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RevistadeMedicinaeSadedeBrasliaARTIGODEREVISO
192 _______________________________________________________________________________________________ 1. Graduandas do Curso de Medicina da Pontifcia Universidade Catlica de Gois, Goinia-GO 2. Mdico neurocirurgio, mestre, docente do Curso de Medicina da Pontifcia Universidade Catlica de Gois. E-mail do primeiro autor: sarah.santanna@hotmail.com
Recebido em 16/06/2014 Aceito, aps reviso, em 05/07/2014
Neuromodulao Hipotalmica: uma proposta teraputica para obesidade Hypothalamic Neuromodulation: a therapeutic proposal for obesity
Sarah Sant`Anna 1, Naiana Melo Caiado 1, Ledismar Jos da Silva 2
Resumo
Obesidade um problema de sade pblica crescente em todo o mundo, que acomete, atualmente,
300 milhes de pessoas. Tem origem multifatorial, incluindo fatores neuroendcrinos, psquicos,
intestinais e genticos. Causa desequilbrio metablico-energtico, predispondo ao acmulo de
tecido adiposo, o que se relaciona com diminuio da qualidade de vida, comorbidades e reduo da
expectativa de vida. A opo teraputica mais eficaz, na atualidade, a cirurgia baritrica. No
entanto, alm de no controlar todos os fatores etiopatognicos, principalmente no que concerne ao
aspecto neuropsiquitrico, esse procedimento apresenta altas taxas de recidiva a longo prazo e pode
causar complicaes graves. A estimulao cerebral profunda, tcnica j consagrada no tratamento
de distrbios do movimento, como doena de Parkinson e doenas psiquitricas refratrias, surge
como outra opo teraputica promissora para controle da obesidade. Esse tratamento
neurocirrgico atua no hipotlamo lateral e ventromedial, centros da fome e da saciedade,
respectivamente, podendo suprimir ou diminuir o apetite, propiciando consequente perda de peso.
Neste artigo, teve-se como objetivo conduzir uma reviso sistemtica de literatura sobre a
neuromodulao hipotalmica como nova proposta teraputica para controlar a obesidade,
mostrando suas vantagens e desvantagens em relao cirurgia baritrica.
Palavras chave: Hipotlamo, obesidade, neurocirurgia, fome, cirurgia baritrica, perda de peso.
Abstract
Obesity is a growing worldwide public health problem which currently affects 300 million people.
It has multifactorial origin, including neuroendocrinological, psychological, intestinal, and genetic
factors. It causes metabolic-energetic imbalance, predisposing the individual to adipose tissue
accumulation, a fact that is associated with decreased quality of life, comorbidities, and reduced life
expectancy. Currently, the most effective therapeutic option is the bariatric surgery. However,
besides not controlling all the etiopathogenic factors, mainly regarding the neuropsychiatric aspect,
this procedure presents high recidivism rates in the long run and can cause severe complications.
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Deep brain stimulation, a technique already used in the treatment of movement disorders, such as
Parkinsons disease and refractory psychiatric disorders, emerges as another promising therapeutic
option to control obesity. This neurosurgical treatment acts on the lateral and ventromedial
hypothalamus, centers of hunger and satiety, respectively, and can suppress or reduce appetite,
consequently causing weight loss. The aim of this article was to carry out a systematic literature
review about hypothalamic neuromodulation as a novel therapeutic proposal to control obesity,
showing its advantages and disadvantages compared with the bariatric surgery.
Key words: Hypothalamus, obesity, neurosurgery, hunger, bariatric surgery, weight loss.
