Post on 11-Jun-2018
O Apelo da Floresta
erin hunter
Para o Billy – que deixou o nosso lar dos Duas Pernas
para se tornar um Guerreiro.
Continuamos a ter muitas saudades dele.
E para o Benjamin – seu irmão –
que está agora com ele no Clã das Estrelas.
Agradecimentos especiais a Kate Cary
A L I A N Ç A SÇ
CLÃ DO TROVÃOCOMANDANTE ESTRELA AZUL – gata cinzento-azulada,
manchada de prata em redor da boca.
VICE-COMANDANTE CAUDA VERMELHA – pequeno gato
malhado com uma singular cauda ruiva.
Aprendiz, Pata de Poeira
GATA CURANDEIRA FOLHA MANCHADA – bela gata malhada
escura com um singular pêlo sarapintado.
GUERREIROS (gatos e gatas sem crias)
CORAÇÃO DE LEÃO – magnífi co gato
tigrado dourado com pêlo espesso como uma
juba de leão.
Aprendiz, Pata Cinzenta
GARRA DE TIGRE – grande gato tigrado
castanho-escuro com garras dianteiras
invulgarmente compridas.
Aprendiz, Pata de Corvo
TEMPESTADE BRANCA – grande gato branco.
Aprendiz, Pata de Areia
RISCA ESCURA – esguio gato tigrado preto
e cinzento.
CAUDA LONGA – gato tigrado claro com
riscas pretas escuras.
VENTO QUE CORRE – rápido gato tigrado.
CASCA DE SALGUEIRO – gata cinzenta
muito clara com invulgares olhos azuis.
PÊLO DE RATO – pequena gata parda.
APRENDIZES (mais de seis luas de idade, em treino para
se tornarem guerreiros)
PATA DE POEIRA – gato tigrado castanho-
-escuro.
PATA CINZENTA – gato todo cinzento
de pêlo comprido.
PATA DE CORVO – pequeno gato pretomagrinho com uma mancha branca no peito
e cauda de ponta branca.
PATA DE AREIA – gata ruivo-clara.
PATA DE FOGO – bonito gato ruivo.
RAINHAS (gatas à espera ou que criam gatinhos)
PÊLO DE NEVE – de lindo pêlo branco
e olhos azuis.
FOCINHO MALHADO – bonita gata tigrada.
FLOR DOURADA – de pêlo ruivo-claro.
CAUDA SARDENTA – gata tigrada clara
e a mais velha das rainhas do berçário.
ANCIÃOS (antigos guerreiros e rainhas, agora retirados)
MEIA CAUDA – grande gato tigrado
castanho-escuro sem parte da cauda.
ORELHA PEQUENA – gato cinzento com
orelhas muito pequenas. O gato mais velho
do Clã do Trovão.
PÊLO MALHADO – pequeno gato branco
e preto.
ZAROLHA – gata cinzento-clara, a mais velha
gata do Clã do Trovão. Virtualmente cega
e surda.
CAUDA SARAPINTADA – gata outrora
bonita com um adorável pêlo sarapintado
em casca de tartaruga.
CLÃ DAS SOMBRAS
COMANDANTE ESTRELA QUEBRADA – gato castanho-
-escuro com pêlo comprido.
VICE-COMANDANTE PÉ NEGRO – grande gato branco com
enormes patas negras.
GATO CURANDEIRO NARIZ MOLHADO – pequeno gato cinzento
e branco.
GUERREIROS CAUDA ESPETADA – gato tigrado castanho.
Aprendiz, Pata Castanha
PEDREGULHO – gato tigrado prateado.
FOCINHO DE GARRA – gato castanho
com cicatrizes da batalha.
Aprendiz, Pata Pequena
PÊLO DA NOITE – gato preto.
RAINHAS NUVEM DA MANHÃ – pequena gata tigrada.
FLOR BRILHANTE – gata preta e branca.
ANCIÃOS PÊLO DE CINZA – magro gato cinzento.
CLÃ DO VENTO
COMANDANTE ESTRELA ALTA – gato preto e branco com
uma cauda muito comprida.
CLÃ DO RIO
CO M A N D A N T E ESTRELA TORTA – enorme gato tigrado
claro com uma mandíbula torcida.
VICE-COMANDANTE CORAÇÃO DE CARVALHO – gato
castanho-avermelhado.
GATOS FORA DOS CLÃS
PRESA AMARELA – velha gata cinzento-
-escura, com um focinho largo e achatado.
MANCHA – bichano gorducho e amistoso,
preto e branco, que vive numa casa na orla
da fl oresta.
CEVADA – gato preto e branco que vive
numa quinta, próximo da fl oresta.
