Post on 07-Jul-2015
description
Sumário
Prefácio
Introdução
I. Silêncio, som, ruído
II. Propriedades do som
III. Propriedades da música
Coda
Referências
5
7
9
19
17
37
39
Dedico este trabalho à música, uma grande paixão que não pude
perseguir, mas que se manteve acesa em todos os momentos da
minha vida de estudante de arquitetura e que, agora mais que
nunca, seguirá latente ao meu lado.
Ao meu pai, Grilão, grande responsável pela entrada (e perma-
nência) da música em minha vida.
À Carol Portugal, grande amiga, parceira do “trio bossa band”,
pelo incrível apoio, incentivo e redação a quatro mãos.
À Luciana Sabóia, pela confiança e incentivo.
À minha mãe, Pati, pela presença e suporte.
Aos amigos Daniel “Jacaré” e Gabriel “Múmia”, pela enorme ajuda
nas viradas finais.
À Renata, grande amor.
4 5
Prefácio
“Goethe dizia que a Arquitetura
é música congelada,
mas eu creio que é música petrificada;
e as cidades são sinfonias de tempo consumido,
concertos de esquecimento visível.
De lavrar sons e silêncio
sobre ferro, madeira e ar, não digo nada;
talvez falou dos lugares do verbo
em que vivemos, e com isso aludiu
a nós, fábricas de linguagem.
De ruas musicais não se ocupou tampouco,
ainda que por esses rios caminháveis
o homem vá à velhice, ao amor, à noite,
à mesa, à cama,
como uma sonata de carne e osso.”
Homero Aridis
“Música é uma arquitetura de sons”
Saint Saëns
“É preciso fazer cantar o ponto de apoio”
Auguste Perret
“Quando o Tom (Jobim) entra com um acorde dele, parece que
abriram a janela”.
Chico Buarque
“Música e arquitetura florescem no mesmo caule – matemática
sublimada. Em lugar das sistemáticas pautas e intervalos do mú-
sico, o arquiteto possui um sistema modular como arcabouço do
seu desenho. O meu pai, um pregador e professor de música, me
ensinou a ver – a escutar – uma sinfonia como um edifício de sons.”
Frank Lloyd Wright
O objetivo primeiro deste ensaio consiste na busca por analo-
gias (livres) entre música e arquitetura. Essa proposta apresen-
ta, em seu escopo, alguns desafios.
Em primeiro, o fato de o trabalho dirigir-se, fundamentalmente,
a arquitetos e estudantes de arquitetura, um grupo raramente
conhecedor dos conceitos musicais e da problemática que en-
volve a história da música. Havia também a dificuldade de se
encontrar uma forma escrita de dispor os exemplos musicais
e seus significados análogos à arquitetura. Sequenciar concei-
tos musicais para depois analisá-los em longos parágrafos cor-
ridos não parecia a maneira correta de encaminhar o ensaio.
Isso porque, muitas análises são simultâneas: sons e imagens
fundem-se no entendimento dos conceitos apresentados.
Dadas essas dificuldades, senti-me impelido a modificar a for-
ma tradicional de como se apresenta este tipo de trabalho aca-
dêmico. Logo, este prefácio servirá como um guia do leitor, um
breve manual explicativo da forma escolhida para a represen-
tação gráfica deste ensaio teórico. Veremos, a seguir, as princi-
pais características do formato escolhido.
• As duas únicas partes em que os textos sobre arquitetura e
música são desenvolvidos na mesma página são a introdu-
ção e a conclusão (coda);
• Ao longo do desenvolvimento do texto, a música foi posicio-
nada nas páginas ímpares, de cor cinza, e a arquitetura nas
pares, sobre um fundo branco. Dessa maneira, pode-se fazer
uma leitura simultânea sem romper com a integridade das
partes;
• Como o conteúdo musical se mostrava o de maior dificulda-
de de entendimento, foi eleito como guia condutor da leitu-
ra. Assim, todo o texto corrido trata de música, desde os seus
fundamentos até as suas complexidades.
• A parte musical foi cuidadosamente ilustrada pelo Daniel
Correia (o Jacaré), visando um melhor entendimento dos
conceitos apresentados.
• Para facilitar o entendimento dos conceitos apresentados, fo-
ram selecionadas algumas peças musicais conhecidas, além
de algumas faixas do CD didático que acompanha o livro “O
Som e o Sentido”, de José Miguel Wisnik (1989). Todas as mú-
sicas de referência encontram-se em disco anexo – também
disponível para download no endereço eletrônico abaixo:
O disco deve ser ouvido durante a leitura, conforme solici-
tado ao longo do texto, sempre que houver a presença do
seguinte símbolo gráfico:
• Já a arquitetura apresenta suas analogias por meio de uma
sucessão de imagens, sempre ligadas aos conceitos musicais
apresentados nas páginas cinza. As imagens são acompa-
nhadas de questionamentos e indagações, bem como de
curtos parágrafos explicativos, fomentando a base para as
discussões que o ensaio suscita.
http://www.4shared.com/file/107860153/809632d8/
faixa nº_
6 7
Introdução
• Para explicitar o caráter especulativo da seção arquitetônica
do trabalho, optei por escervê-la na primeira pessoa do tem-
po verbal em oposição à parte musical, em terceira pessoa.
