Post on 08-Mar-2016
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●● M G : R $ 2 ●● N Ú M E R O 2 5 . 0 0 4 ●● 2 ª E D I Ç Ã O ●● 6 8 P Á G I N A S ●● F E C H A M E N T O D A E D I Ç Ã O : 0 H 3 0 ●● w w w . u a i . c o m . b r
B E L O H O R I Z O N T E , Q U I N T A - F E I R A , 2 2 D E J U L H O D E 2 0 1 0
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771809 9870529
ISSN 1809-9874
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SONHO
THIAGO HERDYEnviado especial
Londres e Gonzaga (MG)– “Mãe,umdia, anossavidavaimudar”.Oitoanosdepoisde terouvidoaprofecia,MariaOto-ni deMenezes, de 65 anos, continuamorando na casinha detrês quartos, lá para os lados do Jorge dos Neca, ou Córregodos Ratos, na zona rural de Gonzaga, no Vale do Rio Doce, a
306 quilômetros de Belo Horizonte. Ainda hoje ela faz tudoigual, tudocomoantes.Cuidadaplantaçãodepalmitoecana,logocedoordenhaavaca, fazoqueijo, rezadedia, rezadenoi-te, em indiferente sossego. O filho JeanCharles errou.
Menino que não resiste ao apelo do desconhecido e dei-xa sua terra rumo ao estrangeiro não tem opção: pagasempre o mesmo preço – a saudade que leva, a saudadeque deixa. DonaMaria já havia se acostumado coma situa-
ção. Mas, há cinco anos, quando seu garoto voltou, chega-ram com ele câmeras de TV de diferentes partes do mun-do.Milhares de pessoas surgiram sabe-se lá de onde. O pre-feito, doisministros, umsecretário de Estado, umsenador...Daí em diante, tristezamaior tomou conta de donaMaria,e quase tudo virou “motivo de trabulação” (aborrecimen-to). O filho Jean Charles acertou a profecia. A vida mudoumuito. Mas teria sido melhor se ele tivesse errado.
CONTINUA NAS PÁGINAS 29, 32 E 33
PREFEITOS NA MIRAMP VAI INVESTIGAR O USO DECARRO OFICIAL EM CAMPANHA
PÁGINA 11
Faz cinco anos que a polícia britânica, em caçada a suposto terrorista, fuzilouum inocente: Jean Charles de Menezes. Durante 40 dias, repórter doEstado de Minas refez em Londres os passos do jovem mineiro. Tambémvisitou Gonzaga (MG), onde familiares de Jean ainda tentam superar a dorda perda. A jornada será contada em série de reportagens que começa hoje.
OASSASSINATODEUM
ARTE:JANEYCOSTA
IINNFF OORRMMÁÁTTIICCAA
EE★★MM
CRUZEIRO E FLU PROMETEM UM JOGO CHEIO DE EMOÇÕES
TCU suspendemaior obra viáriada Copa em BH
PÁGINA 31
Filho deHélio Costaabre crise de ciúmena base aliada
PÁGINA 8
Ameaça ao netbookiPad impulsiona vendas
e tablets ganham espaço
Férias diferentesA bola da vez são os
esportes com prancha
Com dupla missãoChico César se dedica
ao palco e ao gabinete
Galo de novo naZONADADEGOLADiego Souza abre placar,mas Alecsandro (E)faz dois e garante
vitória do Internacionalpor 2 a 1 em Sete Lagoas.
CASO BRUNO
Investigador foiquem filmou ogoleiro em aviãoOAB não vêmotivos
legais para a polícia terfeito gravação do vídeo.
PÁGINA 30
MELISSABALSA/DIVULGAÇÃO
JORGEGONTIJO/EM/D.APRESS
TCU acusa gastosdesnecessários superiores aR$ 300milhões em projeto derevitalização do Anel Rodoviárioe manda parar licitação.
OBRA PARA COPASOB AMEAÇA
PÁGINA 31
GERAIS
ESTADO DE MINAS ● Q U I N TA - F E I R A , 2 2 D E J U L H O D E 2 0 1 0 ● E D I T O R : A r n a l d o V i a n a ● E - M A I L : g e r a i s . e m@u a i . c o m . b r ● T E L E F O N E S : ( 3 1 ) 3 2 6 3 - 5 2 4 4 / 3 2 6 3 - 5 1 0 5 ● FA X : ( 3 1 ) 3 2 6 3 - 5 0 2 4
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SONHOCONTINUAÇÃODA CAPA
Londres e Gonzaga (MG) - AoembarcarpelaprimeiravezemumaviãoparaseguirrumoaLondres,emmarçode2002,omeninodedonaMariaOtonitinha24anoselevavanamochilaumprojetograndioso:trabalharejuntar,naca-pital da Inglaterra, dinheiro que não imaginava ser capazde ganharnoBrasil, para ajudar a família. Oplanodeu tãocertoqueelevoltouebuscouosprimosquesóesperavamoapoiodealguémparapôramesmaideiaemprática.Mas,três anos depois, seu sonho se transformou emumpesa-delo que ainda assombra a PolíciaMetropolitana de Lon-dreseaopiniãopública inglesa.
Omineiro JeanCharles deMenezes foi assassinadoporpoliciaisbritânicoscomoitotirosdisparadosàqueima-rou-paemumvagãodometrôlondrino,em22dejulhode2005,aos27anos.ElefoiconfundidocomoterroristaetíopeOmarHussein,naquelaqueficouconhecidacomoumadasmaisdesastrosasoperaçõespoliciaisdahistóriadapolíciainglesa,atéentãocelebradacomoamaiseficientedomundo.Cincoanosdepoisdo incidente, completadoshoje,nenhumpoli-cial foiafastadoousofreupuniçãopelamortedorapaz.
Nassemanasseguintesaoocorrido,brasileirosquemo-ramemLondresforamàsruasprotestarcontraoassassina-to do conterrâneo. A indignação semanteve nos anos se-guintes,comojulgamentodocasoeaabsolviçãodosenvol-vidos.Mas,poucoapouco,avida foivoltandoaonormal.Ainterrupçãoabruptadacaminhadade Jeanpoucoounadaatrapalhouossonhosdeoutrostantosbrasileirosqueesco-lheram a capital da Inglaterra, cidademais cosmopolita eecléticadoplaneta,parafazerdinheiro,melhoraravida,co-
nhecerooutro,ou,simplesmente,sesentirpartedomundo.Mineiros,gaúchos,goianos,baianos,paulistasebrasilei-
rosdeoutrasregiões. Jásão200milnasprojeçõesdoDepar-tamentodeGeografiadaQueenMaryUniversity.Épossívelencontrá-los, principalmente trabalhandoembares, cons-truções, restaurantes, salões de beleza. Eles estão em lojasdecomidabrasileira, tocadaspormãodeobratupiniquim.Naúltimadécada,brasileirosapontaramocaminhoecons-truírampraticamenteumpaísparalelo.UmBrasilparaso-nhadores, que pulsa emmeio a uma gama de outros po-vos, culturas e religiõesde todosos cantosdomundo, reu-nidosnacidademaispopulosadaEuropa.
OEstadodeMinas foiaLondres refazera trajetóriadoimigrantequebuscaesseoutroBrasil–comtudodebome ruimque pode haver nele –, assim como fez Jean Char-les em 13 de março de 2002, dia em que atravessou oAtlânticopela primeira vez dentro deumavião. Durantequase40dias,oEMvivenciouosriscosdeumavidana ile-galidade. Sentiu na pele as agruras da busca pelo primei-ro emprego e a adaptação à cidademais globalizada daTerra e recorreu àsmanobras de quemnão quer correr oriscode ser posto emumaviãode volta para oBrasil.
“Se você for esforçado, Londres abre oportunidade.Não émais possível formar fortuna. Mas ainda dá parafazer muita coisa por aqui”, avisou-me a brasileira Pa-trícia Armani, que morava com o primo Jean Charlesquando ele foi assassinado e ainda batalhapor diasme-lhores, logo quando cheguei à cidade. O EM conheceude perto casos de sucesso, colheu relatos de decepção.Histórias e impressões que serão contadas em uma sé-rie de reportagens que começa a ser publicada hoje.
ABALATHIAGO HERDYEnviado especial
ASSIM COMO FEZ JEAN CHARLES QUANDO CHEGOU À INGLATERRA,REPÓRTERTRABALHACOMOFAXINEIROEMLOJANOSULDE LONDRES
ESPERANÇADESFEITA
BENSTAN
SALL/AFP
-29/11/08
MARILENE RIBEIRO/ESP.EM
L E I A MA I S S O B R E O CA SO J E A N C H A R L E S – P Á G I N A S 3 2 E 3 3
GERAIS
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PARA ENCOBRIR O CRIME BÁRBARO, RESULTADO DE UMA OPERAÇÃO MAL CONDUZIDA, APOLÍCIA LONDRINA TENTA TRANSFORMAR O JOVEM EM CULPADO DE SUA PRÓPRIA MORTE
NOSPASSOSDE JEAN
TRAGÉDIA FANTASIADALondres eGonzaga (MG) -Osalgo-
zesde JeanCharlesdeMenezesnão fo-ramapenaspoliciaisquederamoito ti-ros à queima-roupa dentro da estaçãode metrô de Stockwell, no sul de Lon-dres, quandopensavamestarmirandoum terrorista prestes a explodir tudo.Obrasileiro foivítimatambémdeumafantasiosa versão divulgada pela polí-cia e mantida por quase ummês de-pois do incidente, segundo a qual elepróprio teria sido culpado.
Naquela manhã de 22 de julho de2005, Jean saiu de casa sem imaginarque, do outro lado da rua, policiais emuma van filmavam todos que entra-vam e saíam do prédio onde vivia emScotiaRoad,pacata ruadeTulseHill, noSuldeLondres.Omotivo:no inícioda-quelemês, atentados em três estaçõesdemetrô e em umônibus resultaramna morte de 56 pessoas. Terroristastentaramrepetir o feitoduas semanasdepois, mas os artefatos deixados emoutros quatro pontos da cidade nãoexplodiram.
Dentro deumamochila comumabombadesativada, a polícia achoudo-cumentos do etíope Omar Hussein,verdadeiro alvo da operação policialposta em curso poucas horas depoisdos ataques frustrados. Elemoravanomesmo prédio de Jean. Quando omi-neiro deixava o prédio naquela ma-nhã de sexta-feira, passou a ser trata-do como suspeito por causa de umabanalidade: o agente escalado paraobservá-lo simplesmente resolveuurinar no momento em que ele saía.Por isso, não foi capaz de dizer se Jeanera o homem procurado, de acordocomas informações do inquérito queinvestigou o episódio.
Nos33minutos seguintes, apolíciacometeuumasériedeerrosqueculmi-naram no trágico assassinato. Jean es-tava atrasado para um trabalho quehavia combinado comumamigo: ins-talação de um sistema de alarme emumedifíciodooutro ladodacidade,noNortedeLondres. Saiudecasaapressa-do emdireção ao ônibus que o levariaàestaçãodemetrôdeBrixton. Seguidopor agentes da Scotland Yard, o brasi-leiroembarcounocoletivo,masachoua estação fechada. Ele retornou aoôni-bus e continuou a viagem até o outroponto demetrômais próximo: a esta-ção de Stockwell.
CAOS Mesmo com a polícia no seuencalço, Jean Charles não foi aborda-do. Posteriormente, as investigaçõesmostrariam que, naquele momento,oficiais e comandados tinha dificul-dade de comunicação e não conse-guiamconfirmar a identidade do sus-peito, elementos que tornavam aoperação caótica e desorganizada, naavaliação dos investigadores. Emuma sala de controle na sede da Sco-tland Yard, a policial CressidaDick co-mandava a operação e era a única au-torizada a determinar a detenção deJean ou sua execução.
Quando Jean estava a poucos mi-nutos de Stockwell, um agente daequipedevigilância, que chegouantesao local, informou estar apto a deter osuspeito.Mas, a ordempara abordá-lonão veio. Jean entrou calmamente naestação. Pegou um jornal gratuito naentrada, passou seu cartão de trans-porte na catraca, desceu as escadas esentou-se no segundo vagão de umtrem da linha Northern. Por quasedoisminutos, Cressida ainda pensavanoque fazer. Determinou aos agentesque parassem o suspeito apenasquando representantes da elite arma-
dadapolícia inglesachegassemaolocal.Na cabeça dos policiais armados,
que não participavam da operaçãodesde o início, o suspeito já teria sidoidentificado como o terrorista. Elesdesceram a estação correndo e chega-ram a tempo de achar Jean dentro dovagão. Nas mãos, armas com muni-ções especiais, apelidadas “dumdum”– feitas para explodir dentro do alvo ecausar danomáximo, por isso proibi-das por convenções internacionais deguerra. Jean foimorto alimesmo, semchance de esboçar reação.
As primeiras notícias divulgadaspela polícia apontavamo suspeito ba-leado como culpado pelo ocorrido.“Agentes da Scotland Yardmataram atiros, ontem, um homem que agia demodosuspeitonaestaçãodeStockwe-ll. Testemunhas disseram que houvepânico quando o suspeito, de aparên-cia asiática, saltousobreasbarreiras aoser perseguido por oito ou nove poli-ciais armados, que, em seguida, o cer-carameobalearam”,diziamasprimei-ras notícias do episódio.
Em coletiva de imprensa, cerca dequatrohorasdepoisdaexecução, o co-missário de polícia, sir Ian Blair, disseque “o homem desobedeceu à ordemdeparar e às instruções dadas pela po-lícia”.Comunicadooficialdivulgadonamesma tarde informava que “as rou-pas e o comportamento dele, na esta-ção, eram suspeitos”. Em entrevista àBBC, uma testemunha que estava novagão,MarkWhitby, de 47 anos, jurouter visto o rosto do suspeito na horaemqueeleentrounotrem,olhandodeum lado para o outro. “Ele parecia umcoelho ou uma raposa encurralada,comolhar petrificado”, descreveu.
FIOS Outra testemunha, o assistentesocial Anthony Larkin, disse que o ho-memparecia “terumcintodeexplosi-vos com fios àmostra”. No dia seguin-te, quando veio à tona a identidade dosuspeito, a versão não se alterou. Jeanteria sido assassinado por suposta-mente ter se recusadoàordemdapolí-ciadeparar. Fontesdogovernodavamdeclarações em off à imprensa, insi-nuando que o brasileiro vivia ilegal-mente no país e, por isso, teria corridodosagentes.Mas, a suposta ilegalidadenão existia. Jean havia entrado nova-mente no país havia apenas três me-ses, prazodepermanênciapermitidoaquemvisita o ReinoUnido.
