Neolitização e megalitismo: o recinto megalítico das ... · 78 REVISTA PORTUGUESA DE...

Post on 13-Aug-2020

1 views 0 download

Transcript of Neolitização e megalitismo: o recinto megalítico das ... · 78 REVISTA PORTUGUESA DE...

75

R E S U M O AescavaçãodorecintomegalíticodasFontainhas(Mora),em2005,veioconfirmar,com

dadosnovos,aatribuiçãocronológicadomonumentoaoNeolíticoAntigo/Médio,comdes-

taqueparaapresençadecerâmicasdecoradasemicrólitos.Foramigualmenteobtidosele-

mentospertinentessobrealgunsaspectosrituais,nomeadamenteousodasmósnasestrutu-

rasdeimplantaçãoeasorientaçõesastronómicas(solarelunar)dosmeniresexterioresao

recinto.Aprospecçãodaáreaenvolventereforçou,porsuavez,ainformaçãoproporcionada

pelosartefactosrecolhidosnaescavaçãodorecinto,tendosendoidentificada,comoseriade

esperar,umarededepovoadosquecobretodaadiacroniadesdeoNeolíticoAntigoatéao

Calcolítico.Aprincipalsurpresa,nestedomínio,foiumaocupaçãodecarizmesolítico,que

os dados provenientes de áreas contíguas e o próprio contexto geográfico, nos limites da

baciasedimentardoTejo,tornammenossurpreendente.

A B S T R A C T TheexcavationofthemegalithicenclosureofFontainhas(Mora),on2005,

hasconfirmed,withnewdata,thechronologicalattributionofthemonumenttotheEarly

Neolithic, mostly decorated pottery and microlithic artefacts. Some new elements about

ritual,likethereuseofquernstonesinsidethesocketsofthemenhirs,ortheastronomical

orientations(solarandlunar)ofthestonesoutsidetheenclosure,havealsobeenobtained.

The survey around the site reinforced, by its side, the information given by the artefacts

recoveredinthedigofthemonument:anetworkofsettlements,spanningfromtheEarly

NeolithictotheEarlyBronzeAge,hasbeenregistered.Themainsurprise,inthisdomain,

was a Mesolithic occupation, expectable, until a certain point, according to some recent

datafromcontiguousareas,andtothegeographicalcontext,inthelimitsoftheTerciary

basinoftheTejo.

Neolitização e megalitismo: o recinto megalítico das Fontainhas (Mora, Alentejo Central) MANUElCAlAdO lEONORROChA PEdROAlviM

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 2. 2007, p. 75-100

Manuel Calado | Leonor Rocha | Pedro Alvim Neolitização e megalitismo: o recinto megalítico das Fontainhas (Mora, Alentejo Central)

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 2. 2007, p. 75-10076

1. Introdução

OrecintodasFontainhasfoidescoberto,nosanossetentadoséculovinte,pelaequipadosServiços Geológicos de Portugal, que publicou, a propósito, uma curta notícia sobre o monu-mento,emqueseincluiumaplantabastanterigorosa(Zbyszewskietal.,1977).

Note-seque,aindanoconcelhodeMora,amesmaequiparedescobriu(epublicou,nareferidanotícia,comosefosseinédito)orecintomegalíticodovaled’ElRei,querebaptizoucomoCrome-lequedasFigueiras;naverdade,omonumentotinhasidodescobertoepublicado,cercadeduasdécadasantes,pelocasalleisnerque,noentanto,nãolhedeuadevidaimportância.

Essedesinteressecompreende-se,emboaparte,porque,nessaaltura,nãoseconheciamaindaosoutrosexemplaresdamesmafamíliaquecomeçariamaseridentificados,nasequênciadadesco-bertadorecintodosAlmendres,apenasapartirdadécadadesessenta.Omonumentoque,naalturaseencontravapraticamenteintacto,aparecia-lhes,assim,comoumcasoexcepcionaledifícildeintegrarnomegalitismoregionalque,poressaépoca,eraconcebidocomoumfenómenoexclu-sivamentefunerário(leisnereleisner,1959).

Na actualidade, o recinto das Fontainhas encontra-se, aparentemente, muito amputado;conservaapenasseismenires,degranito,comformasovóidesmaisoumenosalongadas,todoselesinclinados ou tombados, embora com as bases parcialmente enterradas nos respectivos alvéolos.Omenirdemaioresdimensões (comcercade4mdecomprimento), fracturadoemduaspartes,ocupaumaposiçãorazoavelmentecentradaemrelaçãoaoarcoformadopelosrestantesmonólitos.

Nas proximidades deste conjunto (do ladoNorte,acercade15mdomenir6)jazia,muitoenter-rado, um pequeno menir, com cerca de 1,20 m decomprimento; por outro lado, a cerca de 70 m, aNordeste,existiaumoutromenirtombado,tambémquasetotalmenteenterrado,comcercade1,70mdecomprimento. Curiosamente, estes dois monólitosnãoforamreferidospelosdescobridoresdorecinto,tendosidoidentificados,nadécadadenoventa,pordoisdossignatários(MCelR).

O recinto das Fontainhas implanta-se numarechã,ligeiramentebalançadaparaleste,emterrenosdetríticos(complexogreso-argilosoeconglomerático),

Fig. 1 Omonumento,antesdoiníciodostrabalhoseapósalimpezadoterreno.

Fig. 2 hipsometriadaáreaenvolventedasFontainhas.

Neolitização e megalitismo: o recinto megalítico das Fontainhas (Mora, Alentejo Central) Manuel Calado | Leonor Rocha | Pedro Alvim

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 2. 2007, p. 75-100 77

nasbordasdabaciasedimentardoTejo.TendocomobaseaCartaGeológicaeasprospecçõesnoterreno,osafloramentosgraníticosmaispróximoslocalizam-sealesteedistamcercade1,5kmdomonumento.Emtermosdecapacidadeagrícola,éjuntoàribeiradoRaia,cercade1,5kmaNortedasFontainhasqueselocalizamasmelhoresmanchasdesolos,nosterraçosquaternáriosquemarginamaqueleafluentedoSorraia.

2. Algumas das questões científicas de que partimos

OrecintodasFontainhasapresentava,àpartida,algumascaracterísticascomunsàmaioriadosrestantes“cromeleques”alentejanos,nomeadamente:

1.implantaçãonumavertenteexpostaaNascente.Noentanto,ofactodeselocalizarnabase(enãojuntoaotopo)deumapequenaelevação,constituiumtraçorelativamenteoriginal.

2.descontextualizaçãogeológicadosmenires.Naverdade,osmeniressão,comoénormanaregião,degranito,enquanto,nestecasoconcreto,osubstratogeológicoécompostoporsedi-mentosarenosos.

3.Aplanta,apesardemuitotruncada,sugeriaumadisposiçãoemferradura,abertaaEste,talcomotemvindoaserobservadonagenerali-dade dos recintos alentejanos (Calado, 2002,2004)e,deumaformainequívoca,norecintopaviense de vale d’El Rei (Calado, 2004). Ainclinaçãodoterrenoeapresençadeummenirdemaioresdimensões,nointeriordorecinto,aproxima-oigualmentedomodeloobservadona maior parte dos exemplares mais bemconservados (Almendres, Portela de Mogos,valeMariadoMeio,Tojal).

4. Cronologia aparentemente recuada, nasequência neolítica regional, sugerida inicial-menteapenaspelapresençadesílex,detectadoemprospecçõesdesuperfície;essaantiguidadeeraigualmentesuportadapelosdadosobtidos,nosúltimosanos,nosoutrosrecintosmegalí-ticos do Alentejo Central. Note-se que, naregião, a presença, estatisticamente relevante,deartefactoserestosdetalhedesílex,serela-ciona sistematicamente com contextos doNeolíticoAntigo/Médio;apartirdoNeolíticoFinal,osílexfoi,emgrandeparte,substituídopeloxistojaspóideouoquartzohialino,nofabricodeprojécteis(pontasdeseta)emanteve-se,quaseexclusivamente,nofabricodaslâminas.Nesteâmbitocultural,osílextendeaocorrerempercentagensínfimas,sobretudoquandocomparadocomascerâmicas(Calado,2004).

Fig. 3 Sobreposição,comalteraçãodasescalas,dasplantasdosrecintosdoTojal(avermelho)edasFontainhas(acinzento)(1)edasplantasdosrecintosdosAlmendres(anegro)edoTojal(avermelho)(2).Note-se,emambososcasos,acoincidênciadasposiçõesdosmenires“centrais”.

Manuel Calado | Leonor Rocha | Pedro Alvim Neolitização e megalitismo: o recinto megalítico das Fontainhas (Mora, Alentejo Central)

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 2. 2007, p. 75-10078

5.Afastamentoemrelaçãoàsmanchasdolménicasqueatingem,sobretudoaNascente-Sul,umanotávelentidade(asantasdeCabeção,PaviaeBrotas).Omesmoacontece,aliás,comosrecintosdeÉvora,emparticularodosAlmendrese,atécertoponto,tambémodoXarez.

