvaguarda dos acervos, entretanto, não se configura como uma
ação efetiva de proteção. Segundo Santos (2000, p.24), “é imprescindível o
estabelecimento de princípios que certamente servirão para apoiar os responsáveis,
em conjunto com a equipe técnica, no trato das coleções/acervos”. Para que um
museu2, por exemplo, atinja seus objetivos, é necessário, portanto, que as coleções
sob sua tutela sejam administradas de acordo com diretrizes e normas consonantes
com as políticas da instituição. A este gerenciamento dos bens culturais
institucionalizados dá-se o nome de gestão de acervos3.
A gestão de acervos compreende o conjunto de procedimentos éticos,
legais, teóricos e práticos através dos quais as coleções de museus ou outras
instituições de salvaguarda são “formadas, organizadas, recolhidas, interpretadas e
preservadas” (LADKIN, 2004, p. 17). Dentre estes procedimentos, podemos citar
ações relativas à aquisição, documentação, acesso e uso das coleções, bem como
questões referentes à conservação dos objetos. Dessa forma, a gestão de acervos
objetiva a preservação das coleções, em todos os âmbitos, dentro das instituições.
A importância da elaboração de uma política para os acervos está expressa
em documentos de referência para os profissionais que trabalham com a
preservação do patrimônio. O Código de Ética para Museus do Internacional Council
of Museums (ICOM)4, de 2004, atenta para a necessidade da existência de um plano
de gestão para as coleções institucionalizadas, colocando que este deve conter
informações a respeito da aquisição, proteção e utilização das mesmas.
A legislação brasileira também dispõe sobre os acervos e seu
gerenciamento. Através do Decreto n° 5.2645, de 5 de novembro de 2004, fica
2 Os museus e laboratórios de arqueologia serão as instituições citadas como referencial
neste trabalho, uma vez que, em detrimento a outras instituições de salvaguarda de bens culturais, como arquivos e bibliotecas, é nestes espaços que estão armazenadas grande parte das coleções arqueológicas.
3 Lessa (2011) utiliza o termo curadoria para se referir à gestão e a pratica dos processos
de conservação e guarda das coleções dentro das instituições responsáveis pela salvaguarda. 4 O ICOM (International Council of Museums) foi criado em 1946 e se configura como uma
organização internacional não governamental de museus e profissionais direcionada para a conservação e difusão do patrimônio cultura e natural. Mantém um vínculo formal com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e tem status de órgão consultivo no Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas (ONU). O principal documento formalizado pelo ICOM é o Código de Ética para Museus, no qual são estabelecidas normas mínimas para a prática profissional e atuação das instituições museológicas e seu pessoal. Disponível em: http://www.icom.org.br/C%C3%B3digo%20de%20%C3%89tica%20Lus%C3%B3fono%20iii%202009.pdf.
5 Disponível em:
http://www.museus.gov.br/sbm/downloads/decreto_n_5.264_de_05_novembro_de_2004.pdf
22
instituído o Sistema Brasileiro de Museus, que objetiva facilitar o diálogo entre
instituições museológicas, através de uma gestão integrada e o desenvolvimento
dos museus, acervos e processos museológicos brasileiros. A Portaria Normativa n°
1 do Instituto Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)6, de 5 de julho de 2006,
apresenta normas para a organização dos museus e seus acervos. Este instrumento
legal dispõe sobre a elaboração do Plano Museológico, conduzindo sua estrutura
através dos seguintes programas: Institucional, Gestão de pessoas, Acervos,
Exposições, Educativo e cultural, Pesquisa, Arquitetônico, Segurança,
Financiamento e fomento e Difusão e divulgação. Conforme a normativa, no
Programa de acervos estão incluídas todas aquelas ações destinadas ao
gerenciamento dos distintos tipos de acervos da instituição, incluindo a aquisição,
documentação, conservação e restauração.
Outro importante documento, a Política Nacional de Museus7, lançada em
2007, traz a “Aquisição e Gerenciamento dos Acervos Culturais” como um dos eixos
programáticos, que servem de orientação para a realização das ações e projetos
museológicos. Dois anos depois, a lei n 11904 de 20 de janeiro de 20098, que
institui o Estatuto dos Museus, refere no artigo 44 que é dever dos museus a
elaboração e implementação do plano museológico. É neste instrumento que se
enquadram uma série de programas que constituem a ferramenta básica de
planejamento estratégico para as instituições e suas coleções. No mesmo ano e
data, a lei n 11.906 de 20 de janeiro de 20099 cria o Instituto Brasileiro de Museus10
(IBRAM), autarquia vinculada ao Ministério da Cultura e que regulamenta os direitos,
deveres e obrigações inerentes aos museus federais. É atualmente o órgão
brasileiro responsável pela Política Nacional de Museus e desenvolve, entre outras
atribuições, atividades direcionadas ao fomento de políticas de aquisição e de
preservação de acervos.
6 Disponível em:
http://www.museus.gov.br/sbm/downloads/portaria_normativa_n_1_de_5_de_julho_de_2006_DOU_de_11_07_….pdf.
7 O caderno Política Nacional de Museus – Memória e Cidadania, apresentado pelo
Ministério da Cultura em maio de 2003, propõe linhas de atuação para uma política nacional voltada para o setor museológico brasileiro, através de sete eixos programáticos. Disponível em: http://www.museus.gov.br/sbm/downloads/Política_Nacional_de_%20Museus.pdf.
8 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11904.htm.
9 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11906.htm.
10 Disponível em: http://www.museus.gov.br.
23
Conforme aponta Ladkin (2004), o desenvolvimento de uma política para o
gerenciamento de acervos deve levar em conta diversos fatores. A elaboração e a
implantação, bem como sua manutenção, deve ser uma ação conjunta,
responsabilidade de todos os profissionais da instituição. A política de gestão das
coleções deve estar de acordo com a missão, objetivos e necessidades da
instituição a qual pertence, para que se seja possível avaliar as necessidades do
acervo em função destes dados. Além disso, a política de gerenciamento deve
existir fisicamente, e funcionar como um documento-guia para todos os envolvidos
no trabalho de preservação.
A incorporação de bens e coleções se configura como um dos aspectos
mais importantes dentro de uma política de gestão de acervos, uma vez que “o
gerenciamento, ou seja, o ato de administrar, e todos os seus desdobramentos -
todas as atividades-fim dos museus – só se torna possível se antecedido pela
aquisição” (FERRÓN et al. 2006-2007, p.94). Uma política de aquisição11, desta
forma, também é item fundamental à gestão de acervos, pois é através dela que se
estabelecem os critérios referentes às coleções a serem incorporadas pela
instituição.
Cada vez mais as instituições concentram seus esforços na organização de seus acervos formados ao longo de sua história e os investimentos em coletas ou aquisições dependem de verbas específicas de pesquisa, ou de avaliações em relação à capacidade institucional de receber doações. Coletas ou aquisições indiscriminadas já não devem fazer parte do repertório de instituições sérias (FRONER & SOUZA, 2008, p.6).
Outro ponto fundamental para o gerenciamento de acervos é a
Conservação, disciplina que compreende a conservação preventiva, a conservação
curativa e a restauração (TERMINOLOGIA..., 2010). Dentro das instituições, a
gestão para a conservação exige uma abordagem integrada, pois não se refere
somente ao acervo, mas também ao prédio e seu entorno; um dos principais
espaços de ação da disciplina é a reserva técnica, local onde os acervos passam a
maior parte de sua existência. Por esse motivo, esta área deve ser “projetada,
planejada, organizada, monitorada e mantida a partir de princípios, conceitos,
modelos e paradigmas da Conservação Preventiva” (FRONER, 2008).
11 São formas de aquisição de acervos a doação, o legado, a compra, a troca, a recolha de
campo ou quaisquer outros meios pelos quais os bens são incorporados pela instituição (LADKIN, 2004).
24
A conservação preventiva se configura como o conjunto de ações e medidas
indiretas que objetivem “evitar ou minimizar futuras deteriorações ou perdas”
(ABRACOR, 2010, p. 3). Nas reservas técnicas, é fundamental a implantação de um
plano de conservação preventiva, devendo ser considerados fatores como o projeto
da edificação, controle da umidade relativa, temperatura e iluminação, mobiliário,
acondicionamento e embalagens, dispositivos de segurança, dentre outros. “A
reserva é o museu”, conforme aponta Mirabile (2010, p.4), pois representa o
fundamento e a evolução da instituição.
Cumpre destacar que a conservação preventiva não diz respeito apenas aos seus responsáveis diretos, mas toda a instituição – aí entendidos diretores, corpo administrativo, educadores, corpo técnico, vigilantes, etc. Essa é uma responsabilidade coletiva, que deve ser compartilhada. Ela é de todos, inclusive do público, que precisa ser educado nessa direção, na medida em que a indústria cultural transformou patrimônios culturais – incluindo-se o arqueológico – em bens de consumo. Nele precisa também ser incutida a consciência da fragilidade desse patrimônio, da irreversibilidade dos danos que lhe são impostos e da irrecuperabilidade de suas perdas, de modo a que fique bem clara sua parcela de responsabilidade na conservação dos vestígios do passado da humanidade. (LIMA & RABELLO, 2007, p.248).
Como visto, a gestão de acervos ultrapassa a mera execução de
procedimentos técnicos: envolve, antes de tudo, comprometimento e conhecimento
do acervo a se preservar. Cada coleção é um universo, com características e
demandas próprias e, por esse motivo, exige ações específicas de gerenciamento.
1.2 Os acervos arqueológicos
De acordo com Wolf (2001), podemos caracterizar como objeto arqueológico
o produto de uma atividade humana, e que foi resgatado de um sítio arqueológico.
Estes objetos surgem como parte da cultura material de grupos humanos
precedentes, encerrando seu ciclo de vida útil juntamente com a extinção destes
grupos. Assim, ao ser alçados a categoria de bem arqueológico, objetos que
inicialmente possuíam determinados valores, passam a possuir outro valor, o de
documento (GARCÍA & FLOS, 2008).
Dos sítios, são extraídos grandes volumes de materiais, que irão formar
coleções e compor os acervos arqueológicos salvaguardados pelos museus,
laboratórios e outras instituições. As coleções arqueológicas, por sua vez, são
25
constituídas pelas mais diversas matérias, cada qual com um comportamento
particular perante os agentes de degradação e à passagem do tempo (SANZ
NAJERA, 1988).
A gestão dos acervos arqueológicos se diferencia da curadoria de outras
tipologias de acervo em diversos aspectos. Primeiramente, pela fragilidade e
diversidade material dos artefatos; em segundo lugar, por incluir não somente os
objetos provenientes da escavação, mas também outros materiais e informações
associados; em terceiro, pelo fato de que inicia – ou deveria iniciar – no
planejamento do projeto arqueológico, e não somente quando o acervo já se
encontra sob a guarda institucional (CHILDS & CORCORAN, 2000).
A especificidade dos artefatos arqueológicos é dada pelo fato de, em sua
maioria, terem estado enterrados ou submersos durante muito tempo (WOLF, 2001).
Quando nesta condição, alguns materiais – aqueles que sobrevivem ao tempo e aos
fatores de degradação – alcançam um estado de estabilidade química, física e
biológica com o meio, e os processos de degradação são abrandados. Assim, “[…]
cualquier objeto que se encuentra enterrado después de una fase inicial de
adaptación, tiende a buscar un nuevo equilibrio con el medioambiente” (LACAYO,
2001, p. 453), permanecendo estável até que seja retirado de seu local de origem.
No momento da extração, entretanto, esses objetos são expostos à
atmosfera e imediatamente começam a sofrer reações de deterioração (CRONYN,
1990). Os materiais, antes em equilíbrio, sofrem uma mudança brusca de ambiente,
o que acarreta graves consequências à conservação. Os artefatos são, desta forma,
submetidos a fatores de distintas magnitudes, ou até então inexistentes: novas
condições mecânicas; manipulação; exposição à luz, temperatura e umidade
variáveis; contaminação química; oxigênio, dióxido de carbono, gases e partículas
solidas presente na atmosfera; contaminação biológica; etc. (LACAYO, 2001).
Cronyn (1990) refere que a manipulação e/ou acondicionamento inadequados
durante a escavação são responsáveis por uma grande perda de objetos, por estes
aparentarem, frequentemente, menos fragilidade da que em realidade possuem.
No caso de materiais arqueológicos subaquáticos, a intensidade das
mudanças dos parâmetros ambientais sofridas pelos objetos ao serem resgatados,
em especial de meios marinhos, determina que estes estejam mais propensos a se
deteriorar e com maior velocidade que em outras circunstâncias. Neste sentido, o
26
trabalho de Hamilton, Methods of conserving archaeological material from
underwater sites, é uma das referências em conservação arqueológica subaquática.
Artifact preservation is one of the most important considerations when planning or implementing any action that will result in the recovery of material from a marine archaeological site. It is the responsibility of the excavator or salvor to see that material recovered is properly conserved. The conservation phase is time consuming and expensive, often costing more than the original excavation. Without conservation, however, most artifacts will perish, and important historic data will be lost. The loss is not just to the excavator but also to future archaeologists, who may wish to reexamine the material (HAMILTON, 1999, p. 4).
As causas de degradação do material arqueológico podem ser divididas em
físicas, químicas e biológicas (LACAYO, 2001). As causas físicas são aquelas
referentes aos parâmetros ambientais, como temperatura, umidade e luz. No caso
de objetos localizados sob o solo, a certa profundidade, a temperatura costuma ser
mais baixa e muito mais constante que a temperatura do ar. Assim, determinados
materiais, como couro, tornam-se suscetíveis à degradação ao serem expostos a um
ambiente de temperatura mais elevada, podendo apresentar problemas como
deformação e rompimentos. No mesmo caso, a exposição à luz, por sua vez, pode
ocasionar descoloração de pigmentos, deteriorando objetos que apresentem tintas e
corantes (CRONYN, 1990).
Os fatores químicos dizem respeito às alterações provocadas pelos fatores
físicos e que são provocados por elementos externos (LACAYO, 2001). A presença
de oxigênio é responsável por reações de oxidação que acarretarão na corrosão de
materiais metálicos como o ferro, por exemplo. Além disso, também facilita a
proliferação de microorganismos. A alcalinidade e a acidez também são elementos
nocivos à conservação dos artefatos arqueológicos, podendo acelerar reações como
a hidrólise12 e a formação de sais (CRONYN, 1990).
As causas biológicas, por fim, são aquelas acarretadas pelo ataque de
microorganismos e pela presença de excremento de animais (LACAYO, 2001). A
biodeterioração, geralmente comum em materiais orgânicos, corresponde aos danos
causados pelo acometimento de insetos, cupins, fungos, bactérias, roedores,
moluscos, dentro outros. Materiais inorgânicos muito porosos, entretanto, também
podem ser afetados indiretamente por agentes biológicos (CRONYN, 1990).
12
Ruptura da molécula de água em decorrência da reação de solubilização de uma solução salina (MATTEINI & MOLES, 2008).