Introduo
A obesidade uma desordem
complexa caracterizada pelo acmulo
excessivo de tecido adiposo em decorrncia
de desequilbrio do balano energtico-
corporal.1 Pode ser medida a partir do ndice
de Massa Corporal (IMC), calculado
dividindo-se o peso (kg) do indivduo por sua
altura ao quadrado (m2). So consideradas
obesas as pessoas com IMC a partir de 35
kg/m2 e obesas mrbidas aquelas com IMC
maior ou igual a 40 kg/m2.14 De acordo com
esses critrios, atualmente, em mdia, 300
milhes de adultos so obesos em mbito
mundial.5 As projees para 2030 so ainda
mais preocupantes, indicando que 57,8% da
populao adulta mundial apresentar
sobrepeso ou obesidade.3
Na atualidade, tem-se investido muito
em diversas formas teraputicas para essa
patologia, visto que causa impacto negativo
na qualidade de vida dos indivduos,
apresenta alto risco de comorbidades e reduz
a expectativa de vida. A ferramenta
teraputica considerada mais eficaz na prtica
atual a cirurgia baritrica, indicada para
obesos mrbidos ou refratrios a outros
tratamentos.6 No entanto, 40% dos pacientes
podem apresentar complicaes aps esse tipo
de procedimento cirrgico, as quais variam de
acordo com a tcnica realizada, sendo as mais
expressivas as complicaes metablicas,
nutricionais, neurolgicas, psicolgicas e
psiquitricas.7
Devido taxa de insucessos e
complicaes oriundas das terapias
atualmente empregadas no controle da
obesidade, vm sendo pesquisados outros
tipos de recursos teraputicos. Com base nos
avanos na rea da modulao enceflica e
crescente domnio da neuropsiquiatria, uma
nova alternativa para o tratamento de
indivduos obesos surgiu a partir da tcnica de
neuromodulao hipotalmica, com o intuito
de atuar diretamente nos ncleos responsveis
pela fome e a saciedade. Assim, no
presente artigo objetivou-se fazer uma reviso
sistemtica de literatura sobre essa nova
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proposta teraputica para controle da
obesidade, apresentando suas vantagens e
desvantagens em relao cirurgia baritrica.
Mtodo
Para a consecuo da reviso
sistemtica de literatura, foram realizadas
buscas nas bases de dados PubMed, Medline
e Scielo por artigos nacionais e internacionais,
publicados de 2003 a 2013, utilizando as
seguintes palavras chave e suas combinaes,
em portugus e ingls: obesidade/obesity,
estimulao cerebral profunda/deep brain
stimulation, cirurgia baritrica/bariatric
surgery, sistema nervoso central/central
nervous system, leptina/leptin,
insulina/insulin,
estereotaxia/stereotaxy,
complicaes/complications, perda de
peso/weigth loss, obesidade
mrbida/morbid obesity,
hipotlamo/hypothalamus.
Discusso
A obesidade considerada uma
doena crnica, de etiologia multifatorial, que
engloba fatores sociais, comportamentais,
ambientais, culturais, psicolgicos,
metablicos, hormonais e genticos.2,3 At
passado recente, essa doena ocorria mais
caracteristicamente em pases desenvolvidos.
Porm, a obesidade atualmente considerada
um problema de sade pblica tambm em
pases em desenvolvimento, em decorrncia
da transio nutricional, que corresponde s
mudanas negativas sequenciais verificadas
nos padres de nutrio humanos,
caracterizada por aumento do consumo de
alimentos de origem animal, gorduras,
acares refinados, alimentos industrializados
e reduzida quantidade de carboidratos
complexos e fibras, que acompanham
mudanas econmicas, sociais e demogrficas
das populaes.1,3,6,8,9
Dessa forma, o estilo de vida
contemporneo apontado como o principal
responsvel pelo rpido crescimento da
prevalncia da obesidade. A facilidade de
acesso e o baixo custo de alimentos altamente
palatveis e de grande densidade calrica,
aliados ao menor requerimento de atividades
fsicas dirias, levaram ao aumento da
prevalncia da obesidade em propores
alarmantes.3
Aproximadamente metade da
populao adulta brasileira apresenta excesso
de peso, enquanto 12,5% dos homens e 16,9%
das mulheres apresentam obesidade.3 O Brasil
ocupa a 77 posio no ranking que define o
pas mais gordo do mundo. Alm disso, o
excesso de peso representa o quinto fator de
risco de morte em nvel mundial, matando