Noutraescalaedeoutromodo,noAlgarveéigualmentenotóriaasegregaçãoespacialentremenires e antas, fenómeno que, para além dasdiferenças cronológicas, implica diferentesformasdegestãodapaisagem.

Mas,paraalémdesseconjuntodecaracte-rísticasgenéricas,orecintodasFontainhasapre-sentavaalgumasespecificidades.

A ausência, nas imediações, de vestígioshabitacionais atribuíveis ao Neolítico Antigo/Médio, constituía, desde logo, uma excepçãoflagrante em relação às realidades observadasnasrestantesáreasmeníricasdoAlentejoCentral;defacto,asprospecçõesefectuadas,naúltimadécada,nasáreasenvolventesdosrecintosdeÉvora,deReguengosdeMonsarazoudeMontemor-o-Novo(Calado,2004),conduziramàidentificaçãosistemáticademanchasdepovoamentodessaépoca.

Estalacuna,queconstituía,porassimdizer,umpontofraconomodelocronológicoquetemosvindoadefender(Rocha,1999,2005;Calado,2004;Alvim,2006),prende-se,antesdemais,comumacuriosadiscordânciaentreasgeografiasneolíticaseasgeografiasdainvestigação:defacto,a

5.Afastamentoemrelaçãoàsmanchasdolménicasqueatingem,sobretudoaNascente-Sul,umanotávelentidade(asantasdeCabeção,PaviaeBrotas).Omesmoacontece,aliás,comosrecintosdeÉvora,emparticularodosAlmendrese,atécertoponto,tambémodoXarez.

Noutraescalaedeoutromodo,noAlgarveéigualmentenotóriaasegregaçãoespacialentremenires e antas, fenómeno que, para além dasdiferenças cronológicas, implica diferentesformasdegestãodapaisagem.

Mas,paraalémdesseconjuntodecaracte-rísticasgenéricas,orecintodasFontainhasapre-sentavaalgumasespecificidades.

A ausência, nas imediações, de vestígioshabitacionais atribuíveis ao Neolítico Antigo/Médio, constituía, desde logo, uma excepçãoflagrante em relação às realidades observadasnasrestantesáreasmeníricasdoAlentejoCentral;defacto,asprospecçõesefectuadas,naúltimadécada,nasáreasenvolventesdosrecintosdeÉvora,deReguengosdeMonsarazoudeMontemor-o-Novo(Calado,2004),conduziramàidentificaçãosistemáticademanchasdepovoamentodessaépoca.

Estalacuna,queconstituía,porassimdizer,umpontofraconomodelocronológicoquetemosvindoadefender(Rocha,1999,2005;Calado,2004;Alvim,2006),prende-se,antesdemais,comumacuriosadiscordânciaentreasgeografiasneolíticaseasgeografiasdainvestigação:defacto,a

Fig. 4 AspectodorecintodasFontainhasantesdoiníciodaescavação.

Fig. 5 OcontextoarqueológicodasFontainhas,namargemesquerdadaRib.doRaia:povoadosdaBarroca(Mesolítico/Neolítico)edasCabeçasdeMora(Calcolítico).

Neolitização e megalitismo: o recinto megalítico das Fontainhas (Mora, Alentejo Central) Manuel Calado | Leonor Rocha | Pedro Alvim

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 2. 2007, p. 75-100 79

delimitaçãodaáreadeestudodevergílioCorreia,opioneirodainvestigaçãosistemáticadomega-litismoalentejano,excluía,porescassamargem,oslocaisondeviemos,nasprospecçõesagoraefec-tuadas,aidentificarosprimeirospovoadosneolíticos,relacionáveiscomorecintodasFontainhas.Note-sequevergílioCorreia(quenãoregistouoprópriorecinto,apesardeesteselocalizarnasuaáreadeestudo)utilizou,parabalizaroseu“NeolíticodePavia”,umaáreacorrespondenteàfolha409,daCartaMilitardePortugal(Esc.1:25000)equeamesmagrelhafoi,naturalmente,utilizadanumtrabalhode investigaçãoregional levadoacaboporumdossignatários (Rocha,1999)quetinha,precisamente,comoprincipalobjectivo,reverosdadosdevergílioCorreia(1921).

Paraalemdessaausência,note-seque,antesdaintervençãoagoralevadaacabo,erammuitoescassos,naáreaenvolventedorecintodasFontainhas,osdadosarqueológicosque,emtermoscronológico-culturais,sepudessemrelacionarcomaconstruçãoeutilizaçãodomonumento.deentreeles,destacava-seopovoadocalcolíticodasCabeçasdeMora,implantadonumaelevaçãoaNortedasFontainhas,entreorecintoearibeiradoRaia,registado,háalgunsanos,pelossignatá-rios(Rocha,1999);tambémanortedorecinto,jánosterraçosquaternáriosdamargemesquerdadoRaia,existiamnotíciasdeváriassepulturassubmegalíticase,namargemdireita,umaantadecorredor(Moita,1956).

Emtermostafonómicos,umdosaspectosmaisintrigantesdorecintodasFontainhasera,àpartida,ofactodealgunsmeniresseencontraremaindacravadosesemi-erectos,apresentandodiversosgrausdeinclinação.Esseestadoinusitadodeconservaçãodasestruturaspareciacontra-ditóriocomosubstratoarenosoemqueomonumentoseinsereeparecia,teoricamente,implicarumaboaconservaçãoestratigráfica,pelomenosemtermosdeestruturasnegativaserespectivosconteúdos.Colocava-se,pois,apossibilidadedeseencontraremosalvéoloseascoroasdesusten-taçãodemeniresdesaparecidos,oque,aconfirmar-se,permitiria,nomínimo,recuperarinforma-çãosegurasobreaplantaoriginaldoconjunto.

A presença de dois menires (Menires 7 e 8), aparentemente independentes em relação aorecintopropriamentedito,masprovavelmentearticuladoscomele,apareciacomoumacaracterís-ticarelativamenteexcepcional,nosrecintosalentejanos,sobretudosevalorizarmosaquestãodaproximidade.Naverdade,tantoosmeniresdoMontedosAlmendresedevaledeCardos,emrela-çãoaorecintodosAlmendres,comoomenirdaCoureladoMonteNovo,emrelaçãoaorecintodeCuncos,ouomenirdoTojal,emrelaçãoaorecinto do mesmo nome, parecem conformarsituaçõesdeassociaçãorecinto/menirparalelizá-veis,apesardasdiferenças,comarealidadeobser-vadanasFontainhas(Calado,2004).

Nestedomínio,oobjectivodotrabalhoera,antesdemais,saberseosmeniresestariamefec-tivamente in situ; esta possibilidade era, num enoutrocaso,fortementeindicadapelasposiçõesdesniveladasdosmenires.

3. Metodologia

Face às problemáticas acima enunciadas, foram abertas três áreas de escavação. O Sector 1,inicialmentecom120m2,foidelimitadoemvoltadosmeniresquecompõemorecintopropriamente

Fig. 6 Menir8,tombadoacercade70maNascentedorecinto,naalturadasuadescoberta.Note-sequeomenirapresentavaumadasextremidadesligeiramentesobreelevadaemrelaçãoàoutra,sugerindoumalocalizaçãoin situ.

Manuel Calado | Leonor Rocha | Pedro Alvim Neolitização e megalitismo: o recinto megalítico das Fontainhas (Mora, Alentejo Central)

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 2. 2007, p. 75-10080

dito,emboracomumcertoalargamento,paraleste,umavez que era nessa direcção que esperávamos detectar osrestos das estruturas dos menires desaparecidos; apóssucessivas contracções, foram efectivamente escavadosapenas 70,5 m2, embora, no quadrante balizado pelosmenires 1, 2, 3, 4 e 5 (com cerca de 16 m2), tenha sidoapenasescavadaacamadasuperficial(quadrados8G,8h,9Ge9h).

QuantoaoSector2, foidelimitado,emvoltadomenir8,umquadradode5m2(2mx2,5m)e,noquedizrespeitoaoSector3,umquadradode4m2(2mx2m),reduzido,nasequênciadostrabalhos,para2m2(2mx1m).

Foifeita,apriori,aligaçãoàredegeodésicanacional,peloqueosvaloresaltimétricoseplanimétricosutilizadoscorrespondem,emtodososcasos,avaloresabsolutos.

Porsetratardeumaáreamaiscomplexaecomumacerta densidade de materiais arqueológicos, logo nacamadasuperficial,oSector1,foisubdividido,paraefeitosderegisto,deacordocomumaquadrí-culaorientadapelospontoscardiaisereferenciadaporumsistemaalfanumérico,comasletrasG,h,i,J,noeixoE-W,eosnúmeros8,9,10,11,12,noeixoN-S.