O então primeiro-ministro TonyBlair lamentou a morte do brasileiro,mas disse, também, ser preciso com-preender que “a polícia estava traba-lhandoemcircunstâncias complexas”.O prefeito de Londres, Ken Livingsto-ne, afirmou que Jean era “vítima daameaçado terrorismoàcapital”.Omi-nistro do Interior, Charles Clarke, che-gou a fazer um elogio à força: “A polí-cia está atuando sob impressionantescondiçõespara fazer julgamentosdifí-ceis. Por isso, a parabenizo”.
A farsa policial e a verdadeira di-mensão do erro da ação só veio à tona26 dias depois, quando a funcionáriada Comissão deQueixas contra a Polí-cia (IPCC,na sigla eminglês), LanaVan-derberghe, de 48 anos, teve acesso àsimagensdometrôquemostramobra-sileiro entrando calmamente na esta-ção. Indignada, ela passou as imagensao namorado de uma amiga, que erajornalista, e eledivulgouomaterial. Pa-ra aopiniãopública, o episódioganha-vaoutradimensão.Mas, oestragopro-duzido pela polícia para justificar aação desastrada já estava feito. A ver-são pública se sobrepôs ao fato.
ALESSANDRO ABBONIZO/AFP - 17/8/05
2005
2006
CRONOLOGIA
DOCASO
●● 22/7 – Agentes da Scotland Yardatiram em um homem na estaçãoStockwell do metrô londrino. O co-missário Ian Blair afirma que o tiro-teio está "diretamente relacionado"àoperaçãoparadeter terroristas quetentaram, um dia antes, detonarbombas na capital.●● 23/7–Apolícia admite queoho-
membaleadoera inocente eo iden-tifica como JeanCharles deMenezes,um brasileiro, de 27 anos, eletricista.●● 24/7 – Ian Blair pede desculpas eadmite sua total responsabilidadepelo ocorrido, mas defende a táticade "atirar para matar" nos casos deterroristas suicidas.●● 16/8–ATVbritânicadivulgadocu-
mentos informando que Jean Charlesnãotevecondutasuspeita.Obrasilei-roentrouandando,validouseubilhe-te e até pegou um exemplar de umjornalgratuitoantesdesubiraovagão.●● 21/9 – A ex-funcionária da Co-missão de Queixas contra a Polícia(IPCC), Lana Vanderberghe, é presasob a acusação de vazamento de in-
formações sigilosas à imprensa. Elafoi liberada depois de pagar fiança.●● 28/11 – A IPCC anuncia que in-vestigará também Ian Blair em res-posta à queixa oficial apresentadapela família do jovem, que acusa ocomissário de "enganar" na suaversão do fato. Blair é inocentadono ano seguinte.
●● 19/1 – A IPCC remete à Procu-radoria seu relatório sobre amor-te do brasileiro. A comissão reco-menda acusar de homicídio doisagentes e uma oficial pela execu-ção de Jean Charles.●● 17/7 – A Procuradoria anunciasua decisão de processar a políciade Londres, em virtude da cha-
mada lei de segurança e higieneno trabalho, mas não apresentaacusações contra os agentes.●● 5/12 – Parentes do jovem pe-dem a revisão da decisão da Pro-curadoria e alegam que não pro-cessar agentes é uma violação aosdireitos humanos. O pedido é re-jeitado pela Justiça britânica.
THIAGO HERDYEnviado especial
AS FALHASMAIS GRAVES DA SCOTLANDYARD
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FOTOSDOVERDADEIROTERRORISTANÃOCHEGARAM. A políciaobteve outras imagens do verdadeiro terrorista, o etíopeOsmanHussein, mas elas não chegaram àsmãos dos agentes nas ruas.As imagens chegaram a ser entregues na sede da ScotlandYard,mas ficaram esquecidas.
JEANNÃO FOI PARADOANTES DE ENTRARNOÖNIBUS PARA BRIXTON.O policial responsável por gravar a entrada e a saída de pessoas doprédio suspeito urinava nomomento emque Jean saiu, por isso não foicapaz de identificá-lo. Os policiais tiveram várias oportunidades paraabordá-lo,mas apenas o seguiram, inclusive entrando como supostoalvo dentro do ônibus. A equipe de vigilância esperava uma ordemdasala de comando, que não veio.
CONFUSÃONA COMUNICAÇÃO ENAIDENTIFICAÇÃODOSUSPEITO. A força-tarefacriada para combater a nova ameaça que seinstalou na Inglaterra contava comagentes que,aparentemente, não falavam amesma língua.Agentes da equipe de vigilância e da PoliciaMetropolitana usavam códigos diferentes parase referir às características do suspeito. Em vezde rádios comunicadores capazes de funcionardentro da estação dometrô, os agentes usavamtelefones celulares.
COMANDO LENTO. A comandante daoperação, Cressida Dick, demoroupara tomar uma última decisão naporta dometrô. Em depoimento, ospoliciais da vigilância disseramestarem aptos a parar Jean semusode violência ou risco à população.Mas, a ordemde Cressida para detê-lo veio tarde demais, quando Jean jáestava nas escadas dometrô.
POLICIAIS NÃODERAMORDEMPARAOBRASILEIRO PARAR. As 17 testemunhasque estavamdentro do vagão ondeJean Charles foi assassinado disseramnão ter ouvido qualquer alerta dospoliciais à paisana à vitima, antes dosdisparos. Os policiais tiveram temposuficiente para observar ocomportamento do brasileiro e avaliarse ele apresentava risco ou não.
GERAIS
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A BARREIRA INICIAL PARA QUEMDESEJA ENTRAR NA INGLATERRA EM BUSCA DE TRABALHO É UMSISUDOOFICIAL. PARA COMEÇAR AVIAGEMNATRILHA DOMINEIRO, É PRECISO ULTRAPASSÁ-LO
NOSPASSOSDE JEAN
OPRIMEIROOBSTÁCULOLondres - São16hdeumaquarta-fei-
ra no Aeroporto deHeathrow. Acabo dedesembarcarpara iniciarminha trajetó-ria pelos caminhos percorridos por JeanCharles na capital inglesa. Surge meuprimeiro desafio: um frio e intransigen-teoficial de imigraçãopela frente.Oqueserá que ele vai perguntar? A dúvidamartela a cabeça enquanto esperona fi-laomomentodaentrevistaquedefiniráminha entrada ou não em Londres. Dezentre 10 brasileiros que chegam à cida-de para fazer a vida, e não turismo, sen-tem amesma insegurança. Quem estádisposto a ficar mais de seis meses éobrigado a pedir o visto antes de sair doBrasil, para não correr o risco de perdera viagem. É preciso enviar informações,como endereço de estada, propósito daviagem e, mais importante, comprovarter em sua conta pessoal dinheiro sufi-ciente para pagar as contas no períodoquepermanecer na Inglaterra.
EunãoprecisavamearriscarapedirovistonoBrasil. Viajei dispostoa receber aautorização de permanência de seisme-ses no país. Em tese, sem direito a traba-lhar ou estudar, assim como fazem osbrasileirosquechegampelaprimeiravezà Inglaterra.Asdúvidas sobreoquedizerainda pairam sobreminha cabeça quan-doumoficialde imigraçãopergunta,à fi-la, seháalgumvoluntáriodispostoaaju-dá-lo como tradutor na entrevista comduasbrasileirasquenão falaminglês. Pa-ra aproveitar a chance de registrar umaabordagem, topooconvite.
Donade restaurante, apaulistaDavi-na Caran viajava a Londres com a sobri-nha para ver o filho de 27 anos, há cincomorador do Velho Continente. Nasmãos ela traz uma carta escrita pelo ra-paz, em inglês, com informações comoendereço de estada e propósito da via-gem da mãe. O oficial ignora o docu-mento. E,eminterrogatórioqueduraseisminutos, submete amulher a nadame-nosque21perguntasarespeitodesuavi-da pessoal e financeira. O conjunto dequestões é como armadilha, que, diantedomenor vacilo, pode fechar os portõesda capital inglesa (veja o quadro).
O que você faz em seu país? Quantotempo vão ficar? Como vão se sustentarficando50dias longedoseupaís?Preten-de trabalhar aqui?Temobilhetedevoltaparamostrar? Ao final, quando é infor-madoque o filho deDavina trabalha emLondres, o oficial ainda aconselha amu-lher a conversar com o rapaz e avisá-lo:“Seele trabalharmaishorasqueopermi-tido pelo visto, estará extrapolando suascondições. Estará sujeito a multa de 10mil libras (R$ 28,6 mil) e prisão de doisanos”, afirma, em tom grave, antes decompletar: “Responsabilidade de traba-lho não se restringe aos empregadores,serve também para os empregados”. Ooficialautorizaaentradadasduasnopaís.
Emmédia, sete brasileiros sãoman-dadosdevoltaparacasadiariamenteape-nas em Heathrow, de acordo com o le-vantamento do Home Office, departa-mento responsável pela política de imi-graçãoinglesa.Ogovernobritânicoinfor-ma que a recusa de autorização para en-trada no país atinge em torno de 8% dospedidosfeitospor imigrantesprovenien-tes das Américas. Encerrada a entrevistaàmulher,éaminhavezdepassarpelasa-batina.Dousorte,ooficial ficouagradeci-do pela ajuda nosminutos anteriores e,por isso, não entrona estatística de repa-triados. Quatro perguntas simples sobremeu emprego e 32 segundos depois eupegominhasmalas,prontoparacomeçarumanovavidana capital inglesa. (TH)
Oficial: Gostaria de saber qual o propósitoda visita de vocês a Londres...Davina: Turismo, meu filho vive aqui...
Oficial: Por quanto tempo a senhora vaificar aqui?Davina: 40 ou 50 dias.
Oficial: Por que vai ficar tanto tempo?Davina:Meu filho mora aqui..
Oficial: Há quanto tempo seu filho viveaqui, o que ele faz?Davina: Não sei falar, tá escrito em inglêsaqui (nervosa, aponta para o carta do filhoe o oficial ignora o papel).
Oficial: É importante que a senhora res-ponda às perguntas.Davina: Ele trabalha aqui, tem passaporteportuguês..(...)Oficial: O que você faz no Brasil?Davina: Sou empresária.
Oficial: Como você vai se sustentar fican-do 50 dias afastada do seu trabalho?Davina: Tenho dinheiro e o cartão de cré-dito (ela mostra ao oficial).
Oficial: Você pretende trabalhar ou estu-dar aqui no Reino Unido?Davina: Não.(...)
Oficial: Você conhece alguémmais no Rei-no Unido?Davina: Não.
Oficial: O que o seu filho está estudandoaqui?Davina: Inglês.
Oficial: Como aprender inglês vai ajudarno futuro dele e na carreira dele?Davina: Muito.. ele faz hotelaria e turismo.(...)
Oficial: Quantas horas por semana eletrabalha?Davina acena a cabeça, sinalizando quenão sabe.
PERGUNTAS INDISCRETAS
NA FILA DA IMIGRAÇÃO, DÚVIDAS ATORMENTAMQUEMDESEMBARCANA CAPITAL INGLESA, COMOAPAULISTA DAVINA CARAN, POR CAUSADORIGORDOOFICIAL. ELE TEMUMVASTOQUESTIONÁRIO RECHEADODE PERGUNTASQUE SÃOUMAVERDADEIRA ARMADILHA
GGoonnzzaaggaa ((MMGG)) – A aparência franzina de Alex Pe-
reira, de 33 anos, primo de Jean Charles de Menezes,
esconde um verdadeiro leão ainda indignado com o
assassinato daquele que considerava seumelhor ami-
go. Nos últimos cinco anos, ele foi o principal porta-
voz da família perante a imprensa e a Justiça, na luta
pela punição dos autores do crime. Mas, seu grito foi
abafado em abril deste ano, quando foi impedido de
entrar na Inglaterra: teve o visto recusado e, sem op-
ção, pegou o primeiro voo de volta ao Brasil.
“Eu tô, tipo, expulso, né? Na última vez que fui lá,
eles me voltaram. Fui repatriado”, diz o brasileiro,
meio sem graça, sem querer dizer que ficou chateado,
repetindo várias que voltou para casa “rindo à toa” e
que ser repatriado é rotina na vida dos jovens do Rio
Doce que sonham em construir outra vida fora do
país. Mas, depois de 20minutos de conversa, amágoa
transparece. “Quer saber, eu acho isso um desaforo,
depois de tudo o que aconteceu”, diz o mineiro, que
tinha visto especial para acompanhar o caso do primo
e, com a conclusão do processo, passou a ser conside-
rado mais um potencial imigrante ilegal em Londres.
Alex reclamados primos que ficaramna Inglaterra
e não o ajudam a conseguir alguma intervenção para
obter o visto. Ele queria que eles procurassem o recém-
eleito vice-primeiro-ministro britânico, o liberal Nick
Clegg, que se solidarizou com a luta da família Mene-
zes e teria prometido intervir em favor dos parentes
de Jean, em caso de dificuldade com a imigração.
Hoje, Alex trabalha na construção de um prédio,
àsmargens da BR-259, emVirginópolis, a 29 quilôme-
tros de Gonzaga. A obra é um pouco diferente daque-
las em que o empregavam em Londres, porque, no fi-
nal, o imóvel será seu. Ainda assim, a proibição da sua
entrada em Londres não significa o fim do sonho de
viver na Inglaterra. “Se precisar juntar dinheiro, até ile-gal, eu vou. Mas, por vontademinha, vou lámais nun-
ca”. (TTHH)
PORTA FECHADA PARAO PRIMO
JACKSON ROMANELLI/EM/D.A PRESS
2007
2008
2009
/2010
●● 19/2 – Comandante daoperação desastrada, a poli-cial Cressida Dick é promovidaao quarto posto mais alto daPolicia Metropolitana.●● 11/5 – A IPCC anuncia que11 envolvidos na morte domineiro Jean Charles não se-rão punidos.
●● 1º/11 – O júri do tribunallondrino declara a ScotlandYard culpada por violar a leide segurança e higiene notrabalho no episódio. O juizaplica à polícia uma multaequivalente a US$ 364 mil.Na prática, foi a única puni-ção imposta aos acusados.