Quinta do Cevada
Pedras Altas
Lugar dos Mortos
QuatroÁrvores
Acampamentodo Clã do Rio
Pedras do Sol
quedas- -d’água Árvore
da Coruja
Rio
Estrada do Trovão
Sítio das ÁrvoresCortadas
Pinheiros Altos
Clareira da Areia
GrandePlátano
Acampamentodo Clã dasSombras
Acampamentodo Clã do Trovão
Acampamentodo Clã do Vento
Pedras das Cobras
Sítio dos Duas Pernas
CLÃ DAS SOMBRAS
CLÃ Do trovão
CLÃ Do Rio
CLÃ Do Vento
CLÃ Das Estrelas
Quinta do Vento Parado
Acampamento da Quinta Morgan
pp
Quinta Morgan
Dedos do Diabo[mina abandonada]
Clareira do Druida
Salto do Druida
Rio Chell
Travessa Morgan
Charneca do Vento Parado
Estrad
a do N
orte d
e Aller
ton
Lixeira do Norte de Allerton
Bosque do Veado Branco
Bosque de decíduas
Coníferas
Pântano
Ravinas e pedras
Carreiros
Chelford
NORT
E
Floresta de Chelford
Fábrica de Chelford
Estrada do Vento Parado
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Prólogo
Uma meia-lua iluminava suaves pedregulhos de granito, tornando-
-os prateados. O silêncio era apenas quebrado pela ondulação da
água do rápido ribeiro negro e do sussurro das árvores para lá
da fl oresta.
Houve um marulhar nas sombras e, de todo o lado, desliza-
ram, furtivas, ágeis fi guras escuras para cima das rochas. Garras
à mostra cintilaram ao luar. Olhos desconfi ados faiscaram como
âmbar. E então, como se houvesse um sinal silencioso, as criaturas
saltaram umas sobre as outras e, de repente, as pedras fi caram vivas
com gatos que lutavam e resfolgavam.
No centro do frenesim de pêlo e garras, um maciço gato tigrado
escuro imobilizou um gato castanho no chão e ergueu a cabeça em
triunfo.
– Coração de Carvalho! – rosnou o gato tigrado. – Como te
atreves a caçar no nosso território? As Pedras do Sol pertencem
ao Clã do Trovão!
– Depois desta noite, Garra de Tigre, passarão a ser mais um
território de caça do Clã do Rio! – cuspiu em resposta o gato
castanho.
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Um miado de aviso chegou da margem, estridente e ansioso.
– Cuidado! Vêm aí mais guerreiros do Clã do Rio!
Garra de Tigre voltou-se para ver os esguios corpos molha-
dos que deslizavam para fora da água em baixo das rochas.
Os molhados guerreiros do Clã do Rio juntaram-se, silenciosos,
ao pé da margem e lançaram-se na batalha sem sequer pararem
para sacudir a água do pêlo.
O escuro gato tigrado fi tou Coração de Carvalho.
– Poderão nadar como lontras, mas tu e os teus guerreiros não
pertencem a esta fl oresta! – Arreganhou os beiços e mostrou os
dentes enquanto o outro gato se debatia debaixo dele.
O grito desesperado de uma gata do Clã do Trovão ergueu-se
acima do clamor. Um teso gato do Clã do Rio imobilizara a guer-
reira castanha sobre a sua barriga. Agora, investia contra o seu pes-
coço com as mandíbulas ainda a gotejarem do rio que atravessara.
Garra de Tigre ouviu o grito e soltou Coração de Carvalho.
Com um poderoso salto derrubou o guerreiro inimigo, afastan-
do-o da gata.
– Depressa, Pêlo de Rato, foge! – ordenou, antes de se voltar
para o gato do Clã do Rio que a ameaçara. Pêlo de Rato equi-
librou-se nas patas, encolhendo-se com um rasgão profundo na
espádua, e desatou a correr para longe.
Atrás dela, Garra de Tigre cuspiu com raiva quando o gato do
Clã do Rio lhe cortou o nariz. O sangue cegou-o por um instante,
mas, apesar disso, lançou-se em frente e mergulhou os dentes
na pata traseira do seu inimigo. O gato do Clã do Rio guinchou
e debateu-se para se libertar.
– Garra de Tigre! – O miado veio de um guerreiro com uma
cauda vermelha como pêlo de raposa. – Isto é inútil! Os guerreiros
do Clã do Rio são demasiados!
– Não, Cauda Vermelha. O Clã do Trovão nunca será vencido! –
retorquiu Garra de Tigre com um miado, saltando para o lado de
Cauda Vermelha. – Este território é nosso! – O sangue brotava-lhe
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em torno da boca preta e abanava a cabeça, impaciente, espalhando
gotas escarlates pelas rochas.
– O Clã do Trovão há-de honrar a tua coragem, Garra de
Tigre, mas não podemos perder mais nenhum dos nossos guer-
reiros – insistiu Cauda Vermelha. – Estrela Azul nunca teria
desejado que os seus guerreiros lutassem com esta impossível
desvantagem. Teremos outra oportunidade para vingar esta der-
rota. – Enfrentou com serenidade o olhar de âmbar de Garra de
Tigre, depois recuou e saltou para cima de um pedregulho na
borda das árvores.