AsUnidadesEstratigráficasidentificadasforamescavadaspelaordeminversadasuadeposi-ção,seguindo,dentrodopossível,osprincípiosdaescavaçãoemárea(Barker/harris),eossedi-mentosremovidosforamintegralmentecrivados.

Quantoàsprospecções,foramefectuadasbatidassistemáticasdaáreaenvolvente,comequi-pasdetrêsacincoelementos,numraiodecercade3km.Ossítiosidentificadosforamcartografa-doscomGPS.

OstrabalhosdeescavaçãoeprospecçãodecorreramduranteomêsdeAgostode2005,contandocomaparticipaçãodealunosdearqueologiadasUniversidadesdelisboa,NovadelisboaedeÉvoraeoapoiologísticodaCâmaraMunicipaldeMoraedoinstitutoPortuguêsdeArqueologia;registam--se,ainda,ascolaboraçõesvoluntáriasdodr.Pedroduarte,dadra.MariadoRosárioFernandes,doEng.JoaquimFernandes,doManuelPisco,dalíliaBotoe,nadiscussãodasquestõesrelacionadascomoarranjopaisagísticodomonumento,daArq.ªAndreaMorgenstern.

(CMP1/25000,fl.409.CoordenadasMilitareshayfordGauss,datumdelisboa:m=201043p=218157,calculadassobreabasedomenir1)

4. Os dados da escavação

a) Sector 1

OSector1foiinicialmenteobjectodeumadecapagemdacamadasuperficial,decoracinzen-tada, com espessura entre 5 cm e 15 cm (U.E. 0); esta operação permitiu, desde logo, recolheralgunsmateriaispré-históricos, (sobretudosílexecerâmicamanual)misturadoscommateriaismodernos (vidros, cartuchos, fragmentosdecerâmicaeumamoedaantiga,muitodeteriorada,maseventualmenteromana).

Fig. 7 distribuiçãoespacialdostrêssectoresintervencionados.

Neolitização e megalitismo: o recinto megalítico das Fontainhas (Mora, Alentejo Central) Manuel Calado | Leonor Rocha | Pedro Alvim

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 2. 2007, p. 75-100 81

Aformaçãodacamadasuperficialresultounaturalmentedousoagrícolarecentedosítio,sendoclaramentevisíveis,nacamadasubjacente(U.E.1),ossulcosdosarados,correspondentesàsúltimaslavouras.

AU.E.1apresentava-se,emtodooSector1,comoumacamadadeterraamarelada/alaran-jada,praticamentesempedras,mascombastantesmateriaispré-históricose,atéàbasedaestrati-grafia,tambémcommateriaisrecentes.Osubstratogeológicoéconstituído,emtodoesteSector,porsedimentosarenosos,decoresbranquiçada.

Noquedizrespeitoàsestruturasdeimplantaçãodosmenires,apareceram,logodeinício,doisblocos,juntoaosmenires2e6,respectivamente;aposiçãodemasiadosuperficialdestesblocossugerequesetratedeelementosdesustentaçãodosmenires,deslocadosporfactorespós-deposi-

Fig. 8 Aspectodaescavaçãoemfaseinicial.

Aformaçãodacamadasuperficialresultounaturalmentedousoagrícolarecentedosítio,sendoclaramentevisíveis,nacamadasubjacente(U.E.1),ossulcosdosarados,correspondentesàsúltimaslavouras.

AU.E.1apresentava-se,emtodooSector1,comoumacamadadeterraamarelada/alaran-jada,praticamentesempedras,mascombastantesmateriaispré-históricose,atéàbasedaestrati-grafia,tambémcommateriaisrecentes.Osubstratogeológicoéconstituído,emtodoesteSector,porsedimentosarenosos,decoresbranquiçada.

Noquedizrespeitoàsestruturasdeimplantaçãodosmenires,apareceram,logodeinício,doisblocos,juntoaosmenires2e6,respectivamente;aposiçãodemasiadosuperficialdestesblocossugerequesetratedeelementosdesustentaçãodosmenires,deslocadosporfactorespós-deposi-

Fig. 9 Osmenires2,3,4e5nosanos70(fotoMarcianodaSilva).

Fig. 10 vistageraldorecintonosanos70(fotoMarcianodaSilva).

Manuel Calado | Leonor Rocha | Pedro Alvim Neolitização e megalitismo: o recinto megalítico das Fontainhas (Mora, Alentejo Central)

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 2. 2007, p. 75-10082

cionais.Juntoaosmenires1e3foramdetectadas,nestafase,fortesperturbaçõesque,sobretudonosegundocaso,resultaram,semdúvida,daacçãoderaízesdeárvores,entreasquaiscertamenteospinheirosdocumentadosnasfotografiasdosanos70doséculopassado.

Paraalémdosmateriaisanálogosaosdacamadasuperficial,destacou-se,naU.E.1,apresençadedoisconjuntos(U.E.2eU.E.23)defragmentosdevasosdecorados,parcialmenteemconexãoeque, tipologicamente, apontam, sem ambiguidade, para o Neolítico Antigo/Médio regional.Ambos se relacionam com pequenas concentrações de pedras cuja posição, em planta, parececompatívelcomasupostalocalizaçãodemeniresdesaparecidos.

Foram igualmente recolhidos, na U.E. 1, dois fragmentos de taça carenada, cuja presençaremete para contextos do Neolítico Final/Calcolítico, em consonância com um fragmento delâminaespessa,igualmenteprocedentedaU.E.1.

Poroutrolado,foiidentificadaumafossaalongada(U.E.5),preenchidacomterraacinzen-tada(U.E.4),quecontinhaalgunsfragmentosincaracterísticosdecerâmicaderoda,paraalémdealgunsblocospétreosqueresultamprovavelmentedadestruiçãodasestruturasdeimplantaçãodesteoudoutrosmenires.Estaestruturanegativaestavaparcialmentesobrepostapelofragmentotombado(distal)domenircentral(menir1)queacabouporserremovido,parafacilitaraescava-çãointegraldorespectivoenchimento(U.E.4).

Naverdade,oresultadomaissólido,noquedizrespeitoàrecuperaçãodaplantaoriginaldomonumento,foiadescobertadosrestosdeumalvéoloedacoroadeimplantação,entreaU.E.3eomenir5,correspondenteaumpresumívelmenirdesaparecido(menir5a).

Ainda no Sector 1, foi detectado, desenhado e, posteriormente, desmontado um pequeno“empedrado”(U.E.3),constituídoporumamancha(comcercade50cmdediâmetromáximo)deblocos de quartzo, com dimensões inferiores a 10 cm, cujo significado funcional nos escapa.

Fig. 11 Restosdaestruturadeimplantaçãodomenir5a(desaparecido).

Neolitização e megalitismo: o recinto megalítico das Fontainhas (Mora, Alentejo Central) Manuel Calado | Leonor Rocha | Pedro Alvim

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 2. 2007, p. 75-100 83

Aposiçãorelativamentesuperficialdestamanchaeofactode, por baixo, se terem recolhido materiais modernos,significa que se trata do resultado de actividade recente,eventualmente agrícola, e correspondendo, em últimaanálise, a restos perturbados de níveis de cascalheira,frequentesnestetipodecontextogeológico.

desalientarque,nosmeniresqueaindaseencontra-vamimplantados,nãoeramperceptíveis,noiníciodaesca-vação da U.E. 1, estruturas de sustentação consistentes,embora surgissem alguns blocos avulsos junto a algunsdeles.Asevidênciasdecoroaspétreas,nosmeniresaindacravados, surgiram apenas com o decurso da escavaçãodestacamada.

Aescavaçãojuntodosmeniressemi-erectos(Menir1,omenircentral,Menir2,osegundomaiordoconjunto,e,nosentidodosponteirosdorelógio,osmenires3,4e5)permitiu constatar duas situações distintas: junto à basedo menir 1, não se conservaram quaisquer vestígios de

estrutura pétrea, enquanto, no menir 2, apenas sobreviveram alguns pequenos blocos, no ladosudoeste;pelocontrário,nosrestantes,foramdetectadosrestosdeestruturasrelativamentebemconservados,constituindoanéisdeblocosdepequenasemédiasdimensões,entreosquais,nosmenires4e5,váriosfragmentosdemósmanuais.Estesmeniresforamretiradosparaforadaáreaescavada,operaçãodestinadaafacilitaraleituraeoregistodasestruturasdesustentação.

Fig. 12 Concentraçãodeblocosdepedra(seta),interpretadacomoosrestosdeestruturadeimplantaçãodeummenirdesaparecido(menir5b)emenir6,antesdeserretiradodaescavação.Note-seainclinaçãodomenir6,comabaseaindain situ.