27
Vemos, portanto, que a grande maioria dos materiais podem ser afetados
pelas características físicas, químicas e biológicas do meio, alterando seu aspecto e
composição. Porém, não sempre é clara a distinção entre as distintas formas de
interação dos objetos com o ambiente. De acordo com Goffer (2007), determinados
agentes químicos podem afetar fisicamente alguns materiais; agentes físicos podem
causar modificações químicas, e salvo em condições particulares, o mesmo agente
pode determinar mudanças físicas e químicas simultaneamente. Sendo assim, este
autor propõe de denominar estes agentes de “agentes físico-químicos de
decaimento”, antes de classificá-los separadamente como fatores físicos ou
químicos.
As coleções arqueológicas são geralmente volumosas, e contêm uma
variedade de materiais que atendem a diferentes parâmetros de conservação e
também de pesquisa (WOLF, 2001). Estas características revestem de
complexidade não somente o cuidado no momento de resgate dos artefatos, mas
seu armazenamento a médio e longo prazo. O que se vê atualmente em muitas
instituições são coleções organizadas por proveniência – no caso, o sítio
arqueológico –, fato que vai de encontro às necessidades ambientais de cada
tipologia de material.
No caso de acervos compostos por coleções de História Natural ou por artefatos e vestígios arqueológicos e etnográficos, as instituições devem cuidar da particularidade desses acervos. Coleções mais pesadas – compostas por ossos, líticos ou cerâmicas – devem ser avaliadas em relação ao seu peso específico e aos problemas decorrentes de impactos físicos e mecânicos; coleções imersas em fluido devem ser mantidas em ambiente arejado, em decorrência da evaporação dos meios líquidos, e com controle de iluminação; elementos orgânicos, como exsicatas, animais empalhados e material etnográfico à base de fibras devem receber um tratamento redobrado em relação aos riscos de ataque biológico (FRONER, 2008, p.11).
Conforme aponta Bradley,
Dos sítios de escavação retiram-se objetos de cerâmica quebrados ou com alto teor de sal, pedras salgadas, metais corroídos, ossos e artigos têxteis encharcados de água, bem como objetos de couro e madeira. (BRADLEY, 2001, p. 16).
A diversidade encontrada nos agentes de degradação está diretamente
relacionada à heterogeneidade material dos objetos arqueológicos. As
28
características do sítio determinam a variedade de materiais que podem ser
encontrados: a gama de tipologias de artefatos arqueológicos abarca cerâmicas,
metais, líticos, vidros, têxteis, papel, ósseos, madeira, dentre outras, além de
também contemplar outros vestígios.
Garcia & Flos (2008) estabelecem uma divisão para tratar das peças
oriundas do trabalho de campo, classificando-as em matérias primas arqueológicas
e objetos arqueológicos manufaturados. Dentre as primeiras, considera-se todo o
vestígio arqueológico, desde as matérias primas de origem orgânica e vegetal,
exploradas e utilizadas por cada cultura para a obtenção dos objetos, até os
materiais constitutivos dos seres humanos e das espécies animais e vegetais.
Dentre os materiais orgânicos, estão a madeira, a lã, o osso, o marfim, e outros; dos
materiais inorgânicos, fazem parte as rochas ígneas, sedimentares e metamórficas.
Os objetos arqueológicos manufaturados, por sua vez, são aqueles
resultantes da manipulação da matéria prima (GARCIA & FLOS, 2008). Nestes
objetos, além de os materiais sofrerem uma mudança na forma física original, uma
nova matéria é formada em sua estrutura interna. Enquadram-se nesta classificação
as cerâmicas, os vidros, os metais, as pinturas murais, o mosaico e o couro, sendo
este ultimo o único material orgânico do grupo.
Em função desta diversidade, cada tipologia de material requer condições
ambientais e tratamentos específicos. Objetos compostos de matéria orgânica, em
função de suas qualidades higroscópicas13 e anisotrópicas14, podem sofrer dilatação
e contração causadas pela oscilação da umidade relativa e da temperatura. Além
disso, materiais orgânicos são propícios às infestações por agentes biológicos, como
bactérias e fungos (GARCÍA & FLOS, 2008).
A madeira é um dos materiais orgânicos de mais difícil conservação (SANZ
NAJERA, 1988). Os movimentos de dilatação e contração podem causar rachaduras
e quebras, ocasionando o colapso da estrutura. O material também é suscetível aos
ataques biológicos: bactérias, insetos e fungos ocasionam o enfraquecimento da
estrutura e consequente destruição. Assim como o couro, a madeira sobrevive em
melhores condições em ambientes extremos, muitos secos ou muito úmidos
(LORÊDO, 1994; SEASE, 1994).
13
A higroscopia é a propriedade que todos os materiais orgânicos e alguns inorgânicos possuem de absorver e liberar umidade de acordo com as condições ambientais (CALVO, 1997).
14 A anisotropia é a propriedade de alguns materiais se comportarem diferente em relação
aos três eixos espaciais (CALVO, 1997).
29
Materiais como o osso e o marfim, pelo fato de serem constituídos de uma
parte orgânica e outra inorgânica, podem ser ao mesmo tempo protegidos ou
degradados por diferentes níveis de pH do solo ou da água. (GARCÍA & FLOS,
2008). Ambientes ácidos conservam as fibras de colágeno do componente orgânico,
mas favorecem a hidrólise de alguns elementos dos componentes inorgânicos
destes materiais; ambientes alcalinos, ao contrário, tornam a matéria orgânica
vulnerável às infestações em função da hidrólise, processo que beneficia os
materiais inorgânicos pela formação de carbonato de cálcio. Os ossos,
particularmente, tornam-se quebradiços com a idade e descolorem quando expostos
à luz solar, somente se preservando relativamente bem em ambientes neutros ou
ligeiramente alcalinos (LORÊDO, 1994).
Os materiais inorgânicos, por sua vez, podem sofrer com os danos causados
pelas intempéries e variações climáticas, e por fatores como a formação de sais e a
poluição atmosférica (GARCÍA & FLOS, 2008). Os metais arqueológicos, por
exemplo, podem ser danificados pelas corrosões química e eletroquímica. A
primeira, decorrente de algum composto químico, como o oxigênio, ocasiona a
formação de uma camada patinada e manchada na superfície; a segunda,
decorrente da presença de água ou umidade, causa um processo de oxidação mais
intenso, comumente ocasionando a destruição do metal (CRONYN, 1990).
No caso específico de materiais ferrosos depositados no ambiente marinho,
aparecem outros agentes de deterioração, sendo os mais importantes a
concentração de oxigênio, o pH, a temperatura, a movimentação da água, a
salinidade, a presença de bactérias sulfo-redutoras, o acoplamento galvânico, e a
formação de concreções de organismos marinhos na superfície dos objetos
(PEARSON, 1987).
A cerâmica, apesar de ser um dos materiais mais estáveis, podem sofrer
alterações em função da porosidade de seus elementos constitutivos, do contato
com a água e da presença de sais, solúveis ou insolúveis (GARCÍA & FLOS, 2008).
Os sais presentes no interior do material cerâmico, quando expostos a uma baixa
umidade relativa, cristalizam e desencadeiam pressões internas e podem provocar
quebras e rachaduras. Em um ambiente de alta umidade relativa, por sua vez, os
sais se dissolvem e formam eflorescências que destroem a área atingida
(FERNANDEZ IBAÑEZ, 2003).
30
Os materiais líticos apresentam, geralmente, boas condições de
conservação quando encontrados em uma escavação (PORTO TENREIRO, 2000;
LOREDO, 1994; RODGERS, 2004). Apesar disso, alterações decorrentes do tipo de
rocha e de solo podem ocorrer enquanto os objetos ainda estão enterrados. A partir
do momento de sua extração, os líticos podem apresentar danos como a
pulverulência pela cristalização de sais, laminação por desidratação e infestação por
ataque biológico quando em ambientes úmidos (CRONYN, 1990; PORTO
TENREIRO, 2000).
Não são somente os artefatos, entretanto, que compõem uma coleção
arqueológica. Também fazem parte deste conjunto outros elementos: bens não
culturais, como ecofatos15, amostras de solo, etc.; registros associados, como
cadernos de campo, fotografias, mapas, etc.; dados digitais, como informações
obtidas pelo sistema Global Positioning System (GPS), modelos criados por
softwares do tipo CAD, dentre outros; e ainda resultados de pesquisas ou
interpretações, como artigos e livros (CHILDS & CORCORAN, 2000). Todos estes
materiais fazem parte do acervo, e devem ser incluídos na política de gestão. Como
aponta Swain (2007), o desafio em gerenciar estas complexas coleções abrange
não somente a necessidade de metodologias específicas para materiais específicos,
mas também a de manter a relação entre os diferentes elementos.
Para que funcione de forma efetiva, a gestão dos acervos arqueológicos
deve iniciar juntamente com o planejamento das atividades de campo. Práticas
relativas aos métodos de coleta e à conservação devem estar presentes no projeto
arqueológico que, por sua vez, nasce de um problema de pesquisa. O projeto deve
estabelecer parâmetros para o resgate, definir quais materiais serão ou não serão
coletados, o que interessa para a pesquisa e o que pode ser descartado, de que
formas o material será armazenado temporariamente e também a longo prazo. No
caso da arqueologia de contrato16, o IPHAN define que a proposta de gerenciamento
15
Vestígios arqueológicos que não pertencem à categoria artefato, mas que foram modificados pelo homem, como, por exemplo, fragmento de rocha, restos de plantas e sedimento (AMARAL, 2003).
16 A arqueologia de contrato ou salvamento consiste na prática derivada da obrigatoriedade
legal da realização de parecer arqueológico inserido no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) em empreendimentos nos quais exista a possibilidade de identificação de sítios significativos (SOARES, 2007).
31
arqueológico deve estar, ainda, baseada nas etapas anteriores do processo de
salvamento17 (BASTOS et al. 2005).
O quadro atual dos acervos arqueológicos brasileiros, entretanto, indica que
a gestão da grande maioria das coleções não tem sido considerada de forma
integral por seus responsáveis. Segundo Rodgers (2004), a prática de etiquetar,
ensacar, encaixotar e colocar na prateleira é corrente e acaba por não ser
questionada pelos profissionais. Lima e Rabello (2007) apontam que o crescimento
da arqueologia de contrato e o exercício de profissionais autônomos – decorrente da
obrigatoriedade dos licenciamentos ambientais18 – evidenciaram a situação real de
preservação destes acervos. Somado a isto, ainda segundo as autoras, está o fato
de que muitas pesquisas de campo iniciam “sem que o material recolhido na anterior
tivesse sido devidamente curado, analisado e publicado” (2007, p. 246).
Estas práticas vêm dando origem a um grande número de coleções, que não
encontram nas instituições ambientes adequados para seu armazenamento. As
reservas técnicas de museus e laboratórios de arqueologia encontram-se
preenchidas com um sem fim de materiais oriundos de escavações, e geralmente
não apresentam as condições ideais de armazenamento. Como afirma Froner,
Nesse momento cabe questionar a validade do resgate e da coleta massiva de objetos, os quais, depois de coletados – estudados ou não -, acabam consumidos em ambientes inadequados propícios ao ataque biológico, saque e destruição (FRONER, 1995, p. 295).
A esta problemática, alguns pesquisadores da área têm denominado “crise
na gestão dos acervos arqueológicos” (CHILDS & CORCORAN, 2000; THOMPSON,
2000). Além dos já explicitados acima, um outro motivo encontra-se
paradoxalmente apoiado nas leis de preservação. Segundo os autores, o conteúdo
das legislações, ainda que estas auxiliem na proteção aos bens arqueológicos, vai
de encontro às demandas atuais das coleções e de seus repositórios: museus e
laboratórios não possuem condições de receber a totalidade dos objetos resultantes
17
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) determina que o trabalho arqueológico resultante de contrato deve ser composto das seguintes fases: projeto de diagnóstico arqueológico, programa de prospecções arqueológicas e programa de resgate arqueológico (BASTOS et al. 2005).
18 “O Licenciamento Ambiental é um procedimento administrativo no qual a administração
pratica, em todas as suas fases, atos sequenciais para adequar obra ou atividade a um patamar de qualidade ambiental em que estejam garantidas as condições sociais e econômicas para o desenvolvimento da vida sadia das presentes e futuras gerações, com a finalidade de autorizar o funcionamento do empreendimento” (SOARES, 2007, p. 153).
32
da escavação, mas os dispositivos legais, de um modo geral, indicam que todo o
material resgatado em campo deve ser salvaguardado.
A recolha sem critérios pré-estabelecidos dos materiais encontrados na
pesquisa de campo talvez seja, assim, uma das principais causas da superlotação
que as reservas técnicas vêm enfrentando. É necessário que haja uma mudança na
mentalidade dos responsáveis pelas pesquisas arqueológicas, e que esta mudança
não apenas resulte em preceitos teóricos, mas em novas práticas. Como afirma
Thompson (2000), se reconhecermos que existe uma escala de significância para os
sítios arqueológicos, poderemos perceber que existe também uma escala de
importância para os objetos a serem resgatados.
Além da vasta quantidade de coleções, as reservas técnicas de museus e
laboratórios de arqueologia também enfrentam problemas básicos de estrutura
(LIMA & RABELLO, 2007). Usualmente, estas estão situadas em áreas insalubres
dos edifícios, o que resulta em ambientes inadequados para a conservação dos
objetos. Como vimos, a especificidade dos materiais arqueológicos faz com que a
preservação destes dependa diretamente do ambiente do local onde estão
armazenados, o que ressalta a importância de uma reserva técnica que esteja de
acordo com os princípios da Conservação. Uma prática comum encontrada em
muitas regiões é a adequação da função à arquitetura – transformar um prédio
histórico ou um ambiente sem maior utilidade dentro de um prédio, numa reserva –
ao invés de adequar a arquitetura à função.
Além disso, faltam equipamentos, materiais, e, principalmente, profissionais
especializados. Por esse motivo, cada vez mais a Arqueologia tem se unido à
ciência da Conservação. A fim de suprir as carências e necessidades resultantes de
décadas de descaso e desinformação para com os acervos arqueológicos, os
envolvidos na gestão dos acervos arqueológicos, como os órgãos de preservação e
os próprios arqueólogos, “vêm se conscientizando de que é necessário diminuir a
distância que os separa dos conservadores, entendendo que arqueologia e
conservação são indissociáveis [...]” (LIMA & RABELLO, 2007, p. 246).
1.3 Arqueologia e Conservação
33
O fazer arqueológico é, por si, uma atividade destrutiva19 (PROUS, 1992).
Uma escavação é uma ação irreversível, uma vez que, após a remoção dos objetos
de seus contextos, é impossível retomá-los ao estado anterior.
“[...] o sítio que escavamos está sendo irremediavelmente destruído por nós mesmos, como se alguém, interessado em Camões, não tivesse outra possibilidade de ler Os Lusíadas a não ser recortando as letras e colocando-as, uma após outra, dentro de uma caixa, tendo que reconstituir o texto a partir das anotações sobre a posição de cada uma” (PROUS, 1992, p. 34).