●● 22/9 –Começauma investigaçãopú-blica sobreamortede JeanCharles, ape-dido da família do brasileiro.●● 2/10 – Sob pressão, o então comis-sário-chefe da Scotland Yard, Ian Blair,pede demissão.●● 2/12 – O juiz da investigação públicado caso,MichaelWright, afirmaqueo júrinãopoderá emitir veredicto dehomicídio
injustificado; deverá se pronunciar entrehomicídio legal ou veredictoaberto. A fa-mília de Jean Charles protesta.●● 12/12 – O júri da investigação pú-blica emite "veredicto aberto", umadas duas opções dada pelo juiz Mi-chael Wright. Com a sentença, o júrideixou claro que a morte do jovemnão foi homicídio justificado.
●● 26/6 – Estreia o filme JeanCharles, com Selton Melo no papeldo brasileiro.●● 23/11 – Jornais ingleses noti-ciam que a família de Jean Charlesde Menezes fechou acordo parareceber 100mil libras (R$ 286mil)de indenização da Polícia Metro-politana de Londres.
●● 20/12 – A policial Cressida Dické condecorada pela rainha Eliza-beth II por seu trabalho "de distin-ção" na Polícia Metropolitana.
●● 28/5 – O ex-comissário IanBlair é indicado para a Câmara dosLordes britânica.
LEIA AMANHÃ: A DIFICULDADE NA BUSCA DO PRIMEIRO EMPREGO
FOTOS THIAGO HERDY/EM/D.A PRESS
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Endereço na internet:www.uai.com.br/em.htmAssinaturaUai:0800031 5000 Assinaturas e serviço de atendimento:BeloHorizonte: (31) 3263-5800 -Outras localidades: 0800031 5005
771809 9870699
ISSN 1809-9874
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GIGANTESTENTAMBARRARAÇOBARATOPARACONSTRUÇÃO
As grandes siderúrgicas instaladas no país recorreram à Justiça para impedir a importação de vergalhões (barras de aço para a construção) da
Espanha.OTribunal de Justiça do Espírito Santo acatou açãodo InstitutoAçoBrasil e suspendeupor 10 dias a vendadoproduto espanhol, que
chegaaopaís compreçode10%a15%maisbaixodoqueodosgruposGerdau,ArcelorMittal eVotorantim.Condenadaspor formaçãodecartel
em2005,elescontrolamaproduçãodevergalhõesnopaís.Distribuidoresameaçamdenunciarusinasaosórgãosdedefesadaconcorrência.PÁGINA15
O TESOUROMORA AO LADOArqueólogos descobrem a 900 metros deStonehenge (foto) uma versão emmadeirado monumento pré-histórico britânico.
PÁGINA 20
ELEIÇÕES
Dilma terámaispalanquesquePSDBePV juntos
Na briga por alianças nosestados, petista larga na frente econsegue apoio de 42 candidatos
a governador, contra 26 deSerra e 11 de Marina.
PÁGINA 3
ANEL RODOVIÁRIO
PBH quer laudopara retomar alicitação da obraVice-prefeito de BH considerainfundada denúncia que levou oTCU a suspender concorrência eespera estudo da Fiemg pararetomar a escolha da empresa
que tocará obra.PÁGINA 24
Tornado arrasaSerra GaúchaTemporal com ventania deixa
13 pessoas feridas e danificamaisde 600 casas. Em Canela (foto),ventos chegaram a 124km/h.
Meteorologista diz que fenômenopode ser classificado como tornado.
PÁGINA 12
CARLCOURT/AFP
Cruzeiro perde jogoe chance de ir ao G4Time celeste jogamelhor o primeiro tempo,
mas nãomarca. Resultado: perdeu apartida em cabeçada de Leandro Euzébio,depois de escanteio batido por Conca (foto).O Fluminense é o novo líder do Brasileiro.O Cruzeiro caiu para a sétima posição.
NOS PASSOSDE JEAN
Repórter vive e relata a saga de brasileiros na busca do primeiro emprego
ARQUIVOPESSOAL
THIAGO HERDYEnviado especial
Londres –Quando omineiro Jean Charles deMenezes desembarcouemLondres,emmarçode2002,o invernoestavapertodofime,comele, iaemboraodesalentoquetomacontadamaioriados inglesesquandoestãosubmetidosaapenasoitohorasdiáriasdeclaridade, entreas8heas16h.Obrasileirotinhadinheiroparapagarapenasummêsdealuguelebuscava,a
qualquercusto,umaformadesustento.“Oprimeiroanofoidifícil,elenemdominava a língua. Lavouprato emrestaurante, fez cleaning (limpeza), la-voucarros”, lembrouaprimaPatríciaArmani.Aofertadetrabalhonacida-deeraboa,tantoquenosmesesseguintesJeanconvenceriaPatríciaeospri-mos a seguiremoseu caminho. Hoje, oito anos depois, arranjar trabalhoemLondresnãoémaisumaquestãodeestalarosdedos.Acriseeconômi-ca ainda assombra os ingleses e, quando isso acontece, o excesso demãodeobra estrangeira volta a ser tratadocomoproblemadeEstado.
Depois do silêncio, o risoCerto de que a polícia não conseguirá provas para incriminá-lo pelo assassinato de Eliza Samudio, o goleiro
Bruno deixou sorrindo o Juizado da Infância e da Juventude de Contagem, na Grande BH. Na prisão,
gravação o flagrou dizendo que vai processar o Estado. O promotor responsável pelo processo contra J.,
o rapaz de 17 anos também investigado pelo sumiço da ex-amante do atleta, afirmou que processará o
adolescente por sequestro e cárcere privado, mas não confirmou a acusação de homicídio.
PÁGINAS 21 E 23
VALDIRFRIOLIN/AG.RBS/FOLHAPRESS
CONTINUA NA PÁGINA 26
Adura vida de clandestinoemLondres
JACKSONROMANELLI/EM/D.APRESS
Lavandopratos, oprimeirobico
D I IV R T A S E
EE★★MM
Fresno contra os rótulos
De peito aberto
Em novo disco, banda gaúcha buscamaturidade. “Estou com 27, não mais 17”,
diz o vocalista Lucas Silveira.
Cia de Dança Palácio das Artes revelasegredos femininos e masculinos em
espetáculos hoje e amanhã.
Novo filme deWoody Allen estreia noscinemas ●Roberta Sá canta em Itabira●O que rola nos bares e restaurantes
E MAIS...
PEDROMOTTA/ESP.EM
WALLACETEIXEIRA/PHOTOCAMERA
GERAIS
E S T A D O D E M I N A S ● S E X T A - F E I R A , 2 3 D E J U L H O D E 2 0 1 0
26
NOS PRIMEIROS DIAS EM LONDRES DEU PARA PERCEBER COMO FOI DIFÍCIL PARAOMINEIRODOVALE DO RIO DOCE, ASSASSINADO PELA POLÍCIA INGLESA, INICIAR AVIDANO EXTERIOR
NOSPASSOSDE JEAN
VIA-SACRAEMBUSCADETRABALHO
Naprateleira temguaraná, farinha, chocolate, refrigerante, biscoi-to, revista, chinelo, goiabada, doce de leite, rapadura, livros e CDs.No cardápio, pão de queijo, mandioca frita, frango a passarinho,pastel frito, feijãode tropeiro,moquecadepeixee feijoada.Os res-taurantes e bares tupiniquins em Londres amenizam a saudadegastronômica dos milhares que escolheram o Reino Unido paraganhar a vida. Vez ou outra, aparecemgrupos de estrangeiros, le-vadosporamigosbrasileiros.Mas, anacionalidadedamaioriaab-soluta é tupiniquim.Na Lanchonete Brasil, noNorte de Londres, épossível se sentirumpoucomaispertodecasa,pelomenosporal-guns instantes,depoisdotrabalho.AnovelabrasileiranaTVdeter-minaohoráriode fechamentoda casade lanches. (TTHH)
SABOR BRASILEIRO
Londres – O texto carimbado pelooficial de imigração no passaporte ébem claro: estou proibido de trabalhardurantemeuperíodo de permanência.A fiscalização do governo e a multaaplicada emquememprega ilegalmen-te estrangeiros assustamcomerciantese donos de empresas. Vejo nos sites debusca de trabalho quemostrar o passa-porte é pré-requisito para qualquer en-trevista. A solução foi apelar para o jei-tinho brasileiro que levo na bagagem,junto com a camisa da seleção, um sa-co de feijão eminha cachaça.
“Ocaraque faz sanduíchesparamimtá precisando de gente. Todos os funcio-nários dele deram no pé ontem porquerolouumboatodequeoHomeOffice(de-partamentode fiscalizaçãoda imigração)ia baixar por lá”, me contou um amigobrasileiro,quevendesanduíchesemescri-tórios. “Ocara éportuguês, aparecena lo-jadele”,completou.Compreiumtelefonepré-pagoeescrevimeunúmeronumcur-rículo de mentira, que fiz às pressas.Adeus, jornalismo. No papel, que entre-guei ao português, adicionei novos tópi-cosaomeuhistóricoderegistroprofissio-nal: auxiliar de cozinha, vendedor em lo-jasebarman.Nemumalinhasobreacon-dição domeu visto no país. Minha estra-tégia era enrolar oassuntoatéonde fossepossível.Oportuguêspegouocurrículoeprometeuumaresposta, quenuncaveio.
Emumagráfica, adoisquarteirõesdacasa na qual aluguei um quarto, em Is-lington,noNortedeLondres, imprimi30cópias do currículo. Preenchi 12 cadas-trosdeagênciasdeempregona internet.Durante sete dias, percorri restaurantes,bares e lojas no entorno, para não preci-sar comprarpassedometrô.Aestratégianão deu certo e foi preciso aumentar oraio da busca. Num sábado, 13 dias de-pois deminha chegada, recebi a ligaçãode Steve, chefe de cozinha do pubMar-quess of Anglesey, em Covent Garden,umadas regiõesmais turísticas (e,por is-so, semprecheia)deLondres. Eleprecisa-va de um kitchen porter, cargo de quemlava pratos e limpa cozinhas de restau-rantes e bares, uma espécie de faz-tudo.Tinha vistomeu currículo na internet eme chamou para uma conversa, no iní-cio da tardededomingo.
“O trabalho é pesado, preciso de al-guém com agilidade”, avisou. O salárioprometido era de 8 libras (R$ 24) por ho-ra. Stevemeemprestouumacamisa,umavental listrado ememandou começar.Enquantocoordenavaacozinha,pediuaumauxiliarquemeexplicasseo serviço.“Vocênãoprecisaesfregarospratos, lim-pardemais.Tiraogrossodasujeira,põeopratono lavadorde louça, secaeguarda”,resumiu o rapaz. Apenas cinco pessoastrabalhavam na cozinha, número redu-zidoparaumpubque tambémérestau-rantee funcionanosdoisandaresdeumprédio de esquina. “Quando estámuitocheio,acoisa ficaapertada”, sinalizou.Co-mecei a lavar a louça limpando a sujeiracom cuidado, como, em geral, fazemosnoBrasil. A cada10pratosque lavava, 20apareciam emminha bancada. “Se vocêcontinuar assim, não vai dar conta nosdias cheios”, observouo auxiliar.
Na bancada, acumulavam-se vasi-
L E I A A M A N H Ã : H A M B Ú R G U E R E M W E M B L E Y
lhas, panelas, facas, potes de molho desanduíche, tabuleiros incrustados de su-jeira.Nãohavia trégua.Asgarçonetesen-travam cheirosas e sorridentes na cozi-nha para despejar dezenas de copos epratos aomeu lado. Quando não haviaespaço, punhamaté no chão. Optei pelométodode limpezaa jato, torcendoparaque, nas horas seguintes, nenhumclien-te reclamasse que seu prato de carnecom batatas estava com gosto de peixe.A proporção de 10 para 20 virou 10 para
12. O auxiliar me explicou que, além deinverteressaproporção, tambémerami-nha função recolher o lixo, varrer a cozi-nhaepassarumpanode30em30minu-tos. Quando sai quente das pias, a águanaInglaterraparececorroerasmãos.Masnãodava temponemde sentir dor.
PANELÃO Perdi quase 10minutos ten-tando limpar a gordura de uma panelaemqueacreditotersidopreparadacomi-da para 100 pessoas. Fiquei assustado
quandopercebiquehaviacumpridosetehoras de trabalho. Pouco antes de ir em-bora, fiz ao cozinheiro com sotaque doLeste europeu o estranhopedido de tirarumafotominhatrabalhando.“Essavaies-taramanhãnacapadoThe Sun”, elebrin-cou, referindo-se ao tablóide inglês. Aofim, perguntei ao chefe da cozinha comofui.“It'snotsobad (nemtãomal)”, respon-deu, prometendo ligar para combinar ohorário de trabalho do dia seguinte.Meutelefonenão tocou.
THIAGO HERDYEnviado especial
O RITMO É FRENÉTICO NA COZINHA DE UM DOS RESTAURANTES MAIS MOVIMENTADOS DE COVENT GARDEN, BAIRRO TURÍSTICO DO CENTRO DA CAPITAL DA INGLATERRA
MARILENE RIBEIRO/ESP.EM/D.A PRESS
THIAGO HERDY/EM/D.A PRESS
CONTINUAÇÃODA CAPA
ENTENDA A SÉRIEO Estado deMinas refez, em Londres, o caminho domineiro Jean Charles, executado pela polícia inglesahá cinco anos, e desde ontem publica uma série coma experiência do repórter durante 40 dias na cidadeeuropeia. Ele vivenciou os riscos de uma vida nailegalidade, sentiu o drama na busca por emprego,colheu histórias de sucesso e relatos de decepção. Acada dia, um capítulo da saga será publicado.
Com otelefone, omotorista
compra créditose envia placa docarro a umacentral de dados.
A centralregistra acompra do
faixa azul, válidopelo tempoindicado nasinalização.
Também comcelular,fiscais
conferem pelaplaca se o carroestá autorizado aestacionar.
Agentespodemimprimir
multa na horaem caso de faltade créditos ouestouro de tempo.