– Retirar, Clã do Trovão! Retirar! – miou.
De imediato, os seus guerreiros contorceram-se e livraram-se
dos seus oponentes. Cuspindo e rosnando, recuaram em direcção
a Cauda Vermelha. No instante de uma pulsação, os gatos do Clã
do Rio pareceram confusos. Aquela batalha seria assim tão fácil
de ganhar? Então, Coração de Carvalho uivou um grito de júbilo.
Assim que o ouviram, os guerreiros do Clã do Rio ergueram as
suas vozes e juntaram-se ao vice-comandante, miando a vitória.
Cauda Vermelha olhou para os guerreiros. Com um estre-
mecimento da cauda deu o sinal e os gatos do Clã do Trovão
mergulharam na parte mais afastada das Rochas do Sol e, depois,
desapareceram por entre as árvores.
Garra de Tigre seguiu em último lugar. Hesitou na orla da
fl oresta e olhou para trás, para o campo de batalha manchado
de sangue. Tinha o focinho sombrio e os seus olhos eram gretas
furiosas. Depois, saltou atrás do Clã para a fl oresta silenciosa.
Numa clareira deserta, uma velha gata cinzenta sentava-se
sozinha a olhar para o céu nocturno. A toda a sua volta, nas som-
bras, podia ouvir a respiração e a irrequietude dos gatos adorme-
cidos.
Uma pequena gata de pêlo de casca de tartaruga emergiu de
um canto escuro, com passadas rápidas e silenciosas.
A gata cinzenta avançou a cabeça numa saudação.
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– Como está Pêlo de Rato? – miou.
– As suas feridas são profundas, Estrela Azul – respondeu
a de pele de casca de tartaruga, instalando-se na fresca erva noc-
turna. – Mas é nova e forte, vai curar-se depressa.
– E os outros?
– Também vão recuperar todos.
Estrela Azul suspirou.
– Tivemos sorte em não termos perdido nenhum dos nossos
guerreiros, desta vez. És uma talentosa gata curandeira, Folha
Manchada. – Espetou de novo a cabeça e estudou as estrelas.
– Estou muito preocupada com a derrota de hoje. O Clã do Tro-
vão nunca tinha sido vencido no seu próprio território desde que
me tornei comandante – murmurou. – São tempos difíceis para o
nosso Clã. A estação da folha nova está atrasada e tivemos menos
gatinhos. O Clã do Trovão precisa de novos guerreiros, se quiser
sobreviver.
– Mas o ano está apenas a começar – observou Folha Man-
chada com calma. – Haverá novos gatinhos quando chegar a folha
verde.
A gata cinzenta contraiu o largo dorso.
– Talvez. Mas treinar os nossos jovens para que se tornem
guerreiros leva tempo. Se o Clã do Trovão quiser defender o seu
território, tem de ter novos guerreiros o mais depressa possível.
– Estás a pedir respostas ao Clã das Estrelas? – miou baixinho
Folha Manchada, seguindo o olhar de Estrela Azul e fi xando a
seara de estrelas que piscavam no céu escuro.
– É em alturas destas que precisamos das palavras dos antigos
guerreiros para nos ajudarem. O Clã das Estrelas falou contigo? –
perguntou Estrela Azul.
– Há algumas luas que não, Estrela Azul.
De súbito, uma estrela-cadente incendiou-se sobre o alto das
árvores. A cauda de Folha Manchada torceu-se e o pêlo ao longo
da sua espinha eriçou-se.
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As orelhas de Estrela Azul espetaram-se, mas manteve-se silen-
ciosa enquanto Folha Manchada continuava a olhar para cima.
Após alguns momentos, Folha Manchada baixou a cabeça e
voltou-se para Estrela Azul. – Era uma mensagem do Clã das
Estrelas – murmurou. Uma contemplação distante desceu sobre
os seus olhos. – Apenas o fogo pode salvar o nosso Clã.
– O fogo? – ecoou Estrela Azul. – Mas o fogo é temido por
todos os Clãs! Como pode salvar-nos?
Folha Manchada abanou a cabeça.
– Não sei – admitiu. – Mas esta é a mensagem que o Clã das
Estrelas escolheu partilhar comigo.
A comandante do Clã do Trovão fi xou os seus claros olhos
azuis na gata curandeira.
– Nunca até agora te enganaste, Folha Manchada – miou. – Se o
Clã das Estrelas falou, então há-de ser assim. O fogo salvará
o nosso Clã.