A irreversibilidade da prática arqueológica torna indispensável o
estabelecimento de políticas de gestão para a preservação destes acervos (GARCÍA
& FLOS, 2008). Inserido nesse contexto, está o planejamento de conservação
arqueológica, que deve garantir a permanência dos materiais e a manutenção da
informação.
Por conservação arqueológica, podemos compreender o conjunto de
procedimentos e estratégias que objetivam proteger artefatos e outros objetos
arqueológicos da deterioração (RODGERS, 2004). Estas ações envolvem tanto as
intervenções in situ durante a escavação, como metodologias para o transporte até o
repositório, e ainda ações referentes ao armazenamento temporário nos laboratórios
e permanente nas reservas técnicas, passando também pelas operações relativas
às exposições.
O objetivo da conservação arqueológica, segundo Cronyn (2001), é prevenir
a desintegração do objeto quando este é exposto à atmosfera. Desta forma, tem-se
a conservação arqueológica como um processo contínuo, que, como parte
integrante da gestão dos acervos, deve iniciar ainda no planejamento do trabalho de
campo, e culminar na preservação dentro dos museus e laboratórios.
A planificação da escavação20 é o momento chave para a preservação dos
acervos. É neste momento que as principais considerações a respeito da
conservação serão realizadas: definição das prováveis tipologias de materiais
encontrados em campo, volume de materiais a serem resgatados e seu estado de
conservação; insumos e instrumentos necessários às intervenções; aspectos
19
À exceção da utilização de métodos não invasivos. 20
Pela regulamentação do IPHAN para a arqueologia de salvamento, a planificação corresponde à etapa equivalente ao projeto de diagnóstico arqueológico.
34
climáticos e edafológicos21 do contexto; tipo de sítio e cronologia aproximada;
métodos de escavação; duração da pesquisa; equipe de trabalho; procedimentos
para a documentação; dentre outras informações (INSTITUT CANADIEN DE
CONSERVATION, 1991; COX, 2005; CRONYN, 2001; GARCÍA & FLOS, 2008).
Nesta primeira etapa, é fundamental que o conservador esteja familiarizado
com a equipe e com o projeto e seus objetivos, a fim de determinar com maior
precisão o tratamento adequado para os materiais encontrados (COX, 2005).
Preferencialmente, o conservador deve participar da elaboração do projeto
arqueológico juntamente com os outros profissionais envolvidos. Desta forma,
maiores serão as possibilidades de realizar uma intervenção adequada, e, por
consequência, de preservação do futuro acervo.
A conservação arqueológica tem continuidade nos procedimentos realizados
durante o trabalho de campo, nesta fase caracterizada como conservação in situ. A
intervenção in situ se configura como o conjunto de medidas de conservação
tomadas no momento da escavação, que consistem na aplicação dos procedimentos
necessários ao resgate, estabilização e acondicionamento dos objetos a fim de
garantir sua integridade entre o campo e o laboratório (LACAYO, 2001). É uma
etapa crucial, pois é neste momento que os materiais são retirados do meio no qual
estavam em equilíbrio durante décadas, séculos ou milênios, para serem expostos à
atmosfera.
Mais do que interferir sobre a materialidade e o ambiente, a presença do
conservador na escavação arqueológica auxilia também na gestão da informação
coletada em campo (SALLÉS & RIBEIRO, 2011). Dados como as condições de
extração do contexto, manipulação dos materiais, sistema de numeração, etc.,
enfim, informações que posteriormente serão de extrema relevância não somente
para a conservação do acervo, mas também para a interpretação dos significados
dos objetos, enquanto documentos. Se o contexto não for documentado, como
afirma Cassman (1989, p. 7) “el valor de la colección se reduce al de una colección
huaqueada22, como miles de colecciones ya existentes en el mundo que provienen
de sitios saqueados”.
21
Relativos ao estudo do solo. 22
Do verbo huaquear; termo utilizado no Peru e outros países andinos, que se refere ao saque de sítios arqueológicos.
35
Após o trabalho de intervenção em campo, os procedimentos e técnicas
mais elaboradas podem ser executados em laboratório (SWAIN, 2007). Nesta etapa,
são realizados tratamentos de limpeza, consolidação, estabilização, reconstrução,
reintegração cromática ou volumétrica, etc. É no laboratório, ainda, que os objetos
são preparados para fins de exibição nas exposições da instituição (CRONYN,
2001). Nesta fase, um aspecto que frequentemente é motivo de controvérsia se
refere à questão da estética do objeto, que desempenha diferentes papeis no âmbito
da conservação arqueológica e da história da arte (CASSMAN, 1989).
En la arqueología se necesita preservar el artefacto y la información, independientemente de su valor estético; es decir, en la arqueología la estética debe ser secundaria a la información (v. gr. tipos de formas, materiales, estructura, iconografía, función, asociaciones socioculturales y la condición en que el objeto fue encontrado priman sobre la limpieza del artefacto) (CASSMAN, 1989, 99).
A última etapa da conservação arqueológica diz respeito à conservação
preventiva, ou a longo prazo, dos materiais. É, na realidade, uma ação constante,
ininterrupta, que termina somente quando o acervo não mais existir. Refere-se, de
um modo geral, aos processos referentes ao controle ambiental do espaço onde o
acervo esta armazenado: adaptação do edifício, controle do clima e de infestações,
controle da temperatura, umidade relativa e iluminação, escolha de materiais e
mobiliário adequados para o acondicionamento e embalagens, dentre outras
medidas (GARCÍA & FLOS, 2008).
Em todas as fases da conservação arqueológica, é fundamental a realização
da documentação. Esta deve conter itens como fichas de intervenção, nas quais
devem constar, dentre outras informações, tratamentos realizados, produtos e
instrumentos utilizados, profissional responsável pela intervenção; registros
fotográficos e/ou desenhos; exames e análises; mapas e croquis; cadernos de
campo; etc. (GARCÍA & FLOS, 2008; SALLÉS & RIBEIRO, 2011).
Cada vez mais, iniciativas que unem as ciências da Arqueologia e da
Conservação e Restauro tem sido promovidas pelos profissionais das duas áreas.
Em países latinos americanos de considerável produção arqueológica como México,
Argentina, Colômbia, entre outros, é crescente a preocupação com os parâmetros
de conservação preventiva, demonstrando, segundo Froner et al (1997, p.194) “uma
tendência acentuada de transformar a área de conservação em uma área
amalgamada à arqueologia”.
36
Neste sentido, Sease (1994) refere que a conservação de materiais
arqueológicos deve ser considerada como parte integrante do processo
arqueológico, sendo uma subespecialidade da disciplina com seus profissionais,
metodologias e procedimentos próprios. Segundo a autora, a conservaçao
arqueológica pode ser dividida em duas especialidades distintas: a conservaçao de
artefatos e a conservaçao de monumentos e sítios, cada uma demandando uma
formação específica por parte do conservador.
Embora o tema da conservação arqueológica soe como assunto
contemporâneo, as duas disciplinas vêm atuando juntas há algum tempo. De acordo
com Caldararo (1987), desde o século XIX autores vêm tratando do tema da
conservação dos materiais arqueológicos. Os primeiros trabalhos, dos alemães Voss
e Rathgen, datam dos anos de 1888 e 1905, respectivamente; ambos foram
produzidos como resposta à necessidade de preservar objetos egípcios nos museus
do norte da Europa.
No livro Archaeology from the Earth, de 1954, Mortimer Wheeler reserva
considerável espaço para os tratamentos em laboratório de campo, atribuindo essa
tarefa ao “químico arqueólogo”, figura cuja função hoje se aproximaria do
conservador-restaurador:
Por lo demás, las funciones más importantes del químico son: a) prevenir una posterior descomposición, y b) consolidar los objetos frágiles lo suficiente para su levantamiento y transporte (WHEELER, 1978, p. 172).
No capítulo sobre o Laboratório de Campo, Wheeler volta a destacar a
importância e as atribuições do “químico arqueólogo”:
Toda excavación en la que se espera se obtendrán materiales friables o perecederos, debe contar con un químico arqueólogo. En la mayor parte del mundo, esto significa que como parte integral del equipo ha de incluirse un pequeño laboratorio de campo. Ya afirmamos con anterioridad (p.172) que las funciones primordiales del químico de campo son ayudar en la exhumación de objetos frágiles y en el transporte subsecuente; detener la deterioración de los objetos al ser expuestos al aire; limpiar objetos, sobre todo monedas, que deben identificarse a medida que procede la excavación. Debe también, como una guía para el tratamiento posterior, llevar un cuaderno de notas con todos los primeros auxilios que ha prestado, objeto por objeto (WHEELER, 1978, p. 200).
Como parte da equipe necessária à escavação, o autor inclui também um
“assistente de cerâmica”, encarregado dos cuidados in situ e da gestão dos
37
elementos cerâmicos. Este profissional “debe tener también un buen conocimiento
de las técnicas de cerámica, de modo que, por ejemplo, pueda proteger de los
omnívoros lavadores de cerámicas […]” (WHEELER, 1978, p. 168). Parte das
atribuições do atual conservador arqueológico, portanto, eram desenvolvidas pelo
químico arqueológico e pelo assistente de cerâmica.
Em 1956, H. J. Plenderleith escreveu The Conservation of Antiquities and
Works of Art, obra que se tornou referência para os trabalhos de conservação e
restauração de materiais de origem arqueológica da época, e ainda hoje é
referenciada pelos estudiosos da área. Em seu prefácio, o autor inglês reserva um
parágrafo endereçado aos arqueólogos, que, segundo ele, iriam demonstrar
interesse nos métodos que a ciência oferece à restauração dos artefatos e à
pesquisa dos mesmos (PLENDERLEITH, 1957).
Nas décadas seguintes, surgiriam ainda mais publicações sobre o tema da
conservação arqueológica, abarcando temas ainda mais complexos e
especializados. São exemplos a serem destacadas as obras Conservation of Marine
Archaeological Objects (1987), de Colin Pearson e Basic Methods of Conserving
Underwater Archaeological Material Culture (1996), de Donny Hamilton, que dizem
respeito à preservação dos materiais subaquáticos; A Conservation Manual for the
Field Archaeologist (1994), de Catherine Season, e Manual de Conservação em
Arqueologia de Campo (1994), de Wanda Lorêdo, que se referem à conservação de
materiais terrestres; Recuperación y Conservación del material arqueológico in situ
(1990), de Carmelo Ibañez, First Aid for Finds (1998), David Watkinson e Virginia
Neal, e Conservation on Archaeological Excavations (1984), de Nicholas Stanley
Price, referentes aos procedimentos e técnicas de conservação in situ.
As cartas patrimoniais também expressam a preocupação com a
conservação dos bens arqueológicos. As Cartas de Atenas23 (1931, revista em
1933) estabelece diretivas referentes ao restauro de monumentos, incluídos também
os restos arqueológicos.
23
A Carta de Atenas, de 1931, denominada de Carta para o Restauro de Monumentos Históricos, foi aprovada no Primeiro Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos de Monumentos Históricos. Disponível em: www.icomos.org.br/cartas/Carta_de_Atenas_1931.pdf. A revisão da Carta de Atenas de 1933 está disponível em: http://www.icomos.org.br/cartas/Carta_de_Atenas_1933.pdf.
38
A Recomendação de Nova Delhi24, resultante da Conferência Geral da
UNESCO em 1956, foi primeiro documento internacional dedicado inteiramente às
pesquisas arqueológicas, definindo os princípios internacionais que deverão aplicar-
se às escavações arqueológicas. No documento, recomenda-se a conservação total
ou parcial de certo número de sítios, com a finalidade de preservar os locais para
serem estudados no futuro.
A Recomendação de Nova Delhi propõe ainda a criação de coleções
centralizadas e regionais, visando uma melhor conservação dos objetos
arqueológicos, caso se consiga uma organização administrativa e um corpo técnico
de caráter permanente; expressa também que as autorizações para escavações
arqueológicas devem prever a conservação dos objetos e monumentos descobertos,
atribuindo esta responsabilidade aos pesquisadores responsáveis dos trabalhos de
escavação. O documento ainda discorre sobre a importância da criação de museus
e organização das coleções, e atenta para a conservação dos objetos e
monumentos descobertos em sítios, atribuindo ao pesquisador esta
responsabilidade.
A Carta de Veneza25, de 1964, constitui-se como uma revisão da Carta de
Atenas, ampliando, porém, sua aplicabilidade. Apresenta uma série de princípios no
que se refere à conservação e restauro de monumentos históricos, incluídos
também os vestígios arqueológicos, e expressa que deverão ser asseguradas as
medidas necessárias para a conservação e proteção permanente das ruínas e dos
objetos arqueológicos descobertos.
A Recomendação de Paris26 (1968) destaca a importância que deveria ser
dada à conservação in situ dos bens culturais ameaçados por obras públicas ou
privadas, sendo que dentre bens culturais inclui tanto os sítios arqueológicos como
os vestígios arqueológicos ou históricos descobertos sob a superfície do solo. O
documento recomenda o estabelecimento de créditos para as operações de
preservação e de salvamento dos bens culturais ameaçados por obras públicas ou
privadas. Desta forma, indica que os órgãos responsáveis da salvaguarda dos bens
24
Elaborada na 9ª Sessão da Conferência Geral das Nações Unidas, de 5 de dezembro de 1956. Disponível em: portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=234.
25 A Carta de Veneza, documento do qual Brasil é signatário, resultou do 2º Congresso
Internacional de Arquitetos e Técnicos de Monumentos. Disponível em: http://www.icomos.org.br/cartas/Carta_de_Veneza_1964.pdf
26 A Recomendação de Paris é resultado da 15ª Sessão da Conferência Geral das Nações
Unidas. Disponível em: portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=273.
39
culturais deverão dispor de recursos suficientes para assegurar as medidas de
preservação ou salvamento, ou as despesas referentes à preservação ou
salvamento dos bens culturais ameaçados, podendo utilizar-se ainda de uma
combinação de ambos mecanismos.
As Cartas do Restauro27 (1972/1987) estabelecem uma série de instruções
básicas de atuação para a salvaguarda e restauro de materiais arqueológicos, para
a execução de restaurações arquitetônicas, pictóricas e escultóricas, e instruções
para a tutela dos centros históricos. Em seu anexo A, apresenta as instruções para a
salvaguarda e restauro de antiguidades, sendo que dentre estas inclui os materiais
arqueológicos, tanto de origem terrestre como subaquático. Para o cumprimento das
referidas instruções, refere que se faz necessário a participação de restauradores
preparados para uma primeira intervenção de recuperação e consolidação.
A Carta de Lausanne28, de 1990, apresenta princípios e recomendações
sobre o inventário, escavação, documentação, pesquisa, preservação, conservação,
exposição e uso do patrimônio arqueológico, assim como sobre a qualificação dos
técnicos responsáveis pela a sua proteção. Além de sugerir a utilização de métodos
de intervenção não destrutivos, a carta também recomenda que as escavações
devam ser executadas de preferência em sítios condenados à destruição, e que, em
casos excepcionais, sítios não ameaçados poderão ser escavados, porém a
escavação deverá ser parcial, preservando um setor sem alterações.