COMO VAI FUNCIONAR
1 2 3 4
CONTINUA NA PÁGINA 28
Endereço na internet:www.uai.com.br/em.htmAssinaturaUai:0800031 5000 Assinaturas e serviço de atendimento:BeloHorizonte: (31) 3263-5800 -Outras localidades: 0800031 5005
771809 9870769
ISSN 1809-9874
9
VVEEÍÍ CCUULLOOSS
EE★★MM
BHSERÁ 1ª CAPITAL ATER ESTACIONAMENTOPAGOPELO CELULAR
BHTrans planeja implantar até o fim do ano serviço de pagamento doestacionamento rotativo pelo celular. O sistema, mais ágil, tambémpermite a fiscais conferir pelo telefone se carros estão autorizados aestacionar ((vveejjaaqquuaaddrroo))eatégerarmultapormeiode impressoraportátil.
PÁGINA 21
CASOBRUNO
ADOLESCENTEDE 17 ANOS VAIRESPONDER PELAMORTE DE ELIZAMenor que disse ter vistoex-amante do goleiro sermorta é acusado de
sequestro e homicídio porpromotor. Delegado diz quevai indiciar Bruno comomandante do crime.E Fernanda Gomes,
namorada do jogador,como cúmplice. PÁGINA 26
CASASVALEMOURONAZONASULDEBH
Falta de terrenos em bairros nobresde BH leva construtoras a pagar atéR$ 7,2milhões por casarão em lote
de 1.200metros quadrados,em Lourdes. Valorização faz casas
cederem lugar a prédiosem áreas tradicionais, comono Funcionários (foto).
THIAGO HERDYEnviado especial
Londres –Ao refazer o caminhode Jean Charles, tento me colocarna pele de brasileiros que se aven-turam em busca de uma vida me-lhor. Quase sempre, os primeirosdias são os mais difíceis. Desem-
pregados, desenturmados, sem fa-lar a língua direito. Nessemomen-to, penso, que importa a opulênciae a riqueza de detalhes do Big Ben,a elegância da London Eye, o vigordo Tâmisa, rio que cruza de leste aoeste a cidade onde museus, par-ques epubsparecembrotar emca-
da esquina? Para esses compatrio-tas que precisam pagar as contas eainda poupar algum trocado paraenviar à famílianoBrasil, cadahorade descanso é uma hora perdida.Nomeu caso particular, o trabalhode lava-pratos não vingou.
Ao completar duas semanas
sem perspectiva, sinto que, no lu-gar deles, estaria realmente deses-perado. O alento chega numaquarta-feira, em forma de texto,aomeu celular: “Trabalho disponí-vel em Wembley, no sábado, às16h. Para confirmar, responda aestamensagem”.
NOS PASSOSDE JEAN
Duas semanas em Londres, e nada dá certo. Um aviso no celular reacende a esperança do repórter
“PARA CONFIRMAR, RESPONDA A ESTA MENSAGEM”
PÁGINA 13
PSDB
Anastasia prometemetrô até Confins
PÁGINA 7
PMDB
Hélio Costa diz quefará reforma fiscal
PÁGINA 8
TENSÃO
Brasil buscapaz entreVenezuela e Colômbia
PÁGINA 18
LIQUIDAÇÃO
Lojas de BH dão até70% de desconto
PÁGINA 15
A festa é no parqueHelleneGabriel sedivertemno
Parque LagoadoNado,umdosque
têmprogramaespecial de férias.
Documentário mostra como a
web mudou a produção musical
Mostra aborda a relação de
Guignard com a arte oriental
Testamos o Ford Fusion, primeiro
modelo híbrido vendido no Brasil
JORGEGONTIJO/EM/D.APRESS
JUAREZRODRIGUES/EM/D.APRESS CONFIRA A LISTA DOS APROVADOS NO VESTIBULAR DA UFOP
PÁGINA 24
CHAPA QUENTE/ Bico para ganharR$ 126 fritando hambúrguer emWembley lembra fila do INSS no Brasil
THIAGOHERDY/EM/D.APRESS
B E L O H O R I Z O N T E , S Á B A D O , 2 4 D E J U L H O D E 2 0 1 0
●● F E C H A M E N T O D A E D I Ç Ã O : 0 H ●● w w w . u a i . c o m . b r●● M G : R $ 2 ●● N Ú M E R O 2 5 . 0 0 6 ●● 2 ª E D I Ç Ã O ●● 7 0 P Á G I N A S
Muricy diz não, e CBFapela para Mano
Ricardo Teixeira anuncia pela manhã que MuricyRamalho assumiria a Seleção, mas é surpreendido comdecisão do técnico de ficar no Fluminense. Contrariado,dirigente convidou o treinador do Corinthians para o
cargo no início da noite. Mano responde hoje se aceita.
Daniel Carvalhoestreia no GaloAtacante é esperança do Atlético paravencer o Avaí hoje, em Florianópolis, etentar sair da zona de rebaixamento.Pela Série B, o América venceu o Icasapor 2 a 0 e o Ipatinga empatou com
a Ponte Preta: 1 a 1.
Virtual substituto de Dunga,Mano Menezes foi técnico do
Grêmio entre 2005 e 2007. Otítulo mais importante de suacarreira foi a Copa do Brasil de2009, com o Corinthians.
VEM AÍ MAISUM GAÚCHO
QUINHO JORGE GONTIJO/EM/D.A PRESS
GERAIS
E S T A D O D E M I N A S ● S Á B A D O , 2 4 D E J U L H O D E 2 0 1 0
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NATRILHA DOMINEIRO EXECUTADO PELA POLÍCIA LONDRINA, UM BICO DE R$ 126 PARA FRITARHAMBÚRGUER DURANTE SETE HORAS EM UM DOS MAIORES TEMPLOS DO FUTEBOL MUNDIAL
NOSPASSOSDE JEAN
Londres–Naprocurapor em-
pregonassemanasanteriores, ca-
dastreimeucurrículoem12agên-cias e apenas em uma deu resul-
tado.Naquelaquarta-feira,16dias
depois daminha chegada à capi-
tal inglesa, amensagem de texto
que chegou ao celular era da
Berkeley Scott, que se apresenta
comoumadasmaioresempresas
de terceirizaçãode serviços da In-
glaterra.OtrabalhoemWembley,
durante o amistoso entre as sele-
çõesdaInglaterraedoMéxico,era
animador. Além da expectativa
degarantirunstrocados,pensava
que teria chance de conhecer um
dos templos do futebolmundial
sem pagar um tostão. O ingresso
mais barato para a partida custa-
va 40 libras (R$ 120), quaseomes-
movalor que eu receberia por se-
te horas de trabalhono estádio. A
expectativa era conseguir assistir
apelomenosumpedaçodo jogo.
Um amigo brasileiro que ha-
via trabalhado lá me explicou:
“Leveumacarteirade identidade
com foto e apareça por lá de cal-
ça e sapatopretos.Depoisdedes-
cer dometrô, siga as placas”. Era
bom saber que não precisaria
apresentar passaporte. Saí para
comprar uma calça preta na Pri-
mark, rede de lojas onde roupas
básicas são vendidas a espanto-
sospreçosbaixos. A calça custou
quatro libras (R$12), três quartosde umahora trabalhada.
Almoço apenas um sanduí-
chenometrôque segueemdire-
ção ao estádio. Quatro horas an-
tesdo jogo,poucos torcedoreses-
tão na estação de chegada. Um
L E I A A M A N H Ã : M A N O B R A P A R A N Ã O S E R R E P A T R I A D O
senhor de barba branca sobe a
rampa de acesso aos portões de
mãos dadas com uma criança
com o uniforme da Inglaterra,
emmeio a umamultidão de ho-
mens que vestem calça e camisa
social e levam o paletó no braço.
Aproporçãoédenovenegrospa-
ra cadabranco. Elesvão trabalhar
como seguranças na partida. Se-
rá que ganham mais do que
quem fica na lanchonete? Resol-
vo seguir as pessoas apenas de
calçapreta, comoeu,porquenão
achoas taisplacasde sinalização.
Na fila da agência para regis-trar a chegada aoestádio, encon-
tro africanos, indianos, paquista-
neses, americanos e coreanos,
entre tantos outros com a ori-
gem traçada no rosto. Os mexi-
canos estavamanimados.Afinal,
quando teriam uma chance
igual de assistir aum jogoda sua
seleção em Londres, ainda mais
degraça?Osquevieramemgru-
pos conversam animadamente,
o tamanhoda filanãoos assusta.
Chega minha vez de ser atendi-
do. O funcionário da agência pe-ga minha carteira de motorista
brasileira e apenas anotaonome
na ficha. Ganho duas pulseiras
de papel para entrar no estádio.
“Enjoy it (aproveite)”, ele balbu-cia, com cara de enfado.
Outra fila surge no caminho,
novo cadastroparapegar a chave
do armário do vestiário. Lá está
meu uniforme: camiseta e boné
azuis, com o símbolo do estádio
grafado no peito e na aba. Todos
os pertences pessoais devem ser
mantidosemumasacoladeplás-
tico lacrada. Não sei para onde ir,
nem o que fazer. Um boliviano
me explica quemeu lugar de tra-
balho está escrito em uma das
pulseiras no braço: “Box 502”. Su-
bo ao quinto andar e acho meu
posto: uma das dezenas de lan-
chonetes nos corredores de aces-
so às arquibancadas. Daqui, nem
eu nemqualquermexicano con-
seguiremosassistir ao jogo. Inevi-
tável sentimentode frustração.
Dois indianos que também
vestemouniformeazulexplicam
minha função: manter os copos
de cerveja na boca da máquina
sempre cheios e pôr as tortas de
carne,defrangoevegetarianasno
forno.Umacartilhaexplicaatem-
peratura em que devem estar as
tortas na hora de tirar a embala-
gem plástica e dá outras orienta-
ções.Seamáquinaderefrigerante
não completar o copo, deve-se ti-
rar outra bebida e comunicar o
ocorrido ao chefe. A temperatura
dos salgados deve ser observada
de 23 em 23minutos, não é per-
mitido servir cerveja a menores
de18anos,nemapessoasaparen-
temente alcoolizadas.
Perguntoà loirade cabelos ca-
cheados, que está em um dos
caixas, de onde ela veio. “Brasil”,ela responde. Lucianadesembar-
cou em Londres pela primeira
vez em 2002, mesmo ano em
quechegouomineiro JeanChar-
les de Menezes. Ficou dois anos.
“Com o dinheiro que juntei, pa-
guei um curso de relações inter-
nacionais, mas nunca consegui
emprego no Brasil”, reclama. Pa-
ra levantar uma nova quantia,
ela voltounoanopassado a Lon-
dres. “Tenho cara de nova, mas
soumais velha, ninguémacredi-
ta. Fico aqui fazendo trabalho de
menininha”, resmunga.
■■ BRASILEIRA ENTEDIADA EUMA NUVEM DE GORDURA
A uma hora da abertura dos
portões do estádio, meus colegas
de posto abastecem o forno com
minipizzas e salgadinhos. Experi-
mentam alguns, mas param
THIAGO HERDYEnviado especial
CONTINUAÇÃODA CAPA
TORCEDORES INGLESES FAZEM FILA PARA COMPRAR SANDUÍCHES E CERVEJA NO INTERVALO DO AMISTOSO ENTRE MÉXICO E INGLATERRA. O RITMO DE TRABALHO NA LANCHONETE DO ESTÁDIO LONDRINO É AGITADO
DOIS LADOS
quando chega o gerente. Ele deci-
de que eu e o ugandense Steven,
estudante de engenharia aeroes-
pacial que trabalha aomeu lado,
devemos reforçar o time da cozi-
nhadeoutra lanchonete,nomes-
mo andar. “Ai,meuDeus, obriga-
da!”, grita, em bom português, achefedecozinha,abrasileiraRegi-
naFaria,de50anos.Aflita,porque
precisava de ajuda para preparar
hambúrgueres e o clássico fishand chips inglês (peixe combata-
tas), ela fica felizquandodigoque
soubrasileiroeperguntameuno-
me. Ao ouvir a resposta, dispara:
“Thiagoeraonomedomeusobri-
nho, mas ele morreu! Mas isso
nãotemimportância, vemcá,vo-
cêpõeoitocarnesnachapa, fechacomatampa, deixaqueamáqui-
naseabresozinha; tireohambúr-
guer,guardenestavasilha.Asme-
ninas fazemoresto”.
Agarota indianaeameninada
Mongólia cuidam do queijo e do
pão.Descendentede italianos,Re-
ginadizquenasceuno lugarerra-
do, ao se referir ao Brasil. Falando
emportuguêse,por isso,entendi-da apenas pormim, ela faz troça
com o sotaque dos estrangeiros.
“Olheque coisa estranha esse po-vofalandoinglês”,diz,apontandopara amenina que, minutos de-
pois, seria repreendida por ela. “Éumaantamesmo,acabouopãoe
ela nãome avisa”, murmura. Em
três horas, preparo 347 hambúr-
gueres. No fim do jogo somos
obrigadosa limparacozinhacom
água quente. Como devo receber
desde o momento em que che-
guei ao estádio, sete horas de tra-
balho rendem 42 libras (R$ 126).
Depoisdo serviço, todas aspartes
domeu corpo fedem a gordura.
Ao chegar em casa, entro no chu-
veiro e ali fico até os dedos das
mãos se enrugarem.
REGINA FARIA ACHA GRAÇA NOS SOTAQUES DA COZINHA DEWEMBLEY
ENTENDA A SÉRIEO Estado de Minas refez, em Londres, ocaminho do mineiro Jean Charles,executado pela polícia inglesa há cincoanos, e desde ontem publica uma sériecom a experiência do repórter durante40 dias na cidade europeia. Elevivenciou os riscos de uma vida nailegalidade, sentiu o drama na busca poremprego, colheu histórias de sucesso erelatos de decepção. A cada dia, umcapítulo da saga será publicado.
CHAPA QUENTEEMWEMBLEY
O acaso põe sob o mes-
mo teto brasileiros de dife-
rentes classes sociais e ex-
pectativasemrelaçãoàvida
em Londres. Se uma legião
ainda atravessa o Atlânticopara trabalhar e juntar di-
nheiro a todo custo, como
fez Jean Charles, há outra
que, sob o pretexto de estu-
dar inglês, percorre omes-
mo caminho apenas para
aproveitara liberdade longe
dosolhosdafamília.
Em uma casa na região
deSevenSisters,noNortede
Londres, alguns acordamàs
6h e trabalhamaté o fimda
tarde, dividindo-se entre
dois ou três empregos. Para
aoutraparte,dejovensentre
18e22anos,quemmandaé
o prazer. “Amaioria do pes-
soal acorda às 11h, porque
trabalha em pub à noite,
mais pra curtir e juntar di-
nheiro pra dar rolé na Euro-
pa”, conta o jovem T., en-
quantomexe no laptop no
sofádacozinha,deóculoses-
curos, dentro de casa. Éma-
nhã de terça-feira, ele ainda
estáderessacadanoiteante-
rior.“NoBrasil,chegaremca-
saàs5h30nãoéfácilquando
você mora com os pais”,
brincaorapaz.