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Capítulo 1
Estava muito escuro. Ferrugem conseguia sentir que algo estava
perto. Os olhos do jovem gato abriram-se muito enquanto pers-
crutava o denso mato. Aquele lugar não lhe era familiar, mas os
estranhos odores atraíam-no cada vez mais fundo para as sombras.
O seu estômago rugia, recordando-lhe a fome que tinha. Abriu
ligeiramente as mandíbulas para que os quentes cheiros da fl oresta
lhe atingissem as glândulas do olfacto no céu-da-boca. Os odores
almiscarados do mofo das folhas misturavam-se com o tentador
aroma de uma pequena criatura de pêlo.
De repente, um relâmpago cinzento passou por ele. Ferrugem
deteve-se, ouvindo. Estava escondido entre as folhas a uma distân-
cia de menos de duas caudas. Ferrugem sabia que era um rato –
conseguia sentir a rápida pulsação de um minúsculo coração no
fundo dos pêlos das suas orelhas. Engoliu, abafando o seu ruidoso
estômago. Cedo a sua fome seria satisfeita.
Devagar, o seu corpo adquiriu uma posição baixa, agachando-
-se para o ataque. Estava contra o vento em relação ao rato. Sabia
que ele não se apercebera da sua presença. Com uma verifi cação
fi nal da posição da sua presa, Ferrugem ganhou um forte ímpeto
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das suas patas posteriores e saltou, levantando as folhas do solo da
fl oresta no seu voo.
O rato mergulhou para se proteger, em direcção a um buraco
no chão. Mas Ferrugem estava já em cima dele. Atirou-o ao
ar, enganchando a indefesa criatura com as garras espinhosas,
lançando-o num alto arco até bater no solo coberto de folhas.
O rato aterrou entontecido, mas vivo. Tentou fugir, mas Ferrugem
agarrou-o de novo. Atirou com o rato mais uma vez, agora um
pouco mais longe. O rato conseguiu dar mais uns passos, até Fer-
rugem o alcançar de novo.
De súbito, estalou um barulho por perto. Ferrugem olhou
em volta e, ao fazê-lo, o rato conseguiu escapar das suas garras.
Quando Ferrugem se voltou, viu-o a correr como uma seta para
a escuridão entre as raízes contorcidas de uma árvore.
Zangado, Ferrugem desistiu da caça. Procurou em redor, com
os seus olhos verdes a brilhar, tentando localizar o ruído que lhe
custara a presa. O som continuava, tornando-se mais familiar.
Ferrugem piscou os olhos e abriu-os.
A fl oresta desaparecera. Estava no interior de uma quente e
abafada cozinha, aninhado na sua cama. O luar fi ltrava-se através
da janela, lançando sombras no chão liso e duro. O barulho tinha
sido o matraquear dos cubos duros e secos de comida, enquanto
eram despejados no seu prato. Ferrugem estivera a sonhar.
Erguendo a cabeça, descansou o queixo na parte lateral da sua
cama. A coleira raspava-lhe o pescoço, era desconfortável. No so-
nho, sentira o ar fresco a percorrer-lhe o pêlo macio onde a coleira
costumava magoá-lo. Ferrugem rebolou fi cando de barriga para
cima, saboreando o sonho por mais alguns momentos. Continuava
a conseguir cheirar o rato. Era a terceira vez, desde a Lua cheia,
que tinha aquele sonho e, de todas as vezes, o rato escapava-se-lhe
das garras.
Lambeu os beiços. A partir da cama, conseguia sentir o odor
insípido da sua comida. Os seus donos enchiam-lhe sempre de
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novo o prato antes de irem para a cama. O cheiro poeirento expul-
sava os quentes aromas do seu sonho. Mas a fome dava-lhe sinal
no estômago, por isso Ferrugem expulsou o sono dos membros
e atravessou o chão da cozinha até à comida. Sentia a comida seca
e sem sabor na língua. Ferrugem engoliu, relutante, mais uma boca
cheia. Depois, afastou-se do prato da comida e empurrou a pala de
passagem da porta, na esperança de que o cheiro do jardim fi zesse
regressar as sensações do seu sonho.
Lá fora, a Lua estava brilhante. Chovia de mansinho. Ferrugem
desceu o jardim impecável, seguindo o carreiro de gravilha estre-
lado, sentindo as pedras frias e aguçadas debaixo das patas. Fez as
suas necessidades por detrás de um grande arbusto com reluzentes
folhas brilhantes e pesadas fl ores púrpura. O seu doce perfume
enjoativo invadiu o ar húmido à sua volta e ele cerrou os lábios
para expulsar o cheiro das narinas.
Depois disso, Ferrugem instalou-se no alto de um dos pos-
tes da cerca que marcava os limites do jardim. Era um dos seus
lugares favoritos, pois podia ver tanto na direcção dos jardins
vizinhos como na da densa fl oresta verde, do outro lado da cerca
do jardim.