O documento de Lausanne avança em relação aos anteriores, no sentido de
que incentiva a prática multidisciplinar, colocando a proteção do patrimônio
arqueológico como resultado da colaboração entre diversos especialistas e órgãos
públicos, além de mencionar a participação do público como elemento importante
para uma “conservação integrada”. No artigo 8º, recomenda a inclusão de disciplinas
de Conservação na formação dos arqueólogos, de forma a acompanhar as
mudanças acontecidas nas políticas de conservação, “menos preocupadas com
escavações do que com a conservação in situ”.
27
Documento elaborado pelo Ministério da Instrução Pública do Governo da Itália, da autoria de Brandi e De Angelis. Disponível em: Disponível em: http://www.icomos.org.br/cartas/Carta_do_Restauro_1972.pdf A Carta do Restauro de 1987, foi elaborada a partir da Carta de Restauro anterior e da Carta de Veneza (1964). Disponível em: http://www.mcu.es/patrimonio/docs/MC/IPHE/Biblioteca/ITALIA.pdf.
28 A Carta para a Proteção e a Gestão do Patrimônio Arqueológico, elaborada em Lausanne
(Suíça), é uma iniciativa do Comitê Científico Internacional de Gestão do Patrimônio Arqueológico (ICAHM) pertencente ao Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios (ICOMOS). Disponível em: www.icomos.org.br/cartas/Carta_de_Lausanne_1990.pdf
40
O Convênio Europeu para a Proteção e Gestão do Patrimônio Arqueológico
(Londres, 1969), revisado em Malta em 199229, abrange a maioria dos itens tratados
em Nova Delhi. Refere que se tomem medidas para a conservação e manutenção
do patrimônio arqueológico, “preferivelmente in situ”; e o estabelecimento de locais
adequados para o armazenamento dos materiais arqueológicos extraídos dos sítios.
Percebe-se então que a Conservação esteve sempre na pauta dos autores
que trabalham com acervos de materiais arqueológicos e também nos principais
documentos internacionais referentes à preservação do patrimônio. Preceitos
teóricos estes muito bem estabelecidos, mas que, na prática, na maioria dos casos,
não encontram espaço para se desenvolver. Historicamente, a Conservação tem
acontecido de forma extrínseca à Arqueologia, confinada aos trabalhos pós-
escavação, como as restaurações; são diminutas as iniciativas, por exemplo, de
colaboração entre conservadores e arqueólogos durante os trabalhos de campo
(COX, 2005).
Apesar das contribuições do conservador na práxis arqueológica, a grande
maioria das escavações não conta com a participação destes especialistas. Isto se
deve, algumas vezes, à falta de um suporte financeiro adequado, ou ao
desconhecimento da importância do rol que joga o conservador na escavação
(SEASE, 1994). De acordo com Fagan (2003), para que a colaboração entre
conservadores e arqueólogos ocorra de forma efetiva, estes últimos necessitam de
uma nova visão a respeito da conservação arqueológica, na qual a conservação dos
materiais deve ser prioridade no planejamento da escavação. O trabalho do
conservador deve ser visto como estratégia central do trabalho arqueológico, uma
vez que a deterioração dos materiais e a consequente perda de informações
prejudicam a pesquisa, muitas vezes chegando a comprometê-la completamente
(CRONYN, 2001).
Outra questão importante é que, na medida em que novas estratégias e
métodos de pesquisa se desenvolvem, aumentando a probabilidade de
necessitarmos do mesmo material novamente. Desta forma, a preservação dos
acervos já estabelecidos e das coleções que estão sendo formadas hoje através das
escavações atuais, se torna de importância vital para o futuro da Arqueologia. Os
29
Este documento é conhecido também como Tratado de La Valetta, fazendo referência à cidade maltesa onde foi elaborado. Disponível em: http://conventions.coe.int/Treaty/en/Treaties/Word/143.doc.
41
materiais arqueológicos resgatados, estabilizados e conservados nas reservas
técnicas, permitirão novos exames e interpretações no futuro, como expressa
Rodgers (2004):
These stabilized archaeological collections will be preserved into the future, permitting reexamination and multiple interpretations of the data as our knowledge base grows through time. In addition, conservation will permit improved in-depth primary artifact interpretation, as fully conserved artifacts reveal fabrication, wear patterns, and detail impossible to detect in non-conserved artifacts. Conservation, therefore, is a critical tool within archaeology, a tool that becomes less meaningful if it is isolated, or seen as merely a technical skill that can be farmed out to the "hard sciences" (RODGERS, 2004, p. 1)
Conservação e Arqueologia, assim, se configuram como disciplinas
adjacentes e complementares, que devem coexistir para que seja alcançada, de
forma efetiva, a preservação dos acervos arqueológicos através da adequada
gestão destes bens. Os meios para a realização desta parceria são diversos, mas
todos incluem a participação integral do conservador nos projetos arqueológicos. No
capítulo a seguir, será apresentada uma iniciativa local que contemplou o trabalho
conjunto entre Arqueologia e Conservação: o trabalho de campo do sítio Guarani
PS-03 Totó.
CAPÍTULO 2. A INTERVENÇÃO IN SITU NO SÍTIO PS-03 TOTÓ
2.1 O sítio Guarani PS-03 Totó
O sítio PS-03 Totó está localizado à margem sudoeste da Laguna dos Patos,
no balneário Totó (fig. 01). A área é atravessada pelo arroio de mesmo nome e
pertence ao município de Pelotas, Rio Grande do Sul. Situado sobre uma plataforma
de areias quartzosas, o local encontra-se em uma região privilegiada, pois possui ao
mesmo tempo recursos provenientes da laguna, do arroio e da mata ciliar e de
restinga (MILHEIRA, 2008a) (fig. 02). A existência de vários ecótonos30 possibilitou
seguramente os meios de subsistência durante as distintas estações do ano, o que
facilitou a permanência nos locais durante períodos mais prolongados e talvez a
coexistência de grupos maiores.
Figura 01: Localização geográfica do sítio PS-03 Totó, em uma área de restinga arbórea.
Adaptado de: MILHEIRA, 2008a.
30
Área de transição entre duas ou mais comunidades diferentes (ODUM,1978).
43
Figura 02: Paisagem do sítio PS-03 Totó, mostrando a desembocadura do Arroio Totó na
Lagoa dos Patos.
Autor: Mara Vasconcelos, 2010.
Identificado no ano de 2005, o sitio Totó é parte integrante de um complexo
de ocupação regional Guarani31. Segundo Milheira & Alves (2009), estes grupos
ocuparam o litoral sul do estado até, no mínimo, 380 + 50 A.P32. Através de datação
de carvão encontrado no local em uma estrutura de terra preta, pelo método
radiocarbônico, a idade do contexto ficou entre 530 e 40 A.P., sendo a data quando
calibrada situada entre os anos 1390 a 1440 A.D. ou 560 a 510 A.P.33 (MILHEIRA,
2008a).
As primeiras intervenções arqueológicas foram realizadas em março de
2007 (GARCIA & ULGUIM, 2008). O primeiro procedimento, após a fase do
levantamento arqueológico, foi a realização de uma coleta superficial
georreferenciada34, que registrou de forma tridimensional os materiais encontrados.
Após esta coleta, foram realizadas 60 sondagens, espaçadas de 20 em 20 metros e
com profundidade máxima de 20 cm, e ainda a escavação de duas unidades. Em
31
Denominação dada à cultura das populações pré-históricas meridionais, caracterizadas, principalmente, pela fabricação de cerâmicas (PROUS, 2007).
32 A sigla A. P. significa antes do presente, que por convenção é o ano de 1950, em uma
referência à década de descoberta da datação por carbono-14 (PROUS, 2007). 33
Datação realizada no Beta Laboratory Inc., Miami, Flórida (MILHEIRA, 2008a). 34
Realizar a georreferência em uma imagem ou mapa consiste em transformar suas coordenadas conhecidas num dado sistema de referência, através da obtenção das coordenadas de Pontos de Controle, a partir de levantamentos topográficos ou GPS (ROQUE et al., 2006).
44
um segundo momento, foram realizadas no local outras intervenções, em três áreas
delimitadas e denominadas Lócus 1, Lócus 2 e Lócus 3 (MILHEIRA & ALVES,
2009).
Durante os primeiros trabalhos de campo, foram encontrados inúmeros
vestígios que denotam uma área ampla de dispersão de materiais, de
aproximadamente 200 m de raio (MILHEIRA, 2008a). Através deste estudo inicial,
pode-se apreender que, em relação aos outros sítios identificados no litoral, o Totó
possui uma amplitude e densidade de ocorrência de materiais superior.
Dentre a gama de vestígios encontrados no período, estão fragmentos
cerâmicos, líticos, materiais faunísticos, sementes e carvões. Em maior quantidade
que outros materiais, as cerâmicas foram totalizadas em 829 vestígios, dentre
fragmentos e vasilhas semi-inteiras. Os materiais cerâmicos do sítio Totó de se
destacam por sua variedade formal e estilística, e também por uma maior
preocupação estética e tecnológica que aqueles encontrados em outros sítios
litorâneos. (MILHEIRA & ALVES, 2009).
Os materiais líticos, num total de 139 vestígios, também apresentaram maior
quantidade e variedade em relação a sítios semelhantes (GARCIA & ULGUIM,
2008). Foram encontrados lascas, afiadores em canaleta, lâminas de machado e
blocos, sendo identificados como matéria-prima o arenito friável, o arenito
silicificado, o basalto, a calcedônia, o granito e o quartzo. Conforme os autores,
estes materiais não são encontrados na região próxima ao sítio, o que pode indicar o
deslocamento acentuado ou redes sociais de troca pelos grupos que ali habitavam.
Os materiais arqueofaunísticos encontrados totalizaram 139 vestígios,
pertencentes às classes Aves, Gastropoda, Malacostrachia, Mammalia e
Osteichthyes (GARCIA & ULGUIM, 2008). Através destes materiais, puderam ser
inferidas as formas de subsistência da população. Os vestígios da arqueofauna
indicaram a existência de três atividades: captura de peixes marinhos que invadem a
laguna para reprodução ou desova; coleta de crustáceos; caça, em menor escala
(GARCIA & ULGUIM, 2008).
Os indícios encontrados na campanha arqueológica de 2007 no sítio Totó
indicaram “um conjunto artefatual mais complexo e sofisticado, se pensarmos em
termos funcionais e estilísticos” (MILHEIRA & ALVES, 2009, p.36). Somados a
estes, o fato de haverem sido encontradas estruturas arqueológicas, como
arquitetônicas, funerárias e de deposição de refugos, também sugere uma
45
diversificação no contexto arqueológico. Assim, a partir destes dados, pode-se inferir
que o sítio Totó possa ter sido uma área de assentamento denso ou ainda um local
de ocupação permanente, como uma aldeia litorânea (MILHEIRA & ALVES, 2009).
No ano de 2010, uma nova campanha foi realizada, desta vez como objeto
da pesquisa “Arqueologia Guarani em uma aldeia no litoral sudoeste da Laguna dos
Patos, Sítio PS-03 Totó”, de Aluísio Gomes Alves. Elaborada para o Programa de
Pós-graduação do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo
(MAE/USP), a pesquisa objetiva pesquisar a distribuição espacial e a variabilidade
artefatual dos vestígios arqueológicos do Totó, a partir de uma abordagem intra-sítio
(ALVES, 2010).
Nesta campanha, primeiramente, foi realizada uma sondagem próxima ao
contexto considerado como área de deposição de refugos, as margens do arroio
Totó, na qual foi identificada a existência de uma camada de solo antropogênico35,
bem definida e conservada. Devido à descoberta, o entorno da sondagem foi então
definido como o local da escavação em superfície ampla, sendo este denominado
Locus 4. Iniciada em 31 de março e finalizada em 16 de setembro de 2010, a
campanha resultou em um total de 4458 vestígios arqueológicos, sendo 2350
cerâmicos, 1487 arqueofaunísticos, 260 líticos, 205 antracológicos, 76
arqueobotânicos, 26 conquiliológicos, 52 materiais indeterminados e 2 dentes
humanos (ALVES, 2010).
Além do resgate dos vestígios arqueológicos, foram também realizadas
coletas de amostras botânicas e de sedimento. A coleta botânica foi efetuada para a
análise de fitólitos36, elementos que podem fornecer informações paleoambientais e
paleoetnográficas37 (LOCH, FARIAS & BIANCHINI, 2006). O sedimento, por sua
vez, foi coletado para a realização de dois tipos de análises, química, que pode
fornecer evidências sobre as áreas de atividade humana (LAGE, CAVALCANTE &
SANTOS, 2007), e zooarqueológica, para a identificação dos vestígios faunísticos
presentes no sítio (PACHECO, RAMOS-BRUEHMUELLER & MARTINS, 2005).
A campanha de 2010 do sitio Totó acabou por se configurar como um sítio-
escola, no qual discentes de diversos cursos tiveram a oportunidade de vivenciar as
35
Derivado da ação ou atividade humana. 36
Micropartículas de sílica formadas nos espaços intercelulares da epiderme dos vegetais (LOCH, FARIAS & BIANCHINI, 2006).
37 Dados paleoambientais são referentes às relações do ser humano com o entorno e
recursos. As informações paleoetnográficas, por sua vez, dizem respeito às relações entre as populações e sua cultura material (RENFREW & BAHN, 1998).
46
práticas arqueológicas e a interdisciplinaridade. Juntamente com estudantes de
Arqueologia, História, Museologia e Geografia, a turma da disciplina “Conservação
de materiais arqueológicos”, do curso de Conservação e Restauro da UFPel,
ministrada pelo professor Jaime Mujica Sallés, também participou do trabalho de
campo.
Posteriormente, um grupo de alunos do Curso de Arqueologia da
Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e do grupo de Conservação do
Programa de Arqueologia Subacuática (PAS) da Universidad de la República de
Uruguay (UDELAR), se somaram aos trabalhos de prospecção e conservação
arqueológica. Desta forma, a equipe pode aplicar os conhecimentos construídos em
sala de aula, discutir as distintas metodologias com os demais grupos e testar
diversos procedimentos de conservação in situ resultado do levantamento da
bibliografia específica.
2.2 A intervenção in situ no sítio Totó
A participação da equipe da Conservação e Restauro teve início em 31 de
março de 2010, juntamente com o trabalho de campo. Assim, o grupo de
conservadores pôde acompanhar o processo arqueológico de campo desde o
princípio, e participar de todas as etapas anteriores ao resgate, como a limpeza do
terreno, demarcação das quadrículas, construção da malha e topografia, para então
dar início à escavação.
