Post on 07-Feb-2021
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
NELCILENE DA SILVA PALHANO CAVALCANTE
EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA AMAZÔNIA E
NEOLIBERALISMO: UMA ANÁLISE
DAS EXPERIÊNCIAS DESENVOLVIDAS NO
MUNICÍPIO DE SANTARÉM-PA (DOS ANOS 1990 A
2010)
CAMPINAS
2016
NELCILENE DA SILVA PALHANO CAVALCANTE
EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA AMAZÔNIA E
NEOLIBERALISMO: UMA ANÁLISE
DAS EXPERIÊNCIAS DESENVOLVIDAS NO
MUNICÍPIO DE SANTARÉM-PA (DOS ANOS 1990 A
2010)
Tese de Doutorado apresentada ao
Programa de Pós- Graduação em
Educação da Faculdade de Educação da
Universidade Estadual de Campinas para
obtenção do título de Doutora em
Educação, na área de concentração de
Filosofia e História da Educação.
Orientador: Prof. Dr. Renê José Trentin Silveira
O ARQUIVO DIGITAL CORRESPONDE À VERSÃO
FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA NELCILENE
DA SILVA PALHANO CAVALCANTE, E ORIENTADA
PELO PROF. DR. RENÊ JOSÉ TRENTIN SILVEIRA
CAMPINAS
2016
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
TESE DE DOUTORADO
EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA AMAZÔNIA E
NEOLIBERALISMO: UMA ANÁLISE
DAS EXPERIÊNCIAS DESENVOLVIDAS NO
MUNICÍPIO DE SANTARÉM-PA (DOS ANOS 1990 A
2010)
Autora: Nelcilene da Silva Palhano Cavalcante
COMISSÃO JULGADORA:
Orientador Prof. Dr. Renê José Trentin Silveira
Profa. Dra. Maria do Perpétuo Socorro Rodrigues Chaves
Prof. Dr. Ricardo Scoles Cano
Prof. Dr. José Luís Sanfelice
Prof. Dr. Lalo Watanabe Minto
A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.
2016
AGRADECIMENTOS
Ao entregar essa tese àqueles que irão adentrar suas páginas, o faço com o sentimento forte de
que ela é fruto da contribuição de muitas pessoas e instituições, algumas das quais referendo a
seguir, sem que a ordem apresentada signifique maior ou menor importância. Todos foram
importantes.
Agradeço à Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) pela iniciativa de qualificar
seus docentes e esse agradecimento se estende principalmente ao Prof. Anselmo Colares e à
Prof.ª Lílian Colares pela iniciativa da realização do DINTER (Doutorado Interinstitucional)
e o trabalho dispensado para que ele fosse concretizado.
À Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), que aceitou o desafio de um DINTER
em terras tão distantes, a Amazônia. Esse agradecimento inclui todos os professores que se
disponibilizaram a compartilhar seus conhecimentos e experiências.
Assim, faço menção especial ao meu orientador, Prof. Renê Trentin, que me acompanhou e
dedicou do seu tempo para a construção desse trabalho, sugerindo, argumentando, corrigindo
mas, ao meu tempo respeitando o que lhe apresentava; ao Prof. José Lombardi e à Prof.ª
Mara Jacomeli, não apenas pela dedicação ao Dinter como coordenadores, mas como
docentes que acompanharam a disciplina Atividades Programadas de Pesquisa (APPs), cujas
discussões propiciadas no grupo HISTEDBR contribuíram para encaminhamentos
importantes que tomei nesse trabalho; ao Prof. José Luis Sanfelice, que ao participar da
minha Qualificação, indicou pistas fecundas para o fechamento da tão necessária “tese” a ser
defendida; ao Prof. Lalo Watanabe Minto, pelas contribuições na APP2 e na qualificação.
À minha família, sem o apoio da qual teria sido muito difícil conciliar gravidez, um bebê, o
estudo das disciplinas, dos livros, às idas à Campinas, a coleta/análise de dados e a elaboração
do texto da Tese. Neste sentido, inicialmente agradeço a minha mãe, Sra. Expedita Palhano,
que mesmo não tendo a oportunidade de ter acesso à Academia, como milhões de brasileiros
nesse País, sempre me encorajou a estudar, a ir mais longe; ao meu esposo, Amadeu, que me
acompanhou e que me permitiu, muitas vezes, “pensar em voz alta” e ouvir minhas primeiras
análises, dúvidas e questionamentos; ao meu irmão, Maciel, e minhas irmãs Aldilene e
Lucy, que sempre estiveram por perto. Apesar de parecer estranho agradecer a uma criança
de três anos, ao meu filho Caleb, que diversas vezes me capturou do cansaço com seus
sorrisos e alegria, e sem entender o sentido do trabalho, me questionava por que estava
trabalhando: “mamãe, não trabalha, não”. Isso só confirmava algumas reflexões que, embora
não tenha desenvolvido nessa tese, me acompanharam durante sua escrita: na atual sociedade,
a exploração da natureza e do trabalho nos priva de viver mais as relações com essa natureza e
com o outro de forma desinteressada: dado o acúmulo de trabalho, somos intimados pelos
nossos compromissos a “investir” mais na qualidade do pouco tempo que temos com as
pessoas. Contudo, para escrever essa tese, não precisei somente da qualidade do tempo, mas
também de quantidade.
Aos colegas do Dinter, companheiros dessa trajetória.
Às instituições e pessoas que colaboraram com as informações e dados aqui apresentados.
Esse agradecimento se estende a todos que, ao olharem para esse trabalho, sintam ter
contribuído de alguma forma.
À CAPES, pelo apoio a esse projeto importante para a nossa região, e a todos os
colaboradores da UNICAMP e UFOPA, responsáveis por acompanhar nossa vida acadêmica.
Agradeço a Deus pela vida: com suas contradições, com suas possibilidades.
RESUMO
A Educação Ambiental (EA) está presente hoje em vários espaços, sendo um deles a escola,
que consideramos fundamental para desenvolver uma educação que promova mudanças na
relação homem/natureza, não apenas nas gerações futuras, mas também na atual. Dada a
importância da contribuição da EA para a construção de sociedades sustentáveis na
Amazônia, palco de diversos conflitos ambientais, esta pesquisa teve como objetivo analisar
as experiências de institucionalização EA no município de Santarém-PA, no período que se
estende dos anos de 1990 a 2000, procurando estabelecer as suas relações com o
neoliberalismo. A partir de uma abordagem qualitativa, foram analisadas fontes primárias e
secundárias, incluindo: projetos e relatórios das instituições investigadas, jornais, cartilhas e
folders, dentre outros. Tendo como pressupostos diretrizes mais amplas que expõem uma
concepção de EA calcada no desenvolvimento sustentável atrelado ao capitalismo, buscamos
nesses documentos o registro das propostas das instituições que tiveram desdobramentos no
espaço escolar. O trabalho está estruturado em quatro capítulos: no primeiro, abordamos a
relação homem/natureza, discorrendo sobre como essa relação é analisada numa perspectiva
histórico-dialética, ao mesmo tempo em que nos reportamos às bases teórico-metodológicas
que adotamos. No segundo, apresentamos uma discussão sobre a questão ambiental e
educacional das quais emanam as diretrizes da EA em nível internacional e nacional,
demonstrando que há relações entre a EA e o neoliberalismo. No terceiro capítulo analisamos
o contexto histórico de Santarém relacionado aos determinantes de ordem econômica, política
e social que engendram a problemática ambiental local, a partir da qual emerge a EA
desenvolvida no município. Finalmente, no último capítulo, expomos a inserção da EA no
município de Santarém via Organizações Não Governamentais (ONGs) e Secretaria
Municipal de Educação (SEMED). O estudo sugere que há uma EA que atende à lógica
neoliberal, ao adotar uma perspectiva de sustentabilidade que não questiona o modo de
produção vigente como motor da problemática ambiental na atualidade.
Palavras-chave: Educação Ambiental. Neoliberalismo. Amazônia. Escola. Sustentabilidade.
ABSTRACT
The dissemination of Environmental Education is perceived in several different places,
including schools, and it is fundamental for the development of change promoting education
in the relationship between man and nature, not only for future generations, but also for the
present ones. Therefore, due to its importance for the construction of sustainable societies in
the Amazon Region, scenario of several environmental issue motivated conflicts, this research
work had as the main objective to analyze the institutionalization process of Environmental
Education in Santarém – Brazil, between 1990 through 2000, trying to verify its relationship
with neoliberalism. Through a qualitative approach methodology, primary and secondary
sources were analyzed: projects and reports of the surveyed institutions, newspapers,
brochures and folders were included. Working on the assumption of broader guidelines that
show a conception of Environmental Education grounded on a sustainable development tied
to capitalism, we seek in the analyzed documents the records of proposal of institutions,
which had implications in school. The work is divided into four chapters: in the first one, we
discuss the relationship between man and nature, explaining how this relationship is analyzed
in a historical and dialectical perspective, referring back to the theoretical and methodological
bases followed by this investigation. In the second chapter, we discuss environmental and
educational issues from which guidelines for international and national Environmental
Education emanate, testifying that there are, indeed, a relationship between Environmental
Education and Neoliberalism. In the third chapter, we analyze the historical context of
Santarém concerning economic, political and social determinant factors that entail the local
environmental issues, foundation for the Environmental Education developed in Santarém.