Fig. 13 AspectodoSector1,emfasefinaldeescavação.Ébemvisívelabasedomenir2,semrestosdeestruturadeimplantação.Foramnumeradosospossíveisalvéolosdemeniresdesaparecidos.

Manuel Calado | Leonor Rocha | Pedro Alvim Neolitização e megalitismo: o recinto megalítico das Fontainhas (Mora, Alentejo Central)

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 2. 2007, p. 75-10084

Poroutrolado,aremoçãodomenir6eaescavaçãodossedimentossubjacentespermitiramrecuperartambémrestosmalconservados,masinequívocos,darespectivaestruturadeimplan-tação.

Fig. 14 Negativosderaízesdepinheiro,juntoàbasedomenir3(noladoSE)eestruturadeimplantaçãodomesmomenir(noladoNW).

Fig. 15 Estruturasdeimplantaçãodosmenires4e5.

Fig. 16 Elementosdemósmanuaisincluídasnosalvéolosdosmenires4e5.

Neolitização e megalitismo: o recinto megalítico das Fontainhas (Mora, Alentejo Central) Manuel Calado | Leonor Rocha | Pedro Alvim

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 2. 2007, p. 75-100 85

Fig. 17 Restosdoalvéoloedaestruturadeimplantaçãodomenir6.

Fig. 18 Fragmentosdecerâmica,emconexão(U.E.2).

Manuel Calado | Leonor Rocha | Pedro Alvim Neolitização e megalitismo: o recinto megalítico das Fontainhas (Mora, Alentejo Central)

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 2. 2007, p. 75-10086

Emtermosglobais,aescavaçãodoSector1traduziu-senaausênciaaparentedeestratigrafiaspré-históricas intactas, exceptuando, naturalmente, os restos das estruturas de implantação dealgunsmenires;estessobreviveramaosfenómenospós-deposicionaisgraças,muitoprovavelmente,aoobstáculorepresentadopelosprópriosmenires;efectivamente,comojáfoireferido,aU.E.1continha,embaladosnumsedimentomaisoumenoshomogéneo,decoramarelada,materiaisdediferentesépocas,embora,emtermosgerais,setenhaobservadoumaumentorelativodosmate-riaispré-históricos,nascotasmaisbaixas.

Ficouassimconfirmadaaafectaçãodosdepósitosarqueológicos,tendosido,nesteprocesso,afectadooprópriosubstratogeológicooriginal.Estasalteraçõeseaconcomitantehomogeneiza-çãoestratigráficaresultaramcertamentedeumaacçãocruzadadostrabalhosagrícolasedefenó-menosdebioturbação,nomeadamenteaacçãodasraízesdasárvores(dequeseobservaramexem-plosrecentes),dastocasdosanimais,etc.Efectivamente,asuperfícietopográficaactualdevesermuitosemelhanteàquelaemque,originalmente,osmeniresforamimplantados;sendoassim,osmateriais arqueológicos incorporados na U.E. 1 poderiam resultar da mistura de sedimentossuperficiaiscomosubstratogeológico.

Porém,apresença,nessamesmaunidadeestratigráfica,masemcotasmuitodiferentes,deduaspequenasbolsasdefragmentoscerâmicos(U.E.2eU.E.23),emconexão,sugere,emalterna-tiva,apossibilidadedeessesmateriaisteremsidodepositados,originalmente,emestruturasnega-tivas (alvéolos de menires, fossas ou lareiras) de que, infelizmente, não encontrámos nenhumaevidênciaconcreta.

Fig. 19 FragmentoscerâmicosdaU.E.23.

Neolitização e megalitismo: o recinto megalítico das Fontainhas (Mora, Alentejo Central) Manuel Calado | Leonor Rocha | Pedro Alvim

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 2. 2007, p. 75-100 87

Fig. 20 PlantafinaldoSector1:esquemadaquadrícula. Fig. 21 PlantafinaldoSector1:topografiaecotas.

Fig. 22 PlantafinaldoSector1:alvéolosecoroasdosmenires.

Fig. 23 PlantafinaldoSector1:outrasestruturas.

Manuel Calado | Leonor Rocha | Pedro Alvim Neolitização e megalitismo: o recinto megalítico das Fontainhas (Mora, Alentejo Central)

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 2. 2007, p. 75-10088

b) Sector 2Juntoaomenir8,acercade70mdorecinto,foi,comovimos,abertaumaáreacom5m2,com

oobjectivodeconfirmarasuapresumidalocalizaçãoin situ.Sobacamadasuperficial,acinzentada,foiescavada,emredordasestruturasdeimplantaçãodomenir,umaoutracamada,aU.E.1,decoramareladaescuraque,porsuavez,assentavanumacamadacompostaporpequenosseixosrola-dos, com diâmetros na ordem dos 3-5 cm, interpretada como restos de cascalheira natural e,portanto,comoosubstratogeológico.

Paraalémdeumpresumívelcalcedegranito,visíveljáàsuperfície,eparcialmentedeslocado(aparentementepeloprópriobasculamentodomenir,aotombar)aescavaçãopermitiuverificarqueabasedomonólitoassentava,tombada,sobreopróprioalvéoloepartedacoroadesustenta-ção,aqual,porsuavez,seencontravamuitobemconservada.

Esta estrutura era constituída por seteelementos de mós manuais, inteiros ou frag-mentados, para além de alguns pequenosblocosdequartzoedegranito.Note-sequeareutilizaçãodemós,nasestruturasdeimplan-taçãodosmenires,jáhaviasidoobservadanasescavações dos recintos de Évora (Almendres,vale Maria do Meio e Portela de Mogos),embora de formas muito mais pontuais(Calado,2004;Gomes,1997,2002).

Após a definição das estruturas pétreas,foiesvaziadooconteúdodoalvéolo,dematrizmuitogeológica,relacionadocomosubstratode argilas e gredas sobre o qual assentam asareias.

Foramrecolhidossedimentosparaflutu-açãoepalinologiaeamostrasparaOSl;estasúltimasforamretiradasdenoite,deentreaspedrasdacoroa,porsetratardoúnicocontextoaparentementeintactodesdeaerecçãodomenir.Proce-deu-se,nessaoperação,aodesmontedaestruturapétrea,tendosidorecolhidososelementosdemósqueaintegravam.

NãoforamrecolhidosartefactosnesteSector.

Fig. 24 Omenir8,emfasedeescavação.

Fig. 25 Oalvéolodomenir8,emfasedeescavação(depoisderetiradoocalcequeafloravaàsuperfície)

Neolitização e megalitismo: o recinto megalítico das Fontainhas (Mora, Alentejo Central) Manuel Calado | Leonor Rocha | Pedro Alvim

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 2. 2007, p. 75-100 89

b) Sector 3definiu-secomoSector3umaáreade4m2(dequeacabaramporserescavadosapenas2m2)

emtornodabasedomenir7.Apósaremoçãodomenir,aescavaçãodossedimentosemqueesteassentava[2]nãopermitiudetectarrestosdeestruturaspétreas;noentanto,aposiçãomuitoincli-nadadomonólito,comabasebastanteenterrada,sugeria,àpartida,queesteseencontravatombadoin situ. Por outro lado, a U.E. 2 apresentava uma coloração nitidamente distinta dos sedimentos“encaixantes”,U.E.1,correspondendoprovavelmenteaoenchimentoperturbadodoalvéolo.

TalcomonoSector2,nãoforamrecolhidosartefactos.

Fig. 26 Elementosdemóincluídosnoalvéolodomenir8. Fig. 27 PlantafinaldoSector2.

Fig. 28 Omenir7emfasedeescavação.

Fig. 29 PlantafinaldoSector3.