Assim, o trabalho configura-se como as minhas, ou nossas
(tive muita ajuda dos amigos) impressões de como a arquite-
tura traduz os conceitos musicais estudados.
• As páginas, em razão de três de altura para um de largura,
foram verticalizadas para que os temas dispostos pudessem
se interseccionar, mesmo que tivessem tamanhos, posições
e formas diferentes. A proporção da página aberta resulta em
dois terços, equivalente a um intervalo de quinta justa (isto
será explicado adiante), o qual, em música, resulta em uma
forte sensação de dinamismo, análoga à forma de leitura pro-
posta para o texto.
Por fim, cabe dizer que a ideia central do trabalho foi criar um
amplo panorama musical que fornecesse as bases para o livre
debate. A presença da arquitetura é sugestiva, deve ser toma-
da como um ponto de partida para reflexões mais amplas que
não caberiam nestas páginas. O ensaio é música arquitetada,
arquitetura musical. É um espaço para possíveis analogias.
O espaço da tradução
Seria difícil discorrer sobre as possíveis interseções existentes
entre arquitetura e as demais artes num contexto tão breve
como este que aqui se apresenta. Porém, num panorama geral,
cabe admitir a existência de linguagens comuns inerentes às
diversas artes. Conceitos geralmente atribuídos a determinada
arte podem ser igualmente aplicáveis a outra. Por exemplo, o
ritmo, usualmente reconhecido como próprio da música, tam-
bém é aplicado à dança, pintura, escultura, literatura, arquite-
tura e ao cinema.
Neste ensaio, busca-se o reconhecimento da interseção exis-
tente entre a linguagem musical e a arquitetônica. O objetivo
é elencar possíveis diálogos e situar sumariamente o leitor no
valioso contexto em que se situam as conexões entre as duas
artes. Para tanto, a ferramenta utilizada será a análise do voca-
bulário musical e arquitetônico, identificando possíveis tradu-
ções conceituais entre eles1.
A forma proposta para a realização deste intercâmbio entre as
duas artes foi a utilização da música como ponto de partida.
Isso porque, em geral, a literatura básica para o estudo das ar-
tes raramente contempla a história da música em seu escopo,
o que impossibilita o entendimento do assunto para a maioria
dos estudantes de arquitetura. Assim, a música fornecerá os
conceitos a serem discutidos, tais como ritmo, estrutura, har-
monia, proporção, métrica, escala, altura, tonalidade, intensida-
de e volume, buscando-se seus paralelos na arquitetura.
Neste contexto, os termos originários do vocabulário musical
poderão, de alguma maneira, traduzir um conteúdo temporal
para um espacial, e vice-versa. Isso virá a fomentar as analogias
entre a música, arte dos tempos, e a arquitetura, arte dos es-
paços. Contudo, não se pode ater-se a definições sumárias ao
abordar os conceitos de artes tão amplas e complexas, uma
vez que espaço e tempo conformam um todo complexo na
percepção de ambas. Isso porque a música se propaga no es-
paço e a arquitetura se percorre ao longo do tempo, numa in-
dissociável relação espaço-temporal.
Acredita-se que na análise dos conceitos musicais e na com-
preensão dos significados inerentes às características específi-
cas do som, no que tange à própria origem e história da mú-
sica, pode-se contribuir para a identificação de propriedades
igualmente importantes para a arquitetura.
1. Em sua tese de mestrado, entitulada ”A Incompletude da Construtura: Um Espaço da Tradução em Arquitetura”, Breno Luiz Thadeu da Silva (2001) nos mostra como a ferramenta da tradução pode ser compreendida num campo mais amplo entre as artes. A ideia central é de que o campo arquitetônico “traduz elementos de outros campos para sua consistência”.
faixa nº1
8 arq 9
mus
I. Silêncio, som e ruído
“Nenhum som teme o silêncio que o extingue”
John Cage
Não há como se tratar de música sem conhecer os conceitos
de som e silêncio. Pode-se dizer que, basicamente, o silêncio é o espaço em que se propagam os sons. Nesse sentido, ope-
ra como plano de fundo na composição musical. O som fica
sendo o personagem principal com o qual a música preenche
seus espaços.
Porém, dadas as características físicas do som – ondas pulsantes
que alternam momentos de presença e ausência – também
resulta ser o silêncio um componente integrante do fenôme-
no sonoro. Isto faz dele, na música, mais que o não-som que separa dois sons. De fato, certas séries musicais são definidas
pela sua incorporação – som-silêncio-som-silêncio-..., situação
em que o silêncio obrigatório fica integrado conceitualmente
ao próprio som.