Finally, in the last chapter, we explain the inclusion of Environmental Education in Santarém
School curriculum through the intervention of Non-Profitable Organizations and the
Municipal Education Department. The study suggests that Environmental Education in
Santarém serves Neoliberalism Politics as far as it adopts a perspective of sustainability,
which does not put in question the current mode of production as the cause of today‟s
environmental problems.
Key -words: Environmental Education. Neoliberalism. Amazon Region. School.
Sustainability.
LISTA DE SIGLAS
AGAPAN - Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural
ARPA - Programa Áreas Protegidas da Amazônia
BEC - Batalhão de Engenharia e Construção
CEAM - Coordenadoria de Educação Ambiental (Estado do Pará)
CEAPS - Centro de Estudos Avançados de Promoção Social e Ambiental - Projeto Saúde e
Alegria (PSA)
CEULS - Centro Universitário Luterano de Santarém
CIAM - Centro de Informações Ambientais
CIEAs - Comissões Estaduais Interinstitucionais de Educação Ambiental
CNUMAD - Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento
CNPT/Ibama - Centro Nacional das Populações Tradicionais
Com-Vidas - Comissão de Meio Ambiente e Qualidade de Vida na Escola
PROCEL - Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica
CONSAPA - Companhia de Saneamento do Pará
CPRM – Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais
DEA/MMA - Diretoria de Educação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente
DSN - Doutrina da Segurança Nacional
EA - Educação Ambiental
EDS - Educação para o Desenvolvimento Sustentável
EMBRAPA -Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
EIA - Estudo de Impacto Ambiental
EUA - Estados Unidos da América
FAMCOS - Federação das Associações de Moradores e Organizações Comunitárias de
Santarém
FASE - Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
FIT - Faculdades Integradas do Tapajós
FLONA - Floresta Nacional
FMI - Fundo Monetário Internacional
G7 – Grupo que reúne os 7 países mais industrializados do planeta
GDA - Grupo de Defesa da Amazônia
GTA - Grupo de Trabalho Amazônico
GTZ - Deutsche Gesellschaft fur Technische Zusammenarbit - Cooperação Técnica Alemã
IARA – Instituto Amazônico de Manejo Sustentável dos Recursos Ambientais
Iara/IBAMA – Projeto Administração dos Recursos Pesqueiros do Médio Amazonas
IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IBDF - Instituto de Desenvolvimento Florestal
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
IDESP - Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social do Pará
IESPES - Instituto Esperança de Ensino Superior
IIRSA - Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana
INPA - Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia
IPAM - Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia
ISAM - Instituto Socioambiental de Santarém
ITTO - Organização Internacional de Madeira Tropical
MAB- Movimento dos Atingidos por Barragens
https://www.embrapa.br/
MEB - Movimento de Educação de Base
MEC – Ministério da Educação e Cultura
MINTER - Ministério do Interior
MMA - Ministério do Meio Ambiente
NAEA - Núcleo de Altos Estudos Amazônicos
OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos
ONGs - Organizações Não Governamentais
ONU - Organização das Nações Unidas
PCNs - Parâmetros Curriculares Nacional
PEAM - Programa de Educação Ambiental (Estado do Pará)
PEA- Programa de Educação Ambiental (IPAM)
PGAI - Projeto de Gestão Integrada
PIB - Produto Interno Bruto
PIN - Plano Integração Nacional
PISA- Programa Internacional de Avaliação de Alunos
PND - Plano Nacional de Desenvolvimento
PNEA - Política Nacional de Educação Ambiental
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
POLAMAZÔNIA- Programa de Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia
PPG7 - Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil
PROCEAM - Programa Capacitação de Educadores Ambientais Multiplicadores
PROCEL - Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica
ProManejo – Programa de Apoio ao Manejo Florestal na Amazônia
ProVárzea - Projeto de Manejo dos Recursos Naturais da Várzea
PSA - Projeto Saúde e Alegria
REDD - Redução Certificada de Emissões do Desmatamento e Degradação
RESEX- Reserva Extrativista
RIMA - Relatório de Impacto Ambiental
SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SECTAM - Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente
SEDUC - Secretaria de Estado de Educação do Pará
SEMA - Secretaria Especial de Meio Ambiente
SEMAB - Secretaria Municipal de Agricultura e Abastecimento
SEMDETUR -Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Turismo
SEMED - Secretaria Municipal de educação
SEMMA – Secretaria Municipal de Meio Ambiente
SESPA - Secretaria de Estado de Saúde Pública
SNUC - Sistema Nacional de Unidades de Conservação
SPRN – Subprograma de Política de Recursos Naturais
STRS - Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santarém
TECEJUTA – Companhia de Fiação e Tecelagem de Juta de Santarém
UEPA - Universidade do Estado do Pará
UFOPA- Universidade Federal do Oeste do Pará
UFPA- Universidade Federal do Pará
UFRA - Universidade Federal Rural da Amazônia
UNCTAD - Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento
UNEP - Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNIP - Universidade Paulista
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 12
CAPÍTULO 1
A QUESTÃO AMBIENTAL: UMA DISCUSSÃO A PARTIR DA RELAÇÃO
HOMEM-NATUREZA ...............................................................................................
19
1.1 A relação homem-natureza .................................................................................... 20
1.2 Educação Ambiental e ideologia ........................................................................... 29
1.3 A questão ambiental ...............................................................................................
33
CAPÍTULO 2
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E O NEOLIBERALISMO ................................
39
2.1 Neoliberalismo: noções gerais ............................................................................... 40
2.2 Metamorfose do capitalismo: do tom cinza da poluição para o verde das
florestas .....................................................................................................................
50
2.3 A educação e as amarras neoliberais .................................................................... 59
2.4 Panorama internacional da educação ambiental ................................................. 67
2.5 Panorama da educação ambiental no Brasil ........................................................
75
CAPÍTULO 3
UM LUGAR NA AMAZÔNIA: SANTARÉM E SEUS ASPECTOS SÓCIO-
HISTÓRICOS NUMA PERSPECTIVA AMBIENTAL ..........................................
90
3.1 Caracterização da área de estudo ......................................................................... 90
3.2 Santarém: aspectos históricos, econômicos e políticos ........................................ 93
3.2.1 Primeira fase: Integrar para não entregar ...................................................... 95
3.2.2 Segunda fase: O despertar para a questão ambiental? .................................... 103
3.2.3 Terceira fase: Novos cenários, velhos dilemas ..................................................
116
CAPÍTULO 4
EDUCAÇÃO AMBIENTAL E NEOLIBERALISMO EM SANTARÉM ..............
130
4.1 Notas sobre a educação no município de Santarém ............................................ 131
4.2 Os caminhos da EA em Santarém: algumas experiências .................................. 134
4.2.1 O Movimento de Educação de Base (MEB) em Santarém ......................... 135 4.2.2 Grupo de Terça Feira e a formação do Grupo
de Defesa da Amazônia (GDA) ..................................................................................
146
4.2.3 Centro de Estudos Avançados de Promoção Social e Ambiental (CEAPS) –
Projeto Saúde e Alegria (PSA) .............................................................................
153
4.2.4 Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) ................................. 164
4.2.5 Secretaria Municipal de Educação (SEMED) ................................................. 169
a) A Coordenação de Educação Ambiental ........................................................ 169 b) Escola da Floresta ............................................................................................. 173 c) Escola do Parque .............................................................................................. 176
4.3 Uma análise da EA em Santarém ..........................................................................
177
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 198
REFERÊNCIAS .......................................................................................................
204
12
INTRODUÇÃO
Passado o período de institucionalização da Educação Ambiental (EA) que vem
ocorrendo desde a década de 1970 em nível internacional, atualmente podemos identificar
discussões que procuram distinguir uma EA conservadora, atrelada à lógica do capital, focada
nos aspectos ecológicos, de mudança de comportamentos, privilegiando a dimensão técnica
da prática educativa, de uma EA que se reconhece como não neutra, eminentemente política,
que reivindica uma formação da cidadania fora dos ditames do liberalismo e a busca de uma
sustentabilidade alternativa ao conceito hegemônico do desenvolvimento sustentável
(LAYRARGUES, 2006; LIMA, 2011; LOUREIRO, 2012). Lima (2004) chega a afirmar que,
após o momento de institucionalização da EA, está em curso um refinamento teórico que
permite distinguir uma EA conservadora daquela que ele denomina de emancipatória, cujo
aporte teórico é tributário de várias correntes:
A educação ambiental emancipatória acompanha esse movimento de
complexificação e politização da educação ambiental ao introduzir no debate ingredientes e análises sociológicas, políticas e extrações de uma sociologia
da educação de teor crítico e integrador, reunindo e pondo em diálogo uma
diversidade de contribuições provenientes da teoria crítica, do pensamento
ecopolítico, da teoria da complexidade, do neomarxismo, da teoria do conflito, da sociologia ambiental, da teoria da sociedade de risco, da
educação popular, do socialismo utópico, da versão contemporânea da teoria
da sociedade civil e dos movimentos sociais, do pós-estruturalismo e pós-modernismo, do Ecodesenvolvimento e de uma educação ambiental crítica,
entre outros. (LIMA, 2004, p.93)
Não é preciso muito esforço para perceber que as correntes mencionadas são
diversas e podem até ser antagônicas entre si1. Tal junção de correntes teóricas é concebida na
produção teórica no campo ambiental como uma “virtude”, considerando o princípio da
interdisciplinaridade, defendido também nas diretrizes da EA, que deve nortear não apenas o
fazer pedagógico, mas a própria produção daquilo que Leff (2004) chama de uma
racionalidade ambiental. O conhecimento nessa nova racionalidade não é tributário apenas da
ciência moderna, mas também de saberes que não foram cunhados como científicos, pois,
como afirma o autor:
1 Não é nosso objetivo fazer uma análise das diversas correntes elencadas, mas se considerarmos Lombardi
(2009), não haveria como compatibilizar, por exemplo, uma análise marxista com o pensamento pós-moderno.