A chuva parara. Atrás dele, o relvado cortado rente estava
banhado pelo luar, mas, para lá da cerca, os bosques estavam cheios
de sombras. Ferrugem esticou a cabeça para a frente para inspirar
o ar húmido. Tinha a pele quente e seca sob a pelagem espessa,
mas podia sentir o peso das gotas de chuva que cintilavam no seu
pêlo ruivo.
Ouviu os donos chamá-lo pela última vez da porta das tra-
seiras. Se fosse agora ter com eles, iriam recebê-lo com palavras
amáveis e festas e deixá-lo-iam entrar na própria cama, onde se
aninharia, ronronando, aquecido na curva de um joelho dobrado.
Mas, desta vez, Ferrugem ignorou as vozes dos donos e voltou
de novo o olhar para a fl oresta. O cheiro vivo dos bosques tornara-
-se mais fresco depois da chuva.
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O pêlo da sua espinha eriçou-se de repente. Havia alguma coisa
a mexer-se lá fora? Havia algo a observá-lo? Ferrugem olhou em
frente, mas era impossível ver ou cheirar algo no escuro ar perfu-
mado pelas árvores. Ergueu ousadamente o queixo, levantou-se e
inteiriçou-se, com cada uma das patas agarradas a um dos cantos
do poste da cerca, enquanto esticava as patas e arqueava o dorso.
Fechou os olhos e inspirou mais uma vez o cheiro dos bosques.
Pareciam prometer-lhe algo, tentando-o na direcção das som-
bras sussurrantes. Contraindo os músculos, agachou-se por um
momento. Depois, saltou com leveza para a rija erva do outro lado
da cerca do jardim. Quando aterrou, o guizo da sua coleira tiniu
através do silencioso ar da noite.
– Aonde vais, Ferrugem? – miou uma voz familiar por detrás
de si.
Ferrugem olhou para cima. Um jovem gato preto e branco
equilibrava-se sem elegância sobre a cerca.
– Olá, Mancha – respondeu Ferrugem.
– Não vais meter-te nos bosques, pois não? – Os olhos de
âmbar de Mancha eram enormes.
– Vou só dar uma espreitadela – prometeu Ferrugem, hesitando
com desconforto.
– Lá é que não me apanhavas. É perigoso! – Mancha franziu
o nariz preto com aversão. – O Henry disse que foi uma vez aos
bosques. – O gato ergueu a cabeça e fez sinal com o nariz sobre as
fi las de cercas até ao jardim onde Henry vivia.
– Esse velho bichano gordo nunca foi aos bosques! – gozou
Ferrugem. – Ele mal sai do próprio jardim desde que foi ao vete-
rinário. Tudo o que quer é comer e dormir.
– Não é verdade. Ele apanhou lá um pisco! – insistiu Mancha.
– Bem, se o fez, então foi antes do veterinário. Agora, queixa-se
dos pássaros por não o deixarem dormir a sesta.
– Bem, de qualquer forma – prosseguiu Mancha, ignorando a
troça da entoação de Ferrugem –, o Henry contou-me que há lá
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toda a espécie de animais perigosos. Enormes gatos selvagens que
comem coelhos vivos ao pequeno-almoço e que afi am as garras
em ossos velhos!
– Vou só dar uma volta – miou Ferrugem. – Não me demoro.
– Bem, não digas que não te avisei! – ronronou Mancha. O gato
preto e branco voltou-se e mergulhou da cerca para o jardim.
Ferrugem sentou-se na erva brava para lá da cerca do jardim.
Deu uma lambidela nervosa numa espádua e perguntou-se até que
ponto a história de Mancha seria verdadeira.
De repente, o movimento de uma minúscula criatura chamou-
-lhe a atenção. Viu-a caminhar, rápida, para debaixo de umas sil-
vas.
O instinto fez com que se agachasse. Com uma lenta passada
após outra, o seu corpo avançou através do mato rasteiro. Com
as orelhas espetadas, as narinas abertas, os olhos sem pestanejar,
moveu-se na direcção do animal. Podia agora vê-lo com clareza,
sentado entre os ramos espinhosos, tasquinhando uma grande
semente que segurava entre as patas. Era um rato.
Ferrugem balanceou as ancas de um lado para o outro, prepa-
rando-se para saltar. Susteve a respiração com medo que a campai-
nha tinisse de novo. A excitação percorria-o, fazendo-lhe bater o
coração. Aquilo ainda era melhor do que nos seus sonhos! Então,
um súbito ruído de ramos a partirem-se e folhas esmagadas fez
com que desse um salto. A sua barriga agitou-se, traiçoeira, e o rato
disparou para o emaranhado mais espesso do silvado.
Ferrugem manteve-se muito quieto e olhou em volta. Con-
seguia ver a ponta branca de uma peluda cauda vermelha através
de um maciço de altos fetos à sua frente. Cheirou um odor forte,
estranho, sem dúvida de um carnívoro, mas que não era gato nem
cão. Distraído, Ferrugem esqueceu o rato e observou com curiosi-
dade a cauda vermelha. Queria ver melhor.