cerca de 2,8 milhes de adultos anualmente,
como consequncia de diversas complicaes
e comorbidades advindas desta enfermidade.10
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As projees para os prximos anos
indicam que em 2015 o mundo ter 2,3 bilhes
de pessoas com excesso de peso e 700 milhes
de obesos.10 Para 2030, os dados se tornam
ainda mais alarmantes, estimando-se que
aproximadamente 3,3 bilhes de adultos
apresentaro sobrepeso ou obesidade.3
A obesidade interfere, de forma
relevante, em vrios aspectos da vida dos
indivduos. Alm de exercer grande estigma
social, est associada a reduo da qualidade
de vida e morte prematura. Ademais,
considerada fator de risco para importantes e
graves doenas decorrentes da carga de peso
em excesso no organismo, como artropatias e
apneia do sono, bem como doenas
decorrentes de alteraes metablicas, tais
como sndrome metablica, diabetes melito
tipo 2, hipertenso arterial sistmica,
dislipidemias, colelitase, doenas
cardiovasculares e alguns tipos de cncer.1,3,6,8
O sobrepeso e a obesidade tambm
esto associados a distrbios psicolgicos,
incluindo depresso, distrbios alimentares,
imagem corporal distorcida e baixa
autoestima.8 A prevalncia de ansiedade e
depresso de trs a quatro vezes mais alta
em indivduos obesos.11 Com base nesses
fatos, est sendo proposto que a obesidade
seja includa na lista de diagnstico de
doenas psiquitricas na prxima edio do
Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders (DSM).5
Os fatores genticos desempenham
papel importante na determinao da
suscetibilidade do indivduo para o ganho de
peso, embora os fatores ambientais e de estilo
de vida, tais como hbitos alimentares
inadequados e sedentarismo, que geralmente
levam a balano energtico positivo,
favoream o surgimento da obesidade.8,11
Somam-se a isso os vrios fatores envolvidos
na regulao da ingesto de alimentos e de
armazenamento de energia, entre os quais
merecem destaque os intestinais, os
comportamentais e os neuroendcrinos.12
Os fatores intestinais tm participao
importante na fisiopatologia da obesidade. A
absoro, ou mesmo a presena de alimento
no trato gastrintestinal, contribui para a
modulao do apetite e para a regulao de
energia. O trato gastrintestinal possui
diferentes tipos de clulas secretoras de
peptdeos que, combinados a outros sinais,
regulam o processo digestivo e atuam no
sistema nervoso central (SNC) para a
regulao da fome e da saciedade. A
sinalizao ocorre por meio dos nervos
perifricos e receptores.3,8,12
Evidncias demonstram que a
saciedade prandial atribuda,
predominantemente, ao da
colecistoquinina (CCK), hormnio liberado
pelas clulas I do trato gastrintestinal em
resposta presena de gorduras e protenas.
Alm de inibir a ingesto alimentar, a CCK
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tambm induz a secreo pancretica, a
secreo biliar e a contrao vesicular. Outro
inibidor da ingesto alimentar o peptdeo
YY ou PYY (peptide YY), constitudo de 34
aminocidos e secretado por clulas presentes
no revestimento mucoso do clon e do
intestino delgado. Sua secreo ocorre com a
entrada do bolo alimentar e, portanto, os
nveis plasmticos deste hormnio aumentam
quase imediatamente aps a ingesto de
alimentos. Ele age inibindo a liberao de
NPY (neuropeptide Y) por neurnios
orexgenos atravs do receptor PYY3-36. Dado
que o NPY responsvel pela sensao de
fome e o PYY a inibe, este ltimo, juntamente
com o GLP-1 (glucagon-like peptide-1), so
importantes para o controle da ingesto
alimentar, pois so responsveis pela
sensao de saciedade.13 Indivduos obesos
apresentam menor elevao dos nveis de
PYY ps-prandial, especialmente em
refeies noturnas, o que leva a uma ingesto
calrica maior.3,8,14
No que concerne aos fatores
comportamentais, sabe-se que o sistema
lmbico constitudo por vrias estruturas do
encfalo que participam no controle das
emoes.8 Esse sistema possui conexes com
o hipotlamo e exerce influncia sobre o
comportamento alimentar. Nessa perspectiva,
humor e ingesto de alimentos esto
interligados.8,15 No encfalo, o sistema
envolvido no controle do humor utiliza
serotonina como neurotransmissor.