13
[...] o saber ambiental é expulso do núcleo duro da racionalidade científica
por uma força centrífuga que o impulsiona para fora, que o impede de se
fundir no núcleo sólido das ciências duras e objetivas, de se subsumir em um saber de fundo, de se engrenar no círculo das ciências e se dissolver em uma
reintegração interdisciplinar de conhecimentos (LEFF, 2010, p. 11).
A interdisciplinaridade, dessa forma, a ser buscada na racionalidade ambiental, se
faz para além da integração das disciplinas provenientes da ciência moderna, como
usualmente se costuma interpretar. Apesar de essa ser uma temática quase obrigatória, quando
se trata da EA, não foi essa a vereda que escolhemos trilhar, do mesmo modo como não nos
propomos a fazer uma separação entre uma EA crítica e outra que seja conservadora, segundo
a distinção feita por Lima (2004).
Ainda que acreditando ser possível construir uma EA para além do capital,
parafraseando Mèszaros (2005), nossa escolha foi não descartar as adjetivações de uma EA
crítica ou conservadora, mas analisar a trajetória da EA em Santarém e suas relações com a
lógica neoliberal. Partimos da premissa de que a educação na atualidade tem carregado as
marcas do capitalismo neoliberal, assim como o próprio campo ambiental, através da noção
do Desenvolvimento Sustentável. Daí que nossa análise tomou como referência as propostas
de instituições que têm desenvolvido a EA em Santarém, cujo alcance chega à rede escolar.
Para isso, nosso ponto de partida foi buscar contextualizar o locus dessas experiências,
enquanto contexto situado geograficamente, mas que também tem uma história política,
econômica e social.
O aparente “rodeio” que nos propomos a fazer para chegar à questão ambiental e
ao objeto em específico, a EA, parte do entendimento de que não podemos ficar apenas no
olhar a realidade, é preciso analisar, buscando a sua totalidade.
Precisamos sair das frases prontas “ame a natureza”, “jogue o lixo no lixo” para
alçar voos mais altos e considerar a possibilidade de que a EA pode constituir-se, sim, um
instrumento de reprodução ideológica para justificar um modo de produção avassalador
(LOUREIRO, 2006). Por outro lado, ela também pode ser uma via de desvelamento das
contradições, sendo, por isso, importante na busca da sustentabilidade na relação homem-
natureza.
Essa perspectiva não é tão fácil de adotar, pois isso implica tomar a EA em sua
dimensão política, sabendo que há fortes indícios de que podemos não “agradar” com as
nossas análises num contexto no qual se prefere exaltar qualquer iniciativa tomada para
“preservar o meio ambiente”. Talvez esteja aí a razão da crítica de Reigota (2008) sobre um
14
certo “silêncio” entre os educadores ambientais2, a respeito dos encaminhamentos da política
econômica brasileira nos últimos anos que, sob a roupagem do desenvolvimento sustentável,
tem levado a cabo grandes projetos que são uma agressão contundente ao meio ambiente.
Apesar de a ideologia do desenvolvimento sustentável, na qual subjaz uma certa
concepção de EA, conter uma crítica generalista ao modelo econômico atual, o que tal
ideologia propõe, no fundo, são “reformas” para corrigir os defeitos da realidade
econômica, compreendida como um sistema cujas partes se interligam. Dessa perspectiva, a
EA serviria para operar parte dessa reforma, a ser feita focando predominantemente mudanças
de valores.
Mèszaros (2005, p.62), ao discutir uma educação para além do capital, não deixa
de assinalar essa índole reformista do capital:
A estratégia reformista de defesa do capitalismo é de fato baseada na
tentativa de postular uma mudança gradual na sociedade através da qual se
removem defeitos específicos, de forma a minar a base sobre a qual as reivindicações de um sistema alternativo possam ser articuladas. Isso é
factível somente numa teoria tendenciosamente fictícia, uma vez que as
soluções preconizadas, as „reformas‟, na prática, são estruturalmente
irrealizáveis dentro de uma estrutura estabelecida de sociedade. [...].
O autor vai contrapor-se a essa visão e afirmar a necessidade de uma
“transformação social emancipadora radical” (Ibidem, p.76), que rompa com a lógica
capitalista e, nessa perspectiva, a educação tem uma tarefa importante e não pode, como ele
diz, “funcionar suspensa no ar”, mas deve estar articulada a tal transformação.
O reconhecimento de que a EA deve promover mudanças já está amplamente
debatido, o que importa saber é que tipo de mudança. Por isso, quando nos propomos a
realizar uma análise que possibilite expor as relações entre o neoliberalismo e a EA, o
fazemos partindo do terreno no qual se movem as propostas de EA disseminadas. Um terreno
que é teórico, conforme anunciado, mas também geográfico, político, e tem uma história que
não pode ser negligenciada.
Assim, o município de Santarém, delimitado para este estudo, deve ser concebido
como parte de uma trama de relações políticas e econômicas vinculadas ao capital, que, por
sua vez, adotou historicamente um modelo de desenvolvimento predatório, sobretudo a partir
2 O autor sustenta que a EA, durante o primeiro governo Lula (2002-2006), teve uma produção teórica balizada
por universidades importantes do País, ao mesmo tempo em que muitos educadores/pesquisadores ambientais, ao
fazerem parte do governo e/ou terem projetos financiados, calaram-se diante de grandes problemas ambientais
que vieram à tona (REIGOTA, 2008).
15
da ditadura militar. É nesse contexto que acreditamos que foi sendo engendrada a EA em
Santarém, sendo inclusive algumas de suas propostas vinculadas, já na década de 1990, a
programas oriundos de acordos internacionais – como é o caso do Programa Piloto para
Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG-7), que financiou alguns projetos
desenvolvidos nessa região, que traziam a EA em seu bojo.
Tal lugar, o município de Santarém, entendido como espaço natural, político,
econômico, onde se mesclam e convivem diferentes culturas, tem sido tomado como
estratégico para o capital nacional e internacional. Isso está expresso na proposta da Iniciativa
para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) e sua carteira de projetos
para o Eixo Amazonas, na instalação de empresas multinacionais como a Cargill, como
corredor de exportação de centro-sul do País através da BR-163 e de hidrovias projetadas pelo
governo federal.
Diante dos cenários desenhados pelo capitalismo neoliberal para a Amazônia e
consequentemente para Santarém, sob o manto do desenvolvimento sustentável, é
fundamental uma EA que permita desvelar as contradições desse modo de produção, além de
contribuir para a construção de alternativas efetivamente sustentáveis. Assim, não basta dizer
como a EA foi encontrando espaços e sendo institucionalizada pelas Organizações Não
Governamentais (ONGs) e pelo poder público. É preciso ir mais longe para responder a uma
questão primordial: há relações da EA com o neoliberalismo em Santarém?
Considerando essa questão norteadora, é importante que anunciemos o caminho
escolhido para respondê-la. Na construção do conhecimento, podemos ter perspectivas
diferentes sobre um mesmo problema, dependendo da opção epistemológica e metodológica
que façamos. Dentre as diferentes análises que a questão ambiental hoje pode suscitar,
percebemos que há pelo menos dois grupos: daqueles que criticam a industrialização e o
consumismo, mas apresentam soluções no interior do próprio capitalismo e outro, daqueles
que defendem a construção de modelos econômicos alternativos, pensados, ou não, a partir do
marxismo.
Demarcamos o segundo grupo como via da nossa análise, entendendo que o
marxismo traz uma contribuição importante para responder à questão central desse trabalho.
Vale, entretanto, observar que, segundo Diegues (1996), existem posições divergentes nessa
corrente, representadas por pensadores como Hobsbawm, Gutlman, Skibberg e Moscovici.
Além desses autores, podemos incluir Michael Löwy, ecossocialista que, na atualidade,
buscou posicionar-se contra a “economia verde” discutida na Rio+20. Assim, adotando um
método para a análise da questão ambiental, acreditamos que o adequado – que possibilita
16
promover diálogo na construção de uma análise crítica da problemática ambiental e
consequentemente da EA, levando em conta seus movimentos e contradições –, é o
materialista histórico-dialético. Tal método propicia analisar como ocorreu a inserção da
questão ambiental na educação, relacionando-a aos diversos contextos político, econômico e
social, resultantes das relações sociais estabelecidas.
Ao escolher como caminho o método do materialismo histórico-dialético,
assumimos considerar na nossa análise alguns elementos essenciais da dialética marxista
expostos por Löwy (2000). O primeiro elemento diz respeito à “hipótese fundamental” de que
na sociedade tudo está em transformação e sujeito ao “fluxo da história”. Com efeito, essa
história é entendida como resultado das ações de homens e mulheres e, por isso, pode ser
transformada. O segundo elemento diz respeito à categoria de “totalidade”, que não significa
estudar toda a realidade, mas implica a “[...] a percepção da realidade social como um todo
orgânico, estruturado, no qual não se pode entender um elemento, um aspecto, uma dimensão,
sem perder a sua relação com o conjunto. [...]” (LÖWY, 2000, p. 16). O terceiro elemento é a
“contradição”, pois é próprio da análise dialética encontrar as contradições que permeiam a
realidade, o que implica dizer que há lutas entre grupos sociais advindos de conflitos
profundos que podem ser até “irreconciliáveis”.