Todos os sentidos de Ferrugem se aguçaram enquanto avan-
çava. Então, detectou outro ruído. Vinha detrás, mas parecia
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abafado e distante. Retorceu as orelhas para trás para ouvir melhor.
Passadas de patas?, interrogou-se, mas manteve os olhos fi xos na
estranha pelagem vermelha à sua frente e continuou a rastejar.
Apenas quando o ténue rumorejar atrás de si se tornou num nítido
esmagar de folhas que se aproximava com rapidez é que Ferrugem
percebeu que corria perigo.
A criatura atingiu-o como uma explosão e Ferrugem foi pro-
jectado de lado para cima de um maciço de urtigas. Torcendo-se
e uivando, tentou projectar o adversário, que se colara às suas
costas. Estava a segurá-lo com garras incrivelmente afi adas. Fer-
rugem sentia dentes como espigões a picarem-lhe o pescoço.
Contorceu-se e debateu-se dos bigodes à cauda, mas não conse-
guia libertar-se. Durante um segundo, sentiu-se perdido: depois
deteve-se. Pensando depressa, rolou para fi car de costas. O ins-
tinto disse-lhe ser perigoso expor a sua mole barriga, mas era
a única hipótese.
Teve sorte – a sua estratégia pareceu resultar. Ouviu um hhuuuff f
debaixo de si, quando o seu atacante perdeu o fôlego. Agitando-se
com ferocidade, Ferrugem conseguiu rolar e libertar-se. Sem olhar
para trás, disparou em direcção a casa.
Atrás dele, um restolho de passadas disse a Ferrugem que o seu
atacante o perseguia. Mesmo apesar de a dor das feridas lhe picar
por debaixo do pêlo, Ferrugem decidiu ser preferível voltar-se
e lutar do que deixar que lhe saltassem de novo em cima.
Derrapou para parar, deu a volta e enfrentou o perseguidor.
Era outro gato, com uma espessa pelagem cinzenta emara-
nhada, patas fortes e um focinho largo. Com uma pancada do
coração, Ferrugem cheirou que era um macho e sentiu-lhe a força
dos músculos por debaixo do pêlo macio. Depois, o gato aterrou
em cima de Ferrugem com todo o ímpeto. Surpreendido pela vira-
gem de Ferrugem, caiu num monte atordoado.
O impacte deixou Ferrugem sem fôlego e cambaleante.
Apressou-se a recuperar o equilíbrio e arqueou de novo o dorso,
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entufando o pêlo laranja, pronto a saltar sobre o outro felino. Mas
o atacante sentou-se, apenas, e começou a lamber uma pata, com
todos os sinais de agressão desaparecidos.
Ferrugem sentiu um estranho desapontamento. Todo o seu
corpo estava tenso, pronto para a batalha.
– Olá, tareco! – miou, alegre, o gato cinzento. – Dás bastante
luta para um tareco domesticado!
Ferrugem manteve-se esticado durante um segundo, interro-
gando-se sobre se haveria de atacar na mesma. Então, recordou
a força que sentira nas patas daquele gato, quando o encostara ao
solo. Deixou-se cair sobre as almofadinhas das patas, descontraiu
os músculos e deixou que a espinha se endireitasse. – E voltarei
a lutar contigo, se for preciso – rosnou.
– A propósito, chamo-me Pata Cinzenta – prosseguiu o gato
cinzento, ignorando a ameaça de Ferrugem. – Estou a treinar para
me tornar guerreiro do Clã do Trovão.
Ferrugem permaneceu em silêncio. Não compreendia sobre
o que estava aquele cinzento-não-sei-quê a miar, mas sentia que
a ameaça passara. Disfarçou a confusão baixando-se para lamber
o peito agitado.
– O que anda um tareco como tu a fazer pelos bosques? Não
sabes que é perigoso? – perguntou Pata Cinzenta.
– Se tu és a coisa mais perigosa que há nos bosques, então acho u
que consigo safar-me – fanfarronou Ferrugem.
Pata Cinzenta ergueu para ele o olhar durante um momento,
estreitando os seus grandes olhos amarelos.
– Oh, estou longe de ser o mais perigoso. Se eu valesse sequer
metade de um guerreiro, teria infl igido a um intruso como tu algu-
mas feridas sérias que te dessem que pensar.
Ferrugem sentiu um arrepio de medo com aquelas palavras
agoirentas. O que queria aquele gato dizer com «intruso»?
– De qualquer forma – miou Pata Cinzenta, usando os dentes
aguçados para retirar um tufo de erva de entre as suas garras –,
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achei que não valia a pena magoar-te. É óbvio que não fazes parte
de nenhum dos outros Clãs.