Determinaes de serotonina no hipotlamo
revelaram que suas concentraes so baixas
durante perodos de jejum, aumentam em
antecipao chegada de alimento e
apresentam um pico durante a refeio,
especialmente em resposta a carboidratos. A
serotonina produzida a partir do aminocido
triptofano, presente na dieta. As
concentraes de triptofano no sangue variam
de acordo com a quantidade de carboidratos
ingerida. Assim, o aumento do triptofano no
sangue com o consequente aumento da
serotonina no encfalo uma provvel
explicao para a ocorrncia de bom humor
aps a ingesto de alimentos especficos.8
Assim sendo, o prazer alimentar pode
produzir comportamentos viciosos e
compulsivos, levando obesidade.
O controle do balano entre ingesto e
gasto corporal de energia realizado pelo
SNC, por meio de conexes neuroendcrinas,
em que hormnios perifricos circulantes,
como a leptina e a insulina, sinalizam
neurnios especializados do hipotlamo.15 O
hipotlamo uma rea relativamente pequena
do diencfalo, situada abaixo do tlamo, que
tem importantes funes relacionadas
principalmente com o controle de atividades
viscerais. Ele est acima da hipfise e ao
redor do terceiro ventrculo cerebral e possui
vrios agrupamentos de clulas neuronais
denominados ncleos, entre os quais podem
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ser citados o ncleo ventromedial, o ncleo
arqueado e o hipotlamo lateral, principais
estruturas envolvidas no balano energtico
corporal.8,16
No final da dcada de 1930,
Hetherington e Ranson conduziram uma srie
de experimentos que demonstraram pela
primeira vez, mediante um eletrodo
introduzido pela parte superior do crnio, o
desenvolvimento de obesidade hipotalmica
em ratos. Os animais apresentaram acentuada
hiperfagia, seguida de ganho progressivo de
massa adiposa, aps leso da regio
ventromedial do hipotlamo.3 Posteriormente,
Anand e Brobeck descreveram o
desenvolvimento de afagia em ratos e gatos
aps leso bilateral de uma pequena rea
localizada no hipotlamo lateral.3 Com base
nesses estudos, props-se a existncia de um
centro da fome localizado no hipotlamo
lateral e um centro da saciedade, localizado
no hipotlamo ventromedial.17
O centro de regulao do apetite no
crebro e da massa gorda caracterizado por
uma complexa interao entre o SNC e o
sistema nervoso perifrico (SNP). Para
equilibrar a ingesto e o gasto calrico,
mantendo constantes as reservas de energia,
necessrio que o crebro seja capaz de obter
informaes sobre a quantidade dessas
reservas. Isso ocorre por meio da deteco,
pelo hipotlamo, de hormnios presentes na
circulao sangunea.3,15 Os dois principais
hormnios envolvidos na homeostase
energtica so a leptina e a insulina.3,8,14
A leptina um polipeptdeo produzido
pelo tecido adiposo branco e secretado na
circulao sangunea em nveis proporcionais
massa deste tecido. Ela atravessa a barreira
hemato-enceflica e se liga ao seu receptor
(ObR ou LepR), localizado no hipotlamo. Os
neurnios que expressam os receptores esto
localizados principalmente em dois ncleos
hipotalmicos: o ventromedial, com funes
anorexgenas e pr-termognicas, e o
hipotlamo lateral, com funes orexgenas e
antitermognicas.3,8
Outro hormnio com importante papel
na fisiologia da obesidade a insulina, que
produzida pelas clulas do pncreas e secretada tonicamente, com incrementos
durante as refeies, sendo a secreo basal e
a secreo estimulada pela glicose
diretamente proporcionais adiposidade. A
insulina tambm transportada pela barreira
hematoenceflica e age em receptores
expressos predominantemente no hipotlamo.
Alm da funo clssica na regulao do
metabolismo da glicose, esse hormnio possui
aes centrais no controle do balano
energtico semelhantes s da leptina, ou seja,
em contraste com seus efeitos anablicos
sobre tecidos perifricos, sua ao
hipotalmica produz efeitos catablicos.