Em se tratando da prática da pesquisa de acordo com o método dialético, Frigotto
(2000, p.88) assinala que tal investigação inicia-se pelo:
[...] resgate crítico da produção teórica ou do conhecimento já produzido
sobre a problemática em jogo”. A partir daí, o objeto poderá ser apreendido
em seus aspectos gerais para proceder a uma análise das suas partes constituintes, mas sempre considerando a totalidade e suas relações
históricas.
A partir desse caminho, temos optado pela pesquisa documental, como instrumento de
coleta de dados na tentativa de apreender, com base nos documentos diversos, o objeto em
estudo. De acordo com Severino (2007, p.122-123), nesse tipo de pesquisa “[...] tem-se como
fonte documentos no sentido amplo, não só documentos impressos, mas também outros tipos,
tais como fotos, filmes, gravações, documentos legais [...]”. É nesse sentido que analisamos,
dentre outros, projetos e planos educacionais, leis municipais, relatórios e cartilhas, jornais,
revistas, além de trabalhos acadêmicos já produzidos sobre o objeto em questão. As principais
instituições investigadas foram: Grupo de Defesa da Amazônia (GDA), Projeto Saúde e
17
Alegria (PSA), Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM); e a Secretaria
Municipal de Educação (SEMED).
Os dados obtidos foram organizados com a finalidade de afirmar a tese de que, no
Município de Santarém, a EA tem relações com o neoliberalismo. Tal afirmação fundamenta-
se nas seguintes constatações: a inserção da EA nas escolas municipais ocorreu via ONGs
que, com as reformas neoliberais, ganharam espaço na área ambiental, assumindo
responsabilidades do Estado; a SEMED inseriu a EA na rede escolar, tendo como uma de suas
propostas a Agenda 21 na Escola, que se configura como desdobramento da Agenda 21
Global calcada na concepção de desenvolvimento sustentável, além de parcerias com
empresas como a Eletronorte, Cargill e Docas do Pará. A análise dos tipos de EA
desenvolvidas indica que há dois tipos predominantes, comum a todas as instituições
investigadas, a conservacionista e a naturalista que, focando mudança de valores e
comportamentos, podem ser apropriadas à lógica neoliberal. Ou seja, no conjunto das
propostas analisadas, a sustentabilidade pretendida não questiona o modo de produção
capitalista como motor da crise ambiental.
A fim de explicitar o raciocínio que conduziu o desenvolvimento desta tese,
estruturamos este texto em quatro capítulos. O primeiro aborda a relação homem/natureza,
discorrendo sobre como essa relação é analisada numa perspectiva histórico-dialética, ao
mesmo tempo em que reporta as bases teórico-metodológicas que adotamos para analisar a
EA.
Posteriormente, partindo de uma breve definição do neoliberalismo, discutimos
suas relações com a questão ambiental para explicitar suas implicações sobre o meio
ambiente, ao trazer vários impactos ambientais e como a discussão ambiental é atravessada
pela lógica capitalista sob a égide do desenvolvimento sustentável. Sendo esse um dos
campos de onde emerge a EA, cabe ainda mostrar como o outro campo, o educacional,
também é afetado pelas reformas consonantes com os parâmetros neoliberais. Assim,
demarcamos, nesse segundo capítulo, o contexto ambiental e educacional de onde emanam as
diretrizes da EA em nível internacional e nacional, demonstrando que há relações entre a EA
e o neoliberalismo.
No terceiro capítulo, analisamos o contexto histórico de Santarém relacionado aos
determinantes de ordem econômica, política e social que engendram a problemática ambiental
local a partir da qual emerge a EA desenvolvida no município. Para fins didáticos, dividimos
esse contexto histórico em três fases: de 1960 a 1980, quando a política econômica do regime
militar, sob viés desenvolvimentista, trouxe sérios problemas ambientais; a segunda fase, a
18
década de 1990, quando o movimento ambiental se popularizou e a Amazônia passou a ser
alvo de cooperação internacional através do PPG7, no âmbito do qual, projetos foram
implantados, inclusive na região de Santarém; e a última fase, a partir dos anos 2000, quando
Santarém se inseriu na articulação do grande capital, principalmente via IIRSA e os projetos a
ela vinculados: produção e exportação da soja, asfaltamento da BR-163, hidrelétrica de São
Luiz do Tapajós, etc. Em cada uma dessas fases históricas, citamos a emergência da EA para,
então, no quarto capítulo, analisar as relações da EA com o neoliberalismo em Santarém.
Procuramos demonstrar que, apesar das peculiaridades, dadas as condições locais de
Santarém, a EA está atrelada à maneira como foi induzida, principalmente em nível
internacional, via Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO) e pelas políticas de EA brasileiras.
Enfim, apesar de a análise que apresentamos indicar o comprometimento da EA com a
lógica capitalista, não podemos deixar de assinalar que propostas alternativas também podem
estar sendo engendradas, muito embora não tenha sido nosso foco trazê-las à tona. No geral,
pelos dados levantados, visualizamos que há um movimento de contestação à maneira como o
desenvolvimento tem sido conduzido na Amazônia.
O que notamos, porém, é que, grosso modo, enquanto, por um lado, temos aquelas
propostas que defendem mudanças buscando o desenvolvimento sustentável tal qual
propalado após a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento
(CNUMAD), realizada em 1992 e que ficou conhecida como Eco-923, por outro lado, temos
propostas que se inserem numa linha de denúncia, que procura expor a farsa que pode
constituir-se essa linha de atuação, seja do Estado ou da iniciativa privada. Assim, podemos
vislumbrar o solo fértil para a emergência de uma EA crítica, que contribua para a construção
de um modelo de desenvolvimento em que as vozes não sejam silenciadas, a apologia ao
capital seja ultrapassada e que a diversidade na Amazônia, seja na floresta e entre a sua gente,
continue a existir.
3 Será essa a denominação que iremos adotar no decorrer do trabalho, ao se referir a essa conferência realizada
no Brasil, visto ser uma expressão mais popularizada de tal evento.
19
CAPÍTULO 1
A QUESTÃO AMBIENTAL: UMA DISCUSSÃO A PARTIR DA RELAÇÃO
HOMEM-NATUREZA
Ao tratar do surgimento da questão ambiental em âmbito internacional,
situaremos esse debate a partir da década de 1970, devido à visibilidade mundial que ganhou
com a Conferência de Estocolmo realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em
1972, que, segundo periodização feita por Oliveira (2011), institucionalizou a questão
ambiental.
Esse autor faz uma exposição que retrocede ao século XII para mostrar exemplos
de problemáticas referentes à questão ambiental, mas destaca que foi após a Segunda Guerra
Mundial que o modelo de desenvolvimento urbano industrial calcado no conhecimento
técnico-científico começou a ser questionado. Assim, na década de 1950, ele afirma que se
iniciou um movimento ambiental científico com algumas referências em documentos da
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), mas foi
na década seguinte que ocorreu a radicalização do movimento, marcado pelo ambientalismo
dos movimentos sociais e das Organizações Não Governamentais (ONGs). Ele menciona que
essas instituições têm uma origem elitizada, cuja composição derivou de oligarquias
familiares da Europa e América do Norte, além de doações de empresas privadas, tendo como
ideal a ser expandido mundialmente a proteção da vida silvestre. Cabe ainda lembrar que foi
nessa década, em 1962, que ocorreu a publicação do livro Primavera Silenciosa de autoria de
Rachel Carson, considerado um clássico da questão ambiental.
Se até a década de 1960, podemos dizer que havia um movimento disperso, de
acordo com Oliveira (Ibidem), a partir de 1970, a questão ambiental foi aglutinada em torno
da gerência da ONU, que passou a realizar sucessivas conferências internacionais. O fruto
dessas conferências tem sido a produção de uma agenda de desenvolvimento que passa a
incluir a preocupação ambiental, calcada em acordos e muitos desacordos, dado o jogo de
interesses políticos que aí se expressam imbricados com outros interesses derivados do setor
econômico. Daí a intensa discussão em torno da viabilidade da sustentabilidade e seus
caminhos possíveis que passam a ser desenhados desde a década de 1970.
Assim, inicialmente, não podemos deixar de assinalar que a discussão que está em
cheque no movimento ambiental, seja qual for sua direção, é a relação homem-natureza e que
20
a análise das consequências dela decorrentes não é nova, embora tenha passado a ser
questionada e a ter visibilidade mundial sobretudo a partir da década de 1980. Segundo Viola
(1996, p. 23), é nesse período que:
[...] a humanidade toma consciência da globalização do risco e da degradação ambiental, que de fato já existia desde a década de 1950 em
função da capacidade destrutiva das armas nucleares e do potencial de contaminação – do ar, da água, solo e cadeias alimentares – por parte da
indústria química e nuclear. [...].
Precisamos, pois, situar como analisamos essa relação homem-natureza,
considerando que ela é dialética e dela provém a construção das condições materiais de
sobrevivência, de artefatos simbólicos e espirituais, configurados naquilo que o marxismo
analisa como estrutura e superestrutura. Sendo a EA o nosso objeto de estudo, não podemos
prescindir dessa discussão, pois o que está no cerne das suas proposições é a construção de
uma relação homem-natureza alternativa à atual. Se se pretende fazer isso, sem afrontar o
modo de produção capitalista, teremos proposições reformistas, mas, se queremos romper
com esse modo de produção, então a mudança precisa ser radical e, neste sentido, a análise
deve caminhar partindo de uma concepção dialética da realidade, que permita desnudar as
contradições ora explícitas, outras vezes não, que permeiam a EA.