Manuel Calado | Leonor Rocha | Pedro Alvim Neolitização e megalitismo: o recinto megalítico das Fontainhas (Mora, Alentejo Central)

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 2. 2007, p. 75-10090

5. A estratigrafia

Sector 1

[1] – Nível de areia amarelo escuro, muito perturbada por fenómenos tafonómicos. Apre-senta-semuitosoltocomabundantematerialpré-histórico,masigualmentecominclusõesdemateriaisdeépocasrecentes.[2]–Conjuntodeblocosdegranitoequartzo,correspondendoeventualmenteaosrestosdaestrutura de implantação de um presumível menir (menir 5b), associados a um pequenoconjuntodecerâmicasemconexão.[3] – Conjunto de pequenos blocos de quartzo, formando uma mancha com cerca de0,80mx0,50m.[4]–Preenchimentodafossa[5],compostaporterraacinzentadaealgunsblocosdegranito.Continha duas moedas romanas e vários fragmentos de cerâmica de roda, eventualmenteromanos.[5]–Fossaabertasobomenircentral,comcercade2,50mx1,80m,comfundoovalado,ecomcercade0,40mdeprofundidademáxima.[6]–Enchimentodoalvéolo[8]domenir5a(desaparecido).Areiasmuitosoltas,comnódu-losdearenito,muitodurosepequenaspedrasdegranito.[7]–Manchadeareias soltas, avermelhadas, comnódulosdearenito,muitocompactosealgunsfragmentosminúsculosdecarvão,soba[3].Correspondeprovavelmenteàperturba-çãoprovocadaporumaárvore.[8] – Alvéolo do menir 5a, muito amputado, com cerca de 0,70 m de diâmetro e cerca de0,25mdeprofundidademáxima.[9]–Manchadeareiasacinzentadas,comnódulosferruginosos,soboconjuntodepedras[2].[10]–Restosdaestruturadeimplantaçãodomenir6,constituídosporumblocodecercade0,5mdecomprimentoedoisblocosdepequenasdimensões.[11]–Enchimentodoalvéolodomenir6[12].Terrasamareladas,muitosoltas.[12]–Alvéolodomenir6.Estruturanegativamuitoamputada,comcercade0,80mdediâme-troeescassos0,20mprofundidade.[13]–Restosdaestruturade implantaçãodomenir5a, constituídosporcincoblocos,dedimensõesmédias,dispostosemarcodecírculo.[14]–Estruturade implantaçãodomenir3.Constituídaporpedrasdegranito,dediversasdimensões;trata-se,certamente,daestruturadeimplantaçãomelhorconservadadoconjunto.[15]–Enchimentodoalvéolodomenir3:areiasmuitosoltas,comabundantesperturbaçõesderaízes,noladoleste.Nãofoiescavado.[16]–Alvéolodomenir3.[17]–Estruturadeimplantaçãodomenir4.Constituídaporblocosdegranito(4mós)eumblocodegnaisse.[18]–Enchimentodoalvéolodomenir4.Areiasmuitosoltas.[19]–Restosdoalvéolodomenir4;estruturanegativapoucoprofunda,comcercade0,70dediâmetro.[20]–Estruturadeimplantaçãodomenir5.Compostopor7fragmentosdemósmanuais(dormentesemoventes)eblocosdequartzo.[21]–Enchimentodoalvéolodomenir5.Areiasdetonalidadeacinzentada,muitosoltas.[22]–Alvéolodomenir5.

Neolitização e megalitismo: o recinto megalítico das Fontainhas (Mora, Alentejo Central) Manuel Calado | Leonor Rocha | Pedro Alvim

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 2. 2007, p. 75-100 91

[23]–Manchadeareiasacinzentadas,comsílexecerâmicasemconexãoparcialealgumaspequenas pedras, nomeadamente um seixo de quartzito. A matriz arenosa, apresentava-semuitosolta.Podecorresponder,emparte,aosrestosafectadosdasestruturasdeummenirdesaparecido(menir6a).[24]–Enchimentodopossívelalvéolodomenir5a.Areiasmuitosoltas,detomligeiramenteacinzentado.[25]–Alvéolodomenir5a.Trata-sedeumadepressãopoucoprofunda(cercade15cm),queinterpretámoscomoosrestosamputadosdoalvéolodeummenirdesaparecido.Estainter-pretaçãoéreforçadapelamétricadasdistânciasentreosmenires.

Sector 2

[1] - Nível de areia amarelo escuro, muito perturbada pela acção da agricultura, árvores earbustos.Apresentava-semuitosolta.[2]–Estruturadesustentaçãodomenir8,constituídaporblocosdequartzoe7fragmentosdemósdegranito(moventesedormentes;umdosdormentesfoireutilizado,comopolidor,noreverso)[3] – Enchimento do alvéolo do menir 8: areias com abundantes nódulos ferrosos. Poucocompacta.[4]–Alvéolodomenir8.depressãodeplantaovalada,comcercade0,90mx0,80mecercade0,30mdeprofundidadeconservada.

Osubstratogeológico,juntoaomenir8éconstituídoporareiadecoramareladacominter-calaçõesdeuma finacamada,de tipocascalheira, compostaporpequenos seixos rolados, comdiâmetrosnaordemdos3-5cm.

Sector 3

[1] - Nível de areia amarelo escuro, muito perturbada pela acção da agricultura, árvores earbustos.Apresentava-semuitosolta.[2]–Camadadeterraacinzentada,definidajuntoàbasedomenir.[3]–Bolsadeterraacinzentadaescura, interpretadacomoperturbaçãodeorigemnatural,eventualmenteosvestígiosdeumaraiz.

6. Síntese dos resultados

6.1. Os materiais

AescavaçãodorecintomegalíticodasFontainhaspermitiu,comovimos,recolheruminte-ressante conjunto de artefactos pré-históricos, sobretudo sílex e cerâmica manual, assim comomateriaismodernos,nomeadamentevidros,cartuchosefragmentosdecerâmicavidrada.

deentreosmateriaispré-históricos,osmaisdirectamenterelacionáveiscomaconstruçãoeousodomonumento,destacam-seosartefactos líticos—maioritariamente lamelaserestosde

Manuel Calado | Leonor Rocha | Pedro Alvim Neolitização e megalitismo: o recinto megalítico das Fontainhas (Mora, Alentejo Central)

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 2. 2007, p. 75-10092

talhe — que, em termos tipológicos, remetem genericamente para o Neolítico Antigo/Médio.Foramigualmenterecolhidosdoistrapéziosdesílex,simétricos,comtruncaturasrectas/convexas,amboscomentalhenabasemenor;este tipodemicrólitosocorre,porexemplo,nas indústriasmesolíticasdoTejo (Roche,1972),embora,comalgumafrequência, estejampresentes tambémnosespóliosdassepulturasprotomegalíticasdaregião(enãosó)(Rocha,2005).

Éimportantesublinharque,nestassepulturas,estão,pornorma,ausentesascerâmicasdeco-radas.

Note-se,poroutrolado,queocarácteraparentementeanacrónicodostrapézios,sobretudo,comotambémacontececomfrequência,emmonumentosfuneráriosdetipologiaevoluída,pode-riaresultardepráticasrituais,detipotrasladação,que,emconjugaçãocomfenómenosdeconser-vadorismo, reutilização ou utilização prolongada, tornariam inadequado o modelo tradicionalquetendeaconsiderarosespólioseasarquitecturascomoautomaticamentecontemporâneose,sobretudo,tendeaexcluirapossibilidadedeosespóliosseremmaisantigosqueassepulturasqueosencerram(Rocha,2005).

Quantoàscerâmicas,foirecolhidoumconjuntodecercadeumadezenadefragmentos,algunsdosquaisdecorados(incisos,impressosecomdecoraçãoplástica),pertencentesavasosdiferentes,dequesedestacaapresençadeumfragmentocomasa,combotãonapartesuperior.EstesachadosindiciamigualmenteumacronologiadentrodoNeolíticoAntigo,numafasepossivelmenteevolu-cionada(SilvaeSoares,1981;SoareseSilva,2003),cominúmerosparalelosconhecidos,nomeada-mentenaGrutadaFurninha(diniz,1994)ouemS.PedrodeCanaferrim(Simões,1999).

Paraalémdestesmateriais,queinterpretamoscomocontemporâneosdaconstruçãoeusoinicialdorecinto,foramidentificadosindíciosqueimplicamumacertacontinuidade(comousemhiatos)deuso,emfasesmaisavançadas(carenaselâminaespessadechert).

Tendoemcontaograudeconservaçãodomonumentoeapresença,nasimediações,devestí-gios de povoados do Neolítico Final e do Calcolítico, parece razoável que, pelo menos nessas

Fig. 30 SelecçãodeartefactoslíticosdaescavaçãodasFontainhas. Fig. 31 CerâmicasdoSector1(osdoisfragmentosdovaso1provêmdaU.E.2).

Neolitização e megalitismo: o recinto megalítico das Fontainhas (Mora, Alentejo Central) Manuel Calado | Leonor Rocha | Pedro Alvim

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 2. 2007, p. 75-100 93

épocas,orecintotenhaconservadoalgumaproeminênciasimbólicae,deumaformaoudeoutra,setenhamantidoemuso.Éaltamenteprovável,aliás,que,nessasépocas,orecintoseconservasseaindaintacto.

Apesardaescassezdeestudosespecíficossobreotema,dispomoscadavezmaisdeelementosquecomprovamousodosmonumentosmegalíticos(antasoumenires),emépocasmuitoposte-rioresàsuaconstrução(Calado,2004;Mataloto,2007).

Aspermanênciasmegalíticas,naregião,têm,aliás,umexemplarmuitosui generis—oAlinha-mentodaTera—construídonaiidadedoFerro,numambientepaisagísticofortementemegalí-tico,emquesobressai,aliás,orecintodevaled’ElRei;comosesabe,estemonumentochegou,praticamenteintacto(comligeirasinclinaçõesdealgunsmenires)atéaosanos70doséculopassado(Calado,2004).

