O cheiro de BH, no caderno de 116 anos de aniversário da cidade.

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Crônica no caderno especial dos 116 anos de Belo Horizonte, apresentando o perfume da cidade, vindo das magnólias. A memória olfativa de BH. Publicado no jornal Hoje em Dia, em 12/12/13.

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Cheirostambémexalam

emmeioaoconcreto

BrunoMoreno

bmoreno@hojeemdia.com.br

O mês era dezembro. Poderia ser qualquerum do final da década de 80 e início da de90.Na tentativadeagradaraosdois ladosdafamília, a festadeNatal começavanacasadeuma avó e terminava na da outra. No cami-nhode ida, logono iníciodanoite,ummisté-rio, que, até duas semanas atrás, não haviasido solucionado.A origem do desconhecido é aindamais

antiga. Minha mãe, fluminense de Nite-rói, se mudou para a capital mineira nadécada de 70, pouco tempo após o cortedos fícus da avenida Afonso Pena, em1963, e logo se impressionou como “enig-ma”. Naqueles natais do período daredemocratização do Brasil, no trajeto en-tre as casas das avós, ela sempre revela-va: “Este é o cheiro de Belo Horizonte!”Um perfume sutil e inesquecível. Mas de

onde viria?A identificação da árvore foi difí-

cil, mas sem pressa. O cheiro passa, vocêtenta senti-lo novamente, mas não o encon-tramais.Muitos sãoos locais ondeépossívellocalizá-lo, principalmente nos bairros Fun-cionários, Lourdes e Serra. Um deles é aPraçaABC,noencontrodasavenidasAfonsoPena e Getúlio Vargas.Ao explicar a um botânico o local e as

características do aroma da planta, nos últi-mos dias de novembro, ele ponderou queexistem algumas espécies que perfumamos ares de BeloHorizonte, como a damadanoite, murta e oiti. Mas logo desvendou omistério: “Você está falando édamagnólia!”Ede ondevemessa flor e por que temsido

cada vez mais difícil de se perceber o seutradicional cheiro pela capitalmineira? Ape-sar de ser originária da Índia, a magnóliaestá entre as dez espécies mais plantadaspela Prefeitura Municipal em locais públi-cos, comoparques, praças, passeios e cantei-roscentrais. Elapodeatingiraté15metrose,por isso, normalmente não está embaixo de

fiação que polui a paisagem da cidade.Nos últimos anos, tem sido complicado

encontrá-la nas ruas. Oumelhor, perceber oseu perfume. Há algumas hipóteses. Umadelas é a de que a magnólia gosta de climasmais friospara florir, eBeloHorizonte,assimcomo o Brasil e o mundo, tem ficado cadavez mais quente.O argumento tem fundamento. A base de

dados do InstitutoNacional deMeteorologia(Inmet) comprova que Minas Gerais passapor um processo de aquecimento. Em 1961,quandofoi iniciadaasériehistóricadoórgão,a temperatura mínima média anual era de17ºcentígrados.Noanopassado,o indicadorseelevou,alcançadoos20º,ouseja3ºamais.Outra possibilidade é a poluição da cidade.

Quanto mais carros, ônibus e caminhões,com seus escapamentos barulhentos e fedo-rentos,menoressãoaschancesdeexperimen-tar o tão sutil perfume. Até mesmo na PraçaABC, onde há vários exemplares plantados, édifícil sentir o cheiro. Os donos das três ban-cas,uma papelariaeumaencadernadora queexistem no local não o percebem.Apesar de passar despercebido para al-

guns, o aroma da magnólia não é apenasmais um perfume na cidade. Está na me-mória olfativa e carinhosa de muitos belo-horizontinos, principalmente daquelesque viveram na capital entre 1970 e 1980.Encontrá-lo, hoje em dia, é um desafio.Há, no entanto, tarefas mais simples,

que mostram que os bons ares não estãoapenas nas árvores plantadas pela cidade.Todas as sextas-feiras, a feira de flores, aolado do Colégio Arnaldo, no bairro SantaEfigênia, colore a paisagem e perfuma avida de quem passa pelo local. Tem detudo um pouco: gérberas, orquídeas,bromélias, crisântemos, amarílis, rosas.Essas eram algumas das flores que mi-

nha mãe vendia em sua floricultura, entre1996 e 1999. Nove meses antes de a lojaser fechada, ela teve seu último Natal.Nessa época do ano, quando as magnó-lias florescem, me sinto mais em casa,nas ruas de Belo Horizonte. q

O cheiro de Belo Horizonte não vem ape-nas das árvores e flores, plantadas nascasas, prédios, parques, praças e passeios.No Mercado Central, um dos principaispolos turísticos e gastronômicos da capi-tal,muitas são as iguarias vendidas, comdestaque para o fígado com jiló. E ain-da há outras maneiras de perceberosaromasdo local.DonaOlgaApa-recidaNeves, de69anos, trabalhalá desde os 16. Vende todo tipode especiarias, como pimentas,ervas, cravoe canela.Abarracadela, denominada “Rei das Pi-mentas”, atrai as pessoas peloperfume. “Quem compra chei-ra antes”, garante.q

Afeirade flores, ao ladodoColégioArnaldo, coloreapaisagemdacapitalmineiraeperfumaavidadequempassapelo local

Origináriada Índia,amagnóliaestáentreasdezespéciesde floresmaisplantadasemBeloHorizontee temcheiro inconfundível

OsperfumesFOTOS MARCELO PRATES

Belo Horizonte, quinta-feira, 12.12.2013 - hojeemdia.com.br - PÁGINA 11

NabarracadedonaOlga,no

MercadoCentral, clienteexperimentaosaromasantesdecomprar