1.1 A relação homem-natureza
A nossa premissa inicial é que a crise ambiental na atualidade decorre do modo de
produção capitalista, sendo por isso necessário revisitar Marx e Engels e suas análises sobre o
capitalismo. Mas, fazer isso tornar-se-ia uma tarefa exaustiva, visto que, entre aqueles que já
percorreram esse caminho, há controvérsias a tal ponto, que de acordo com Viola (1987), a
corrente ecossocialista se pauta por um marxismo heterodoxo. Por isso, dados os limites
desta pesquisa, nossa opção foi recorrer a algumas considerações de Michael Lowy, que tem
procurado pensar a questão ambiental a partir de Marx e Engels e, nessa tarefa, nos
arriscamos também em fazer algumas interpretações a partir da obra marxista, ainda que não
seja nosso objetivo aqui estabelecer uma visão de conjunto desta produção a respeito da
questão ambiental.
Desta maneira, se vamos tratar da relação homem-natureza, importante se faz
afirmar que entendemos essa relação numa perspectiva dialética, o que nos permite dizer que
21
não há uma dicotomia entre ambos ou uma cisão dualista, como o querem algumas correntes
ambientalistas, que defendem a mínima intervenção humana nos ecossistemas a serem
preservados, cujo melhor exemplo é a escola da Ecologia Profunda com seu protecionismo
ambiental. Diegues (1996), ao analisar criticamente a política de estabelecimento das
unidades de conservação, faz referência ao modelo norte-americano expresso na criação do
primeiro parque nacional do mundo, o Yellowstone no século XIX, em 1872. Ali não se
admitiu a presença humana, não sendo, portanto, um modelo adequado para o caso brasileiro,
em que temos povos da floresta interagindo e conservando a floresta há anos, embora tal
modelo tenha influenciado, em muito, a criação de reservas florestais nos países de “terceiro
mundo”. (DIEGUES, 1996).
Assim, estabeleçamos algumas categorias que balizaram as nossas análises tendo
como eixo central a dialética materialista histórica. Inicialmente cabe registrar que, para
Sanfelice (2008, p.50), há uma distinção entre a dialética antiga e a que estamos tratando, que
resulta da atitude frente ao princípio da contradição. Na nova dialética, o princípio da
contradição não é analisado da mesma forma, e aceita-se que uma coisa possa
simultaneamente ser e não ser, pois a lógica pela qual se guia não é a lógica formal que
presume a identidade do ser: ou ele é ou não é.
Assim, para o autor citado, se a nova dialética, alicerçada nas obras de Hegel e
Marx, parte de uma lógica da contradição, há ainda uma questão a ser esclarecida, pois o
primeiro parte de uma concepção idealista da realidade e o segundo, de uma concepção
materialista.
A filosofia alemã foi profundamente influenciada pelo pensamento de Hegel e, na
época de Marx, dois grupos que davam prosseguimento às ideias daquele filósofo: uma
formada pelos hegelianos de direita que assumiam os aspectos conservadores da filosofia do
mestre e os hegelianos de esquerda. Foram as ideias desse segundo grupo - que assumia a
perspectiva revolucionária e crítica do pensamento de Hegel - que Marx defendeu, mas
fazendo a crítica: “Nenhum desses filósofos teve a idéia de se perguntar qual era a ligação
entre a filosofia alemã e a realidade alemã, a ligação entre a sua crítica e o seu próprio meio
material”. (MARX E ENGELS, 1998, p.10).
Marx e Engels defendiam então que as condições materiais deveriam estar na base
do entendimento das contradições que se expunham naquele contexto histórico e isso não era
possível dentro da dialética idealista, mesmo reconhecendo a relevância de Hegel ao assumir
a dialética. Ou seja, ele está assumindo a dialética, mas defendendo a sua inversão de idealista
para materialista. E essa posição materialista em Marx e Engels é influência de outro
22
pensador, que participava da esquerda hegeliana, Feuerbach que, ao expressar uma concepção
materialista e naturalista do homem, rompia com a visão idealista de Hegel (ANDERY &
SÉRIO, 1996, p. 402).
Contudo, embora aceitando a tese materialista feuerbachiana, Marx e Engels irão
também tecer críticas a esse pensador, conforme podemos encontrar na introdução da obra “A
Ideologia Alemã” (1998, p. 43): “[...] A „concepção‟ do mundo sensível para Feuerbach
limita-se, por um lado, à simples intuição deste último e, por outro, à simples sensação. Ele
diz „O homem‟ em vez de dizer os „homens históricos reais‟. [...]”. E mais adiante argumenta:
[...] Não vê que o mundo sensível que o cerca não é um objeto dado diretamente, eterno e sempre igual a si mesmo, mas sim o produto da
indústria e do estado da sociedade, no sentido de que é um produto histórico,
o resultado da atividade de toda uma série de gerações, sendo que cada uma delas se alçava sobre os ombros da precedente, aperfeiçoava sua indústria e
seu comércio e modificava seu regime social em função da modificação das
necessidades. [...] (MARX E ENGELS, 1998, p. 43).
Vemos aí que não há uma defesa apenas de se partir das condições concretas de
existência, mas de considerar que tais condições mudam e são produzidas. Se estão dadas, é
porque outros já as produziram, e é neste sentido que natureza e homem mudam
historicamente, frutos de uma relação de unidade dialética.
Por conseguinte, estamos diante de uma nova dialética que, conforme Sanfelice
(2008), reportando-se a Bottomore, pode ser tematizada de três maneiras. Primeiro, enquanto
método, o que significa que ela assume uma via epistêmica, que se pauta por uma maneira
própria de pensar, diferente daquela que estamos habituados na tradição ocidental, guiada pela
lógica formal. Analisar a dialética enquanto método implica pensar a partir da dialética,
porém esse pensar não ocorre no abstrato, pois assim seria mera especulação. Então, se
falamos de uma dialética materialista, temos de considerar ontologicamente uma posição
realista, pois o a priori é o real, o material. Daí a dialética ser considerada enquanto
ontologia, pois não podemos afirmar a partir da ontologia realista que pensamento e realidade
são a mesma coisa. O pensamento é sempre uma representação construída do real, e não um
mero espelho. Neste sentido, o conhecimento tem como ponto de partida o dado empírico,
embora uma consideração importante precise ser feita. Segundo Sanfelice (2008, p.79):
Engels, ao abordar procedimentos adotados por um pensamento metafísico,
é generosamente didático. Esclarece que para o metafísico tudo é objeto de
23
uma investigação isolada, analisando sequencialmente e tomado de forma
fixa.
Contrariamente a essa postura que toma o dado de forma isolada, esse dado deve
ser visto como parte de um conjunto de relações, o que nos leva à terceira via da dialética
marxista que é a relacional. Isso implica dizer, usando uma metáfora citada por Sanfelice
(2008), que não podemos olhar a árvore sem contemplar a floresta, ou seja, ela faz parte de
um conjunto, de tal maneira que somente ao captar a totalidade, iremos compreender a árvore
em si.
Essa metáfora é muito apropriada para pensarmos a temática que nos propomos a
analisar, pois essa perspectiva dialética reclama olhar a constituição da EA no cenário
educacional a partir de condicionantes históricos, sociais e políticos, o que significa, por sua
vez, perguntar sobre o seu papel, considerando as suas relações com o próprio discurso da
sustentabilidade, e deste com o modelo econômico vigente. Assim, podemos enxergar o
conjunto das condições e relações que permitiram a constituição da EA nos últimos anos
vinculada à formação de um debate ambiental que difunde uma determinada concepção da
relação homem-natureza.
Ao fazermos uma análise da questão ambiental na atualidade, levando em
consideração as contribuições de Marx e Engels, nos deteremos mais à frente na análise feita
por Löwy (2014). Este autor não esconde as tensões e contradições de Marx e Engels a
respeito da questão ecológica colocada principalmente por seus críticos ecologistas e observa
que essa não era uma temática central nas suas obras, além do quê, as suas interpretações a
respeito da relação sociedade e natureza podem ter leituras diversas. Essa “ausência” do
debate ambiental na obra marxista, tal qual hoje é discutida, é também mencionada por
Waldman (1992) e Alvater (2006). Este último, na conclusão de um artigo em que discute
alguns dos conceitos fundamentais da teoria marxista relacionados à questão ambiental, diz:
O conceito marxista de relação homem-natureza é muito mais apropriado
que outros conceitos para compreender as contradições e a dinâmica da
relação social entre o ser humano e natureza, quer dizer, da relação entre
economia, a sociedade e o meio ambiente. A principal razão consiste em ver o ser humano trabalhador como alguém que transforma a natureza e,
portanto, está incluído em um metabolismo de natureza-homem que, por um
lado, obedece às leis da natureza quase-eternas e, por outro, está regulado pela dinâmica da formação social capitalista. [...]. (ALVATER, 2006,
p.346).
24
Essa pista é fecunda para pensarmos aquilo que é vital na constituição da
sociedade humana, o trabalho, o que não podemos fazer sem a mediação da natureza. Analisar
dessa forma nos impulsiona a sair de uma visão unidimensional, que enxerga o homem como
um intruso na natureza, como alguém externo a ela e que, portanto, para preservá-la, a ação
humana tem de ser mínima ou inexistente.