Ainda existe uma relao entre as vias da
leptina e da insulina: a atividade da leptina no
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hipotlamo modulada positivamente pela
insulina e vice-versa.3,8
Uma queda na gordura corporal
sentida no ncleo arqueado do hipotlamo
como uma diminuio da concentrao dos
nveis de insulina e leptina. Isso causa
supresso nos sinais anorexgenos e estmulo
nos sinais orexgenos, o que gera aumento da
ingesta alimentar, queda no gasto energtico e
reestoque de massa gorda. De forma
contrria, em momentos de ingesto
alimentar, ocorre aumento da sensibilidade a
leptina e insulina, com sensao de
saciedade.8,18 Portanto, a grande maioria dos
indivduos obesos no apresenta deficincia
de leptina ou insulina, mas resistncia ao
central dos sinais de adiposidade.3,8
Com os avanos na rea da
fisiopatologia da doena, tem-se investido
muito em novas propostas teraputicas para a
obesidade, visto que a reduo do peso
corporal pode levar diminuio da
morbidade cardiovascular e da prevalncia de
cncer entre 25% e 60%, alm de outras
comorbidades.19 Atualmente, as duas maiores
vertentes na teraputica da obesidade so a
clnica e a cirrgica. O tratamento clnico
consiste em medidas farmacolgicas e no
farmacolgicas (mudanas de hbitos
comportamentais, exerccios fsicos e dietas
com restries calricas). Porm, as taxas de
insucesso e recidiva da modalidade clnica
so extremamente elevadas, porquanto mais
de 90% dos pacientes no conseguem atingir
reduo de 5% a 10% do peso corporal e
mant-la por perodo superior a 5 anos.20
Dessa forma, vem ocorrendo aumento
expressivo da abordagem cirrgica em
pacientes obesos mrbidos e refratrios aos
tratamentos clnicos. As cirurgias baritricas
so consideradas o tratamento mais efetivo
para controle da obesidade na atualidade e
podem ser divididas em dois tipos: restritivas
e mistas. As cirurgias restritivas so:
gastroplastia vertical com bandagem, balo
intragstrico e bandagem gstrica ajustvel
por vdeo. J as cirurgias mistas mais
conhecidas so: derivao biliopancretica
com gastrectomia distal (cirurgia de
Scopinaro) e derivao gastrojejunal em Y-
de-Roux (cirurgia de Fobi-Capella).4,21
A perda de peso aps a cirurgia
baritrica varia de 20% a 60%5 e causada
por restrio e m absoro dos nutrientes.
Consequentemente, pode levar o paciente a
necessitar de suplementao medicamentosa e
complexos vitamnicos por toda a vida, alm
de desenvolver complicaes neurolgicas,
como as polineuropatias.
Tal abordagem teraputica, apesar de
eficaz, resulta em diversos efeitos colaterais
indesejados e complicaes, principalmente
em pacientes acima de 60 anos,19 com taxa de
mortalidade em torno de 1,5% em centros de
referncia.5 As complicaes variam entre
15% a 55%, sendo as mais comuns: sndrome
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disabsortiva, polineuropatias, falncia a longo
prazo do controle do peso corporal e at
mesmo morte.5
O ganho de peso aps a cirurgia
baritrica ocorre pela manuteno de hbito
alimentar inadequado prvio, principalmente
em pacientes com IMC superior a 50 kg/m2.5
Certos estudos mostram que 2 anos aps a
cirurgia, o ganho de peso varia de 20% nos
obesos a 40% nos superobesos, enquanto
outros trabalhos mostram recorrncia do peso
inicial em 46% dos pacientes operados.5
Como o comportamento alimentar
modulado pelo sistema lmbico, mediado pelo
ncleo acumbens e o ncleo lateral, no
passvel de abordagem pela cirurgia
baritrica. Por isso, pacientes com compulso
alimentar apresentam ganho de peso a longo
prazo ps-cirurgia baritrica.22
Assim sendo, surgiu a necessidade de
se propor uma nova abordagem teraputica
para controle da obesidade, que seja menos
invasiva, gere menos complicaes, propicie
melhor qualidade de vida ps-tratamento e
atue mais diretamente no centro
neuroendcrino e emocional. Dessa maneira,
objetiva-se conseguir atingir menores taxas de
falhas teraputicas, uma vez que a cirurgia
baritrica no corrige os diversos fatores
etiolgicos envolvidos nessa
enfermidade.19,2327
Os avanos na rea da neurocirurgia e
modulao cerebral propiciaram muitos
estudos voltados para a uma nova abordagem
cirrgica que atua especificamente nos