Perto do meio-dia, um
amigo gaúcho acorda, vai
paraacozinha.“Bah,queho-ras vocês chegaram?”, ele
pergunta. T. dá um sorriso
marotoepedeparaoamigo
fazer silêncio, porque achaque amoradora do quarto
aoladoaindaestádormindo
comumcaraque conheceu
na noite anterior. “Foi só o
cara oferecer uma cerveji-
nha. Quando vi, já estava
voltando com a gente para
casa”,conta.T.estátristepor-
que volta em agosto para o
Brasil. “Aquinãotemaquela
históriadoBrasildevocêpe-gar uma menina de uma
turma de 10 e depois não
conseguir pegar mais nin-
guémdaturma”. (TH)
FOTOS: THIAGO HERDY/EM/D.A PRESS
●● M G : R $ 3 ●● N Ú M E R O 2 5 . 0 0 7 ●● 9 6 P Á G I N A S ●● F E C H A M E N T O D A E D I Ç Ã O : 2 1 H 3 0 ●● w w w . u a i . c o m . b r
B E L O H O R I Z O N T E , D O M I N G O , 2 5 D E J U L H O D E 2 0 1 0
Endereço na internet:www.uai.com.br/em.htmAssinaturaUai:0800031 5000 Assinaturas e serviço de atendimento:BeloHorizonte: (31) 3263-5800 -Outras localidades: 0800031 5005
771809 9870149
ISSN 1809-9874
9
BBEE
MMVV
IIVV
EERR
FFEE
MMIINN
IINN
OO&MASCULINO
EE★★MM
PAÍS CORRERISCODE FICARSEMCALÇADOE SEMROUPAFornecedores de vestuários e calçados começamaenfrentar umproblemaquepodedeixar o consumidor semvariedadedesses produtosnomercado, considerados vedetes nas vendas
de fimde ano.Diferentementedoocorrido em2009, quando a falta de insumos emaquinário enfraqueceu aprodução, desta vez, o dilemados empresários é acharmãodeobra
qualificada. Sóno setor de confecções deMinas, a carência deprofissionais é de 20mil, 10%do contingente empregadono segmento, e há fábricas comentregas atrasadas ematé 30dias.
PÁGINAS 16 E 17
DOMINGO
Comer bem semperder a saúde
O fabricantede identidade
THIAGO HERDYEnviado especial
Londres –Três semanasdepois da chegada a Londrespa-
ra refazer o caminhode JeanCharles, ainda não consegui
emprego fixo. Sou barrado nas entrevistas por causa do
vistode turista. Peçoajudaaumamigobrasileiroeele su-
gere: “LigueparaoFlávio, ele resolve isso. Transformavo-
cêemitalianoouportuguês, é sóescolher”. PÁGINA32
Requinte paragostos distintos
Nasemanadaalta-costura deParis, coleçõespara diferentes perfis: damulher clássica àperua.Mas não falta luxo, comonas criaçõesde JohnGallianopara ChristianDior (foto).
Arte de mestrepede socorro
Obras de Manoel da Costa Ataíde, gêniodo período colonial, como a pintura da
capela mor da Igreja de Nossa Senhora doRosário, emMariana, estão ameaçadas.
NOS PASSOSDE JEAN
OOUTRO LADODO
AQUÁRIOCASO BRUNO
Polícia apostaem acareação
CRIME BÁRBAROESPECIALISTAS SUGEREMPUNIÇÃOMAIS RIGOROSA
PÁGINAS 28 E 29
ELEIÇÕES 2010
Presidenciáveisfora dos rincões
CALOTEDÍVIDA DE PETISTA FECHAAGÊNCIA DOS CORREIOS
PÁGINA 4
Olhos fixos e imaginação são os únicos requisitos para uma viagem ao fundo do Rio São Francisco
sem sair de BH. Para admirar o poderoso surubim ou o elegante dourado, basta uma visita ao
aquário da Fundação Zoobotânica, na Pampulha. Mas, para não perder o encanto, a atração exige
intenso trabalho, como a meticulosa limpeza feita pelo mergulhador. PÁGINA 26
Alimentos e bebidas com excesso deaçúcar, gordura saturada ou trans e sódioviram inimigos públicos em resolução daAgência Nacional de Vigilância Sanitária.
Delegado quer pôr frente a frente omenor J.,de 17 anos, e Sérgio Rosa Sales, o Camelo,primos do goleiro, para reforçar provas doassassinato de Eliza Samudio, num inquéritoque pode ter custo alto. PÁGINAS 25 E 27
José Serra (PSDB), Dilma Rousseff (PT)e Marina Silva (PV), os três principais
candidatos à sucessão de Lula,privilegiam os grandes centros nasviagens de campanha. PÁGINA 3
TAVISWRIGHT/IMAGESOURCE/FOLHAPRESS
MARILENERIBEIRO/ESP.EM
RENATOWEIL/EM/D.APRESS
FRANÇOISGUILLOT/AFP
EULERJÚNIOR/EM/D.APRESS
A poucos metros de um policial, brasileiro vende documento português por R$ 150
MANO QUER SELEÇÃO CASEIRA
GALONÃOAVANÇAECRUZEIROBUSCAG-4Nem com a estreia de Daniel
Carvalho (foto), expulso no 2º
tempo, o Atlético conseguiu
superar o Avaí, ontem, em
Florianópolis. Empatou por
0 a 0 e continua na zona de
rebaixamento. Já o time celeste
promete derrotar o Grêmio hoje,
às 16h, na Arena do Jacaré, em
Sete Lagoas, para voltar ao
pelotão dos quatro melhores.
ANTONIOCARLOSMAFALDA/MAFALDAPRESS/FUTURAPRESS
GERAIS
E S T A D O D E M I N A S ● D O M I N G O , 2 5 D E J U L H O D E 2 0 1 0
32
EM 30 MINUTOS E POR R$ 150, BRASILEIRO QUE VIVE EM LONDRES E JÁ FOI DEPORTADOTRÊSVEZES FABRICA EVENDE IDENTIDADE FALSA PARATURISTAQUEQUERTRABALHARNOPAÍS
NOSPASSOSDE JEAN
L E I A A M A N H Ã : V I D A E S T Á V E L C O M F A X I N A E M Ó V E I S
Estação de Gloucester Road, em Kensington e Chelsea, uma das regiões mais caras de Londres: repórter encontra-se com Flávio na lanchonete da esquina para comprar documento com cidadania portuguesa
THIAGO HERDYEnviado especial
Londres –Depois dos atenta-dos terroristas e da pressão daopinião pública, as políticas deimigração inglesas ficarammaisrestritivas e os critérios de con-cessãodevisto foramreformula-dos. Como não hámais carimbocapaz de garantir a permanênciano país por tanto tempo, os tra-balhadores ilegaisvêmadotandoumaoutra estratégia: forjarumanova nacionalidade. Para um ci-dadão europeu, basta mostrar acarteira de identidade ao empre-gadorpara ser contratado. Comopreciso de um trabalho fixo, re-solvo ligar para o Flávio, comohavia sugeridomeuamigo. Comevidente sotaquepaulista emui-ta simpatia, ele atende me cha-mando de mano e pergunta deque documento eu preciso:“Identidade oupassaporte?”
“Acho que a identidade já re-solve”, respondo,semmuitasegu-rança. Flávio combinaumencon-tro para o dia seguinte. “Vou temandar uma mensagem com aestaçãoonde a gente se encontra,naPicadillyLine.Trazumafoto,osdados eupego comvocênahora,certo? Você esperameia hora, eute entrego ela pronta.” A facilida-decomaqualaencomendaéofe-recidameespanta. Perguntoqualseria a nacionalidade do docu-mento. “Português, italiano,qual-quer um”, ele responde. “Qual opreço?”, quero saber. “Cinquentalibras (R$150).”Porumvalorequi-valente ao salário de um dia detrabalho, em média, eu poderiacomprarumdocumentoquemepermitiriatrabalharnoReinoUni-doporquanto tempoquisesse.
Perguntoaele sobreapossibi-lidade de comprar umpassapor-te. Flávio respondequeprecisariademais tempo para entregá-lo –duashoras–equecustaria250 li-bras (R$ 750). “É coisa sensível àluzultravioleta, comfolhade im-pressão de alta qualidade. Nãoimprimo com jato de tinta, im-primoa laser.Porque jatodetinta
vocêmetenobolso, elemancha”,explica. Falo com ele sobre meutemordeterproblemascomafis-calização. Não queria correr o ris-codeficarumanopresona Ingla-terra e depois ser deportadoparao Brasil. Sou orientado a não an-dar comodocumentonobolso emostrá-loapenasumavezaoem-pregador. “Depois você guarda”,explica Flávio. Quando desligo otelefone, chega umamensagemde texto com a estação e o horá-rio do nosso encontro do dia se-guinte:Gloucester Road, às 13h.
Saio de casa mais cedo paratirar uma foto 3 x 4 e chego 20minutos antes à estação. Ligopara dizer que o aguardo emuma lanchonete em frente. “Ta-va dormindo, aguenta só umpouquinho que chego em cincominutos”, ele responde. Se esta-rá aqui tão rápido, certamenteelemora por perto. A estação deGloucester Road fica em Ken-sington e Chelsea, uma das re-giõesmais caras e sofisticadasdeLondres. Ele não demora paraaparecer. Usando óculos escu-ros, reclama do calor quando overão se anuncia. Pega minhafoto, pergunta omeu nome, da-ta de nascimento, nome dosmeus pais e altura. “Altura?”, es-tranho. “Sim, documentoportu-guês temaltura”, ele explica, rin-do. Flávio pede para eu esperar“30 minutinhos”, eu digo que oaguardo na lanchonete.
Em pouco tempo ele voltacommeu documento impresso,
plastificado e com um carimboem alto-relevo. “Não olhamuitoagora, porque tem polícia do ou-tro lado da rua”, ele me alerta,apontando para o outro lado davitrine.Quandoospoliciais saem,elememostra os detalhes da car-teira.“Éigualzinhaàminha, tenhocidadania portuguesa”, ele conta.Perguntoháquantotempoelees-tá em Londres. “Sete anos,mas jáfui deportado três vezes. Vou evolto”. “Mas como?”, quero saber.“Ah, fazia uns esquemas, né? Pe-gavadocumentodeoutrapessoa,trocava a foto, e vinha. Da últimavezencheuosaco,eutinhadireitoà cidadania, corri atrás e tirei.”
Hoje ele vive emumazona lu-xuosa, pagando um aluguel se-manal de 400 libras (R$ 1,2 mil).Trocou o carro na semana passa-da, mas desconversou quandoperguntei qual omodelo. Desdequando desembarcou em Lon-dres pela primeira vez, há seteanos, trabalhacomfalsificaçãodedocumentos. “Fui conhecendo,caí namalandragem, né?”, expli-ca. Indagadosobrequantascartei-raseleproduzdiariamente,obra-sileirorespondegenericamente: “Muitas”. Ele diz atender apenaspessoas com indicação, mas es-quece que não citei o nome dequalquer pessoa quando telefo-nei. Depois que eu pago as 50 li-bras,nosdespedimoseelevaiem-bora andando, tranquilamente.Volto para casa pensando em co-mo fazer para incorporar um so-taqueportuguês à fala.
Diálogos proibidos
UNIÃODEMENTIRANocasamentodeL. e F. sobrampadrinhos, trocade
aliançasechampanhe.Mas falta sinceridade. Paraapo-sentar o passaporte falso e ganhar livre acesso à Ingla-terra, L., gay, pagou R$ 20mil a F., heterossexual, paraser seumaridonopapel.Auniãodementira foi oficia-lizadanoúltimomês, emumcartórionaGrande Lon-dres. “Por ser gay, o casamento aqui é mais fácil, por-queeles tememser acusadosdepreconceito”, conta L.Elemanterá emsuacasa fotos, objetos e roupasdo su-posto marido, para provar que estão juntos caso al-guémos denuncie ao governo.
L. pagou pela cidadania europeia para não vivermais o pesadelo dos últimosmeses. No início do anoele teveumdesentendimentocomumvizinhoe rece-beu e-mails em que ele ameaçava denunciá-lo. Foiobrigadoamudardeendereço.Oproblemase repetiulogo depois, quando se tornou sócio de uma pessoaque tambémsabiade suacondição irregular. “Elaque-riamemanter naquelas condições, ‘você trabalha pa-ramimbarato, senão...’”, conta L. Até amigo dele já foideportado, em caso semelhante, por causa de outrapessoa que sabia de sua condição ilegal e queria rou-bar o emprego alheio.
Ele lamentaconstatarque,muitasvezes,problemasdo tipo ocorrem entre compatriotas. “Uma coisa queeuaprendi foi a tomar cuidado comospróprios brasi-leiros.Àsvezes, sãoelesqueatrapalhamvocêenãoerapara ser assim. A gente tinha que se juntar aqui, paratentar vencer.” Depois do casamento de business (ne-gócio) – forma como os brasileiros nomeiam a uniãoforjada – L. espera ter paz para voltar a ganhar dinhei-ro e viver a vida na cidade que ele tanto gosta.
Repórter:Olha, eu preci-so de documento só pa-ra poder trabalhar.
Flávio:Você já sabeoquevocêprecisa já, seé iden-tidade, passaporte, oque você vai precisar?
Repórter: Eu acho que aidentidade resolve.
Flávio: Então você temcomoencontrar comigoamanhã?
Repórter: Pode ser ama-nhã, comoagente seen-contra?
Flávio: Olha, você faz oseguinte, a linhaéaPica-dillyLine, você sabequalque é?
Repórter:Tô ligado...
Flávio:Entãovocêvaipe-gar essa linha e vai viratéaestaçãodeGlouces-ter Road. (…) Aí você trazuma foto, os dados eupego com você na hora.Você espera meia hora,eu te entrego pronta.
Repórter:Meia hora, só?
Flávio: É rapidinho.
(…)
Repórter:Equantoqueé?
Flávio: 50 (libras, R$ 150).
Repórter:Pagonahora?
Flávio:Paga nahora.