O sons são extraídos do mundo físico, adotados pelas cultu-ras. Destacam-se do universo ruidoso do qual são originários.
Cada cultura escolhe, dentre a variada gama de possibilidades
oferecidas pelo não-silêncio, quais ruídos serão considerados
sons e quais sons serão considerados ruídos. Assim, ruído fica
sendo o som desprezado, aquele tido como desorganizador,
interferente, caótico. E o som torna-se ordem aceita.
Desde sua origem, a música se relaciona com esta essencial
oposição entre som e ruído e as múltiplas maneiras de se dis-
porem ao ocupar o silêncio.
� possibilidades de silêncio
1. silêncio como plano de fundo
Podemos considerar como silên-
cio aquele plano que define os
objetos, uma cenário vazio onde
se insere a figura arquitetônica.
2. silêncio como vazio
Deste modo, entederemos o silêncio a partir de 3 conceitos:
a. vazio-ausência
b. vazio-definidor
c. vazio-potencial
� som x ruído
3. ordem x caos
Uma primeira definição
pode nos parecer sumária,
mas o ruído como caos,
como aquilo que desorga-
niza, parece ser a acepção
mais aceita.
4. seleção cultural dos sons
O que seleciona um espaço, ou uma forma, em detrimento
de outra? Os ruídos são retirados e recolocados nas culturas.
som som som som som som
Piscinas das marés, Álvaro Siza: muros silenciosos antes da chegada ao mar
Palazzo Chiericati - Bertotti Scamozzi, o vão entre as colunas e a parede define os elementos arquitetônicos
Templo da água, Tadao Ando: espelho d’água silencia, sendo apenas vazado pela escada de acesso
Porta Pálio, Micheli Sanmicheli, as colunas são fundidas às paredes, tornando-se um sólido
Silêncios alternados contribuem na definição dos sons
Pirâmides do Egito
Faculdade de Arquitetura da USP, de Vilanova Artigas, átrio interno, apesar de normalmente vazio, possui um grande potencial de ocupação
Cidade de Barcelona x favela no Rio de Janeiro
Duas portas de épocas diferentes, duas varandas diferentes. Som-ruído? Pra quem?
faixa nº2
10 arq 11
mus
II. Propriedades do som
Som e onda sonora
O som se propaga no espaço por meio de sequências rapidís-
simas de impulsos e repousos, configurando ondas sonoras,
um fenômeno de natureza física. A essência do pulso sonoro
é a densificação do movimento oscilatório que alterna entre
ataques e refluxos sucessivos. A senoide, curva matemática
que descreve o movimento ideal do som, caracteriza-se justa-
mente por essa oscilação contínua, pela alternância de presen-
ças e ausências propagadas pelo ar.
São três os atributos fundamentais da onda sonora:
• Amplitude – é a dimensão tomada do eixo neutro da onda
à sua parte mais alta ou mais baixa. É a principal responsável
pela sensação de intensidade do som, termo popularmen-
te conhecido como volume ou altura. É comum o incômo-
do causado por um carro com som alto ao passar próximo
a uma janela, fazendo literalmente tremer as paredes. O que
torna uma onda sonora mais intensa que a outra é a quanti-
dade de energia que se emprega na fonte da sua propaga-
ção. Quanto mais forte o puxar das cordas de um violão, mais
intenso sairá seu som.
• Frequência – é o número de pulsos por segundo, medidos
em Hertz. As frequências variam dos sons graves ou mais
baixos aos sons agudos ou mais altos. Cabe esclarecer que
a altura é, no meio musical, o termo mais aceito para indicar
nossa percepção da frequência do som, diferenciando-se da
altura usualmente atribuída à sua intensidade (ou volume). O
que chamamos de notas musicais, não é nada mais do que
sons de altura definida.
• Duração – é o tempo de permanência da onda sonora, de-
finindo se um som é longo ou breve. É a principal proprie-
dade responsável pela noção de ritmo na música.
� pulso: ondaA manifestação do som são
onda pulsantes. Como pulsam
as ondas da arquitetura?
1. Amplitude
Encontramos um jogo de forças na arquitetura, agindo contra
a gravidade. Mas podemos identificar também outras forças
em jogo, como a das intensidades. Certas arquiteturas mar-
cam presença, impactantes, outras são mais discretas.
2. Frequência
As ondas graves são mais esticadas, arraigadas ao solo, en-
quanto as agudas, mais altas, são mais ligadas aos céus. Ha-
verão jogos de graves e agudos na arquitetura?
3. Duração
Mas a arquitetura perdura no tempo e vira ruína. Mas será
que, assim como as notas musicais duram no tempo, uma
colunata clássica tem uma duração finita no espaço? Quão
longo é um túnel? Em quantos minutos chega o trem?