ncleos hipotalmicos envolvidos com o
balano enrgico-corporal por meio da
neuromodulao hipotalmica23,26,27 A
neuromodulao realizada por mtodo
estereotxico, o qual usa um sistema
tridimensional de coordenadas para
localizao e implante de eletrodos nos
ncleos do hipotlamo lateral ou
ventromedial, conhecidos como centros da
fome e da saciedade, respectivamente.28,29
O hipotlamo compreende um grande
agregado de ncleos, que exibem diversas
funes neurolgicas, no apenas limitadas ao
apetite, as quais incluem a regulao da
temperatura corporal, da atividade sexual, de
hormnios envolvidos com o ciclo
reprodutivo e a ao de luta ou fuga, entre
outras. Ao estimular qualquer regio
adjacente ao hipotlamo lateral e
ventromedial, ocorrem alteraes das funes
cognitivas e endcrinas.5,16
Para maior preciso do mtodo
estereotxico, realizada uma fuso de
imagens de ressonncia magntica e
tomografia computadorizada a partir de um
software que permite o clculo das
coordenadas, de modo que a trajetria
cirrgica possa ser planejada de forma eficaz
e segura. Durante a trajetria, devem ser
evitados sulcos e ventrculos para preservar os
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vasos sanguneos, no intuito de reduzir a
incidncia de complicaes hemorrgicas.28,29
Portanto, para a execuo de
procedimento seguro e preciso, diversos
detalhes devem ser levados em considerao,
entre os quais se destacam: avaliao clnica
criteriosa, seleo apropriada de pacientes,
clculo meticuloso das coordenadas e da
trajetria e equipe familiarizada com os
princpios bsicos da tcnica.28,29
Um dos problemas enfrentados nos
estudos sobre neuromodulao hipotalmica,
publicados at o momento, guarda relao
com o tamanho e a localizao dos ncleos
alvos de tratamento.5,17 O ncleo do
hipotlamo lateral se encontra em uma
pequena regio do hipotlamo medindo
aproximadamente 6 mm 3,5 mm 5 mm
em suas maiores dimenses lateral,
anteroposterior e posterior, respectivamente.
Devido ao tamanho inapropriado dos
eletrodos, durante a estimulao cerebral
profunda (ECP) no hipotlamo lateral ou
ventromedial, h risco de estimular outros
ncleos prximos regio, gerando efeitos
colaterais indesejveis. Estruturas localizadas
perto do hipotlamo lateral so o frnix, que
se situa acima dele, o nervo ptico e o
quiasma ptico, situados
superoposteriormente a ele. Estudos em ratos
demonstraram que a estimulao do
hipotlamo lateral em altas frequncias (180
200 Hz) induziu reduo de peso at 2,3%,
em comparao com o grupo controle, que
no recebeu estmulos e que auferiu ganho
ponderal de peso de 13,8%. O interessante foi
que no houve diferena na quantidade de
ingesto alimentar entre os dois grupos do
estudo, demonstrando que a ECP tem tambm
atuao importante no metabolismo corporal
do animal. Em contraste, foi demonstrado que
quando o hipotlamo lateral estimulado com
baixas frequncias (50100 Hz) induz
aumento instantneo na ingesto alimentar em
ratos j saciados, alm de estimular
movimentos mastigatrios. Alguns estudos
em ces demonstraram que estmulo com 100
Hz provocou algumas alteraes, como
aumento do fluxo coronariano, presso
arterial, risco cardaco, arritmias, entre outras
alteraes ligadas ao sistema autnomo
simptico.5,17
O impacto da diminuio do apetite a
partir de leses no ncleo lateral pode ser
parcialmente explicado pela ao dos
peptdeos presentes no hipotlamo lateral,
como hormnio melanocorticotrfico (MCH)
e hormnios orexgenos, e sua interao com
alguns receptores orexgenos tambm
situados nesta regio. Os neuropeptdeos Y
(NPY) e agouti-related peptide (AGRP),
excretados em grandes quantidades no
hipotlamo lateral, esto comprovadamente
envolvidos com hiperfagia e ganho de
peso.5,17
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Da mesma forma que o hipotlamo
lateral, o ventromedial tambm atua na
regulao do apetite e no controle da
homeostase corporal. Existem diversos
desafios cirrgicos para que se possa alcanar
o ncleo do hipotlamo ventromedial, os
quais devem ser considerados no
planejamento da ECP. O hipotlamo
ventromedial uma estrutura pequena,
bilobulada, que mede em seu maior dimetro,
no eixo vertical 2 mm 3 mm 5 mm.