Na verdade, todos os materiais recolhidos correspondem presumivelmente a actividadesposteriores à erecção dos monólitos; porém, as mós manuais, registadas em número surpreen-dente(dezoitoexemplares,nasestruturasdesustentaçãodeapenastrêsmenires),são,emnossaopinião, o melhor indicador de uma génese neolítica do monumento. O carácter ritual destapráticapareceumahipóteseareter:nãosevislumbram,aliás,explicaçõesdetipotécnico/econó-micoparaumatalopção,tantomaisqueospovoadosdeonde,teoricamente,terãosidooriundas,selocalizamaumadistânciamaiordoqueosprópriosafloramentosgraníticos.

Avalorizaçãosimbólicadosartefactosdemoagempoderia,aliás,relacionar-secomaconsa-bida utilização de outros artefactos especificamente neolíticos — e fundamentais na economianeolítica—comosãoosmachadoseosbáculos(cajadosdepastor),elevados,deumaformamuitoevidente,àcategoriadeelementossimbólicos.

Note-sequeaantiguidaderelativa(NeolíticoAntigo/Médio)sugeridapelascerâmicasdeco-radasepeloprópriosílex,implicaqueasmósdevemserdessaépocaoumesmoalgoanteriores,assumindoqueomonumentorepresentaa“primeirapedra”naestratigrafiadosítio.Ora,asmós,tal como a pedra polida, costumam escassear nos contextos habitacionais do Neolítico Antigo(emboraestejamsemprepresentes)(diniz,2003);estararidadepodetersido,emúltimaanálise,umdosingredientesdecisivosnavalorizaçãoritualdessesutensílios.

A associação de mós manuais com menires — e, no caso destes últimos, a funcionalidaderitualéinquestionável—pareceassumir,nocontextoalentejano,umaoutramodalidade,nocasodorecintodoXarez:defacto,norestaurolevadoacabosobadirecçãodePiresGonçalves,nosanossetentadoséculopassado,foramincorporadosnomonumentováriosdormentesdemómanual,cujaproveniênciaseria,presume-se,aprópriaáreaemqueosmeniresseencontravammasque,atendendo às dimensões de algumas, não é plausível que tenham servido de calces (Gomes,2000).

Conhece-se,aliás,umcasomuitoeloquentedaligaçãoconceptualentremeniresemós:trata--sedomenirdaCegonha,naBeiraBaixa,que,naverdade,éumgrandedormentedemómanual,implantadonavertical,comomenir(Cardosoetal.,1995).

Seasmóscorrespondem,certamente,àépocadaconstruçãodomonumento,osmateriaisromanosrecolhidoscorresponderão,provavelmente,aoúltimoepisódioemqueorecintoparecetersidoofocodealgumtipodeusoritual.defacto,nasproximidadesdomenircentral,foramrecolhidastrêsmoedasromanas(uma,naU.E.0,easoutrasduas,naU.E.4)sugerindoigualmenteumapresençadecarácterritual(funerárioououtro).

Naverdade,nãoéaprimeiravezqueosmeniresdoAlentejoCentralapresentamevidênciasde fenómenos de utilização/destruição, ocorridos em época romana: no caso de S. Sebastião(Évora) (Calado, 2004), os menires foram derrubados e amputados nessa época, embora aí no

Manuel Calado | Leonor Rocha | Pedro Alvim Neolitização e megalitismo: o recinto megalítico das Fontainhas (Mora, Alentejo Central)

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 2. 2007, p. 75-10094

contextodoqueparecetersido,emfunçãodaquan-tidadeedavariedadedosartefactosrecolhidos,umaocupação relativamente intensa (eventualmentehabitacional)dolocal.

No recinto de vale Maria do Meio, onde nãoexistemindíciosdeumaverdadeirapresençaromana,foram identificados vários casos de amputação eremoção de monólitos, supostamente em épocaromanaouposterior,atendendoaqueparecemter-sedestinado à produção de silhares; por outro lado,num sítio romano localizado nas redondezas dorecinto,foidescobertoumfragmentodemenirque,aoque tudo indica, terá sidodeslocadoapartirdovaleMariadoMeio(Calado,2004).

Também no recinto do Tojal existem sinaisclaros(tijoloetégula)deumapresençaromana,nolocal,emboraanaturezadostrabalhosefectuadosnãotenhampermitidocaracterizá-lamelhor(Calado,2003,2004).

Sejacomofor,regressandoàsFontainhas,osdadosdisponíveis(rarosfragmentoscerâmicos,deatribuiçãoquestionável,etrêsmoedas,permitem,semnenhumamargemparadúvidas,excluirqualquertipodeusohabitacional.

6.2. As estruturas e as estratigrafias

OmonumentodasFontainhas,talcomohojeoconhecemos,estámanifestamenteamputado.infelizmente,aocontráriodasexpectativas,aescavaçãoapenaspermitiuconfirmar,semreservas,aposiçãooriginaldeumdosmeniresdesaparecidos(5a),noespaçoentreosmenires5e6.

Porém,adistribuiçãodosmeniressobreviventeseaposiçãodeduaspequenasconcentraçõesdepedras(U.E.2eU.E.23),ambasassociadasafragmentoscerâmicosemconexão,permitem-noscolocarahipótesede,nasduassituações,essesconjuntoscorresponderem,commaioroumenorperturbação,aosrestosdasestruturasdeimplantaçãodospresumíveismenires5be6a.Osmate-riais associados correspondem provavelmente aos restos, muito perturbados, de estratigrafiasmaisoumenosprotegidaspelapresençadosprópriosmenires,entretantodesaparecidos.

Odesaparecimentodosmenirespode,obviamente,terocorridoemqualqueraltura,apósaconstrução;noentanto,asprospecçõesefectuadas,atéagora,nasimediaçõesdorecinto—deonde,atéàdata,estãoausentesossítiosproto-históricos,romanosemedievais—sugeremqueodestinomaisprovávelparaosmeniresemfaltaterãosidoos“montes”,nasuamaioriaconstruídosjánoséculo XX, num processo de parcelamento agrícola que está na origem da actual estrutura dapropriedade,nasFontainhas.Nalgunsdesses“montes”,actualmenteabandonadoseemprocessode ruína, sãovisíveisosblocosdegranitousadosnas respectivas fundaçõesouembasamentos.Recorde-sequetodaestaáreaéconstituídaporterrenosarenososeque,apartirdascourelasdasFontainhas,orecintomegalítico,localizadoaindaporcimajuntoaocaminho,eraafontedessamatéria-primamaisfacilmenteacessível.

Emrelaçãoàfossaidentificada,juntoaomenircentral(e,parcialmente,sobaextremidadedistal),aU.E.5,colocámos,deinício,duashipótesesinterpretativas:poderiaeventualmentetratar-

Fig. 32 Moedaromana.

Neolitização e megalitismo: o recinto megalítico das Fontainhas (Mora, Alentejo Central) Manuel Calado | Leonor Rocha | Pedro Alvim

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 2. 2007, p. 75-100 95

-sedeumaviolaçãolevadaacaboporpesquisadoresdetesourosou,emalternativa,umasonda-gemdediagnósticofeitaporarqueólogos,emboranadatenhasidopublicadoquepermitaatestá--lo;estaleituraresultoudainformaçãoprestadaporumdospopularesquevisitouaescavação,referindoqueuns“professores”tinhamefectuadoescavaçõesnorecintonosfinaisdosanos60ouiníciosdosanos70doséculoXX.

Porém,apresençadosmateriaisromanosnossedimentosquecolmatavamafossa(U.E.4),apesar de escassos, sugere a possibilidade de a estrutura ter sido aberta e colmatada em épocaromana. Note-se que a localização do recinto, junto a uma encruzilhada de caminhos antigos,poderiaconjugar-secomahipótesedeumusofunerário.

Tantoquantosesabe,avillaromanamaispróximalocaliza-seameiadúziadequilómetros,aNordeste,juntoaocemitériodeCabeção.

Paraalémdosdadosobtidosnorecintopropriamentedito,aescavaçãodosSectores2e3,confirmourazoavelmenteassuspeitasiniciais.

Nocasodomenir8,queconservavaasestruturasdeimplantaçãoparcialmenteintactas,essaconfirmaçãofoiabsoluta;noquedizrespeitoaomenir7,semestruturasconservadas,apresentavauma posição inclinada que, atendendo àquilo que tem sido observado, repetidamente, noutroscasossemelhantes—paraalémdomenir8,refiram-se,porexemplo,osmeniresdoTojaledoBarro-cal,assimcomováriosdorecintodovaleMariadoMeio—deveriaencontrar-seaindain situ.

Épossívelqueosmenires7e8sejamapenasoremanescente de um sistema mais complexo. Noentanto,considerandosomenteessesdoismenireseohorizontemaispróximo—ocabeçoadjacente,nolado ocidental — é possível detectar duas possíveisorientações astronómicas, recorrentes, de diversasformas, noutros monumentos análogos (Silva eCalado,2003a,2003b;Silva,2004;Alvim,2006).