Assim que os materiais eram encontrados, procedia-se à plotagem, ou seja,
a demarcação do local onde o vestígio foi localizado a partir de dados como a
altimetria, orientação, inclinação e posição na quadrícula. Após as medições, o
material era coletado e, se necessário, sofria intervenção de conservação. A equipe
de conservação optou por realizar procedimentos guiados pelo princípio da mínima
intervenção, que não prejudicassem posteriores análises.
Conforme o arqueólogo Aluísio Alves, o sítio Totó serviu de local para
discussão, reflexão e aplicação de procedimentos relacionados à Conservação:
De forma geral, as discussões e levantamentos bibliográficos procuraram caracterizar informações referentes às fragilidades e especificidades dos diferentes vestígios arqueológicos (cerâmica, lítico, arqueofauna, arqueobotânico, antracológico, etc.), das condições do terreno e a influência das variações ambientais, das metodologias de estabilização e
47
consolidação dos artefatos, assim como questões ligadas ao armazenamento, transporte e acondicionamento dos mesmos (ALVES, 2010, p. 66).
A seguir, serão detalhadas algumas técnicas e procedimentos gerais de
conservação in situ, para então serem descritos e analisados os procedimentos
realizados pela equipe de Conservação e Restauro da UFPel no sítio Totó38.
2.2.1 Testes e análises
2.2.1.1 Materiais ósseos
Anteriormente à consolidação dos fragmentos ósseos resgatados, foram
realizados testes com os produtos consolidantes, para verificação do
comportamento dos materiais (fig. 03). Paraloid B-7239 a 20% e o Primal B-60A40
a 10% em materiais ósseos encontrados em superfície (fig. 04).
Após a realização dos testes, o adesivo consolidante Paraloid apresentou
boa penetração e secagem rápida, devido à evaporação da acetona. Testes
realizados com o bisturi demonstraram que o adesivo confere boa resistência ao
material ósseo. Após a secagem, entretanto, conferiu aspecto brilhoso à superfície.
O adesivo Primal, por sua vez, não penetrou com facilidade no material, e
apresentou secagem demorada, pelo fato de ter a água como solvente, mas
apresentou menos brilhoso após a secagem. Os testes de pressão com bisturi
demonstraram que o Primal oferece menos resistência que o Paraloid ao material:
quando pressionado, o instrumento rompeu a barreira do adesivo e penetrou no
osso.
38
Todas as informações referentes aos procedimentos realizados in situ no sítio Totó foram extraídas dos relatórios apresentados na disciplina Conservação de Materiais Arqueológicos, no primeiro semestre do ano de 2010, de autoria de Ana Paula da Rosa Leal, Claudia Fontoura Lacerda, Consuelo Vaz Robe, Fabiane Rodrigues Moraes, Maicon Einhardt Garcia, Paula Wiener Reisser, Ricardo Jaekel dos Santos, Verônica Coffy Bilhalba dos Santos e da autora.
39 O Paraloid B-72 é uma resina acrílica, polímero sintético, copolímero de matacrilato de
etilo e acrilato de metila, solúvel em tolueno, etanol, acetona. É um consolidante de grande estabilidade, boa reversibilidade, e resistente á degradação microbiológica (CALVO, 1997). Forma filmes claros e bastante flexíveis. É uma das resinas mais estáveis para uso geral em conservação (BURGI; MENDES; BATISTA, 1990).
40 O Primal é uma emulsão acrílica de baixa viscosidade à base de água.
48
Figura 03: Testes de consolidação em material ósseo.
Autora: Verônica C. Bilhalba dos Santos, 2010
Figura 04: Material ósseo após os testes de consolidação.
Autora: Verônica C. Bilhalba dos Santos, 2010.
2.2.1.2 Materiais metálicos
Foram realizados testes de limpeza eletrolítica, técnica eletroquímica que
consiste na montagem de uma célula eletrolítica – dois eletrodos em uma solução
que conduz eletricidade, denominada eletrólito – colocando o objeto como cátodo.
Ao aplicar uma corrente elétrica externa ao sistema, ocorrem reações de oxidação e
redução: o ânodo, de carga positiva, atrai os íons de carga negativa e se oxida; o
49
cátodo, de carga negativa, atrai os íons de carga positiva e se reduz, fazendo com
que a corrosão retorne ao seu estado metálico (HAMILTON, 1998).
Para o experimento, foram utilizados três pregos e um “pé de banheira”,
metais coletados em campo, mas que haviam sido descartados, sendo que somente
um prego teve o processo de limpeza finalizado. O eletrólito foi preparado com soda
cáustica e água, em concentração de 1% (60g de soda para 6 l de água). O objeto
foi pesado e então submetido à eletrólise por 4h e 10 minutos (fig. 05 e fig. 06). Após
o término do processo, a concreção restante foi retirada com o auxílio de bisturi e o
prego foi novamente pesado. O peso inicial, de 4,9 g, passou para 3,2 g, havendo
uma redução de 1,7 g.
Figura 05: Testes de limpeza eletrolítica com materiais metálicos.
Autora: Verônica C. Bilhalba dos Santos, 2010.
50
Figura 06: Elemento metálico após limpeza eletrolítica.
Autora: Verônica C. Bilhalba dos Santos, 2010.
2.2.1.3 Solo
De acordo com Porto Tenreiro (2000), é muito importante conhecer as
características do solo a ser escavado, pois deste modo podemos conhecer as
condições do meio e prever as alterações que os materiais irão sofrer após o
resgate. Segundo a autora, o conhecimento de fatores como a composição, a
granulometria, a estrutura, a permeabilidade, o grau de umidade, a presença de sais
solúveis, o valor do pH, etc., são decisivos para a escolha dos tratamentos de
conservação a serem dispensados.
No sítio Totó, com a escavação e os procedimentos de conservação in situ
já em andamento, foram realizadas medições de pH em quatro quadrículas, uma de
cada nível– a saber quadrícula 12.15 do nível 1, quadrícula 10.15 do nível 2,
quadrícula 8.10 do nível 3 e quadrícula 7.10 do nível 4. Em provetas de 100 ml,
foram colocados 10 ml de sedimento e 90 ml de água destilada. O sedimento foi
decantado e teve seu pH verificado através da utilização de fitas medidoras. Em
todos os níveis do solo, as medições indicaram o pH 6, que pode ser caracterizado
como ligeiramente ácido.
51
2.2.2 Planificação
A equipe de conservação não participou do planejamento da escavação,
iniciando sua participação a partir do primeiro dia do trabalho de campo.
2.2.3 Resgate
O resgate consiste no processo de retirada do objeto do solo (LORÊDO,
1994). A princípio, trata-se de um procedimento simples, mas que deve ser realizado
de forma cuidadosa e precisa. Em determinados casos, quando o objeto encontra-se
muito fragilizado ou deteriorado, faz-se necessária a utilização de métodos de
resgate específicos, como o levantamento em bloco, o enfaixamento ou engazado, e
o resgate em suportes rígidos (LACAYO, 2001; LORÊDO, 1994; GARCÍA & FLOS,
2008).
Todas as técnicas de resgate têm como objetivo oferecer maior sustentação
ao objeto a ser removido do solo. O resgate em bloco consiste na extração do objeto
juntamente com uma porção de terra ao seu redor, apoiando o sistema em um
suporte rígido a fim de oferecer maior sustentação (fig. 07). É utilizado em casos de
remoção objetos frágeis e/ou nos quais necessitem manter a peça em seu contexto.
Pode também ser utilizado em caso de um conjunto de objetos não identificados,
para os quais existe a necessidade de um microescavação posterior em laboratório
(CRONYN, 1990).
52
Figura 07: Imagem ilustrativa do resgate em bloco.
Fonte: INSTITUT CANADIEN DE CONSERVATION, 1991, p. 10.
O enfaixamento ou engazado consiste na aplicação de um suporte têxtil,
geralmente gaze ou faixas de algodão de trama e urdidura bem abertas, e um
adesivo (fig. 08) (GARCÍA & FLOS, 2008). Os adesivos devem ser reversíveis e de
alta densidade, para que transpassem o tecido, mas não penetrem no objeto. Este
tipo de sistema é indicado para artefatos intactos, mas que apresentam rachaduras,
ou ainda para peças fragmentadas cujos fragmentos encontram-se nos respectivos
lugares. Em caso de objetos muito fragmentados, as ataduras ou gazes podem ser
revestidas por camadas de gesso, sendo então o processo de resgate denominado
backing (LORÊDO, 1994).
Figura 08: Imagem ilustrativa do resgate do tipo enfaixado/engazado.
Fonte: INSTITUT CANADIEN DE CONSERVATION, 1991, p. 10.
53
Para o resgate em suportes rígidos, por sua vez, é aplicado sobre a peça
uma máscara ou molde, que pode ser de gesso, espuma poliuretano ou resina de
poliéster, reforçada com fibra de vidro (fig. 09). A utilização de espuma ou resina
requer a proteção dos objetos com plástico ou alumínio, em função da toxicidade
dos materiais (GARCÍA & FLOS, 2008).
Figura 09: Imagem ilustrativa do resgate em suportes rígidos.
Fonte: INSTITUT CANADIEN DE CONSERVATION, 1991, p. 10.
Para alguns materiais ósseos encontrados no sítio Totó, houve a
necessidade da realização de uma metodologia de resgate específica. Em alguns
fragmentos nos quais não era perceptível a integridade do material em sua
totalidade, foi realizado o resgate em bloco antecedido de consolidação (fig. 10 e fig.
11), para posterior identificação dos vestígios em laboratório. Alguns materiais
ósseos também tiveram que ser consolidados antes mesmo do resgate,
procedimento que será descrito no item 2.2.3.
54
Figura 10: Consolidação de bloco de sedimento para resgate.
Autor: Jaime Mujica Sallés, 2010.
Figura 11: Resgate em bloco de fragmentos ósseos após consolidação.
Autor: Jaime Mujica Sallés, 2010.
2.2.4 Limpeza
García & Flos (2008) categorizam as técnicas de limpeza em três tipologias:
mecânica, física e química. Por limpeza mecânica, compreende-se a retirada da
sujidade do objeto através do uso de um instrumento adequado, como escovas,
pincéis, bisturis, espátulas e brocas elétricas. Por limpeza física, caracterizam-se os
métodos que utilizam a aplicação de água, calor ou energia. A limpeza química, por
sua vez, consiste na utilização de substâncias que modificam a composição dos
55
produtos da sujidade, tornando-os solúveis e, consequentemente, facilmente
removíveis.
É importante ressaltar que, assim como a escavação, a limpeza é uma
operação intervencionista e irreversível (CRONYN, 1990). O critério de escolha do
tipo de limpeza a ser realizada e o grau de intensidade desta está diretamente ligado
aos objetivos da pesquisa arqueológica: pecas que tem como destino a exposição
geralmente serão submetidas a um processo de limpeza mais aprofundado que
materiais que serão utilizados para fins de publicação, por exemplo.
Em campo, a priori, a limpeza deve ser executada de forma mecânica,
objetivando somente a remoção superficial das sujidades (LORÊDO, 1994). O
sedimento deve ser removido apenas de forma parcial, sendo retirado somente o
necessário para identificar forma, tamanho, componentes e estado de conservação
do objeto. Mantê-lo junto ao objeto possibilita a extração de mais informações a
respeito do contexto no qual o objeto foi encontrado, além de auxiliar na
conservação através da preservação do microclima original (GARCÍA & FLOS,
2008).
No sítio Totó, a maioria dos materiais não sofreu intervenção de limpeza,
sendo os objetos mantidos juntamente com o sedimento, porém em quantidade não
suficiente para manter o microclima. A limpeza mecânica foi efetuada em alguns
materiais, nos quais era necessária para que a consolidação pudesse ser realizada
de forma eficaz.
2.2.5 Consolidação
A consolidação consiste no tratamento destinado a devolver a coesão ou
consistência aos materiais fragilizados em sua estrutura (CALVO, 1997). Em campo,
muitas vezes é necessário realizá-la antes mesmo do resgate do objeto, nos casos
em que o estado de degradação é tão avançado que a simples remoção do local de
origem pode destruir a peça. Este é o caso do acima citado método do engazado,
que se utiliza de adesivos consolidantes41 para que o objeto não sofra nenhuma
desintegração no momento da extração.
41
Produtos ou substâncias que servem para preencher os poros ou espaços vazios de um objeto, e desta forma devolver a resistência mecânica e a estabilidade a um objeto. São compostos
56
Os consolidantes podem ser de origem natural ou sintética, e de alta ou
baixa densidade. A escolha do produto e do modo de aplicação – por impregnação,
gotejamento, pulverização ou injeção – dependerá das características tipológicas do
material e de seu estado de conservação. De um modo geral, para objetos úmidos
ou molhados devem ser utilizados consolidantes à base de água, como o PVA42 e o
Primal B-60A, e para peças secas consolidantes à base de emulsões não
aquosas, como o Paraloid B72 e o Acryloid B72 (LACAYO, 2001).
A consolidação dos materiais arqueológicos in situ possui caráter provisório,
sendo continuada e finalizada em laboratório (GARCÍA & FLOS, 2008). Por esse
motivo, as intervenções devem ser pontuais e, até certo ponto, reversíveis43. Outro
fator importante diz respeito às análises: nenhum consolidante deve ser aplicado em
objetos que serão submetidas a exames, pois os adesivos irão contaminar a
amostra e impossibilitar a realização dos mesmos (SEASE, 1994).
No Totó, a consolidação foi realizada apenas em materiais cerâmicos e
ósseos que apresentaram rachaduras e/ou que necessitaram de intervenção para
serem resgatados em sua integridade física. Foram utilizados como consolidantes o
Paraloid B72 em concentração 5%44, para materiais secos (fig. 12), e o Primal B-
60A em concentração 10%45, para materiais úmidos (fig. 13). Os materiais foram
consolidados por impregnação, através do uso de instrumento conta-gotas.
Alguns materiais cerâmicos foram reintegrados ainda in situ (fig. 14). Para a
colagem de fragmentos, foi utilizado também o Paraloid, porém em concentração
de 20%, a fim de conferir maior estabilidade à reintegração. Materiais ósseos que se
encontravam em avançado estado de degradação tiveram que ser consolidados
antes mesmo do resgate, sendo somente retirados do solo após a secagem do
consolidante (fig. 15).
de uma substância adesiva dissolvida em meio aquoso ou não aquoso (CALVO, 1997; GARCIA & FLOS, 2008).
42 Adesivo consolidante e ligante à base de acetato de polivinila (BURGI, MENDES E
BAPTISTA, 1990). 43
O conceito de reversibilidade na Conservação e Restauro vem sendo discutido e revisto, uma vez percebido que, embora alguns produtos sejam removíveis, acabam por deixar traços de sua utilização nos objetos.
44 Diluído em acetona.
45 Diluído em água destilada.
57
Figura 12: Consolidação de material ósseo úmido.
Autor: Jaime Mujica Sallés, 2010.
Figura 13: Consolidação de material ósseo seco.
Autor: Jaime Mujica Sallés, 2010.