Som forte, som fraco: amplitude da onda sonora
Frequência da onda sonora, determina se um som é grave ou agudo
Som breve, som longo: durações da onda sonora
faixa nº3
Igreja em Atlantida, Eladio Dieste: o pulso da parede de tijolos .
Aeroporto Barcelona, Richard Rogers: forro pulsante
Acima o Centro Pompidou, de Rogers e Piano sua forte implantação modificou o bairro de Paris onde se localiza.
Ao lado, a casa hemisférica, de Frank Lloyd Wright, com um suave aterro, a residência se camufla sutilmente no solo.
A Catedral de Santa Sofia, em Istambul, apresenta uma sólida massa grave, cincundada por picos agudos
Vila operária, Lúcio Costa: onda de volumes
13
mus
Série harmônica e a harmonia das esferas
Uma vez determinados os atributos básicos das ondas sono-
ras, deve-se lembrar que este som puro, gerado por uma única
onda sinusoidal (aquela definida por uma senoide simples) só
pode ser obtido em meios laboratoriais, não coincidindo com
os sons geralmente encontrados no mundo da música. Na re-
alidade, as ondas sonoras apresentam-se como intrincadas redes de ondas de diferentes formas e alturas que, sobrepos-tas, definem um único som perceptível, com a predominância
de sua frequência mais lenta e grave.
Este espectro de ondas é conhecido como série harmônica,
a única sequência natural de alturas musicais inerente ao fenô-
meno acústico. Um dos primeiros pensadores a estudar ampla-
mente as relações e proporções entre alturas musicais e a série
harmônica foi Pitágoras, por volta de 400 a.C. Ele desenvolveu
um instrumento denominado monocórdio em que uma tra-
ve móvel percorria uma corda fixa em dois pontos, tornando
possível sua subdivisão em frações definidas. Por meio deste
aparelho captava-se uma frequência básica e em seguida seus
harmônicos, descobrindo as razões existentes entre eles. Esta
descoberta o encantou de tal maneira que ele e seus discí-
pulos passaram a acreditar na existência de uma harmonia universal, extensiva ao cosmos, dada pela consonância de
vibrações múltiplas emitidas pelos corpos, incluindo os corpos
celestes – cada planeta conhecido era associado a uma nota
da escala natural. Essa “Harmonia das Esferas” seria o princípio
que nortearia as proporções e interações entre as partes e o
todo universal. José Miguel Wisnik (1989) nos mostra os efeitos
deste princípio:
“Pitágoras foi quem primeiro formulou, na tradição do ocidente,
o caráter numérico e harmônico das formações sonoras. (...) A
descoberta dessa ordem numérica inerente ao som teve largas
consequências para a edificação da metafísica ocidental, pois a
analogia entre a sensação do som e a sua numerologia implícita
contribuiu fortemente para a formulação de um universo cons-
tituído de esferas analógicas, de escalas de correspondência em
todas as ordens, extensivas, por exemplo às relações entre som,
número e astros (o que fará da astrologia e da
música, junto com a aritmética e a geometria,
as disciplinas básicas de uma cosmolo-
gia de larga duração e influên-
cia, pois, já citadas em Platão,
atravessarão juntas a Idade
Média na forma de quadrí-
vium, vigorando até o
renascimento).”
� intrincadas redes de ondasa arquitetura também pode ser considerada como uma so-
breposição de complexidades?
Um muro de pedra, quando visto de perto, apresenta-se des-
contínuo, dado a forma diferenciada de cada pedra. Apenas
quando visto de uma certa distância, percebemos sua forma.
São as micro irregularidades que definem a regularidade de
sua forma num contexto macro.
� um principio universalO modelo musical do mundo atravessa a história, tomado
como ideal, prototípico. Muitos foram os arquitetos a se utli-
zarem das proporções musicais em objetos arquitetônicos.
Alberti, em seu tratado de arquitetura, propõe que a arqui-
tetura atinja a concinnitas – correta conexão entre número,
proporção e posição – por meio do uso de proporções mate-
máticas, aplicáveis a pequenas, médias e grandes áreas.
François Blondel e seu colega músico René Ouvrard também
foram entusiastas da analogia entre arquitetura e música e
acreditavam que os intervalos músicais deveriam fornecer as
razões matemáticas que determinariam as proporções arqui-
tetônicas. Sua série de retângulos serviriam como referência
para a composição de plantas, elevações e até de detalhes
arquitetônicos.
Quadrado
Pequenas áreas Áreas intermediárias Grandes áreas
1:1Dupla sesquialtera
Dupla sesquitertia
Quádruplo
2:3
1:2
4:9Sesquialtera Sesquialtera dobrada
Sesquialtera dobradaSesquitertia
Quadrado dobrado1:3
3:8
1:49:163:4
Unissono11
Oitava21
Terçamenor
65
Terçamaior
54
Quarta43
Quinta32
Sextamenor
85
Sextamaior
53
Pitágoras e a “Harmonia das Esferas”
Onda sonora real: uma intrincada rede de ondas sobrepostas
faixa nº4
Pavilhão Finlandês, de Alvar Aalto.