Trata-se,porumlado,deumaorientaçãosolsti-cial (24º), materializada pela linha que passa pelosdoismenires,e,poroutro,deumaorientaçãolunar,materializadanalinhaquepassapelomenir8epelotopodoreferidocabeço,aOeste;efectivamente,estaorientaçãocoincidecomadonascerdalua,nohori-zonte,naPausaMaior(29º).

6.3. Outros aspectos

Finalmente,umbrevecomentário sobreos resultadosdasprospecçõesde2005que,aliás,tiveramcontinuidadeem2006.Foram,comojáfoiassinalado,identificadosvestígiosdepovoadosdoNeolíticoAntigo/Médio,NeolíticoFinaleCalcolítico.

Todos eles ocupam posições relativamente próximas das margens da Ribeira do Raia, emarticulaçãocomosterraçosférteisque,nestetroço,assumemumadimensãomuitonotável.

destacam-se os povoados da Barroca e da Chaminé 3, localizados, respectivamente, namargemesquerdaenamargemdireitadoRaia;ambosforamobjectodebrevessondagensdediag-nóstico,nacampanhade2006,tendoproporcionadomateriaisenquadráveisnumlequecronoló-gicoquecobreatransiçãoMesolítico-Neolíticoeseconjugam,noseuconjunto,comosmateriais

Fig. 33 Alinhamentosastronómicosdosmenires7e8.

Manuel Calado | Leonor Rocha | Pedro Alvim Neolitização e megalitismo: o recinto megalítico das Fontainhas (Mora, Alentejo Central)

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 2. 2007, p. 75-10096

maisantigosrecolhidosnasFontainhas.Foiigualmenteidentificada,naChaminé3,umaocupa-çãodoNeolíticoFinalque,nestafase,seprolongaporumaáreaextensa,navárzeaimediatamenteadjacente,comaqualsepoderãorelacionarosmateriaismaistardiosdorecinto.

Existemsemelhanças(nomeadamenteadecoraçãoincisa,compostaporcanelurasparalelas)entre as cerâmicas das Fontainhas e as da Barroca; no entanto, os triângulos, abundantes naBarroca, não estão representados nas Fontainhas. Os próprios trapézios das Fontainhas (doisexemplares)sãodiferentesdosdoisúnicosexemplaresdaBarroca:estessãotrapéziosassimétricosedetruncaturascôncavas(tipoTéviec).

Poroutrolado,ascerâmicasdecoradasdaChaminé3conjugam-sebemcomasdasFontai-nhas,ambascomumaboapercentagemdecerâmicaimpressa;noquedizrespeitoàpedralascada,omaterialdopovoadoreduz-seaumpequenoconjuntodelascas,semgeométricos.Convémrefe-rirque,sobretudonocasodaChaminé3,aamostrasondadafoimuitodiminutaoque,natural-mente,limitaoalcancedosdadosobtidos.

Nasproximidadesdorecinto,foramigualmenteregistadosalgunspresumíveissítiosdehabi-tat,deescassaentidadesuperficial,cujarelaçãocomorecintoépraticamentecerta.UmfenómenosemelhantefoiobservadonasimediaçõesdorecintodosAlmendres,numpadrãoque,atendendoàssondagenspraticadasnumdeles(Gomes,2002),sugereocupaçõesepisódicas,relacionadascomaconstruçãoouousoespecíficodosmonumentos.

Estão,porora,ausentes,nasimediaçõesdasFontainhas,povoadosdaidadedoBronzeedoFerro,aspectoquepareceapontarparaumacriseregional,detectável,nosfinaisdoCalcolítico,emtodooAlentejoCentral(Calado,1995),masque,nestaárea,pareceter-setraduzidonumaban-donoparticularmenteprolongado.

Complementarmenteaostrabalhosdeescavaçãoeprospecção,foramefectuadasobservaçõesefotografiasnocturnas,comluzrasante,nosmeniresdasFontainhas.

Essaoperaçãoconduziuàdetecção,nomenir2,deduaspossíveisgravuras,malconservadas:umcrescenteladeadoporumbáculo,embaixorelevo.

Trata-se de dois dos temas mais frequentes nos menires alentejanos, embora, no que dizrespeitoaosrecintos,apenasseconheçam,porenquanto,nosexemplaresdosarredoresdeÉvora.Nosmonumentosmaisperiféricos,comoéocasodasFontainhas,nãotinha,atéàdata,sidoiden-tificadoqualquertipodegravuras,àexcepçãodascovinhas.

Fig. 34 Possíveisgravuras,embaixo-relevo,deumcrescenteeumbáculo,juntoaomenir2.

Neolitização e megalitismo: o recinto megalítico das Fontainhas (Mora, Alentejo Central) Manuel Calado | Leonor Rocha | Pedro Alvim

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 2. 2007, p. 75-100 97

7. Perspectivas futuras

Umdosobjectivos finaisdestaescavação foio restauroeamusealizaçãodomonumento,àsemelhançadoquetemsidofeito—ouseprojectafazer—noutroscasosanálogos.

AproximidadedorecintoemrelaçãoàestradaPavia-Morae,portanto,asuafácilacessibili-dade, é uma das características que tornam este monumento particularmente adequado à suarentabilizaçãoturísticaesócio-cultural;esteaspectoé,naturalmente,reforçadopelaqualidadedocontextopaisagísticoemqueorecintodasFontainhasseencontrainserido.

Em termos mais gerais, o recinto das Fontainhas faz parte de um pequeno conjunto demonumentos,praticamenteexclusivosdoAlentejoCentral,cujararidaderelativa(comparando,porexemplo,comasantas)ecujapresumidaantiguidade—representamoarranquedomegali-tismo e, simultaneamente, do Neolítico, na região — justificam plenamente a sua valorizaçãosócio-cultural.

Note-seque,apesardeumcertoardefamília,traduzindo,certamente,umcontextomuitoespecífico,emtermossociaiseideológicos,osrecintosalentejanossãotodosdiferentesentresi.Asdiferençasentreelesimplicam,sobretudo,ocontextopaisagístico,aplantadosrecintos,onúmeroeaformadosmenires,ossímbolosgravados(ounão)easprópriasorientaçõesastronómicas(SilvaeCalado,2003a,2003b;Alvim,2006).

Emtermoscientíficos,orecintodasFontainhaseoseucontextoarqueológicocolocam-nos,maisumavez(deus,2002),peranteaquestão,nuncaformulada,darelaçãoentreoMesolíticoeosmenires,nasfronteirasdoAlentejoCentral,tantomaisque,nosúltimostempos,surgiram,emáreasmuitomaisinteriores,algunsindíciosdessarelação,empovoadoscomooAltodeS.Bento(Évora)eoBarrocalinho17(ReguengosdeMonsaraz)(Calado,2004).

Emtermospráticos,importa,logoquepossível,criarcondiçõesadequadasàsuavisitabili-dade,integrando,naturalmente,soluçõesquepassempelagestãodoestacionamento,sinaléticaeestruturasinformativas.

Fig. 35 Orecinto,apósorestauroparcial.Àdireita,omenir7.

Manuel Calado | Leonor Rocha | Pedro Alvim Neolitização e megalitismo: o recinto megalítico das Fontainhas (Mora, Alentejo Central)

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 2. 2007, p. 75-10098

Ficaram,comoseviu,algumasquestõescientíficasporresolver.Aclarificaçãodealgumasdelaspassará,obviamente,peloestudodocontextoarqueológico,comprioridadeparaaanálisedospovoadosentretantoidentificados,semexcluirahipótesedeumanovacampanhadeescava-ções,comoobjectivodedetectareventuaisestruturasdeimplantaçãodemeniresdesaparecidos,expectáveisnaáreanãoescavada,sobretudonoladoNascente/Sul.Seria,igualmenteimportanteefectuarsondagensnoexteriordorecinto,tendoemvistaaeventualdetecçãodeestruturas(fossas,lareiras,buracosdeposte,etc.)e,sobretudo,acomparaçãocomaamostrarecolhidanointeriordorecinto.

Fig. 37 OsmeniresdorecintodasFontainhas(Calado,2004).

Fig. 36 (aeb).Osmenires8e7apósareimplantação.

Neolitização e megalitismo: o recinto megalítico das Fontainhas (Mora, Alentejo Central) Manuel Calado | Leonor Rocha | Pedro Alvim

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 2. 2007, p. 75-100 99

BIBLIOGRAFIA

AlviM,P.(2006)-Menires, paisagem, paisagens: os Almendres e a Serra do Monfurado.www.crookscape.org.

ANGElUCCi,d.;dEUS,M.de(2006)-Geomorfologiaeocupaçãopré-históricanobaixocursodorioSor:primeirasobservações

geoarqueológicas.Revista Portuguesa de Arqueologia.lisboa.9:1,p.5-26.