– Outros Clãs? – repetiu Ferrugem, confuso.
Pata Cinzenta deixou escapar um silvo impaciente.
– Deves ter ouvido falar dos quatro Clãs de guerreiros que
caçam por aqui! Eu pertenço ao Clã do Trovão. Os outros Clãs
estão sempre a tentar roubar a caça do nosso território, em especial
o Clã das Sombras. Eles são tão ferozes que te teriam reduzido s
a tiras, sem fazer perguntas. – Fez uma pausa para cuspir, irado,
e continuou. – Eles vêm tirar-nos a caça que é nossa por direito.
Cabe aos guerreiros do Clã do Trovão mantê-los fora do nosso ter-
ritório. Quando tiver acabado o meu treino, serei tão perigoso que
os outros Clãs hão-de tremer nas suas peles picadas pelas pulgas.
Nessa altura, não se atreverão a aproximar-se de nós!
Ferrugem estreitou os olhos. Este devia ser um dos gatos selva-
gens acerca dos quais Mancha o avisara! Vivendo a vida dura dos
bosques, caçando e lutando uns contra os outros por cada migalha
de comida. Porém, Ferrugem não se sentia assustado. Na realidade,
era difícil não admirar aquele gato confi ante.
– Então ainda não és um guerreiro? – perguntou.
– Porquê? Pensaste que era? – Pata Cinzenta ronronou orgu-
lhoso; depois, abanou a grande cabeça peluda. – Faltam séculos
para ser um verdadeiro guerreiro. Primeiro, tenho de passar pelo
treino. As crias têm de ter seis luas antes mesmo de começarem
a treinar. Esta noite é a minha primeira noite como aprendiz.
– Por que não arranjas, em vez disso, um dono com uma casa
confortável? A tua vida seria muito mais fácil – miou Ferrugem.
– Há muitas pessoas das casas que fi cariam com um gato como tu.
Tudo o que terias de fazer era sentar-te onde te vissem e pôr um
ar esfomeado durante um par de dias…
– E eles alimentavam-me com cubos que parecem caganitas
de coelho e papas moles! – interrompeu Pata Cinzenta. – Nem
pensar! Não consigo pensar em nada pior do que ser um tareco!
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Não passam de brinquedos dos Duas Pernas! Comer coisas que
não parecem comida, fazer as necessidades numa caixa de areia,
meter o nariz de fora apenas quando os Duas Pernas deixam? Isso
não é viver! Aqui fora é bravo e é livre. Vamos e vimos conforme
nos apetece. – Terminou o seu discurso com uma orgulhosa cuspi-
dela, depois miou com malícia. – Até teres provado um rato aca-
bado de matar, não viveste. Alguma vez provaste rato?
– Não – admitiu Ferrugem, um pouco na defensiva. – Ainda
não.
– Acho que nunca hás-de perceber. – Pata Cinzenta suspirou.
– Não nasceste selvagem. Faz toda a diferença. É preciso ter nas-
cido com sangue de guerreiro nas veias, ou a sensação do vento nos
bigodes. Os gatinhos nascidos nos ninhos dos Duas Pernas nunca
poderão sentir da mesma forma.
Ferrugem lembrou-se da forma como se sentira no seu sonho.
– Isso não é verdade! – miou com indignação.
Pata Cinzenta não respondeu. De repente fi cou em suspenso,
com uma das patas ainda erguida, e cheirou o ar.
– Estou a cheirar gatos do meu Clã – sibilou. – Temos de ir.
Não vão fi car satisfeitos por te encontrarem a caçar no nosso ter-
ritório!
Ferrugem olhou em volta, interrogando-se sobre como saberia
Pata Cinzenta que se aproximava qualquer gato. Ele não conseguia
cheirar nada além da brisa perfumada de folhas. Mas o seu pêlo
eriçou-se com a nota de urgência na voz de Pata Cinzenta.
– Depressa! – sibilou Pata Cinzenta de novo. – Corre!
Ferrugem preparou-se para saltar para os arbustos, sem saber
para que lado seria seguro fugir.
Era demasiado tarde. Uma voz miou atrás de si, fi rme e amea-
çadora:
– O que se passa aqui?
Ferrugem virou-se e viu uma grande gata cinzenta a sair,
majestosa, do mato rasteiro. Era magnífi ca. Tinha riscas brancas
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no focinho e uma feia cicatriz separava-lhe os pêlos ao longo das
omoplatas, mas a sua macia pelagem cinzenta brilhava como prata
ao luar.
– Estrela Azul! – Atrás de Ferrugem, Pata Cinzenta agachou-se
e estreitou os olhos. Agachou-se ainda mais quando um segundo
felino, um bonito e dourado gato tigrado, surgiu a seguir à gata
cinzenta na clareira.