As proporções harmônicas propostas por Blondel, aplicáveis em todas as circunstâncias de projeto, até mesmo na base de uma coluna clássica.
14 arq 15
mus
Seleção dos tons musicais
Há diversas maneiras de se subdividir campo das alturas mu-
sicais, considerando-se uma faixa de frequências audíveis, que
vai 15 a 15 mil hertz. De alguma maneira, a definição do que
se conhece por notas musicais passa por um processo milenar,
o qual funciona como um filtro, escolhendo as alturas mais
aceitas em cada cultura e excluindo as demais.
Sumariamente, a definição de
uma série básica de notas passa
pela subdivisão da oitava – dis-
tância entre uma nota e sua igual
mais aguda, ou seja, com o dobro
de sua frequência. Para salientar as
diferenças entre as escalas musi-
cais das diversas culturas, basta
notar que no Japão e em muitas
regiões do mundo antigo, a oi-
tava era dividida em 5 notas, no
mundo ocidental em 12, na índia
em 22 e no mundo árabe em 24
notas.
Atendo-se às notas como foram definidas no mundo ociden-
tal, observa-se que a definição das série de doze sons teve
grande relação com a descoberta da série harmônica inerente
ao fenômeno sonoro, além, é claro, das influências culturais.
A partir das razões matemáticas descobertas entre um primei-
ro som e seus demais harmônicos e observando o grau de consonância entre eles – isso é, o quanto as notas se fundem
quando tocadas juntas – pôde-se organizar os sons que viriam
a compor a escala natural – dó, ré, mi, fá, sol, lá, si (teclas bran-
cas do piano) – assim como suas intermediárias, ditas bemóis,
simbolizados por um “b” estilizado, ou sustenidos, simbolizados
pelo sinal “#” (teclas negras). Assim, tem-se o fracionamento da
oitava em unidades menores conhecidas como tons e suas
metades, os semitons – importante lembrar que, por razões
matemáticas que não vale aqui elencar, esses tons e semitons
não eram originalmente uniformes, ou seja, variavam sutilmen-
te em tamanho conforme as notas.
No século XVIII, J. S. Bach defendeu a reclassificação e uniformi-
zação das distâncias entre as notas musicais, o que foi chama-
do de sistema temperado de afinação. O compositor alemão
demonstrou o funcionamento desse sistema em sua obra de-
nominada “O Cravo Bem Temperado”, composta por dois paco-
� o espaço delimitávelAssim como na música, em que um espaço acústico é subdi-
vidido em alturas e durações musicais, a arquitetura também
possui um amplo espaço a ser delimitado.
� diversidade culturalObservamos abaixo as diversas formas como as culturas se-
lecionam os elementos compositivos das diferentes arqui-
teturas. A música, a arquitetura, as artes em geral, possuem
maneiras específicas de tratar os seus elementos em cada
cultura, num contexto de grande riqueza.
� fenômeno sonoro, fenômeno físicoA descoberta de um fenômeno acústico inerente às ondas
sonoras iria definir as notas musicais que conhecemos hoje.
Podemos dizer que o fenômeno que determina as relações
entre as partes de uma construção e o mundo físico é a gravi-
dade. Em primeira instância, a arquitetura teve que descobrir
suas estruturas, os arquétipos que definiriam suas relações
com o mundo.
Divisão de uma corda em seus harmônicos
Violão e cítara: o número de notas varia em cada cultura
faixa nº5
deserto, espaço vazio, potencial, delimitável
palácios na Índia, China, França, Rússia. Diferenças culturais.
Acima, Stone Henge, período neolítico. Abaixo, arquitrave grego e arco pleno romano.
16 arq 17
mus
tes de 24 peças, cada uma em
uma das tonalidades maiores e
menores. Com isso, evidenciou
a possibilidade de se transpor
as músicas de uma escala tonal
para outra, recurso conhecido
como modulação.
Já no século XX, o compositor francês Pierre Schaeffer, após
intensa pesquisa dos recursos sonoros advindos das novas
possibilidades fornecidas pela eletrônica, escreve uma obra, o
“Tratado dos Objetos Sonoros”, que se tornaria referência capital
para novas propostas musicais. Basicamente, o tratado deflagra
as manipulações mais genéricas do som, possibilitando o uso
intensivo de uma infinidade de outros sons/ruídos, que não as
notas musicais tradicionais.
Série harmônica e timbre
A série harmônica expressa a complexidade das ondas sonoras.