O pressuposto inicial é que essa mediação com a natureza se faz dentro de um
modo de produção, atualmente o capitalismo, que na análise de Marx e Engels, esvazia o
próprio sentido do trabalho, exalta a mercadoria, explora o trabalhador e cria a mais-valia.
Neste sentido, o outro elemento a ser aprofundado nessa análise é que o capitalismo também
degrada a natureza pela forma como ela é concebida e apropriada: fonte de matérias-primas
inesgotáveis e destino dos resíduos da produção.
Por isso, concordamos com Alvater (2006) em começar essa análise pela relação
homem-natureza. Não descartamos a discussão dessa relação em outras obras marxistas, mas
nos parece contundente como Marx a expressa nos Manuscritos Econômicos (2004), em que
essa relação é estabelecida de tal maneira, que a natureza pode ser considerada como o “corpo
inorgânico” do ser humano, que produz o humano por meio do trabalho, e isso implica a
transformação da natureza pelo trabalho: “O trabalhador nada pode criar sem a natureza, sem
o mundo exterior sensível (snnilich). Ela é a matéria na qual o seu trabalho se efetiva, na qual
[o trabalho] é ativo [e] por meio da qual [o trabalho] produz. [...]” (MARX, 2004, p.81).
Embora possa parecer, à primeira vista, que a visão de Marx sobre a relação
homem-natureza seja utilitarista, fazemos outra leitura: essa relação é de interdependência,
como ocorre com outros seres da natureza, porém com uma diferença essencial. A
interdependência não ocorre apenas no plano material, de subsistência da vida física,
biológica, mas na construção de uma dimensão peculiar à humanidade, que é a dimensão
espiritual, que inclui os sistemas de valores e a própria educação. Desse modo, a educação -
nosso objeto de estudo -, na sua gênese, já é uma produção intrínseca à existência da natureza:
A vida genérica, tanto no homem como no animal, consiste fisicamente, em primeiro lugar, nisto: que o homem (tal qual o animal) vive da natureza
inorgânica, e quanto mais universal o homem [é] do que o animal, tanto mais universal é o domínio da natureza inorgânica da qual ele vive. Assim como
plantas, animais, pedras, ar, luz etc., formam teoricamente uma parte da
consciência humana, em parte como objetos da ciência natural, em parte como objeto da arte – sua natureza inorgânica, meios de vida espirituais que
ele tem que preparar prioritariamente para a fruição e para digestão –
formam também praticamente uma parte da vida humana e da atividade
humana. Fisicamente o homem vive somente destes produtos da natureza, possam eles aparecer na forma de alimento, aquecimento, vestuário,
25
habitação etc. Praticamente, a universalidade que faz da natureza inteira o
seu corpo inorgânico, tanto na medida em que ela é 1) um meio de vida
imediato, quanto na medida em que ela é o objeto/matéria e o instrumento da sua atividade vital. A natureza é o corpo inorgânico do homem, a saber, a
natureza enquanto ela mesma não é o corpo humano. O homem vive da
natureza significa: a natureza é o seu corpo, com o qual ele tem de ficar num
processo contínuo para não morrer. Que a vida física e mental do homem está interconectada com a natureza não tem outro sentido senão que a
natureza está interconectada consigo mesma, pois o homem é uma parte da
natureza (MARX, 2004, p.84).
Ou seja, a natureza não é necessária apenas porque fornece alimento e a matéria-
prima para construirmos as condições de sobrevivência no planeta. Aqui, a relação com a
natureza também propicia a construção de uma “vida mental”, ou seja, a produção de artefatos
que não estão apenas no plano material, mas no espiritual também. Pode ser apressada aqui a
análise, mas entendemos que isso significa que, ao se relacionar com a natureza, não apenas a
infraestrutura é estabelecida, mas a superestrutura também, ou seja, os valores, as leis, a
educação e podemos ir mais adiante e dizer, uma educação de como deva ser essa relação
entre ser humano e natureza. Se analisarmos, por exemplo, relatos de como ocorre a relação
das populações tradicionais da Amazônia com a natureza, veremos que essa relação se
diferencia daquela encontrada guiada pela lógica capitalista. O respeito pela natureza, o
cuidado para não esgotá-la fazem parte do cotidiano delas, o que não significa que não haja
exploração. Ela existe, mas numa escala diferente.
A questão central aqui é, pois, como será essa relação entre ser humano e
natureza. Historicamente, essa relação tem se expressado nos vários modos de produção, e o
modo de produção atual – o capitalismo – explora como já dito, pela sua voracidade, tanto a
natureza, entendida como “recurso” necessário à produção, quanto o ser humano naquela
atividade que lhe é vital. Dito de outra forma, o ser humano é explorado duplamente.
Afirmamos isso, porque concordamos com Löwy (2014), quando também, ao fazer referência
aos Manuscritos Econômicos, afirma que, em Marx, o ser humano é um ser natural,
inseparável do seu meio. Há uma unidade entre ambos, de tal forma que a exploração da
natureza também é uma exploração do ser humano, porque lhe subtrai aquilo que lhe permite
interagir, criar, transformar através do trabalho. E mais, este trabalho também é objeto de
exploração.
Nesta perspectiva, podemos continuar seguindo a análise de Löwy (Ibidem), ao
fazer uma verdadeira “garimpagem” na produção de Marx e Engels. Feito isso, ele termina
26
mostrando a atualidade da teoria marxista e aponta pistas fecundas para o que seria uma
“ecologia de inspiração marxista”. Antes, porém, ele chama a atenção:
[...] a) os temas ecológicos não ocupam lugar central no dispositivo teórico marxiano; b) os escritos de Marx e Engels sobre a relação entre as
sociedades humanas e a natureza estão longe de serem unívocos, e podem
portanto ser objeto de interpretações diferentes; c) a crítica do capitalismo de Marx e Engels é o fundamento indispensável de uma perspectiva ecológica
radical (LOWY, 2014, p.21-22).
Façamos então alguns apontamentos que podem ser de grande valia para a nossa
análise. Inicialmente, Löwy (Ibidem) cita duas críticas recorrentes sobre essa relação homem-
natureza em Marx e Engels, sendo a primeira a de que há uma concepção humanista neles que
opõe o homem à natureza, devendo esta última ser dominada, conquistada. Ele rebate essa
crítica, afirmando que a dominação a que se referem esses pensadores é quanto ao
“conhecimento das leis da natureza”, além do quê, ele afirma existir um naturalismo evidente
na visão de Marx, ao conceber a unidade entre homem e natureza, como aquela presente na
citação já feita dos Manuscritos Econômicos.
A segunda crítica é a de que Marx e Engels são produtivistas, do que ele discorda
ao dizer que os dois foram aqueles pensadores que mais denunciaram a acumulação capitalista
que pressupõe produzir infinitamente. Ele concorda que, no Prefácio à contribuição à crítica
da economia política, em que se associa o desenvolvimento das forças produtivas ao
progresso, falta uma problematização destas últimas, que podem ser interpretadas como
“neutras”. O que precisaria mudar ou revolucionar seriam as relações de produção que se
constituiriam um empecilho ao desenvolvimento ilimitado dessas forças produtivas.
Segundo Löwy (Ibidem, p. 27): “Parece faltar a Marx e Engels uma noção geral
dos limites naturais ao desenvolvimento das forças produtivas.”. Entretanto, esparsamente nas
suas obras, ele diz ser possível encontrar uma certa “intuição” do poder de devastação de tais
forças, mas que essa linha de análise não foi aprofundada. Ele também comenta que é nas
passagens referentes à agricultura que encontramos algumas pistas de um esboço da
problemática ecológica: “[...] O que encontramos nestes textos é um tipo de teoria da ruptura
do metabolismo entre as sociedades humanas e a natureza, como resultado do produtivismo
capitalista. [...]” (Ibidem). Ele diz que uma rara exposição explícita de Marx entre a relação
devastação ambiental e o capitalismo está em o Capital, quando afirma:
[...] E cada progresso da agricultura capitalista não é só um progresso da arte de saquear o solo, pois cada progresso no aumento da fertilidade por certo
27
período é simultaneamente um progresso na ruína das fontes permanentes
dessa fertilidade. Quanto mais um país como, por exemplo, os Estados
Unidos da América do Norte, se inicia com a grande indústria como fundamento de seu desenvolvimento, tanto mais rápido esse processo de
destruição. Por isso, a produção capitalista só desenvolve a técnica e a
combinação do processo de produção social ao minar simultaneamente as
fontes de toda a riqueza: a terra e o trabalhador” (MARX, Apud LÖWY, 2014, p.29-30).
Para Löwy (Ibidem), essa passagem remete a duas ideias importantes: a de que o
progresso pode levar à devastação do ambiente natural; e a de que em paralelo pode ser
identificada a exploração da natureza e do trabalhador.
O segundo exemplo de devastação da natureza é referente ao desflorestamento
que, segundo sua análise, aparece diversas vezes em O Capital e em Engels, na obra Dialética
da Natureza, na qual são mencionados o desflorestamento e empobrecimento do solo em
Cuba, devido à intensa atividade dos produtores de café espanhóis. Contudo, analisamos que
nesta obra há algumas pistas a mais para pensarmos a questão ambiental.
Primeiro, porque, ao mostrar a diferença entre o uso que os animais e o homem
fazem da natureza, afirma que este último se diferencia por imprimir à Terra o “sêlo de sua
vontade”. Ele explica que a ação humana é planejada visando a um objetivo determinado e,
para tal, transforma o que considera necessário, o que, por conseguinte, implica o domínio da
natureza. Mas, então vem a advertência que soa muito atual:
Mas não nos regozijemos demasiadamente em face dessas vitórias humanas sôbre a Natureza. A cada uma dessas vitórias, ela exerce a sua vingança.