Repórter: Passaporte émais complicado?
Flávio: Não, passaportedemoraduashorasparate entregar.
Repórter: E quanto quecusta?
Flávio:250 (libras, o equi-valente a R$750)
FOTOS: MARILENE RIBEIRO/ESP.EM/D.A PRESS
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CONFIRA NO UAIOuça o diálogo como falsificador
CONTINUAÇÃODA CAPA
Documento com foto e dados pessoais fica pronto em pouco tempo
Casamento civil garante livre acesso à Inglaterra
NACIONALIDADE FORJADA
●● M G : R $ 2 ●● N Ú M E R O 2 5 . 0 0 8 ●● 7 2 P Á G I N A S ●● F E C H A M E N T O D A E D I Ç Ã O : 2 2 H ●● w w w . u a i . c o m . b r
B E L O H O R I Z O N T E , S E G U N D A - F E I R A , 2 6 D E J U L H O D E 2 0 1 0
Endereço na internet:www.uai.com.br/em.htmAssinaturaUai:0800031 5000 Assinaturas e serviço de atendimento:BeloHorizonte: (31) 3263-5800 -Outras localidades: 0800031 5005
771809 9870219
ISSN 1809-9874
9
DIREITO JUSTIÇA&
TURISTA DÁ CARTÃOAMARELO PARACOPA’2014 EM BH
Cidadãos de outras nacionalidades, a passeio oumoradores da capital, apontam deficiências que precisam ser corrigidas
para a cidade sediar jogos do próximoMundial de Futebol. O sistema de transporte, que, de acordo com a prefeitura,
receberá investimentos, lidera a lista dos itens reprovados, que inclui telefones públicos e atendimento em bares. Mas a
segurança e a hospitalidade do belo-horizontino são bem avaliadas pelos estrangeiros.
PÁGINAS 19 E 20
MARMELADAO feliz Fernando Alonso, vencedor do GP da
Alemanha de F-1, e o constrangido Felipe
Massa ladeiam Stefano Domenicali, o chefe
da equipe da Ferrari, que, na 48ª volta, deu
ao brasileiro, até então líder, a indicação
para abrir caminho ao espanhol. Escuderia
foi multada pela FIA emUS$ 100mil.
MANO MENEZES FAZ A PRIMEIRA CONVOCAÇÃO
Falso portuguêsbusca emprego
THIAGO HERDYEnviado especial
Londres–Quatrosemanasde-
poisdedesembarcarpararefa-
zerocaminhode JeanCharles,
avidaengatadeverdade.Com
identidade de português emmãos, aviso a cadapessoa que
encontro pelo caminho que
procuro emprego fixo.
PÁGINA24
NOS PASSOSDE JEAN
MARILENERIBEIRO/ESP.EM
PEDROVILELA/ESP.EM
ELEIÇÕES’2010
Mensalãonão impedecandidaturaCinco políticos citados como réusem ações que tramitam no STF ena Justiça Federal por supostaparticipação no esquemaconcorrem, pela segunda vez, acargos legislativos sem medo daLei Ficha Limpa. São eles: JoséGenoino (PT-SP), Pedro Henry(PP-MT), Valdemar da Costa Neto(PR-SP), Paulo Rocha (PT-PA) eRomeu Queiroz (PTB-MG).
PÁGINA 3
Familiares de nove pessoas que perderam a vida em umacidente, há ummês, perto do trevo de Caeté, na Grande BH,fecharam ontem a BR-381, a chamada Rodovia da Morte, emprotesto contra as péssimas condições de segurança das pistas.
PÁGINA 22
EXPORTAÇÃO
Comérciomuito pobrecoma ChinaOpaís asiático é omaior importadorde produtosmineiros e tambémoresponsável pela parcelamais pobreda receita com vendas externas doestado. Enquanto pagou, no anopassado, US$ 66,75 por tonelada,os argentinos desembolsaramUS$ 1,3mil, ou seja, quase 20vezes amais, e a remuneraçãoobtida na Europa Oriental passoude US$ 1,1 mil, emmédia.
PÁGINA 12
EE★★MM
ClássicalembrançaFestival que começa hoje naFundação de EducaçãoArtística, em BH, lembra os200 anos de nascimento dosgênios Chopin e Schumann.
Doce invasãoda melanciaFruta colhida por mineiroscomeça a desbancar, naCeasa, concorrenteproduzida no Nordeste.
AGROPECUÁRIO
● TRT-MG lança projeto que
vai facilitar o trabalho de
advogados.
REGENERAÇÃODETECIDOÓSSEO
UM BASTA À MATANÇA
PASÁRGADATCE APROVA CONTAS DE
PREFEITURAS INCRIMINADASPÁGINA 8
CASO BRUNOACABA HOJE PRAZO PARAPOLÍCIA FECHAR INQUÉRITO
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CHRISTOFSTACHE/AFP
RENATOWEIL/EM/D.APRESS
NOS PASSOSDE JEAN
HENRIQUE EVITA DERROTACom gols do volante (na foto, o primeiro), o Cruzeiro, que esteve duas vezes em desvantagem noplacar, empatou por 2 a 2 com o Grêmio, ontem, na Arena do Jacaré, e se mantém em sexto lugarno Campeonato Brasileiro, com 16 pontos. Domingo, encara o Atlético, penúltimo colocado, com10, também em Sete Lagoas. Os comandados do técnico Cuca reclamaram do gramado e adiretoria decidiu mudar de estádio quando a equipe tiver o mando de campo.
Composto descoberto por pesquisadores da UFMG vai facilitar
implante dentário e cicatrização em diabéticos.
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Trabalho árduo em loja demóveis
GERAIS
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UMA ROTINA DE TIRAR O FÔLEGO EMUMA LUXUOSA LOJA ITALIANA, ALÉM DE UMBICOMUITO BEMPAGODE CARREGAR E DESCARREGARMÓVEIS DE UMCAMINHÃO
NOSPASSOSDE JEAN
L E I A A M A N H Ã : C H E G A A H O R A D E V O L T A R
TRABALHO PESADOTHIAGO HERDYEnviado especial
Londres – Meu lugar favori-to no supermercado é o corre-dor central entre as prateleiras.Lá estão expostos os produtosque vencem nos próximos diase, por isso, são vendidos por atéumquartodopreçooriginal. Na-quela terça-feira, eu pegava trêspacotes de pão pelo preço deum, quando meu celular tocou.“Você é o mineirinho que táquerendo emprego? Então vempra cá, mas tem que ser agora”,medisseGlaissonPinheiro, tam-bém mineiro, há 10 anos ga-nhando a vida em Londres.
Saí do supermercado e volteipara casa. Não emumônibus dedois andares,mas naqueles arti-culados estendidos, que estãosempre cheios porque as pes-soas entram pela porta de trás econseguem viajar sem pagar.Tomei umbanho a jato e pegueio metrô até South Kensington,ao sul de Londres. Pela explica-ção do caminho, já podia imagi-nar a categoria do lugar. “Vire àesquerda, caminhe até a loja daChannel. Você vaime encontrarquatro lojas à frente”, disseGlaisson. Ele me esperava naporta da Boffi, uma luxuosa lojaitaliana especializada em mó-veis de cozinha e banheiro.
“Você fala inglês?”, foi a pri-meira pergunta. “Sim”, eu res-pondi. “Menosmal.” Emseguida,eledisparouumafrasedepoisdaoutra, comoseestivesseatrasadopara um compromisso. “Tô tedando isso aqui de mão beijada,tá tudo limpinho. Você temqua-trohorasparacuidar, sãocinco li-bras (R$ 15) por hora,mais trans-porte. Vinte e cinco (R$ 75) pordia, topa?” “Éclaro.”Recebi as ins-truções do trabalho em apenas15minutos: recolhero lixo, sepa-raros reciclados, aspiraro tapete,colocar copos, talheres e pratosnamáquina, guardá-losnoarmá-rio, limparvidros, espelhosepas-sar umpanonaprivada, escovãona loja toda, usar omop (espéciede panomolhado) no chão. Estaseria minha rotina pelos próxi-mos 10 dias.
“Isso aqui é a Prada dos ba-nheiros e cozinhas. Tá vendoaquela ali?”, ele disse, apontandoparaumabancadadepedra comfogão e exaustor, cercada por ar-mários com eletrodomésticosembutidos. “Custa 200mil libras(R$ 600 mil).” Num ato de con-fiançaquemedeixouespantado,Glaissonme entregou as chavesda lojae foi embora. Enquantoeupassavaopanonos espelhos, ob-servava que sujava mais do quelimpava. Passei a lavar os panosvárias vezes ao dia. Problema re-solvido. O espaço era tão grandeque resolvi dividi-lo em setores.Além de uma faxina geral, cadadia eu dava atenção especial aumaparte.
Meu horário de entrada noserviço era às 18h, quando a lojafechavaparaopúblico, e ia até as22h. Como tempo fui ganhandoagilidadeevoltavamais cedopa-ra casa. Muitas vezes, a únicacompanhia era a do arquitetoFrancesco, que andava pela lojacom um telefone sem fio nasmãos, falando em italiano até al-tashoras. “Para cuidardeuma lo-ja destas, tenho que trabalharmuito”, ele justificava.Quenada.Logo saquei que Francesco espe-rava todos saírem para colocar aconversa em dia com sua mu-
lher, que tinha acabado de terumfilhoeviviana Itália.Aparen-temente, ele se esquecia que oitaliano e o português são lín-guas, às vezes,muito parecidas.
Numa sexta-feira, o encon-trei tomando um café expressona cozinha, logo quando che-guei. “Busy day (dia movimen-tado)”, ele puxou conversa. “Pa-rece que as pessoas estão cui-dando mais do seu dinheiro,não foi umdia fácil para vender.Para gastar 100 mil libras (R$300 mil) em uma cozinha, temque ter muita certeza, não é?”,ele comentou. Pela quantidadedemarcas de dedos gordurososnas pias, espelhos e bancadas,comprovei que, de fato, tinha si-do um dia agitado na loja.
Não conheci direito os outrosfuncionários do escritório. Massentia-me próximo de quase to-dospelos rastrosdeixados.Comoera bonitinha a pequena Giulia,filha do Steven. Gerente da Boffi,ele trabalhava cercado por suasfotos edesenhos feitos comlápisde cor. Queria ter tido a chancededizerobrigadoaumadasduasrecepcionistas,mexicana,queco-locava todoo seu lixo emumsa-co plástico, facilitando (e muito)o meu trabalho. Só eu sabia quetodososdias, antesde ir embora,a mesma mulher de lábios car-nudos retocava a maquiagem edeixava-me um beijo de batom.Eraoprimeiroguardanaponoto-poda lixeiradobanheiro femini-no, no fimda tarde, sempre.
MÓVEIS O trabalho na loja megarantia o aluguel e boa partedas despesas com alimentaçãoem Londres. Mas, para conse-guir juntar dinheiro, precisavade mais. Um dia, ao fim do ex-pediente, Glaissonperguntou seeu podia trabalhar no dia se-guinte. Sheldon, um inglês queele conhecia, precisava de umapessoa para ajudá-lo a descarre-gar um caminhão de móveisem um shopping de design deinteriores. “É trabalho bom, pa-ga 10 libras (R$ 30) a hora. Duvi-do que você consiga coisa me-lhor”, elemedisse. Liguei para oSheldon e combinei de encon-trá-lo no shopping. Quandocheguei, ele já descarregava osmóveis com três ajudantes. Tí-pico inglês de classe média bai-xa, ele havia pedido demissãodo emprego demotorista e alu-gado um caminhão para fazerentregas por conta própria.
“É sempre bom ter mais al-guém por perto”, disse-meSheldon, que por mais doisdias me convidaria para ajudá-lo a descarregar e carregar ocaminhão commóveis. Ele pa-gava o dobro de Glaisson, maso trabalho era bem mais pesa-do. “Are you ok, buddy (estátudo bem, meu camarada)?”,ele me perguntava, de quandoem quando. A bruteza do tra-balho era inversamente pro-porcional à sua educação. Paratransportar caixas e móveis,usávamos skates, que torna-vam a tarefa bem mais fácil.Naquela semana de sorte, so-mados o trabalho diário na lo-ja e os três dias carregandomóveis, eu tinha ganhado 340libras (R$ 1.020). Emminha ca-beça, Londres começava a setornar a cidade mais incríveldo planeta.
CONTINUAÇÃODA CAPA
ENTENDA A SÉRIEO Estado de Minas refez, em Londres, ocaminho do mineiro Jean Charles,executado pela polícia inglesa há cincoanos, e desde quinta-feira publica umasérie com a experiência do repórterdurante 40 dias na cidade europeia. Elevivenciou os riscos de uma vida nailegalidade, sentiu o drama na busca poremprego, colheu histórias de sucesso erelatos de decepção. A cada dia, umcapítulo da saga será publicado.
DINHEIROVIRA PÓ
O resultado de anos detrabalho de dezenas de bra-sileiros em Londres viroupó, no início deste ano. Elesforam vítimas de umgolpeaplicadopor RogériaNeves,natural de Santa Vitória, noTriângulo Mineiro, que de-sapareceu comcercade300mil libras (R$ 900 mil) deimigrantes brasileiros. EmLondres há três anos, Rogé-ria mantinha um negóciode transferência de dinhei-ro para o Brasil.
“Ela tinhaoperfildeumapessoaquevocênunca ima-ginava ser capaz de aplicarumgolpe:poucomaisde40anos, mãe de três filhos, di-vorciada, ia à igreja duas ve-zes por semana”, conta oempresário mineiro Gio-vanni Ferreira, de 33 anos.Sozinho, ele perdeu 70 millibras (R$ 210mil). Era a en-trada de um apartamentoem Copacabana, no Rio deJaneiro, que ele juntara nosúltimos 10 anos graças àrenda da casa de carnes quemontouemLondres.
“Eu entrei em parafuso.Nãoeradinheiroqueestavasobrando, era um investi-mento. Não é fácil guardar600 libras (R$ 1,8 mil) todosos meses e ver tudo ir peloralo”, conta o empresário,queantesdeganhardinhei-rona Inglaterraviviacomos10 irmãosna Favela daVen-tosa, em Belo Horizonte. Apolícia informouque inves-tigaria o caso, mas poucosbrasileiros registraramquei-xa,porestarememsituaçãoirregularnopaís.Rogériaen-viou um e-mail a uma listade amigos, pedindo descul-pas. As vítimas suspeitamque ela tenha fugido paraMinas Gerais. O EM envioumensagens para Rogéria,mas ela não respondeu.