A aparente dificuldade de compreensão do seu significado é
facilitada quando se trata do conceito de timbre. Na música, o
timbre pode ser definido como a característica específica do
som emitido pelas diferentes fontes sonoras e está intimamen-
te ligado à série harmônica. Ao emitir uma nota lá, um instru-
mento musical propagará, além desta frequência fundamental,
uma série de outras frequências, todas encontradas na série
harmônica. Outro instrumento emitirá o lá juntamente com
outras frequências harmônicas da mesma série. O que faz o lá
do primeiro instrumento soar diferente do lá do segundo, são
justamente os diferentes harmônicos emitidos por um e por
outro. Essa propriedade é conhecida como timbre.
Muitos livros de teoria da música definem o timbre como a cor
do som, ou como sua textura. Também associa-se à luminosi-
dade e reflexibilidade: um som claro, brilhante, um som escuro,
um som opaco. Todas essas propriedades derivam da seletivi-
dade dos sons dentro da série harmônica, assim como as cores
são selecionadas dentro de um espectro luminoso.
Encontra-se aqui um primeiro aspecto preponderante na
composição musical: uma vez que os timbres são variados e
denotam sinestesias diversas – claro/escuro, brilhoso/opaco,
aveludado/metálico – tornam-se matéria expressiva de grande
destaque na música. Especialmente nos períodos moderno e
contemporâneo, a timbrística, que por analogia é também de-
nominada colorística, assume muitas vezes um papel central
na busca por novas percepções e espacialidades.
� modulaçãoNa arquitetura, costuma ser definida como a arte de compor
as partes com relação ao todo, tendo por base um “arcabou-
ço geométrico”.
� novas possibilidades técnicasO século XX herdou da revolução industrial uma ampla gama
de possibilidades técnicas ainda não exploradas a fundo. Na
música, foram defendidos os recursos eletrônicos para a bus-
ca de novos sons/ruídos. Na arquitetura, Le Corbusier cha-
mou atenção para a engenharia dos navios, em seus sistemas
precisos e funcionais.
� timbre / texturaA melhor analogia que encontramos para o conceito de
timbre em arquitetura é nas texturas dos materias. Há uma
relação direta entre as duas coisas: os diferentes materiais,
aplicados aos instrumentos, geram diferentes sons.
Lá
Lá
Dois possíveis lás, uma forma de representação do timbre
Bach e o cravo bem temperado
faixa nº6
faixa nº7
faixa nº8
Modulação da fachada do Parthenon, Grécia.
Croquis de Corbusier sobre os navios e a influência que deveriam exercer.
Pedras, metais e madeiras: seriam diferentes timbres?
18 arq 19
mus
III. Propriedades da música
Estudadas as propriedades do som e definidas as notas musi-
cais, cabe agora examinar alguns conceitos e atributos espe-
cíficos da música. Para tanto, é oportuna a didática versão de
Eustáquio Grilo (2001) disposta em sua ainda não publicada
“Introdução à Morfologia Musical”, material gentilmente cedi-
do para a realização deste ensaio.
“O músico, no fazer de sua obra, conjuga essencialmente 5 ver-
bos. Podemos separar o primeiro, que é o verbo “escolher” e então
afirmar que o músico, com os sons que escolhe, realiza quatro
operações essenciais:
1. Encadeia sons. Isto significa: faz ouvir um após outro.
2. Sobrepõe sons. Isto significa: faz ouvir dois ou mais
sons simultaneamente.
3. Encadeia sons sobrepostos.
4. Sobrepõe sons encadeados.
Se os sons utilizados são as notas musicais (a maior parte da
música que ouvimos não é feita só de notas musicais), temos as
seguintes definições:
Um sequência de notas encadeadas se chama MELODIA. Cha-
maremos assim toda sequência de notas, mesmo que sejam
consideradas estranhas, difíceis ou mesmo feias. Uma série do-
decafônica, mesmo que em nada se pareça com uma melodia
clássica ou romântica, para efeito deste trabalho, será definida
como melodia, desde que executada sequencialmente.
Um conjunto de três ou mais notas executadas simultaneamen-
te chama-se ACORDE. Também não importa se é considerado
bonito, feio ou esquisito.
Um conjunto de duas notas, independente de como sejam exe-
cutadas chama-se INTERVALO.
Duas notas apenas, mesmo executadas simultaneamente, não
geram o efeito auditivo que chamamos de acorde, efeito este
que começa a ser perceptível a partir da perda de individualida-
de das notas, em favor daquela sensação que podemos chamar
de “massa sonora”.
A sobreposição de duas ou mais melodias chama-se CONTRA-
PONTO.
O encadeamento de certo número de acordes chama-se HAR-
MONIA.”
� o fazer da arquiteturaPodemos fazer uma analogia do fazer com a proposta de Gri-
lo (2001), baseando a análise na conjugação dos 5 verbos.
Sendo assim, o primeiro será escolher, mas escolher o que?
Formas e funções, talvez.