58
Figura 14: Reintegração de fragmentos cerâmicos.
Autor: Jaime Mujica Sallés, 2010.
Figura 15: Material ósseo consolidado antes do resgate.
Autor: Jaime Mujica Sallés, 2010.
2.2.6 Acondicionamento e transporte
Após o término do trabalho de campo, os objetos resgatados devem ser
transferidos para o laboratório de modo adequado, para que não ocorram alterações
em sua constituição (GARCÍA & FLOS, 2008). As embalagens devem ser
confeccionadas em materiais inertes, e apresentar características proporcionais a
cada objeto, como dimensões, volume, peso, estado de conservação, etc. Além
59
disso, o acondicionamento deve garantir a estabilidade climática, através de
materiais que controlem a temperatura e a umidade relativa.
O polietileno é, por excelência, o material mais adequado para a confecção
de embalagens para materiais arqueológicos, em função de sua estabilidade. No
caso da utilização de caixas, estas devem forradas com material acolchoado, como
espuma de polietileno, para amortecer e proteger o objeto de eventuais choques ou
vibrações no momento do transporte (fig. 16 e fig. 17). Os objetos devem ser
acondicionados individualmente, ou, caso não seja possível, em grupos de acordo
com a tipologia (LORÊDO, 1994).
Figura 16: Imagem ilustrativa de embalagem de acondicionamento.
Fonte: SEASE, 1994, p. 37.
Figura 17: Imagem ilustrativa de acondicionamento para transporte.
Fonte: SEASE, 1994, p. 40.
Sacos de polietileno também são recomendados para o acondicionamento
dos objetos (fig. 18), atentando, porém, para a formação de condensação dentro da
embalagem. Peças que foram consolidadas devem receber atenção especial, pois
60
muitos produtos consolidantes não são compatíveis com materiais de embalagem
nem com altas temperaturas (SEASE, 1994).
Figura 18: Embalagem de polietileno com fecho hermético.
Fonte: INSTITUT CANADIEN DE CONSERVATION, 1991, p. 12.
Os materiais cerâmicos consolidados e resgatados em bloco foram
embalados em filme plástico (fig. 19). Os fragmentos cerâmicos e ósseos foram
acondicionados em sacos plásticos perfurados, e as etiquetas de identificação das
peças, inicialmente colocadas dentro da embalagem, foram colocadas em pequenos
sacos plásticos e amarradas pelo lado de fora (fig. 20). Estes procedimentos visaram
evitar a condensação dentro dos materiais de acondicionamento. Os materiais
líticos, por sua vez, foram acondicionados em embalagens confeccionadas com
plástico-bolha46 (fig. 21) e posteriormente, na falta deste material, em papel alumínio,
material com os quais também foram embaladas as amostras de carvão47.
Após o acondicionamento, em um primeiro momento, os materiais foram
armazenados em baldes plásticos, até que fosse realizado o transporte para o
laboratório. Para uma melhor organização, posteriormente as peças foram
separadas por proveniência de quadricula e tipologia, sendo então colocadas dentro
46
Os materiais líticos receberam diferente acondicionamento, pois qualquer lascamento indevido pode prejudicar a análise desta tipologia material.
47 Conforme visto em estágio curricular realizado pela autora, para o processo de datação
por termoluminescência, por exemplo, é imprescindível que os vestígios a serem analisados recebam o mínimo possível de luminosidade, sendo o papel alumínio um dos materiais indicados para a vedação.
61
de sacos plásticos maiores. É importante ressaltar que estas embalagens não foram
perfuradas, facilitando uma provável condensação.
Figura 19: Acondicionamento de fragmentos cerâmicos em bloco.
Autor: Jaime Mujica Sallés, 2010.
Figura 20: Acondicionamento de fragmentos cerâmicos.
Autor: Mara Vasconcelos, 2010.
62
Figura 21: Acondicionamento de fragmentos líticos.
Autor: Mara Vasconcelos, 2010.
2.2.7 Registro e documentação
A documentação dos processos de conservação in situ é primordial e
indispensável. Uma vez que os tratamentos serão continuados em laboratório, toda
informação a respeito dos mesmos deve ser produzida e registrada, para que se
possa ter acesso a dados como o contexto em que o objeto foi encontrado, o estado
de conservação, o método de resgate utilizado, os produtos aplicados na
consolidação, etc. Além disso, a documentação referente à conservação é parte da
vida do objeto, tornando-se também fundamental para uma posterior musealização
das coleções.
A documentação escrita pode estar acompanhada de registros gráficos e
fotográficos, mapas, plantas, dentre outros (GARCÍA & FLOS, 2008). No caso das
intervenções de conservação a campo, a utilização de uma ficha de preenchimento
simplificado agiliza a organização da informação e otimiza o trabalho de
documentação. Cada etapa ou tratamento deve ser rigorosamente registrado,
atentando para a descrição de todos os detalhes de cada processo.
De este modo, tanto los procesos de conservación-restauración de un bien arqueológico son realizados por una misma persona o por personas distintas, sin interrupción o en distintas etapas, se asegura la continuidad del proceso y se impide la pérdida de la mas mínima información sobre su secuencia (GARCÍA & FLOS, 2008, p. 143).
63
No sítio Totó, todos os procedimentos de conservação foram registrados em
fichas de intervenção e nos cadernos de campo (fig. 22 e fig. 23). Após a verificação
das necessidades acerca da conservação que a prática arqueológica trazia, o grupo
elaborou um protocolo de conservação in situ que resultou na ficha de intervenção
(ver anexo A), a fim de otimizar e documentar a aplicação dos métodos de
higienização e consolidação dos objetos. Na ficha, eram descritos os objetos
encontrados, sua tipologia, quadrícula de origem, nível de localização e
procedimentos e produtos utilizados.
Após a elaboração do protocolo, foi criada um livro-diário para descrição
pormenorizada dos procedimentos de conservação, uma vez que no protocolo não
havia local para detalhamento das informações. O preenchimento do livro,
entretanto, foi abolido a certa altura do trabalho, por estar tornando lento o ritmo da
escavação e o processo de conservação dos materiais resgatados.
Figura 22: Fichas e livro-diário em laboratório de campo.
Autor: Jaime Mujica Sallés, 2010.
64
Figura 23: Verônica C. B. dos Santos, integrante da equipe de conservação, realizando a
documentação dos procedimentos in situ.
Autor: Jaime Mujica Sallés, 2010.
2.3 Análises em laboratório
A fim de verificar a influência das intervenções de conservação in situ
realizadas no sítio PS-03 Totó, foram analisadas, no LEPAARQ/UFPel, algumas das
peças tratadas. A escolha para análise foi aleatória, não obedecendo a nenhum
critério pré-estabelecido, e de caráter ilustrativo, ou seja, teve como objetivo apenas
a demonstração da validade dos métodos, e não o exame dos todos os materiais
que sofreram intervenção.
2.3.1 Materiais cerâmicos
Dentre os vestígios arqueológicos, a cerâmica se constitui como um dos
grupos mais importantes, devido a sua abundância nas escavações (SANZ
NAJERA, 1988). Na campanha de resgate arqueológico do sitio Totó em 2010 não
foi diferente: os fragmentos cerâmicos formaram a maior parte dos achados –
aproximadamente 52% do total de vestígios.
Conforme abordado no capítulo 1, as cerâmicas se configuram como um dos
materiais arqueológicos mais resistentes e estáveis - o que pode explicar o alto
índice de recuperação destes vestígios –, mas podem apresentar problemas de
deterioração, em função de seu material de constituição e das características do
65
ambiente. Apesar disso, no sítio Totó, os fragmentos cerâmicos se encontravam em
bom estado de conservação.
Foram analisadas posteriormente em laboratório três peças de material
cerâmico que sofreram intervenção de conservação in situ – peças de numeração
10, 15 e 34. Além da realização de registro fotográfico, foram observados o aspecto
e estado de conservação dos fragmentos, sendo estes então analisados em relação
ao tipo de tratamento efetuado.
A peça de número 10 foi reintegrada in situ, conforme procedimento
demonstrado no item 2.2.3 deste capítulo. O estado atual de conservação do objeto
é bom: a peça se encontra consolidada e estável, porém com aspecto
esbranquiçado, este já observado após a secagem do material em campo (fig. 24).
Através do uso da lupa estereoscópica, pode-se visualizar que o adesivo
consolidante não penetrou no material, ficando aderido somente à superfície. Neste
caso, a alta concentração do consolidante acarretou a rápida evaporação do
solvente, no caso a acetona, e o adesivo acabou por secar antes de penetrar no
material48. O mesmo aconteceu com a peça n 34, que também recebeu tratamento
de consolidação em campo (fig. 25).
De acordo com Sease (1994), em climas quentes e secos a acetona evapora
com rapidez, e deve ser substituída por solventes menos voláteis, como o tolueno.
Caso isso não seja possível, a autora recomenda que consolidação deve ser feita
em períodos do dia mais frescos, como pela manhã; outra solução é embalar o
objeto em folha de alumínio após a aplicação do consolidante, procedimento que
auxilia na diminuição da velocidade de evaporação da acetona.
48 Sease (1994) recomenda que, no caso de objetos secos, a concentração do consolidante
deve ser, nas primeiras camadas, baixa, entre 3 e 4%, aumentando para entre 7 e 10% nas camadas
posteriores.
66
Figura 24: Peça n 10 após intervenção in situ.
Autor: Mara Vasconcelos, 2011.
Figura 25: Peça n 34 após intervenção in situ.
Autor: Mara Vasconcelos, 2011.
A peça número 15 (fig. 26), dois fragmentos, apresenta ótimo estado de
conservação, sem a presença de manchas e bem consolidada. O tipo de
consolidante, no entanto, não foi informado na ficha de intervenção nem na etiqueta
que acompanha o objeto, o que não tornou possível a análise dos resultados do
tratamento.
67
Figura 26: Peça n 15 após intervenção in situ.
Autor: Mara Vasconcelos, 2011.
2.3.2 Materiais ósseos
O estado de conservação dos ossos está diretamente relacionado às
características do solo no qual se encontram enterrados (CAMPILLO, 1987; PORTO
TENREIRO, 2000; BOUZAS & LABORDE, 2003). No sítio Totó, as análises de pH
indicaram um meio ligeiramente ácido que, combinado ao clima úmido característico
da região, tornam o solo prejudicial aos materiais orgânicos, especialmente os
ossos. Solos ácidos atacam o componente mineral dos materiais ósseos,
provocando a perda da rigidez; locais com excesso de umidade, por sua vez,
decompõe a parte orgânica, acarretando em sua decomposição49.
De acordo com Sanz Najera (1988, p. 70), “la conservación de huesos
pasara casi siempre por la necesaria impregnación con consolidantes reversibles”.
No Totó, optou-se pela realização da consolidação in situ devido à fragilidade e
avançada deterioração de alguns materiais. Metodologias referentes ao resgate e
acondicionamento também fizeram com que estes chegassem ao laboratório
estabilizados e em bom estado, em comparação a materiais ósseos que não
sofreram intervenção.
49
Os ossos são constituídos basicamente por um componente orgânico, a osseína, e por um componente inorgânico, composto por fosfato de cálcio, carbonato de cálcio e fluoreto de cálcio (PORTO, 2000).
68
Foram analisadas em laboratório seis peças de material arqueofaunístico:
cinco que foram consolidadas in situ e uma que não sofreu intervenção. As peças n
59, n 64, n 78, n 82 e n 90, consolidadas com Primal a 10% - com exceção da
peça n 64, na qual o consolidante não foi informado na etiqueta e ficha de
conservação – e acondicionadas em sedimento, encontravam-se em ótimo estado
de conservação, apresentando estabilidade e resistência (fig. 27 a fig. 32). A peça n
20, que não foi consolidada in situ, encontrava-se quebradiça e pulverulenta (fig. 33).
Figura 27: Peça n 59 após intervenção in situ.
Autor: Mara Vasconcelos, 2011.
Figura 28: Peça n 64 após intervenção in situ.
Autor: Mara Vasconcelos, 2011.
69
Figura 29: Peça n 78 após intervenção in situ.
Autor: Mara Vasconcelos, 2011.
Figura 30: Peça n 82 após intervenção in situ.
Autor: Mara Vasconcelos, 2011.
70
Figura 31: Peça n 90 após intervenção in situ.
Autor: Mara Vasconcelos, 2011.
Figura 32: Peça n 82 acondicionada em sedimento acompanhada da etiqueta de
identificação.
Autor: Mara Vasconcelos, 2011.
71
Figura 33: Peça n 30, sem intervenção in situ.
Autor: Mara Vasconcelos, 2011.
2.3.3 Documentação
Juntamente com a análise dos objetos, foram revisadas as fichas de
intervenção in situ e o livro diário. De um total de 96 fichas, houve o extravio de 47,
nomeadamente as fichas de n 1 a 27, de n 33 a 52 e de n 71, 86. As fichas n 59,
69 e 86 não indicavam o número do objeto que sofreu intervenção. Nas fichas n 62,
63 e 80 não foi registrado o tratamento dispensado ao material. Todas as fichas
foram digitalizadas e irão integrar o banco de dados do Sítio Totó.
CAPÍTULO 3. A CONSERVAÇÃO IN SITU COMO ESTRATÉGIA PARA A
GESTÃO DOS ACERVOS ARQUEOLÓGICOS
No sistema de gestão dos acervos, todos os profissionais devem estar
envolvidos para alcançar o objetivo maior: a preservação dos bens culturais.
Gerenciar um acervo pressupõe uma série de práticas diversas, mas
interdependentes, que em suas especificidades devem refletir o todo, neste caso a
instituição de salvaguarda.
Partindo desses pressupostos, cada equipe responsável pelo gerenciamento de coleções deve produzir um trabalho constante de planejamento, por meio de projetos específicos, visando buscar recursos que viabilizem o trabalho de preservação de seu acervo (FRONER & SOUZA, 2008, p. 13).
Neste ponto, a gestão dos acervos de origem arqueológica não é diferente:
possui caráter interdisciplinar, necessitando do diálogo entre diferentes áreas para
que seja efetiva. Entretanto, as características dos acervos arqueológicos os tornam
um caso à parte, pois, além de estes incluírem não somente os artefatos, mas
também outros materiais e informações associadas, se caracterizam pela fragilidade
e acelerada degradação das coleções, causadas pela brusca mudança ambiental no
momento do resgate.
Como aponta Swain (2007), o desafio em gerenciar estas complexas
coleções abrange não somente a necessidade de metodologias específicas para
materiais específicos, mas, também, a de manter a relação entre os diferentes
elementos. Além disso, diferentemente de outras tipologias de coleções, os acervos
arqueológicos possuem a particularidade de se formarem ainda em campo. No
momento em que um objeto de origem arqueológica é selecionado e coletado, é
automaticamente patrimonializado, o que implica na obrigatoriedade, por lei, de sua
preservação.