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CONFIRA NO UAIAssista a vídeo sobre otrabalho em Londres
Espécie de faxineiro, repórter consegue emprego e tem de recolher o lixo, separar os reciclados, aspirar o tapete e passar escovão
Para complementar a renda, ele transporta caixas e móveis para um shopping de design de interiores
Depois do horário comercial, começa a labuta que vai das 18h às 22h, a cinco libras (R$ 15) por hora
FOTOS: MARILENE RIBEIRO/ESP.EM/D.A PRESS
ARQUIVO PESSOAL
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771809 9870389
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TTUURR IISSMMOO
FICHA SUJA, NÃOTREdeMinas é o primeiro no país a aplicar nova lei para barrar uma candidatura a deputadofederal. O impugnado, o ex-prefeito Athos Avelino, deMontes Claros, vai recorrer ao Supremo
PÁGINA 3
A NOVA CARADA SELEÇÃO
Renovação. Essa é a marca da Seleção Brasileira de Futebol convocada ontem pela primeira vezpelo técnico Mano Menezes. Pensando nas Olimpíadas de 2012, ele escalou 10 novatos e apenasquatro que disputaram a Copa do Mundo, na África. Entre as caras novas estão Ganso, Neymar eAndré, do Santos, Jucilei, do Corinthinas, e o goleiro Renan, do Avaí. Réver e Diego Tardelli, doAtlético, também figuram entre os 24 chamados para a partida amistosa contra os Estados Unidos,em10deagosto.Commédiade idadede23,08anos,grupoémais jovemdoqueo timeque foiàCopa.
DOVÔLEIA lição que vem
Com equipe renovada e mesclando experiência ejuventude, Seleção Brasileira deVôlei retorna ao país,horas depois de conquistar, pela nona vez, a LigaMundial, na Argentina. O time de Bernardinhovenceu a Rússia por 3 a 1 na final. ComMurilo (foto),o melhor da Liga, time vai agora em busca dotricampeonato no Mundial em setembro na Itália.
■■ Ganso, 20 anosMeio-campo (Santos)
■■ Neymar, 18 anosAtacante (Santos)
■■ Réver, 25 anosZagueiro (Atlético)
■■ Renan, 19 anosGoleiro (Avaí)
FILHO DE CISSAGPS DE CARRO DA PM CONFIRMAVERSÃO DE PAI DO ATROPELADOR
PÁGINA 8
OS DONOS DA RUAPROIBIÇÃO NÃO VAI IMPEDIRACHAQUE POR FLANELINHAS
PÁGINA 21
GUERRA AO TERRORVAZAMENTO DE DOCUMENTOSSOBRE AFEGÃOS ABALA OS EUA
PÁGINA 17
Após a tragédia,a resistência
THIAGO HERDYEnviado especial
Londres – Cinco anos de-
poisdamortede Jean,asauda-
de queVivian Figueiredo e Pa-
trícia Armani sentem do pri-
mocomoqual viviamaindaé
forte. “Houve uma época em
queeupensavanele tododia”,
contaPatrícia. “Agora já foi. Es-tamosvivendoanossavida.”
CONTINUANAPÁGINA26
MARILENERIBEIRO/ESP.EM
Primas de Jean, Vivian e Patríciatentam refazer a vida em Londres
NOS PASSOSDE JEAN
CASOBRUNO
ACUSADOSFRENTEAFRENTE
PÁGINA 24
Justiça autoriza acareaçãoentre adolescente de 17 anose todos os outros investigadospelo sequestro e suposto
assassinato de Eliza Samudio,a ex-amante do goleiro Bruno.
Advogado domenor vairecorrer da decisão.
VOLTA PARA CASACOM FACE RENOVADA
Rapaz que recebeu primeiro
transplante facial total na história
médica deixa hospital em Barcelona
(foto) e inicia recuperação para
retomar fala. PÁGINA 20
História sexual
da MPB vaiganhar vídeoe pode chegaraos palcoscom musical.
Músicasensualem DVD
Noruega oferece dias longos
nas férias de verão na Europa
JOSEPLAGO/AFP
WAGNERMEIER/FOTO ARENA/AE
WERTHER SANTANA/AGENCIA ESTADO/AE
SOMLIVRE/DIVU
LGAÇÃO
FLAVIO NEVES/DIARIO CATARINENSEFERNANDA LUZ / JORNAL ATRIBUNADE SANTOS FERNANDA LUZ / JORNAL ATRIBUNADE SANTOS DANIELAMINEIRO/PORTAL UAI/D A. PRESS
ALEXANDREBUTÃO/CB/D.APRESS
ANASTASIA UNEGALODOIDO E RAPOSÃOTucano recebe apoio de torcida
dos dois times e de dirigentes e
ex-craques do futebol mineiro.
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HÉLIO RECEBEAPOIODECLÉSIOANDRADE
Dissidente no PR deMinas,
empresário fecha com candidato do
PMDB, que canta vitória nas urnas.
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EXEMPLO DESUPERAÇÃOPortador de doença congênitaque enfraquece os músculos,
Melchior Júnior, de 14 anos (foto),deixou o Hospital Regional deBetim, onde viveu internado dos10 meses de idade até ontem.
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EDÉSIOFERREIRA/EM/D.APRESS
GERAIS
E S T A D O D E M I N A S ● T E R Ç A - F E I R A , 2 7 D E J U L H O D E 2 0 1 0
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ENFRENTARTRABALHODURONOEXTERIORAFIMDEJUNTARDINHEIROSUFICIENTEPARAAREALIZAÇÃODEPEQUENOSSONHOSEXIGECORAGEMERESISTÊNCIAÀSAUDADEDECASA
NOSPASSOSDE JEAN
L E I A A M A N H Ã : I N D E N I Z A Ç Ã O D I V I D E F A M Í L I A
VIDAQUE SEGUE
ESTÁVEL,MASNUMASOLIDÃO…Até o fimdo ano, o capixaba
Denisar Paulo Greco, ou Denny,como é conhecido em Londres,termina de pagar o investimen-tode suavida:umapartamentode dois quartos, a uma quadrado mar, em Praia Grande, no li-toral paulista. O imóvel é resul-tadodemeiadécadade trabalhonacapital inglesa,na limpezadeparques, jardins e poda. O servi-ço lhe rendeu tambémdinheirosuficiente para comprar doiscarrosparaas irmãsquemoramnoBrasil, viajarporboapartedaEuropa e assistir a shows dosídolos de sua adolescência, co-mo U2, AC/DC e Bon Jovi. “Emcinco anos, obtive financeira-mente o que não teria em 30 noBrasil”, resume o jardineiro.
Mas, para ter tudo isso,Dennypagouumpreçoque, nosúltimos tempos, vem achandoalto demais. “A solidão bate for-te. Você passa a sentir falta dascoisas mais simples, como estar
com a família e com as pessoasque cresceram com você. Ami-goscomquemjogoubola.Coisasque a gente sempre teve, masnão percebeu como eram im-portantes”, desabafa ele, quepondera: “Obviamente, viajarpara foraeconheceroutropaís émuito bom.Mas você ter um lu-gar onde possa chamar de lar, sesentir seguro, com pessoas aoseu redor, émais importante”.
Denny dorme, há cinco anos,em umquarto no terceiro andarde uma casa em Manor House,noNortedeLondres, rodeadoporquatrobandeiras:umadaAustrá-lia,doadaporumamigo,umadaItália,paísondeobtevecidadaniaeuropeia,doBrasil, a terranatal, eda Inglaterra, que o acolheu. Achegadaàcapital inglesaocorreuseisdiasdepoisdoassassinatodeJean Charles, o que deixou suamãe apavorada. “Argumenteique o que tivesse que acontecer,aconteceria”, lembra ele. Ele
aprendeuinglêsnamarra.Traba-lhou como faxineiro, entregadorde jornais e estabilizou-se comojardineiroquandocompreendeuo jeito londrino de se viver. “Fun-ciona da seguinte forma: se esti-ver disposto, consegue trabalhorápido. Mas ninguém quer sabero que você é, de onde veio, o quefaz. Você está sozinho na capitaldomundo”, descreve.
O jeito é se reunir com pes-soas que sentem amesma falta,omesmo tipode saudade. Brasi-leiros, é claro. “É a única manei-ra de se sentir um pouco maisacolhido, umpoucomais emca-sa.” Atualmente, três jovens eum casal do Rio Grande do Sulalugamquartosnomesmo imó-vel. Se o domingo amanhecesem chuva, é comum haverchurrasco no quintal. Mas, de-pois de algumas cervejas e coma aproximação do fim da festa,umavagamasdoce tristezache-ga semavisar. Cadaumvai para
o seu quarto conversar com opai, comamãe,namorada (o)ouirmãos pelo computador.
Perto de completar 40 anos,Dennytemumaideia fixa:voltarpara o Brasil no que vem e abriruma empresa especializada emmanutenção e limpeza de está-dios. “Tiveumaexperiênciamui-to boa aqui quando trabalhei nocampodoArsenal. Éumconheci-mento específico, que poderá serdemandado para a próxima Co-paeOlimpíadanoBrasil”,afirma.Tentar uma vida acadêmica e vi-rarfuncionáriopúblicosãoospla-nos B e C, respectivamente.“Aprendi muito, fiz o que pudeaqui. Tivebons resultados emtu-do que procurei, acho que tábom.” ((TTHH))
ENTENDA A SÉRIEO Estado de Minas refez, em Londres, o caminho do mineiro Jean Charles,executado pela polícia inglesa há cinco anos, e desde quinta-feira publica umasérie com a experiência do repórter durante 40 dias na cidade europeia. Elevivenciou os riscos de uma vida na ilegalidade, sentiu o drama na busca poremprego, colheu histórias de sucesso e relatos de decepção.
Denny, há cinco anos em Londres, sente falta das coisas simples
Londres – Brasileiros fazemcommais frequência o caminhode volta do que outros imigran-tes, acostumados a escolher Lon-dres como lugar para viver emorrer. “Eles ficamdedois a cin-coanosnopaís,muitasvezesporcausa do status de ilegalidade.Alguns semovemparaEspanha,outros para Portugal. Mas é bas-tante considerável a parte quevoltaparaoBrasil”, explica apes-quisadoramineira Ana Paula Fi-gueiredo, integrante do Grupode Estudos Brasileiros no ReinoUnido, com sede na Universida-de de Londres. Nas leituras deseu mestrado e preparação dedoutorado sobre o tema, ela ob-serva que, em geral, a experiên-cia de vida na cidade é encaradacomo ponte para a ascensão so-cial noBrasil, paraodiadevoltar.
Cinco anos depois do revésque mudou completamente atrajetória quehaviamplanejadopara a vida em Londres, VivianFigueiredo e Patrícia Armani,primas de Jean Charles de Me-nezes, tentam voltar ao estágioem que estavam quando o mi-neiro foi assassinado pela polí-cia londrina. O primeiro passo,dado já há algum tempo, foi sairda casa onde moravam comJean, emTulseHill, área residen-cial no Sul de Londres. “Aindaconverso com a dona do flat,uma angolanamuito simpática,que sempre convida a gente pa-ra aparecer e tomar um café.Mas voltar lá é algo traumati-zante. Não dámais”, conta Patrí-cia.
Hoje, ela mora com o namo-rado em Croydon, bem distantedoCentro, ao sul daGrande Lon-dres. É um flat pequeno, comes-paço apenas para um chuveiro,umacamaeumacozinha. Ela vi-ve da prestação de serviços, co-mo passar roupas e fazer faxinaemcasasda região. Por isso, pou-cas vezes precisa pegar o metrôpara ir ao Centro. Vivian tam-bém vive no Sul, onde trabalhacomo babá e zeladora de casas.Nos últimos dias, recebeu umaproposta para morar com uma
família. Ficou tentada a aceitá-la.Seu projeto para o ano que vemé fazer um curso de graduação adistância, na área de turismo.
As duas não querem voltaragora para o Brasil. Mas, com oencerramento do processo en-volvendoamortedoprimo Jean,elas deixaram de contar com ovisto especial de permanênciana Inglaterra. Elas dependem daboavontadedoHomeOffice (de-partamento de imigração ingle-sa) para ficar em Londres pelospróximos anos. Vivian espera aresposta de um pedido de per-manência especial. Patrícia estáprestes a se naturalizar italiana.As duas temem viajar ao Brasil
até para visitar parentes, porquenão querem correr o risco de re-patriação, comoocorreu comooprimo Alex Pereira. Ele foi man-dadodevolta emabril, depois detentar entrar na capital inglesa.
Cincoanosdepois doassassi-natode Jean, a saudade continuapresente. “A gente consegueolhar a dor no olho do outro,mesmo depois desse tempo.Houveumaépocaqueeupensa-va nele todos os dias. Agora, jáfoi. Estamos vivendo a nossa vi-da”, diz Patrícia. Nos dias se-guintes ao assassinato do mi-neiro, centenas de velas ebuquês de flores foram deixa-dos ao lado da entrada principal
da estação de Stockwell, ondeocorreu o assassinato. Criou-se,espontaneamente, um memo-rial em homenagem a Jean, queera visitado diariamente porgente domundo todo.
No início deste ano, as pri-mas de Jean Charles e uma artis-ta plástica sul-africana monta-ramummosaico comorostodomineiro, desenhado emmeio aflores e pombas brancas, comoformade criar ummemorial de-finitivo.A instalação foi autoriza-da pela empresa que gerencia ometrô de Londres. A palavra“inocente” está escrita em letrasgarrafais sobre o nome do brasi-leiro e a frase: “Baleado e morto
aqui, 22 de julho de 2005”. “Que-ríamos escrever ‘baleado e mor-to pela polícia’, mas disseramque o metrô não ia autorizar”,conta Patrícia. Ela fica tranquila,porque o protesto não passouembranco.Outraplacahomena-geia Jean,naentradadeGonzaga,pequeno município do Vale doRio Doce, no interior de MinasGerais. Nela está escrito: “Terrade Jean Charles, vítima do terro-rismo em Londres. Aqui, priori-zamos a vida”.