Desse modo, teremos que desenvolver duas analogias para-
lelas, uma para formas, outra pra funções, depois poderemos
entrecruzá-las.
Quanto ao verbo encadear, poderemos classificá-lo como
uma categoria eminentemente temporal, dado o modo
como se desenvolve na música. Já o verbo sobrepor é es-
pacial por excelência, podemos sobrepor tanto na vertical
como na horizontal. É a parte tridimensional. De fato, quando
o músico sobrepõe sons de um instrumento atinge o espa-
ço bidimensional, o som ganha “corpo”. Quando sobrepõe os
instrumentos em uma orquestra, com múltiplas vozes con-
juntas, atinge outra dimensão, a profundidade.
Assim, temos:
Esco
lher
(vont
ade)
Sobr
epor
(esp
aço)
Enca
dear
(tem
po)
Funções(caráter prático)
Formas(caráter estético)
sistema formalprograma de necessidades
composiçãozoneamento
percursosfluxograma
Após esta etapa inicial, fazemos os cruzamentos:
Esta análise, mesmo que nem sempre verificável na prática
profissional, demontra a relação circular e dialética que os
arquitetos compõe seus projetos. Além disso, evidencia a
relação do tempo e do espaço com as obras musicais e ar-
quitetônicas.
Sobrepor funçõesx
xx
=
=(�uxograma)
Encadear funções(zoneamento)
Sobrepor formas(percursos)
Organo�uxograma
Partido formalProjeto arquitetônico
Encadear formas(composição)
faixa nº9
20 arq 21
mus
Melodia e escalas
Segundo Grilo (2001), uma melodia é uma sequência de
notas encadeadas. Um canto gregoriano, uma série dode-
cafônica, um solo de Miles Davis, são exemplos de melodias.
Usualmente, as melodias referem-se às alturas musicais, leia-se
notas, e são compostas em variações dentro de séries defini-
das, conhecidas como escalas. A escala, como propõe Wisnik
(1989), é uma reserva mínima de notas, enquanto as melodias
são combinações variadas dentro desta reserva.
Assim como ocorre na história da seleção dos sons, as escalas
também são afinadas pelas culturas. Uma das mais antigas
é a pentatônica, ou escala de 5 tons. Por ser muito consonante,
ou seja, por haver um alto grau de fusão entre as ondas sonoras
que a compõe, a pentatônica foi amplamente difundida entre
várias culturas, especialmente no Japão e na China, sendo até
hoje utilizada na composição das mais diversas melodias.
Na Grécia antiga, as escalas eram compostas de 7 notas (es-
cala diatônica), sequenciadas de maneira distinta em cada re-
gião do país. Hoje, conhece-se estas diferentes escalas como
modos gregos. Por exemplo, na Grécia antiga, o modo Dórico
continha as 7 notas dispostas descendentemente de mi a mi;
o Frígio, de ré a ré; o Jônico, de dó a dó, o Eólio, de lá a lá, etc.
Entre estes, dois modos foram consagrados na música erudita
tradicional: o modo Jônico define o que se conhece hoje por
escala maior; por sua vez, o modo Eólio, fica conhecido como
escala menor.
O que torna os modos gregos distintos uns dos outros é o di-
ferente posicionamento dos tons e semitons em seu interior
– enquanto o modo Jônico apresenta uma sequência tom-
tom-semitom-tom-tom-tom-semitom, o Eólio apresenta outra
variação, tom-semitom-tom-tom-semitom-tom-tom, ambos
considerados ascendentemente. Note-se que a diferença en-
tre as duas séries está na posição dos dois semitons presentes
na série de 7 notas.
Vale citar outras escalas mais utilizadas nas composições mo-
dernas, como exemplos das múltiplas possibilidades que se
tem ao sequenciar notas musicais. A escala de tons inteiros,
muito utilizada por Debussy no final do século XIX, divide a
oitava em 6 partes iguais – dó-ré-mi-fá#-sol#-lá#-dó, por exem-
plo. O interessante desta escala é o fato de possuir muitas
� melodias, melodiasVimos que melodias são sequências de notas musicais. Sa-
bemos assim, que tratam de sons ao longo do tempo. Po-
rém, também costumam ter a notação de música horizontal,
tomando-se o tempo como o eixo x de um gráfico. Assim,
traduzidas para arquitetura, as melodias podem também
aparecer de duas maneiras:
1. melodia bidimensional
Um comparativo entre as colunas do Palácio do Itamaraty,
em Brasília, com as da Editora Mondadori, em Milão, ambos
projetos de Oscar Niemeyer, pode explicitar as diferenças en-
tre sequencias de sons iguais (ritmo), e diferentes, melodia.
2. melodia tridimensional
Um percurso é uma sequencia de espaços, e pode também
ser melódico. A Acrópole grega é um exemplo disso, pois
nela o percurso tem um papel fundamental, revelando gra-
dualmente os espaços externos e os monumentos, em uma
escala gradativa até o seu ápice, o Pathernon.