Conforme referido no capítulo 1, grande parte dos acervos arqueológicos
têm sofrido as consequências do descaso e da desinformação a respeito das
práticas de preservação. Os materiais arqueológicos tem se degradado nas reservas
73
técnicas antes mesmo de cumprirem seus objetivos de pesquisa e divulgação.
Devido ao quadro atual, a necessidade de intervenções de conservação tem sido
cada vez mais sentida pelos profissionais da Arqueologia, e a presença do
conservador, consequentemente, cada vez mais requisitada.
Assim como cada vez mais os arqueólogos estão desenvolvendo uma abordagem de conservação integrada em suas pesquisas de campo, [...], o mesmo começa a ocorrer em relação à conservação preventiva em „depósitos‟ e reservas técnicas. Pressão de múltiplas naturezas – interna e externas à disciplina – deverão colocá-la, em futuro próximo, na condição de prioridade máxima da investigação arqueológica, em todas as suas etapas, do campo à exibição ao público. (LIMA & RABELLO, 2007, p.248).
Conforme afirma Alves (2010, p. 66) existe uma “latente necessidade de
conservação dos materiais arqueológicos, desde sua retirada do contexto
arqueológico”. Muitos profissionais da área, entretanto, não estão aptos a tratar dos
materiais de forma a evitar sua degradação. Lima e Rabello (2007) apontam que os
arqueólogos não possuem em sua formação aprendizados básicos sobre
conservação:
[...] por puro desconhecimento, dispensamos tratamento inadequado a materiais sensíveis e armazenamos de forma incorreta as coleções sob nossa responsabilidade, contribuindo – sem querer e sem saber – para acelerar sua deterioração (LIMA & RABELLO, 2007, p. 246).
A participação do conservador, assim, tem sido buscada por muitos
arqueólogos e pesquisadores, que veem na figura do profissional da Conservação
mais um gestor deste patrimônio. A atuação deste profissional inicia ainda na
planificação do trabalho de campo: é neste momento que são definidas as
metodologias que serão aplicadas e os materiais que serão utilizados, em função da
tipologia do sítio e dos prováveis vestígios a serem resgatados.
No caso do sítio PS-03 Totó, a equipe de conservadores não participou de
forma efetiva na planificação da escavação. Este fato implicou em um despreparo da
equipe para a realização das ações de conservação. As tipologias e quantidade de
materiais a serem resgatados não puderam ser calculadas e, como consequência,
os produtos e instrumentos necessários não puderam pensados com antecedência,
sendo adquiridos no decorrer do trabalho de campo.
Outra questão importante referente à planificação e também à conservação
diz respeito aos critérios de coleta dos materiais. No sítio Totó, em função dos
74
objetivos da pesquisa do arqueólogo Aluísio Alves, a escavação foi de ampla
superfície, e praticamente todos os vestígios encontrados foram coletados. Esta
prática, entretanto, vai de encontro à recente perspectiva que instituições e
profissionais da área começam a compartilhar: a tendência de diminuição dos
materiais resgatados, a fim de evitar o número excessivo de objetos que vem
superlotando os espaços de salvaguarda dos bens arqueológicos.
Atualmente, a arqueologia tem procurado diminuir os procedimentos exaustivos de escavação, levando-se em conta um grande número de fragmentos e objetos “perdidos” em reservas ou salas, sem nenhum tipo de estudo (FRONER & SOUZA, 2008, p. 4).
Por outro lado, preservar parte do sítio é uma estratégia importante para
possibilitar futuros estudos com eventuais técnicas analíticas mais avançadas e
menos destrutivas. Este é um dos motivos pelo qual a carta de Lausanne sugere,
como descrito no capítulo 1, que em um trabalho de campo sejam preservados
setores sem intervenção ou alteração.
Cabe ao arqueólogo determinar critérios de seleção e descarte para os
objetos encontrados, em função do projeto e objetivos, ainda na etapa de
planejamento do trabalho de campo. Assim como os profissionais da Arqueologia,
também as instituições de salvaguarda devem definir quais são os critérios para
aquisição destes acervos, devendo levar em consideração fatores como
identificação com a política institucional, tipologia e potencial informativo do objeto,
sua procedência e estado de conservação (VEGA et al, 2008).
Não é possível fugir da atribuição de valores no momento de priorizar esta ou aquela obra, este ou aquele artefato a ser preservado, esta ou aquela coleção a ser organizada. [...] Quando falamos de uma política de preservação, estamos colocando no centro do problema as decisões tomadas por pessoas e instituições: são estas decisões que determinam quais são os bens materiais culturais que devem ser preservados ou não, a quem interessam estes bens, qual o sentido deles para a cultura ou a história da humanidade (FRONER & SOUZA, 2008, p.3-4).
Lima e Rabello (2007, p. 249) relembram que é dever ético dos profissionais
da Arqueologia assegurar a preservação dos acervos arqueológicos, em especial
“das coleções por eles produzidas ou que estão sob sua responsabilidade”. Neste
âmbito, é importante lembrar que esta obrigatoriedade diz respeito também aos
aspectos legais do fazer arqueológico. Desta forma, é fundamental para a gestão de
75
preservação dos acervos arqueológicos que as condições de conservação e
salvaguarda dos materiais resgatados sejam asseguradas ainda na fase do
planejamento.
Apesar não ter participado da etapa da planificação, o fato da equipe de
conservação ter atuado no sítio Totó ativamente desde o início do trabalho de
campo, possibilitou o aprendizado das técnicas de escavação, e, em um âmbito
maior, o conhecimento das necessidades e objetivos da práxis arqueológica. Para o
profissional da Conservação que deseja se especializar na área de conservação
arqueológica, os conhecimentos básic os a respeito da prática do arqueólogo são
indispensáveis, pois é a partir desta que o conservador poderá pensar a intervenção
in situ como um fator complementar ao trabalho de campo, que contribua e não
interfira no fazer arqueológico.
O profissional que vem surgindo deste contexto pode se configurar na figura
do conservador especializado em Arqueologia bem como na do arqueólogo
especializado em Conservação, que assim, como o conservador, deve se buscar o
aprendizado teórico e prático da área na qual esta se inserindo. A compreensão de
que o conservador não intervém somente no laboratório e de que o arqueólogo não
atua unicamente no campo torna ainda mais conveniente a união destes perfis em
um só profissional (RODGERS, 2004).
As ações de conservação in situ no sítio Totó também demonstraram a
importância dos testes e análises prévias antes de qualquer intervenção. Através
dos testes de consolidação, puderam ser escolhidos os produtos e técnicas mais
adequados a cada tipologia material. A análise do pH do solo, entretanto, deveria ter
sido executada anteriormente ao início das intervenções, pois a caracterização do
solo como meio ácido é uma informação importante para a escolha dos tratamentos
e das formas de acondicionamento e armazenagem.
As intervenções de consolidação in situ foram mais bem sucedidas nos
materiais ósseos do que nos cerâmicos, nos quais ocorreu o problema da não
penetração do consolidante em algumas peças, em função do clima e da
consequente evaporação quase que imediata do solvente, o que resultou na
ocorrência de manchas na superfície dos materiais (tab. 1).
76
A escolha do produto consolidante e de sua concentração, neste caso, não
foi adequada para as características ambientais do sítio Totó. Percebe-se aí a
problemática da utilização de bibliografia estrangeira, em grande parte europeia e
norte-americana, em função da parca bibliografia brasileira a respeito do tema, e que
muitas vezes não é condizente com os fatores ambientais que encontramos no país
ou, mais especificamente, em nossa região.
[...] os critérios da Conservação Preventiva têm sofrido uma série de ajustes, em função das especificidades dos materiais existentes nos bens patrimoniais, móveis e imóveis, e das áreas nas quais estes objetos encontram-se lotados. Assim, os critérios adotados em países de clima tropical não devem ser os mesmos daqueles adotados em clima temperado: a realidade é distinta; os parâmetros são distintos; os mecanismos são distintos, portanto, a maneira de controlar cada contexto também é diferente (FRONER et al, 1997, p. 194).
Os produtos e materiais indicados pelos autores, por sua vez, nem sempre
estão disponíveis no mercado brasileiro, e quando se encontram disponíveis
possuem um alto custo. Como demonstrado na lista de materiais do anexo B, é
extenso e diversificado o rol de itens demandado pelas práticas de conservação
arqueológica. Quanto maior a heterogeneidade de tipologias, característica inata aos
Tabela 1 – Análise dos materiais cerâmicos
PEÇA N 10 PEÇA N 15 PEÇA N 34
N DE FRAGMENTOS 2 2 2
TRATAMENTO IN SITU
REINTEGRAÇÃO CONSOLIDAÇÃO CONSOLIDAÇÃO
PRODUTOS UTILIZADOS
PARALOID 20%
NÃO INFORMADO
PARALOID 10% E 20%
ACONDICIONAMENTO EM SACO PLÁSTICO
EM SACO PLÁSTICO
EM SACO PLÁSTICO
ESTADO DE CONSERVAÇÃO
BOM, COM MANCHAS
BOM, COM MANCHAS
BOM, COM MANCHAS
77
acervos arqueológicos, maiores e mais diversos serão ainda os insumos
necessários à intervenção in situ. Neste sentido, o planejamento auxilia na questão
da captação e organização dos recursos, sejam estes humanos ou financeiros.
Ainda assim, conforme as análises posteriores em laboratório, as peças
consolidadas in situ se encontravam, de modo geral, estabilizadas e em bom estado
de conservação. Os materiais ósseos que sofreram intervenção, por exemplo,
estavam em melhor estado que o material que não foi consolidado, como pode ser
observado na tabela 2.
Tabela 2 – Análise dos materiais ósseos
PEÇA N
30 PEÇA N 59 PEÇA N 64 PEÇA N 78 PEÇA N 82 PEÇA N 90
N DE FRAGMENTOS
1 6 2 3 3 1
TRATAMENTO IN SITU
NENHUM CONSOLIDAÇÃO CONSOLIDAÇÃO CONSOLIDAÇÃO CONSOLIDAÇÃO CONSOLIDAÇÃO
PRODUTOS UTILIZADOS
- PRIMAL 10% NÃO
INFORMADO PRIMAL 10% PRIMAL 10% PRIMAL 10%
ACONDICIONA-MENTO
EM SACO PLÁSTICO
EM SEDIMENTO EM SEDIMENTO EM SEDIMENTO EM SEDIMENTO EM SEDIMENTO
ESTADO DE CONSERVAÇÃO
REGULAR ÓTIMO ÓTIMO ÓTIMO ÓTIMO ÓTIMO
Ainda a respeito da consolidação, é importante atentar para o fato que
algumas análises, como exames microscópicos, testes de datação, dentre outros,
são impossibilitadas pela aplicação dos produtos consolidantes (CAMPILLO, 1987).
Neste caso – no qual se percebe mais uma vez a importância da planificação
conjunta – conservador e arqueólogo devem decidir previamente que tipos de
análises serão efetuadas, para que sejam aplicados os protocolos de conservação
que atendam aos parâmetros necessários.
Além dos procedimentos de consolidação in situ, o acondicionamento e
transporte adequados dos materiais resgatados em campo garantem a estabilidade
destes até a chegada e processamento em laboratório. Segundo Lacayo (2001), o
objetivo de um bom acondicionamento é proporcionar a proteção adequada em três
níveis: físico, químico e biológico, devendo ser preferida a utilização de suportes
inertes, que evitem ao máximo as variações climáticas e a manipulação direta dos
objetos.
As embalagens plásticas utilizadas no sítio Totó, apesar de não serem do
material ideal indicado pela bibliografia consultada50, aparentemente, não afetaram a
estabilidade dos objetos. Medidas alternativas simples, como a perfuração dos
sacos para evitar a condensação interna, substituíram soluções que não estavam
disponíveis, como o acondicionamento com sílica gel. O acondicionamento em
sedimento dos materiais ósseos minimizou a variação climática causada pelo
resgate, auxiliando na conservação dos objetos.
No referente à documentação, a elaboração da ficha de intervenção também
não pode ser planejada, de forma que acabou por ser elaborada concomitantemente
ao trabalho de campo. Este fato resultou no “atraso” da aplicação das fichas em
campo, o que pode explicar o desaparecimento das fichas iniciais, que podem, ao
invés de terem sido extraviadas, não terem sido preenchidas. O extravio das outras
fichas se deve, provavelmente, à dificuldade de organizar e sistematizar os
documentos ainda em campo, lembrando que outras fichas e protocolos referentes à
pesquisa arqueológica também são parte da documentação, e tornam este
contingente ainda maior.
50
Sacos de polietileno com fechos herméticos (INSTITUT CANADIEN DE CONSERVATION, 1991; SEASE, 1994; LORÊDO, 1994; ANTONIO J. WARING, JR. ARCHAEOLOGICAL LABORATORY, 2010; dentre outros).
80
Ainda assim, a criação da ficha de intervenção uniformizou e organizou o
trabalho. O estabelecimento de um protocolo de conservação – neste caso, a
determinação dos produtos e técnicas aplicados a cada tipologia material - e a
elaboração de um diário de campo para a descrição das intervenções foram
importantes para a comunicação entre a equipe de conservação, uma vez que
diferentes equipes iam a campo em dias alternados.
Outra questão importante referente à documentação diz respeito ao registro
fotográfico. No sítio Totó, muitas das peças que sofreram intervenção não foram
fotografadas antes de serem submetidas ao tratamento in situ. Isto dificulta a análise
posterior em laboratório, pois impossibilita a comparação dos materiais antes e
depois da intervenção.
La fotografía de registro es indispensable en el proceso de documentación de bienes patrimoniales para su identificación y reconocimiento en caso de pérdida. Además, permite examinar los objetos fuera de su ambiente controlado, aporta en el conocimiento de la historia de su alteración en el plano material y estético y en un nivel de mayor especialización, sirve con propósitos de publicación (ROUBILLARD ESCUDERO In: NAGEL VEGA et al, 2008, p. 30).
Ainda segundo a autora, o registro fotográfico tem como objetivo
Permitir la identificación, obteniendo un registro tan preciso como sea posible en cuanto a textura, color, brillo/opacidad/transparencia, descripción morfológica, etc. Por tanto, en ellas lo importante no es la estética de la toma, sino que proporcione una descripción exhaustiva y sistemática del objeto, donde no se altere la descripción de sus materiales, proporción, estado de conservación y marcas de identificación (ROUBILLARD ESCUDERO op. cit., 2008, p. 30).
Percebeu-se também, neste caso, a dificuldade da realização de registro
fotográfico adequado em campo, pois este necessita de uma mínima estrutura –
base para apoio do objeto, tripé, escala de cores, fundo monocromático – para que
seja efetuado de forma correta.
Ainda que alguns procedimentos, como a escolha e aplicação dos
consolidantes e a organização da documentação, tenham que ser reavaliados, a
intervenção in situ no sítio Totó foi, de certa forma, bem sucedida. Os materiais que
sofreram intervenção chegaram ao laboratório estabilizados e em bom estado de
conservação, oferecendo ao pesquisador um tempo maior para o processamento
dos dados, sem que ocorra a deterioração dos objetos. Além disso, no futuro, a
81
preservação destes acervos permitirá que os dados sejam novamente examinados e
reinterpretados, na medida em que novos conhecimentos sejam construídos e novas
questões sejam elaboradas pelos pesquisadores (RODGERS, 2004).