– Não devias andar tão perto dos Duas Pernas, Pata Cinzenta! –
rosnou o gato tigrado dourado, zangado, estreitando os olhos verdes.
– Eu sei, Coração de Leão, peço desculpa. – Pata Cinzenta
olhou para baixo, para as patas.
Ferrugem copiou Pata Cinzenta e agachou-se no chão da fl o-
resta, com as orelhas a tremerem de nervos. Aqueles gatos tinham
um ar de força que nunca vira em nenhum dos seus amigos dos
jardins. Talvez o aviso de Mancha fosse verdadeiro.
– Quem é este? – perguntou a gata.
Ferrugem encolheu-se quando ela virou o olhar para si. Os seus
penetrantes olhos azuis faziam-no sentir-se ainda mais vulnerável.
– Ele não é uma ameaça – miou de pronto Pata Cinzenta.
– Não é um guerreiro de outro Clã, é apenas um tareco dos Duas
Pernas que vive além dos nossos territórios.
Apenas um tareco dos Duas Pernas! As palavras infl amaram Fer-!
rugem, mas controlou a língua. O olhar de aviso de Estrela Azul
disse-lhe que ela observara a raiva nos seus olhos e desviou-os.
– Esta é Estrela Azul; é a comandante do meu Clã! – sibilou e
Pata Cinzenta baixinho. – E Coração de Leão. É o meu mentor,
o que signifi ca que me treina para eu ser guerreiro.
– Obrigado pela apresentação, Pata Cinzenta – miou Coração
de Leão, frio.
Estrela Azul continuava a fi tar Ferrugem.
– Lutas bem para um tareco dos Duas Pernas – miou.
Ferrugem e Pata Cinzenta trocaram olhares confusos. Como
poderia ela saber?
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– Estivemos a observá-los aos dois – prosseguiu Estrela Azul,
como se lhe tivesse lido os pensamentos. – Não sabíamos como
lidarias com um intruso, Pata Cinzenta. Atacaste-o com coragem.
Pata Cinzenta pareceu contente com o elogio de Estrela Azul.
– Sentem-se, os dois! – Estrela Azul olhou para Ferrugem.
– Tu também, tareco. – Ele sentou-se de imediato e suportou
o olhar de Estrela Azul enquanto se lhe dirigia.
– Reagiste bem ao ataque, tareco. Pata Cinzenta é mais forte do
que tu, mas usaste a cabeça para te defenderes. E viraste-te para ele
quando te perseguiu. Nunca antes tinha visto um tareco fazer isso.
Ferrugem conseguiu acenar um agradecimento com a cabeça,
surpreso com tão inesperado elogio. As palavras seguintes sur-
preenderam-no ainda mais.
– Tenho estado a pensar como te comportarias aqui fora, para
além da casa dos Duas Pernas. Nós patrulhamos esta fronteira
com frequência, por isso tenho-te visto muitas vezes sentado
na tua cerca, a olhar para a fl oresta. E agora, por fi m, atreveste-
-te a pôr as patas aqui. – Estrela Azul encarou, pensativa, Fer-
rugem. – Pareces ter uma habilidade natural para caçar. Olhar
aguçado. Terias apanhado aquele rato se não tivesses hesitado
tanto tempo.
– A… a sério? – gaguejou Ferrugem.
Agora foi Coração de Leão quem falou. O seu miado profundo
era respeitoso mas insistente.
– Estrela Azul, isto é um tareco. Não devia andar a caçar no terri-
tório do Clã do Trovão. Manda-o para a sua casa dos Duas Pernas!
Ferrugem picou-se com as palavras desdenhosas de Coração
de Leão.
– Mandar-me para casa? – miou impaciente. As palavras de
Estrela Azul tinham-no feito refulgir de orgulho. Ela reparara
nele; fi cara impressionada com ele. – Mas só vim aqui caçar um
rato ou dois. Tenho a certeza de que há por aí os sufi cientes para
todos.
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Estrela Azul voltara a cabeça para escutar as palavras de Cora-
ção de Leão. Agora, o olhar dela saltou de novo para Ferrugem.
Os seus olhos azuis faiscavam de raiva.
– Nunca há que cheguem para todos! – cuspiu. – Se não tives-
ses tido uma vida mole e de abundância, saberias isso!
Ferrugem fi cou confundido com a súbita raiva de Estrela Azul,
mas um vislumbre do olhar aterrorizado de Pata Cinzenta foi o
sufi ciente para lhe dizer que falara com demasiada liberdade. Cora-
ção de Leão deu um passo para o lado da comandante. Ambos os
guerreiros faziam sombra sobre ele. Ferrugem viu o olhar ameaça-
dor de Estrela Azul e todo o seu orgulho se dissipou. Não estava a
lidar com simpáticos gatos de lareira – eram gatos maus, famintos,
que poderiam terminar aquilo que Pata Cinzenta começara.