CAlAdO,M.(1990)-Aspectosdomegalitismoalentejano.ComunicaçãoapresentadaàsivJornadasdaAssociaçãodeArqueólogosPortugueses.

O Giraldo (JulhoeAgosto).Évora.

CAlAdO,M.(1993)-Menires,alinhamentosecromelechs.inMEdiNA,J.,ed.-História de Portugal. lisboa:Ediclube.1,p.294-301.

CAlAdO,M.(1995)-A região da serra d’Ossa: introdução ao estudo do povoamento neolítico e calcolítico.lisboa:FaculdadedeletrasdaUniversidade

delisboa(ediçãopolicopiada).

CAlAdO,M.(1997)-Cromlechsalentejanoseartemegalítica.inActas del III Coloquio Internacional de Arte Megalítico.ACoruña:Museo

Arqueolóxicoehistórico,p.289-297.

CAlAdO,M.(2000a)-NeolitizaçãoemegalitismonoAlentejoCentral:umaleituraespacial.inActas do 3.º Congresso de Arqueologia Peninsular.

Porto:AdECAP,p.35-45.

CAlAdO,M.(2000b)-OrecintomegalíticodevaleMariadoMeio(Évora,Alentejo).inActas do I Colóquio Internacional sobre Megalitismo (Monsaraz,

1996). lisboa:institutoPortuguêsdeArqueologia,p.167-182.

CAlAdO,M.(2001)-Da serra d’Ossa ao Guadiana: um estudo de Pré-História regional. lisboa:institutoPortuguêsdeArqueologia.

CAlAdO,M.(2002)-Standingstonesandnaturaloutcrops.TheroleofritualmonumentsintheNeolithictransitionoftheCentralAlentejo.

inSCARRE,C.,ed.-Monuments and Landscape in Atlantic Europe.london:Routledge,p.17-35.

CAlAdO,M.(2003)-Megalitismo,megalitismos:oconjuntoneolíticodoTojal(Montemor-o-Novo).inMuita gente poucas antas? Origens, espaços

e contextos do Megalitismo. Actas do II Colóquio Internacional sobre Megalitismo. lisboa:institutoPortuguêsdeArqueologia,p.351-369.

CAlAdO,M.(2004a)-EntreoCéueaTerra.MeniresearterupestrenoAlentejoCentral.inCAlAdO,M.,ed.- Sinais de pedra. I Colóquio

Internacional sobre Megalitismo e Arte Rupestre.Évora:FundaçãoEugéniodeAlmeida.

CAlAdO,M.(2004b)-MeniresdoAlentejoCentral.GéneseeEvoluçãodapaisagemmegalíticaregional.lisboa:FlUl(Tesefotocopiada).

http://www.crookscape.org/tesemc/tese.html

CAlAdO,M;ROChA,l.(1996)-NeolitizaçãodoAlentejointerior:oscasosdeÉvoraePavia. in Actas del I Congrés del Neolític a la Península lbèrica.

Gavà:[s.n.],p.673-682.

CARdOSO,J.l.;GOMES,M.v.;CANiNAS,J.C.;hENRiQUES,F.R.(1995)-OmenirdeCegonhas(idanha-a-Nova).Estudos Pré-históricos.viseu.

3,p.5-17.

CORREiA,v.(1921)-El Neolítico de Pavia.Madrid:ComisióndeinvestigacionesPaleontológicasyPrehistóricas(Memoria27).

dEUS,M.de(2002)- Povoamento neolítico e calcolítico na região de Montargil.lisboa:FaculdadedeletrasdaUniversidadedelisboa(tese

fotocopiada).

diNiZ,M.(1994)-Acerca das cerâmicas do Neolítico Antigo da Gruta da Furninha (Peniche) e da problemática da neolitização do Centro/Sul de Portugal.

lisboa:FaculdadedeletrasdaUniversidadedelisboa(policopiado).

GOMES,M.v.(1997)-CromelequedaPorteladeMogos.Ummonumentosócio-religiosomegalítico.inSARANTOPOUlOS,P.,ed.-Paisagens

Arqueológicas a Oeste de Évora.Évora:CâmaraMunicipal,p.35-40.

GOMES,M.v.(2000)-CromelequedoXerez.Aordenaçãodocaos.inSilvA,A.C.,ed.-Das pedras do Xerez às novas terras da Luz.Beja:EdiA,

p.17-190.

GOMES,M.v.(2002)-Cromeleque dos Almendres. Um monumento socio-religioso neolítico.lisboa:FaculdadedeCiênciasSociaisehumanasda

UniversidadeTécnicadelisboa(textopolicopiado).

MATAlOTO,R.(2007)-Paisagem,Memóriaeidentidade:tumulaçõesmegalíticasnopós-megalitismoalto-alentejano.http://www.crookscape.

org/textmar2007b/text11b.html

MOiTA,i.(1956)-SubsídiosparaoestudodoEneolíticodoAltoAlentejo. O Arqueólogo Português. lisboa.3.ªsérie.2,p.135-175.

MOiTA,i.(1965)-SobrevivênciadecultosdeorigemremotanointeriordoAlentejo.Separata das Actas do Congresso Internacional de Etnografia.

lisboa:[s.n.].

ROChA,l.(1999a)-AspectosdomegalitismodaáreadePavia,Mora(Portugal).Revista Portuguesa de Arqueologia.lisboa.2:2,p.71-94.

ROChA,l.(1999b)-OmegalitismofuneráriodaáreadePavia,Mora(Portugal).Estadoactualdainvestigação.inII Congrés del Neolític

a la Península Ibèrica.

ROChA,l.(1999c)-Povoamento megalítico de Pavia. Contributo para o conhecimento da Pré-História regional.Setúbal:CâmaraMunicipaldeMora.

ROChA,l.(2005)-As origens do megalitismo funerário no Alentejo Central: a contribuição de Manuel Heleno.lisboa:FlUl(Tesefotocopiada).

Manuel Calado | Leonor Rocha | Pedro Alvim Neolitização e megalitismo: o recinto megalítico das Fontainhas (Mora, Alentejo Central)

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 2. 2007, p. 75-100100

ROChE,J.(1972)-Le gisement mésolithique de Moita do Sebastião, Muge, Portugal-Archéologie. vol.i.lisboa:direcção-GeraldosAssuntosCulturais.

SilvA,C.M.da(2000)-SobreopossívelsignificadoastronómicodoCromlequedosAlmendres.A Cidade de Évora.Évora.2:4,p.109-127.

SilvA,C.M.da(2004)-Thespringfullmoon.Journal for the History of Astronomy. Cambridge. 35,p.475-478.

SilvA,C.M.da;CAlAdO,M.(2003a)-NewastronomicallysignificantdirectionsofmegalithicmonumentsintheCentralAlentejo.Journal of

Iberian Archaeology.Porto.5,p.67-88.

SilvA,C.M.da;CAlAdO,M.(2003b)-MonumentosmegalíticoslunaresnoAlentejoCentral.inCAlAdO,M.,ed.-Sinais de pedra. Actas

do 1.º Colóquio Internacional sobre Megalitismo e Arte Rupestre na Europa Atlântica. Évora:FundaçãoEugéniodeAlmeida(Cd-ROM).

SilvA,C.T.;SOARES,J.(1981)-Pré-História da área de Sines.lisboa:GabinetedaÁreadeSines.

SilvA,C.T.;SOARES,J.(2000)-ProtomegalitismonoSuldePortugal:inauguraçãodaspaisagensmegalíticas.inGONçAlvES,v.S.,ed.-Muitas

antas, pouca gente? Actas do Colóquio Internacional sobre Megalitismo.lisboa:institutoPortuguêsdeArqueologia,p.117-134.

SiMÕES,T.(1999)-O sítio neolítico de S.Pedro de Canaferrim (Sintra).lisboa:institutoPortuguêsdeArqueologia.

SOARES,J.;SilvA,C.T.(2003)-AtransiçãoparaoNeolíticonacostasudoesteportuguesa.inGONçAlvES,v.S.,ed.-Muita gente poucas antas?

Origens, espaços e contextos do Megalitismo. Actas do II Colóquio Internacional sobre Megalitismo.lisboa:institutoPortuguêsdeArqueologia,p.45-56.

ZBYSZEWSKi,G.;FERREiRA,O.v.;REYNOldSdeSOUSA,h.;NORTh,C.T.;lEiTÃO,M.(1977)-Nouvellesdécouvertesdecromelechsetde

menhirsauPortugal.CSGP.lisboa:[s.n.].61,p.63-73.

ZilhÃO,J.(2001)-RadiocarbonevidenceformaritimepioneercolonizationattheoriginsoffarminginWestMediterraneanEurope.Proceedings

of the National Academy of Sciences.Washington,dC.98,p.14180-14185.