Cada uma delas, na verdade, produz, em primeiro lugar, certas
consequências com que podemos contar; mas, em segundo e terceiro lugares, produz outras muito diferentes não previstas, que quase sempre
anulam as primeiras consequências (ENGELS, 2000, p. 223).
Essa passagem pode até dar margem para uma análise espiritualista da natureza,
personificando-a como vingativa, porém não é isso que Engels está a defender, pois mais à
frente ele mostra vários exemplos de povos que desflorestaram suas terras e tiveram suas
atividades produtivas prejudicadas por não considerarem as consequências de suas práticas.
Interessante que Engels está chamando a atenção para um evento ocorrido em um contexto
em que não havia a escala de destruição que temos atualmente. Ele está se referindo a casos
que podemos considerar isolados, diferente de hoje, em que essa devastação alcançou uma
escala global. O que é patente na sua análise é que não podemos “utilizar” a natureza sem
respeitar seus limites, sem esquecer que também somos parte dela:
28
[...] E assim, somos a cada passo advertidos de que não podemos dominar a
Natureza como um conquistador domina um povo estrangeiro, com alguém situado fora da Natureza; mas sim que lhe pertencemos, com a nossa carne,
nosso sangue, nosso cérebro; que estamos no meio dela; e que todo o nosso
domínio sobre ela consiste na vantagem que levamos sôbre os demais sêres
de poder chegar a conhecer suas leis e aplicá-las corretamente. (ENGELS, 2000, p.224).
Além dessa consciência de que não temos o pleno domínio da natureza, Engels
também discute que os avanços das ciências naturais, no contexto em que ele vive, poderiam
servir para conhecer melhor a natureza e suas leis e não apenas isso, também conhecer as
consequências das nossas intervenções e poder controlá-las.
Seguindo ainda essa análise, ele faz uma observação que falta a muitos na
atualidade, quando se discute a questão ambiental: as consequências da produção não trazem
apenas problemas ecológicos, mas também sociais que são muitas vezes desconsiderados. Por
exemplo, a energia hidrelétrica atualmente é considerada um tipo de energia limpa, porque
não polui como os combustíveis fósseis. Porém, do ponto de vista social, ela é um desastre
que arrasa culturas, modos de vida tradicional, como é o caso daquela produzida na
Amazônia.
Assim, Engels (2000, p.225) considera a importância de se conhecer e “regular”
também as consequências sociais, o que não será possível somente com o conhecimento:
[...] Para isso, será necessária uma completa revolução em nossa maneira de
produzir e, ao mesmo tempo, de tôda ordem social atualmente dominante.
Todos os modos de produção só tiveram por objetivo, até agora, o efeito útil, mas imediato, do trabalho. As demais consequências, que só aparecem mais
tarde, tornando-se evidentes por sua repetição e acumulação gradual, foram
completamente descuidadas.
Voltando a Löwy (2014), podemos encontrar outras pistas que vinculam as ideias,
tanto de Engels como de Marx, ao debate ambiental atual. Pensamos que os exemplos dados
mostram que não há uma ausência, há uma falta de ênfase. Isso, entretanto, não inviabiliza
que, a partir da crítica original feita ao capitalismo, possamos analisar uma problemática atual
como a crise ecológica. É isso que Löwy (Ibidem) procura fazer e pensamos que suas
reflexões podem contribuir para analisar o contexto no qual emerge a EA. Se o que queremos
é uma EA que promova uma mudança na relação homem-natureza, é parcial e frágil tentar
discutir isso sem analisar o que subjaz à problemática ambiental:
29
[...] O crescimento exponencial das agressões ao meio ambiente, a ameaça
crescente de uma ruptura do equilíbrio ecológico configuram um cenário-
catástrofe que põe em questão a própria sobrevivência da vida humana. Confrontamo-nos com uma crise de civilização que exige mudanças radicais
(LÖWY, 2014, p. 43).
Pensamos também que se queremos adotar uma perspectiva de EA crítica no
contexto do movimento ambiental, analisar a crise ambiental sem pensar a relação homem-
natureza fora das premissas do materialismo histórico, corremos o risco de cair nas
armadilhas do capital e criar uma maquiagem para esconder o que está por trás dessa crise
propalada há quase meio século.
Abordando dessa forma, parece que nosso discurso é muito ácido e não
reconhece os avanços acerca da EA nos últimos anos. Mas o que questionamos é que tais
avanços que se deram, sobretudo, a partir do estabelecimento de políticas internacionais e
nacionais, têm sido muito tímidos e essas políticas pouco efetivas diante da gravidade da
problemática em curso, além do quê, há evidências de que elas têm sido gestadas sob
influência do neoliberalismo, que vem para dar novo fôlego ao modelo capitalista a partir da
década de 1980.
1.2 Educação Ambiental e ideologia
Sendo, pois, o nosso objeto a EA, é fundamental inicialmente considerar que ela
emerge nas relações estabelecidas no processo produtivo – que implica uma relação homem-
natureza, como já exposto - e carrega uma concepção de educação que, por sua vez, traz em
seu bojo ideologias muitas vezes contraditórias. Assim, pensamos que o rumo a ser tomado é
também analisar o próprio sentido do que seja a ideologia.
Se o que precisamos, segundo Leff (2004), é da construção de uma nova
racionalidade ambiental e uma mudança de civilização, como diz Löwy (2014), devemos ter
muito claro que isso não é facilmente estabelecido numa sociedade dividida em classes, em
que o domínio do capital não é exercido apenas no terreno material – das relações de
produção-, mas no terreno ideológico, sendo a educação um dos seus veículos.
Neste caso, é importante recorrer a Gramsci (1999, p.320) quando afirma: “[...] A
realização de um aparato hegemônico, enquanto cria um novo terreno ideológico, determina
uma reforma das consciências [...]”. Tomando a afirmação para pensar o nosso objeto – a EA,
que podemos interpretar como um novo terreno ideológico - o que pretende o capitalismo,
enquanto tendo a hegemonia na atualidade, é “reformar” as consciências para uma
30
“conscientização ambiental” que una exploração econômica e sustentabilidade. Mas isso não
é tão simples assim. Vejamos o que significa a categoria ideologia nas palavras de Gramsci
(1999, p. 387):
[...] Para a filosofia da práxis, as ideologias não são de modo algum
arbitrárias; são fatos históricos reais, que devem ser combatidos e revelados
em sua natureza de instrumentos de domínio, não por razões de moralidade etc., mas precisamente por razões de luta política: para tornar os governados
intelectualmente independente dos governantes, para destruir uma
hegemonia e criar uma outra, como momento necessário da subversão da práxis. [...].
Ao se referir às ideologias aqui, o pensador está denunciando o papel que
assumem para a perpetuação da hegemonia de um determinado grupo, porém ela pode perder
sua força, o que possibilita a instauração de outra hegemonia. Desta maneira, o pensamento de
Gramsci abre janelas para olharmos a possibilidade de superação daquilo que está
estabelecido, porque a realidade é mutável, e tal mudança ocorre devido à ação humana, que é
historicamente centrada em um determinado modo de produção, que constitui a estrutura, a
qual, por sua vez, tem uma relação vital com a superestrutura, na qual se incluem as
ideologias, o aparato jurídico, os meios de comunicação, a religião, o senso comum e a
própria filosofia. E neste sentido, valem aqui novamente as palavras de Gramsci (1999,
p.389): “[...] Se os homens adquirem consciência de sua posição social e de seus objetivos no
terreno da superestrutura, isto significa que entre estrutura e superestrutura existe um nexo
necessário e vital. [...]”.
Cabe lembrar que, conforme Liguori (2007), em Gramsci, a luta hegemônica é a
luta de ideologias, em que não se trata apenas de “batalha das ideias”, que são resultantes da
luta de classes. Ela também tem uma materialidade, além do quê, fundamenta tanto a
sociedade civil como o Estado, entendidos estes dois entes como imbricados dialeticamente.
[...] São o resultado da luta hegemônica e do choque entre as classes, mas
também da parcialidade do ponto de vista do ator social e da sua demanda
intrínseca de identidade. Ao mesmo tempo, são organizadas e difundidas,
são articuladas em aparelhos „trincheiras e casamatas‟, são reelaboradas, adaptadas, propagadas, e não só - como Gramsci lembra – pela imprensa,
pelo mundo editorial, pela escola, pelos „círculos e clubes‟ de variados tipos,
mas também pela indústria cultural e, diríamos hoje, pelos mass media, pela enorme expansão da nova dimensão internacionalizada da música, pelo
costume e consumo sexuais (LIGUORI, 2007, p. 95).
31
Vimos aí que o campo de difusão das ideologias é muito amplo e atualmente,
conforme Liguori (2007), tem se expandido mais, o que é compreensível diante das mudanças
sociais e do aparato tecnológico, que permite o alcance massivo das informações.