Nomeu caso, chegou a horade voltar. Não sei se por culpado tempo longe de casa ou porsentimento pontual, causadopelo nacionalismoque ronda os
jogos da Copa do Mundo, prin-cipalmente depois que ouvi oHino do Brasil em umpub.Masessa saudade se tornou provi-dencial. Era preciso voltar. Nãofoi fácil ligar para meus empre-gadores e avisar que estava comviagemmarcada. Principalmen-te, depois de ter ganhado 340 li-bras (R$ 1.020) em menos deuma semana fazendo faxina ecarregando móveis na capitalinglesa. No fim das contas, nãoprecisei usar a falsa identidadeportuguesa, porque enrolei ospatrões até o dia de ir embora.Com ela em mãos, poderia terconseguido outros empregos efaturadomais.
Vivian Figueiredo e Patrícia Armani, primas de Jean Charles de Menezes, tentam superar o passado trabalhando na capital inglesa. “Agora, já foi. Estamos vivendo a nossa vida”
THIAGO HERDYEnviado Especial
CONTINUAÇÃODA CAPAFOTOS: MARILENE RIBEIRO/ESP.EM/D.A PRESS
w w w . u a i . c o m . b r
CONFIRA NO UAIPatrícia Armani falado primo assassinado
●● M G : R $ 2 ●● N Ú M E R O 2 5 . 0 1 0 ●● 1 ª E D I Ç Ã O ●● 5 8 P Á G I N A S ●● F E C H A M E N T O D A E D I Ç Ã O : 2 1 H ●● w w w . u a i . c o m . b r
B E L O H O R I Z O N T E , Q U A R T A - F E I R A , 2 8 D E J U L H O D E 2 0 1 0
Endereço na internet:www.uai.com.br/em.htmAssinaturaUai:0800031 5000 Assinaturas e serviço de atendimento:BeloHorizonte: (31) 3263-5800 -Outras localidades: 0800031 5005
771809 9870459
ISSN 1809-9874
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A OBRAQUE NÃOQUERACABARA esperada inauguração do elevado para substituir o Viaduto das
Almas, na BR-040, ficou para 2011. Depois de adiar por seis vezes a
conclusão da obra, o Dnit anunciou contratação de empresa para
resolver problemas nos acessos ((ffoottoo aabbaaiixxoo)). As intervenções
começam em outubro e vão demorar sete meses, o que obrigará
motoristas a se arriscar no antigo viaduto pelomenos até maio.
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NOS PASSOSDE JEAN
DiantededonaMaria, oassassino seajoelhoue chorou
última reportagem da série que refez a saga de Jean Charles de Menezes em
Londres traz declarações inéditas da mãe do jovem assassinado pela políciabritânica no metrô e se inspira em um clássico dos Beatles, In my life, para contar
em quadrinhos o último dia de vida do mineiro a partir da letra da música.
CONTINUA NAS PÁGINAS 27 E 28
EE★★MM
Briga de sedãsIMPORTADOSComparação entre FordFusion, do México, e oChevrolet Malibu, dosEUA, revela o melhor.
UM ESPETÁCULOnomuseu emBH
Diretor de teatro, JoséCelso Martinez vai encenarpeça O banquete, dentroda programação do FIT.
VVEEÍÍ CCUULLOOSS
Meninos daVila buscamtítulo inéditoEmbalados pela convocação para a Seleção,atacantes do Santos encaram hoje à noite oVitória, na primeira partida da final da Copado Brasil. Inter e São Paulo iniciam duelonas semifinais da Libertadores.
MAIS FORÇA NA DEFESAGalo e Cruzeiro reforçam setor defensivo para o clássicode domingo, em Sete Lagoas, pelo Campeonato Brasileiro.O Atlético aposta em Réver. A Raposa, em Elicarlos.
ARRUACEIROS NA CADEIAO presidente Lula sanciona mudanças no Estatutodo Torcedor. Violência nos estádios agora é crime,com prisão de um a dois anos. Organizadas têm decadastrar membros e vão responder judicialmente.
CASOBRUNO
ADVOGADOTENTAIMPEDIRACAREAÇÃORepresentante de J., de 17anos, diz que decisão da pôrfrente a frente o menor comSérgio Sales, primo de Bruno,não foi publicada no DiárioOficial do Município (DOM)de Contagem. Ele ameaçaentrar com pedido de
nulidade do interrogatório.
Mais de 400 agentesparticiparam da operação, queterminou com número recordede presos em ações do gênero.Não houve detenções em Minas,mas policiais apreenderammaterial no Sul do estado.
PÁGINAS 21 E 23
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PF PRENDE21 PESSOAS
POR PEDOFILIAEM 9 ESTADOS
O ponteiro Edinho (foto) ejogadores do Minas treinampara desafio em que vão trocarpor um dia o vôlei pelo basquete.
NEGÓCIOSImitações de produtosfamosos turbinamindústria da Índia
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CASA PRÓPRIAPara empreiteiras, leide uso do solo vaiencarecer imóveis
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INTERNETNasa e Microsoftlançam passeio
interativo por MartePÁGINA 20
Material de campanha de candidatos a governo em pelomenos 12 estados não inclui o nome ou a foto do presidenciável tucano. José Serra não aparece ao lado de aliados nemmesmo em palanquesfortes como Paraná, Mato Grosso e São Paulo. Coordenação da campanhaminimiza falta de empenho dos tucanos em fazer propaganda casada e promete campanha em todas as regiões. PÁGINA 3
SERRA SOME DA PROPAGANDA DE ALIADOS
FOTOS:MARLOSNEYVIDAL/EM/D.APRESS
THIAGO HERDYEnviado Especial
Gonzaga (MG) – Cara a cara com o
homem quematou seu filho pensan-
do que ele era um terrorista, donaMa-
ria Otoni deMenezes, de 65, assistiu a
umchoroaflitoeumpedidodedescul-
pas. “Soueducada, falei: ‘tudobem,vou
desculpar’.Maspensava comigo: a voz
domeu filho, cês nãoderammais”.
MARIATEREZACORREIA/EM/D.APRESS
GLADYSTONRO
DRIGU
ES/EM/D.APRESS
JORGEGO
NTIJO/EM/D.APRESS
JACKSONRO
MAN
ELLI/EM/D.APRESS
LELIS
VÔLEIde bandeja
GERAIS
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DOISANOSDEPOISDEOUVIROPEDIDODEUMDOSMATADORESDOSEUFILHO,MARIAOTONISERECUSAA ABSOLVÊ-LO.ELAEOMARIDODESCONVERSAMQUANDOOASSUNTOÉINDENIZAÇÃO
NOSPASSOSDE JEAN
‘ACABO COMVOCÊE PEÇOPERDÃO?’
CONTINUAÇÃODA CAPA
THIAGO HERDYEnviado Especial
Gonzaga (MG) – O encontro de dona Maria
Otoni de Menezes com os dois homens que atira-
ramemJeanCharlesdeMenezesocorreuduranteo
julgamento público do crime, pedido pela família
e realizadono segundo semestre de 2008, três anosdepoisdoassassinato. Escondidosdoscuriososeda
imprensaporumacortina, osatiradoresprestaram
depoimento sobosolhosdamãedomineiro, do ir-
mãodele edosprimos,únicosautorizadosaacom-
panharo ritoao ladodos jurados.Ospoliciais eram
identificadospelos codinomesCharlie 1eCharlie 2,
porque seus nomes não podiam ser divulgados.
“Um deles foi arrogante, disse algo do tipo ‘estou
cumprindoordens,nãodevosatisfaçãoaninguém’.
Ooutrochorou. Falouqueaculpaera todadele, que
ia levar isso para o resto da vida e pediu perdão à
mãe do Jean”, conta Patrícia Armani, prima do jo-
vem assassinado. Ela diz que ficou com pena. Ou-
tro primo, Alex Pereira, pensa que as lágrimas não
foram sinceras,mas estratégicas.
Emocionada com o pedido, Maria Otoni tam-
bém chorou e foi retirada da sala. “Imagine se eu
vou e acabo com ‘ocê’, ‘ranco’ seu sangue, arreben-
to seu chão fora. Depois, vou lá, te abraço e peço
perdão? É difícil, não é assim que funciona. O erro
delesnão temperdão”, diz amulher, cincoanosde-
pois do assassinato do filho. Para ela, tão traumáti-
co quanto amorte do rapaz foi ter que assistir vá-
riasvezesaosvídeosquemostravamJeanandando
“libertamente”, sem saber que era perseguido pela
polícia. Ver ummanequimser vestidona sua fren-
te, no tribunal, com a jaqueta que o filho usava no
diadocrime, ainda sujade sangue, tambémnão foi
fácil. “Aquilo me deixou com muito transtorno,
pensei queminhamemória não ia voltar mais. Fi-
quei semnem saber fazer comida, aquele troço na
cabeça”, conta.
Mesmo decepcionada pela falta de punição
para aquela que avalia como amaior responsável
pela ação desastrada –CressidaDick, a comandan-
te da operação policial –, Maria Otoni ainda se
sente grata pelo apoio que recebeu de cidadãos
ingleses quando esteve emLondres. Ela não se es-
quece do fim de semana que passou na casa de
campode umdos advogados do caso, emuma ci-
dade perto da capital. “A casa da mulher era chi-
que, meu filho. Embaixo nem era muita coisa,
mas, em cima, tudo glapete (carpete) branco. Para
subir naquele trem tinha que deixar o sapato cá
embaixo, o pé tinha que támuito limpo. Manda-
ram eu escolher a cama onde ia deitar. Eu tive es-
colha! Ninguémnunca fez isso comigo. Pensei, tô
importante aqui, meu Deus do Céu.”
Na última semana, em sua casa, na zona rural
deGonzaga,noValedoRioDoce,Maria contouque,
na passagem por Londres, não ficou fã da comida
inglesa. “Vai fazer frango, eles tacam doce”, lem-
brou, incrédula.Mas, na casade campodos amigos
ingleses, ahistória foi diferente. “Tinhaatépeitodepato assado, cortado em rodela, assim, ó, tipo uma
mortadela. Eles punham as comidas tudo no seu
prato; pegamumnegócio gostoso demais e põem
porcima,nãoseioquequeé.Depoisveio sobreme-
sa, bolo, acho que eles queriammatar a gente de
tantocomer”.Nodia seguinte, ela foi convidadapa-
ra fazer uma caminhada namata ao redor da casa
decampo. “Tiveatémedodebicho, cêacredita?Me-
do de leão, tinhauns rastro lá, gigantão...”
- Aquilo era cachorro com pata grande - inter-
rompeu omarido, Matozinho Otoni da Silva, que
não viajou comamulher.
- Nada, Tozinho, era mata que vai daqui pra
Valadares – comparou –. Num é tiquinho dema-
ta não,menino, pode ter bicho ali, né? Nós ainda
perguntamo pro rapaz, ‘aqui tem bicho feroz?’
Ele disse, assim, ‘às vezes passa um por aí’. Ave
Maria santíssima! – riu.Antes de ir embora, os donos da casa disseram
que gostariamde visitar amãe de Jean Charles du-
rante uma viagemaoBrasil, embreve. “Eu falei, vi-
ximeuDeusdoCéu,vemqueocêvaiacharumaca-
ma igual a (que)ocêmedeu,praga!”, lembrou,dan-
dogargalhada. “Pensei, né?Nãopude falar. Essepo-vo tudo do estrangeiro é muito diferente de nós.”
Marianão temvontadedevoltarà Inglaterra. “Láeutive que escolherminha cama.Mas a camada gen-
te é amelhor, bobo. Pormuito inferior que ela seja,
é a que ocê gosta”, resumiu.
DINHEIROOcasal desconversa quandopergunta-
do sobre a indenização de 100 mil libras (cerca de
R$ 300mil), que a polícia inglesa teria pago à famí-
lia pelo assassinato do filho. “A gente não recebeu
não,meu filho. Falaramtanto sobreodinheiroque
nós ia ganhar, que eu tivemedo demorrer fora da
hora. Sabe essemorrer semvernada?”, perguntou,
referindo-se à especulação sobreovalor da indeni-
zação, avaliadaentreR$1milhãoeR$2milhões, lo-
go depois do episódio. “Imagine se uma pessoa
agride ocê pra pegar um dinheiro que ocê nuncapensou em ter em vida? Era trem que Deusme li-
vre; eu não quero isso”, disse.
Matozinho conta que comprou uma casa em
Gonzaga. “Com o tempo, é capaz de a gente ir pra
lá, porque tamo acabando de ficar velho, né?”Mas,
o pai de Jean ainda espera o acerto dos advogados
com a polícia de Londres, para receber todo o di-
nheiro prometido e comprarmais umas terras no
vale. “É pouquinha coisa, não é nada”. O pagamen-
toda indenizaçãoémotivode confusãona família.
“Gente quando arruma dinheiro não lembra de
ninguém que tá precisando, esquece de tudo”, re-
clamaasobrinhadeMatozinho, LúciaAlvesPereira,
de 53 anos. Ela diz ter pedido ao tio dinheiro em-
prestadoparapagarumacontade luz e ele teria re-
cusado.MatozinhoeMarianegamhaverdiscórdia.
Na sala da casa onde moram há um quadro
com a imagem de Jean feita pelos organizado-
res de um movimento que lutou pela punição
dos acusados do assassinato. O pai conta que a
saudade não passa. “Nem gosto de ‘alembrar’
muito delemais, não. Tem dia que vou lá pra ci-
ma olhar uma criaçãozinha que tenho, sento no
lugar que ele passava, me ajudando a fazer as
coisas. A gente recorda e dá vontade até de cho-
rar.” Maria sente algo parecido: “Tem noite que
não durmo, fico pensando que omenino tá che-
gando, que tá vindo tomar uma bença, que tá
conversando comigo. E aquilo ali, eu não tenho
sono. Aquilo ali me mata”.
ENTENDA A SÉRIEO Estado de Minas refez, em Londres, o caminho do mineiroJean Charles, executado pela polícia inglesa há cinco anos, edesde quinta-feira publicou uma série com a experiência do re-pórter durante 40 dias na cidade europeia. Ele vivenciou os ris-cos de uma vida na ilegalidade, sentiu o drama na busca poremprego, colheu histórias de sucesso e relatos de decepção.
Sob o quadro com cartaz feito em homenagem a Jean Charles de Menezes, assassinado pela polícia de Londres há cinco anos, Maria Otoni e Matozinho Silva ainda se emocionam ao lembrar do “menino”
JACKSON ROMANELLI/EM/D.A PRESS
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FIM
LEIA NA PÁGINA 28, EMQUADRINHOS, A HISTÓRIA DOÚLTIMODIA DE JEAN CHARLES