Situado logo abaixo da comissura anterior, em
seu plano anteroposterior possui relaes
anatmicas com o nervo ptico e com os
corpos mamilares. Geralmente, seu acesso na
ECP se faz por meio dos ventrculos, em
decorrncia de sua localizao medial.
Estudos mais recentes sobre a ECP, em
primatas no humanos, mostraram que o
estmulo do hipotlamo ventromedial com
altas frequncias (180200 Hz) est associado
maior ingesto alimentar. J a estimulao
do hipotlamo ventromedial com baixas
frequncias (60100 Hz) inibe a fome de ratos
famintos, alm de melhorar seu metabolismo
basal.5,17
A neuromodulao hipotalmica
realizada por intermdio da implantao de
determinados eletrodos em locais cujas
coordenadas foram previamente calculadas,
utilizando-se gerador de pulso e enviando
uma corrente eltrica para os ncleos
hipotalmicos, gerando um campo
eletromagntico que poder estimular ou
inibir os ncleos conforme o objetivo
teraputico desejado.28,29 Com a tcnica
estereotxica, o procedimento se torna
possvel e seguro, a despeito do tamanho
reduzido dos ncleos hipotalmicos.19
Contudo, os eletrodos disponveis atualmente
so inadequados pelo seu tamanho
desproporcional em relao s estruturas
hipotalmicas. Portanto, o tamanho dos
eletrodos e a proximidade do hipotlamo com
estruturas nobres, como o nervo ptico, o
frnix e os corpos mamilares, podem levar
estimulao indesejada a tais estruturas.
O primeiro estudo feito com humanos
centrado no tratamento da obesidade
empregando leso e estmulo de centros
especficos no hipotlamo foi conduzido em
1974 por Quaade. Naquela pesquisa, cinco
pacientes com obesidade mrbida foram
submetidos estimulao eltrica do
hipotlamo lateral. Dois dos pacientes
receberam leso por eletrocoagulao
unilateral e apresentaram importante reduo
da ingesta calrica com consequente perda de
peso.18
As taxas de sucesso da ECP para
controle da obesidade so consideradas
equivalentes s da cirurgia baritrica, girando
em torno de 83%. No entanto, a
neuromodulao tem taxa de 19,4% de
complicaes, enquanto a cirurgia baritrica
apresenta taxa de complicaes de 33,4%.19
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Portanto, a neuromodulao hipotalmica
um procedimento menos invasivo e reversvel
em comparao com a cirurgia baritrica.
Concluso
A neuromodulao hipotalmica
uma tcnica experimental que vem sendo
apontada como uma alternativa promissora s
cirurgias baritricas no tratamento da
obesidade. Com o emprego desse moderno
procedimento cirrgico, tm sido obtidos
bons resultados, com menor nmero de falhas
teraputicas e proporcionando melhor
qualidade de vida ps-operatria aos
pacientes, com menos complicaes e riscos.
notria sua estreita relao com os diversos
mecanismos presentes na fisiopatologia da
obesidade, como fatores psquicos
envolvendo as compulses alimentares e
mediados pelo sistema lmbico e fatores
neuroendcrinos, sobre os quais a cirurgia
baritrica no atua. Sendo assim, com o
advento da teoria dos centros de fome-
saciedade, envolvendo os ncleos do
hipotlamo lateral e ventromedial, mais
estudos esto sendo realizados a fim de
esclarecer melhor a relao da ECP com o
sistema neuroendcrino e o tecido adiposo.
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