Outro aspecto observado na prática realizada no sítio Totó foi a importância
da participação do museólogo a campo. Na medida em que este atua, assim como o
conservador, em todas as etapas do projeto arqueológico, obtém informações e
subsídios fundamentais à incorporação dos objetos ao acervo da instituição de
salvaguarda e à elaboração de uma exposição contextualizada.
A intervenção in situ no sítio Totó se configurou como uma iniciativa, inédita
na região e talvez no país, de aproximação entre as áreas da Conservação,
Museologia e Arqueologia, e, consequentemente, entre seus atores. Mais do que
isso, trouxe discussões que somente vêm à tona dentro do contexto da prática
conjunta, e que, de certo modo, podem ser resumidas no seguinte questionamento:
como integrar, de forma efetiva, participativa e produtiva, as atuações destas áreas?
Segundo Fagan (2003), as respostas envolvem ações diretamente ligadas
ao meio acadêmico: renovação da prática arqueológica básica, tornando a
Conservação como estratégia central das pesquisas; desenvolvimento de novos
métodos não invasivos, que minimizem a ocorrência de escavações; publicações a
respeito do tema em todos os níveis acadêmicos, inclusive antes da realização dos
trabalhos de campos, indicando estratégias de preservação dos vestígios
resgatados e dos registros associados.
Lidando com dois conceitos – Arqueologia e Preservação – que se sustentam na existência de produtos humanos em grande parte materiais ou registrados por meios materiais, o resultado é uma necessária atitude em relação às responsabilidades sobre este enorme acervo resultante dos trabalhos de Arqueologia, se os quisermos perceber sob uma ótica patrimonial (FORTUNA, POZZI & CÂNDIDO, 2001, p. 2).
Como demonstrado, as práticas de conservação in situ auxiliam diretamente
na gestão dos acervos arqueológicos, não somente em relação à preservação dos
vestígios, mas também nas questões referentes às etapas de aquisição e
documentação destes acervos. Em função do panorama atual destes acervos, a
presença do profissional da conservação também tem se tornado fundamental nas
reservas técnicas de laboratórios e museus de Arqueologia. O conservador vem se
configurando, portanto, como mais um gestor destes bens, em uma atuação que,
83
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estado atual de degradação de grande parte dos acervos arqueológicos,
em decorrência da complexidade e variedade tipológica destes materiais, da
intensificação das pesquisas em função dos trabalhos de arqueologia de salvamento
e das más condições das reservas técnicas de museus e laboratórios, tem
comprometido as pesquisas e a salvaguarda destes bens. Por esse motivo, a
Conservação tem, cada vez mais, figurado como protagonista no sistema de gestão
destes acervos.
Apesar de leis, cartas patrimoniais e outros documentos afins já
expressarem, há muito, a preocupação com o patrimônio arqueológico e com as
práticas de preservação destes acervos, a situação real vai de encontro a estas
formulações. As condições de salvaguarda dos acervos arqueológicos configuram-
se realmente, como tem chamado alguns pesquisadores, como uma crise, no
sentido grave e aflitivo expressado por esta palavra.
Esta conjuntura tem levado os profissionais envolvidos na preservação deste
patrimônio a desenvolver uma nova visão a respeito da gestão dos acervos
originados pelas pesquisas arqueológicas. É crescente, ainda que em pequena
escala, a busca por novas formas e sentidos nos fazeres arqueológicos,
principalmente pela interdisciplinaridade, tão incentivada na teoria mas pouco
executada na prática. O trabalho desenvolvido no sítio Guarani PS-03 Totó é um dos
exemplos destas incipientes iniciativas.
No sítio Totó, percebeu-se a importância da participação dos profissionais da
Conservação nos trabalhos de arqueologia. Entretanto, para que esta aconteça de
forma efetiva, é necessário que seja compreendida como parte do projeto
arqueológico, sendo incluída em todas as suas etapas, desde o planejamento do
trabalho de resgate até a publicação dos resultados da pesquisa. Além disso,
através do projeto, compreendeu-se a relevância da colaboração entre as outras
áreas participantes, como a Museologia, a Geografia, a História, a Antropologia e a
Biologia, para a gestão dos acervos arqueológicos.
A experiência de intervenção in situ demonstrou a importância do
estabelecimento de protocolos de conservação para as distintas tipologias materiais.
Após a descrição dos procedimentos e análise dos materiais em laboratório, foi visto
que as questões referentes à planificação do trabalho de campo, à documentação
84
dos procedimentos e à organização da informação se configuram como os principais
pontos a serem melhor elaborados e desenvolvidos.
No referente ao planejamento, percebeu-se o quão fundamental é a inclusão
do profissional da Conservação nesta etapa do projeto arqueológico. A exclusão do
conservador nesta fase influenciará diretamente todas as etapas conseguintes da
preservação dos acervos, como em um efeito cascata. Faltarão recursos para a
intervenção in situ, o que acarretará no aceleramento dos processos de deterioração
em determinados materiais, fato que futuramente ocasionará a destruição total de
alguns objetos e a consequente perda do potencial informativo e expositivo dos
artefatos.
As atribuições do conservador arqueológico, assim, não se restringem aos
trabalhos de campo e laboratório. Este profissional deve participar de forma ativa
das discussões e decisões prévias à definição do projeto de resgate arqueológico.
Em realidade, todos os integrantes da equipe, incluído o conservador, devem refletir
sobre as distintas atividades alternativas à escavação, e dar prioridade à
manutenção dos materiais arqueológicos no seu local de enterramento, ou seja, à
conservação do sítio.
A importância da documentação também foi demonstrada por esta pesquisa.
Através da descrição dos procedimentos executados no sítio Totó, viu-se a
dificuldade de organização da informação originada a campo: fichas de intervenção
foram extraviadas, fato que, não fosse a elaboração do livro-diário, incorreria na
inexistência de dados a respeito de diversas intervenções in situ.
O estudo de caso demonstrou que a prática inter e multidisciplinar apresenta
algumas dificuldades, que devem ser debatidas e resolvidas de forma conjunta: cada
área cientifica possui problemáticas, metodologias e objetivos específicos e distintos,
que devem ser conciliados. Ainda assim, estas práticas devem ser incentivadas,
pois, ao proporcionar a oportunidade de diálogo entre diferentes disciplinas, este tipo
de iniciativa somente acrescenta à experiência acadêmica e profissional dos
participantes.
A realização deste trabalho também indicou que a conservação arqueológica
é uma área em plena expansão. Nos currículos dos cursos de graduação em
arqueologia começam a aparecer, ainda que timidamente, disciplinas relativas à
preservação do patrimônio arqueológico e à conservação e restauro dos vestígios,
85
dentre outros temas afins. Da fusão destas áreas do conhecimento, surge um novo
profissional, o conservador-arqueólogo ou o arqueólogo-conservador.
Como observado no estudo de caso do sítio Totó, técnicas recomendadas
pela bibliografia estrangeira de referência não se mostraram eficazes nas
intervenções realizadas a campo. Assim, para que a conservação arqueológica e a
figura deste novo profissional se consolidem no Brasil, é necessário que os
profissionais interessados na área se especializem e deem especial atenção à
pesquisa de novos métodos e, principalmente, à adaptação de procedimentos à
realidade local.
Este trabalho, assim, cumpriu seus objetivos de realização de estudo de
caso a respeito do sítio Guarani PS-03 Totó e de caracterização das intervenções de
conservação in situ. A pesquisa a respeito da conservação arqueológica, entretanto,
segue sendo objeto de estudo da autora, pois se percebeu que ainda há muito o que
discutir, refletir e propor, em termos de teoria e prática, quando o assunto é a gestão
e preservação dos acervos arqueológicos.
86
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Compostela, 2000.
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________. O Brasil antes dos brasileiros: a pré-história de nosso país. 2 ed.
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91
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Alta Floresta, vol. 4, n. 1, p.87-102, 2006. Disponível em:
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SANZ NAJERA, M. La conservación en Arqueología. MUNIBE (Antropologia y
Arqueología), San Sebastián, n. 6, p. 65-71, 1988.
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SWAIN, Hedley. An introduction to museum archaeology. London: Cambridge
University Press, 2007.
TERMINOLOGIA PARA DEFINIR a conservação do Patrimônio cultural tangível.
Tradução ao português da Resolução adotada pelos membros do ICOM-CC durante
a XV Conferência Trianual, Nova Delhi, 22-26 de setembro de 2008. Boletim
Eletrônico da Associação Brasileira dos Conservadores-restauradores
(ABRACOR), Rio de Janeiro, RJ, n. 1, jun. 2010.
THOMPSON, Raymond H. The crisis in archaeological collection management.
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mai 2011.
94
ANEXO B – Lista de materiais para a conservação arqueológica
MATERIAIS ESPECIFICAÇÃO
DOCUMENTAÇÃO
Lápis preto/ 2B
Caneta permanente (ponta fina) preto/ nº 1
Marcadores indeléveis (ponta de feltro) preto/
Marcadores indeléveis (ponta de feltro) azul/
Marcadores indeléveis (ponta de feltro) vermelho
Borracha macia
Régua 30cm
Bloco de anotações branco/médio s/espiral
Caderno pautado/pequeno
Livro de registros pautado/grande
Papel poliéster (para as etiquetas) folha
Prancheta madeira
QUÍMICOS
Detergente neutro
Água deionozida ou desmineralizada 5000ml
Água destilada 5000ml
Primal B-60/A 1000ml
Gesso 1000gr
Paraloid B-72 1380 G
Cera microcristalina 250g
Benzotriazol (BTA)
Acetona. 1000ml
Toluelo (toluol) 1000ml
Xilol 1000ml
Varsol 1000ml
Álcool etílico 1000ml
Acido cítrico
(Bi)carbonato de sódio 1000gr
PVA neutro 900ml
ACONDICIONAMENTO/TRANSPORTE
Dissecador de sílica gel 4
95
Vaselina p/ lubrificar dissecador de sílica gel Pasta
Sílica gel c/ indicador de saturação (“art-sorb”)
Sílica gel c/ indicador de saturação (“art gels”)
Sacos de polietileno transparentes c/ fecho hermético 9cmx12cm/pacote 1000un
Sacos de polietileno transparentes c/ fecho hermético 10cmx20cm/pacote
1000un
Sacos de polietileno transparentes c/ fecho hermético 20cmx30cm/pacote
1000un
Sacos de polietileno transparentes c/ fecho hermético 15cmx30cm/pacote
1000un
Sacos de polietileno transparentes c/ fecho hermético 10cmx9cm/pacote 1000un
Papel c/ reserva alcalina ou neutro Folha
Cartão c/ reserva alcalina ou neutro Folha
Recipientes plásticos redondos (misturas) comum
Caixas de plástico polipropileno ou polietileno c/ tampa hermética – empilhável 30cmx20cmx10cm
Caixas de plástico polipropileno ou polietileno c/ tampa hermética – empilhável 15cmx13cmx6cm
Caixas de plástico polipropileno ou polietileno c/ tampa hermética – empilhável 15cmx10cmx05cm
Caixas de plástico polipropileno ou polietileno c/ tampa hermética (materiais
químicos)
Caixas de plástico polipropileno ou polietileno c/ tampa hermética (soluções)
Engradado plástico (transporte)
Caixas de cartão c/ reserva alcalina 23cmx33cmx12cm
Caixas de cartão c/ reserva alcalina 15x30x12cm
Caixas de cartão c/ reserva alcalina 25x30x28cm
Espuma de polietileno flocos
Papel de seda desacidificado ou c/ reserva alcalina.
Saquinhos de papel desacidificado c/ reserva alcalina 8cmx9cm
Folha de alumínio bobina
Gaze metro
Bandagem de algodão atadura/metro
Espuma de poliuretano spray
Espuma de polietileno flocos
Filme PVC bobina
Plástico “bolha” bobina
LIMPEZA
Hastes de madeira Palitos de
96
churrasco/pacote
Algodão hidrófilo pacote
INFRA-ESTRUTURA
Toldo 10mx6m
Lonil
Corda metro
Bancos desmontáveis acampamento
Mesas desmontáveis acampamento
EQUIPAMENTOS
Máquina fotográfica digital
Cartão de memória p/digital
Maleta de ferramenta grande
Martelo vidraceiro
Alicate padrão
Alicate corte
Alicate ponta fina
Jogo de chaves fenda
Jogo de chaves Philips
Jogo de chaves precisão
Fita métrica rolo regulável
Balança portátil/digital/500gr
Balança portátil/digital/5kg
Balança precisão
INSTRUMENTOS/EQUIPAMENTOS
Tesoura pequena
Tesoura média
Tesoura grande
Estiletes grande
Lupa de mão média
Cabo de bisturi nº3
Cabo de bisturi nº4
Lâmina de bisturi nº10/cx
Lâmina de bisturi nº12/cx
Lâmina de bisturi nº22/cx
Lâmina de bisturi nº24/cx
Sonda odontológicas metálica
Espátula metálica
97
Pincéis fibras naturais nº2
Pincéis fibras naturais nº6
Pincéis fibras naturais nº8
Pincéis fibras naturais nº12
Pincéis fibras naturais nº24
Trincha nº
Trincha nº
Trincha nº
Escova de cerdas macias dentes
Espátula madeira
Secador de cabelos
UTILITÁRIOS
Grau de silicone para pesagem médio
Seringa 1ml/cx
Seringa 5ml/cx
Seringa 10ml/cx
Vidro c/ tampa (de laboratório) 100ml
Tampa conta-gotas (de laboratório) bocal igual do vidro de
100ml
Balão volumétrico 100ml
Balão volumétrico 200ml
Balão volumétrico 500ml
Balão volumétrico 1000ml
Fita Ph c/indicador cx
Becker 200ml
Bastão de vidro
Pêra p/ pipeta
Pipeta 10ml
Placa de madeira ou acrílico ?
Pulverizador produtos agrícolas/500ml
SEGURANÇA
Caixa de primeiros socorros pequena
Termômetro 1
Algodão hidrófilo caixa
Band-aid caixa
Micropore 2cm largura
Gaze atadura/pacote
98
Álcool gel 1000ml
Analgésico comprimidos/cx
Antitérmico comprimidos/cx
Água boricada 3% 100ml
Água oxigenada vol.10 100ml
Luvas descartáveis cirúrgica/pequena
Luvas descartáveis cirúrgica/média
Luvas descartáveis cirúrgica/grande
Máscara descartável cirúrgica
OUTROS
Sacos de lixo 30l/pacote
Sacos de lixo 100l/pacote
Panos de algodão pacote
Papel absorvente bobina
Barbante de algodão bobina
Fita crepe 2cm largura
Fita crepe 5cm largura
Fita adesiva (durex) 1cm largura
Fita adesiva (durex) 5cm largura