Pensamos que é importante discutir o que seja a ideologia em Gramsci, para
ascender de uma EA, que é apropriada pelo capital, para uma EA que construa não apenas
valores a respeito de uma nova relação homem-natureza, mas que promova, impulsione
mudanças no plano material, considerando as lutas, os conflitos e não tentando maquiá-los. O
sentido negativo do que seja a ideologia em Gramsci (1999), que pode ser entendida como
engano, máscara que encobre os interesses de dominação de uma classe social e tenta
conciliar o que é inconciliável, é pertinente para analisarmos a relação do neoliberalismo com
a EA. Como aparato ideológico, a EA, apropriada pelo capitalismo, tende a encobrir tais
contradições ao promover uma perspectiva conciliatória para estabelecer o consenso num
terreno marcado por interesses opostos. Enfim, ela tende a ignorar as contradições entre a
sustentabilidade considerada em seus múltiplos aspectos – social, ecológico e econômico
(BRÜSEKE, 1995) – e o crescimento econômico dentro do modo de produção capitalista.
Mas, de tal modo tratada, parece que nos encontramos numa situação imobilista,
em que não há muito a fazer. Sendo assim, precisamos ir à busca do outro sentido do que seja
a ideologia no pensamento gramsciano. Para esse pensador marxista, a própria “filosofia da
práxis” é também uma ideologia, distinta, porém, daquela anteriormente citada, porque “é o
terreno no qual determinados grupos sociais tomam consciência do próprio ser social, da
própria força, das próprias tarefas, do próprio devenir”. Neste sentido, entendemos que a
ideologia tem um sentido positivo, o que nos parece mais claro quando Gramsci (1999, p.
388) afirma:
[...] Existe, porém, uma diferença fundamental entre filosofia da práxis e as
outras filosofias: as outras ideologias são criações inorgânicas porque contraditórias, porque voltadas para a conciliação de interesses opostos e
contraditórios; a sua „historicidade‟ será breve, já que a contradição aflora
após cada evento do qual foram instrumento. A filosofia da práxis, ao contrário, não tende a resolver pacificamente as contradições existentes na
história e na sociedade, ou melhor, ela é a própria teoria de tais contradições;
não é o instrumento de governo de grupos dominantes para obter o
consentimento e exercer a hegemonia sobre as classes subalternas; é a expressão destas classes subalternas, que querem educar a si mesmas na arte
de governo e que têm interesse em conhecer todas as verdades, inclusive as
desagradáveis, e em evitar os enganos (impossíveis) da classe superior, e, ainda mais, de si mesmas.
32
Assim, parece que temos uma pista para superar ou tentar construir uma EA que
não esteja comprometida com a lógica neoliberal, que tem permeado o campo ambiental e o
campo educacional. Mas aí, entendemos que ela precisa ser tomada como educação, no
sentido mais amplo e não apenas como “treinamento” ou “aprendizagem”, como o tem
defendido a UNESCO (2005).
Podemos considerar que, por fazerem parte da superestrutura, do modo produção
atual, guiado por uma prática voraz de devastação, entre as ideologias dominantes há brechas,
há espaços que podem ser tomados e aqui não nos referimos apenas àquela EA que ocorre no
interior da escola. Conforme Gramsci (1999, p.399):
[...] a relação pedagógica não pode ser limitada às relações especificamente
„escolares‟, através das quais as novas gerações entram em contato com as
antigas e absorvem suas experiências e seus valores historicamente necessários, „amadurecendo‟ e desenvolvendo uma personalidade própria,
histórica e culturalmente superior. Esta relação existe em toda a sociedade
no seu conjunto e em todo indivíduo com relação aos outros indivíduos, entre camadas intelectuais e não intelectuais, entre governantes e
governados, entre elites e seguidores, entre dirigentes e dirigidos, entre
vanguardas e corpos de exército. Toda relação de „hegemonia‟ é
necessariamente uma relação pedagógica, que se verifica não apenas no interior de uma nação, entre as diversas forças que a compõem, mas em todo
campo internacional e mundial, entre conjuntos de civilizações nacionais e
continentais.
Essa afirmação é importante, porque embora tenhamos uma EA praticada no
interior da escola, o indivíduo também é afetado pela EA, que está disseminada nos meios de
comunicação, é desenvolvida pelas empresas, enfim, por diversos segmentos sociais.
Portanto, entendemos a educação como um processo histórico que expressa e
atende às necessidades de um modo de produção permeado por contradições, o qual, numa
acepção ampla, é constituído por uma base material que pressupõe uma relação entre os seres
humanos, e entre estes e a natureza na produção dos bens materiais e simbólicos necessários à
manutenção da vida.
Esses esclarecimentos são fundamentais para situar como encaminhamos a nossa
análise no decorrer deste trabalho, pois temos encontrado análises que, no dizer de Gramsci
(1999), são apenas “formalmente dialéticas”, visto que às vezes até se propõem a apontar as
contradições, porém sem mostrar que o fundamento da crise ambiental está na relação
homem-natureza dentro do modo de produção capitalista, e mesmo quando o fazem, fixam-
se em defender uma “reforma do pensamento”, como via para mudar a realidade que
reestabelecerá a harmonia perdida entre homem – sempre genérico – e a natureza. Segundo
33
essas análises, o consenso, o diálogo, a harmonia são viáveis se os instrumentos de gestão
ambiental e governança forem adequadamente empregados. De uma forma geral, é isso que
subjaz e o que se busca nas diretrizes ambientais, em nível internacional e nacional, que dão
fundamento para as políticas de EA.
Feita essa exposição inicial, que procurou situar de onde partimos, podemos
afirmar que a EA, ao assumir a roupagem do desenvolvimento sustentável, por um lado, se
constitui uma ideologia com um caráter mascarador da própria contradição entre crescimento
econômico e sustentabilidade no capitalismo. Por outro lado, é possível considerar a
possiblidade de se forjar uma EA distinta, que exponha tal contradição. Por isso, não podemos
pensar que a EA seja desnecessária, pelo contrário, ela é fundamental para se pensar uma
práxis educativa que contribua para mudanças estruturais na sociedade, ou seja, do próprio
modelo econômico vigente.
Se até aqui tentamos apresentar as bases do caminho que iremos seguir,
considerando que a relação homem-natureza deve ser analisada a partir da dialética
materialista histórica para interpretar o nosso objeto de estudo, falta-nos ainda situar do ponto
de vista histórico como emerge a questão ambiental na atualidade.
1.3 A questão ambiental
Ao tratar do movimento ambiental, Viola (1987) afirma que ele é parcialmente
herdeiro do socialismo, mais especificamente da crítica marxista da “ética utilitarista”, sendo
um movimento sociologicamente complexo que perpassa diferentes fronteiras de classe, sexo,
raça e idade.
Contudo essa pretensa “universalidade” desse movimento a que alude Viola
(Ibidem) esconde interesses contraditórios de uma sociedade, cuja base material é dividida em
classe em primeiro lugar. Por isso, vale aqui o alerta de Waldman (1992, p.07) no sentido de
que não podemos analisar a relação homem natureza a partir da visão de um homem genérico.
Ele afirma que: “[...] Ao lado de uma versão pasteurizada da crise ambiental (ou melhor,
sócio-ambiental), veiculada pela grande imprensa, estão trabalhadores, povos indígenas,
populações camponesas e grupos ecológicos, contestando o aparato de Estado e o poder das
elites”.
Se temos então uma sociedade dividida em classes com interesses divergentes,
torna-se romântico demais tentar resolver problemáticas tão sérias com um simples: “respeite
a natureza”, “ame a natureza” e tantos outros slogans que muitas vezes são colocados em
34
evidências em campanhas publicitárias e até mesmo no interior das escolas. Todos esses
slogans apontam para o homem/mulher enquanto indivíduos e não como classe social. Por
isso, vale ainda a fala do autor:
Ora, é uma descomunal cegueira política falar em desequilíbrio ambiental
apontando-se responsáveis tão indiferenciados quanto „atividade industrial‟,
„homem‟, etc. De que „homem‟ ou „atividade industrial‟, estamos enfim, falando? Em uma sociedade dividida em classes como a nossa, este „homem‟
estaria identificado com o proprietário dos meios de produção ou com o
trabalhador „livre e assalariado‟? Em outras palavras: em uma companhia de
celulose que devasta a floresta, colocaríamos em um mesmo plano o proprietário e o trabalhador, ou seria necessário fazer um „corte social‟ para
melhor identificar o problema? (WALDMAN, 1992, p. 11).
É tendo como ponto de partida esse debate que podemos ascender a uma maneira
completamente diferente de se analisar a problemática ambiental. É essa análise que deve
permear os “conteúdos” da EA. Embora uma EA crítica transcenda o repasse de
conhecimentos e informações, é preciso analisar que visão sustenta as práticas de EA. E neste
sentido não basta teorizar a EA, é necessário que essa teorização tenha uma perspectiva crítica
e isso significa analisar a EA para além do que acontece, seja na escola ou em outros espaços
da sociedade. Como podemos desenvolver uma EA crítica, se não consideramos
preliminarmente a concepção de homem historicamente situado num modo de produção? Isso
implica ver – teoria é isso em parte – de forma diferente a questão ambiental que é o pano de
fundo para a EA.
A “Terra” tomada como sujeito que está ameaçado não é homogênea nem do
ponto de vista ecológico nem do social. Assim, não podemos esperar que as problemáticas
ambientais sejam tomadas da mesma maneira.
Dessa forma, tanto Leff (2000) como Viola (1987) e Waldman (1992)
reconhecem que o movimento ambiental desencadeado nos países desenvolvidos se diferencia
daquele dos países em desenvolvimento, nos quais problemas ambientais são distintos.
Enquanto os primeiros enfatizam principalmente problemas relacionados à poluição e à
degradação de recursos naturais, os países pobres, cujas necessidades bá