� modos gregosFalando de Grécia antiga, é
curioso observar que tanto
seus modos musicais quanto
os arquitetônicos perduraram
hoje em dia. Isso talvez seja re-
sultado dos significados que
carregavam seus modos e es-
tilos, não somente uma forma
de se fazer, mas uma forma de
se pensar a arte.
escala pentatônica escala diatônica
escala de tons inteiros escala cromática
A escada: uma forma usual de representação da escala musical
faixa nº10
faixa nº11
Itamaraty - ritmo bem marcadoMondadori - melodia ritmada
A acrópole, uma arquitetura do percurso, melodia espacial
Alguns modos de colunas gregas
22 arq 23
mus
dissonâncias em sua estrutura, em especial
um trítono a cada três notas consecutivas.
O trítono é o intervalo de três tons inteiros e
foi conhecido na Idade Média como diabolus in musica, dado seu forte efeito dissonante.
Outra escala a ser considerada é a cromática, de 12 sons, a qual
se apresenta baseada na simples sucessão de semitons – dó-
dó#-ré-ré#-mi-fá-fá#-sol-sol#-lá-lá#-si-dó. Desta escala derivam
as séries dodecafônicas, teorizadas por Schoenberg no iní-
cio do século XX. Cada uma delas é tão simplesmente uma per-
mutação matemática das doze notas.
Atualmente são as amplas opções compositivas abertas pela
música moderna e também pela larga difusão dos diversos
tipos de escalas em diferentes contextos. O uso das escalas
musicais na criação das melodias tornou-se livre de padrões
rígidos e repleto de recursos criativos, abrindo espaço para o
reinventar das séries de notas, em inúmeras possibilidades e
improvisos.
Intervalos e harmonia
Voltando a definição fornecida por Grilo (2001), intervalos
são conjuntos de duas notas, independentemente da maneira
como são executadas. Por analogia, costuma-se dizer, também,
que o intervalo é o vão entre duas notas.
Pode-se classificar um intervalo de acordo com a sensação de
concordância/discordância entre as vibrações produzidas
por suas notas. Denota-se consonante, aquele intervalo que se
apresenta íntegro, ou fundido, onde as ondas sonoras coinci-
dem frequentemente em espaços uniformes. Dissonante é o
intervalo cujas pulsações coincidem menos vezes, soando se-
paradas umas das outras. De um modo geral, considera-se o
som de um intervalo dissonante instável, repleto de tensão,
enquanto o som consonante gera sensação de estabilidade
e repouso.
� debussy e le corbusierA escala de tons inteiros de Debussy rompe com a harmonia
das escalas tradicionais, em progressões de igual valor, não
hierarquizadas. Com isso, reforça a ideia de percurso, mas um
percurso descompromissado entre os volumes, uma prome-
nade musical, digna dos prédios de Le Corbusier.
� dodecafonismoA composição da Opus 27 de Webern
(faixa 14) é baseada em doze séries de
doze notas (dodecafônicas), sequencia-
das a partir de camadas. Ouve-se nitida-
mente o som de cada série como partes
isoladas, mas sobrepostas ao longo da
peça. No Museu Judaico de Berlim, Da-
niel Libeskind se baseia no método do-
decafônico na composição do projeto
arquitetônico, uma série de elementos
analiticamente sobrepostos sobre um zi-
guezague que interliga espaços anacrô-
nicos da 2ª guerra mundial.
� intervalo - vãoPodemos entender o intervalo
como vão entre dois espaços, mas
não devemos confundir com o con-
ceito de vazio, apresentado ante-
riormente. O intervalo é aquele vão
que complementa dois elementos,
não aquele que isola.
� repouso x instabilidadeUm exemplo da contraposição estável x instável, dois pris-
mas de vidro.
escala pentatônica escala diatônica
escala de tons inteiros escala cromática
Repouso e instabilidade: duas sensações possíveis geradas pelo intervalo musical
Duas escalas amplamente utilizadas em composições modernas
Diabolus in musica: três tons inteiros
faixa nº12 e 13
faixa nº14
faixa nº15
A promenade arquitetural de Le Corbusier
Partido: sobreposição das séries subsolo, interno, vazio, local, linear, janela e combinação.
A glass house, de Philip Johnson e a glass gallery, de Bernard Tschumi
Faculdade de arquitetura do porto, de Alvaro Siza: o vão configura o lugar entre os prédios.
24 arq 25
mus
A notação utilizada para os intervalos musicais associa a dis-
tância entre as notas à ordem em que elas aparecem na escala
maior ou menor. Por exemplo, um intervalo dó-fá é chamado
quarta, pois o fá é a quarta nota a partir do dó. Assim acon-
tece com os intervalos de quarta, quinta e oitava, tidos como
os mais consonantes. No caso das segundas, terças, sextas e
sétimas, haverá uma variação de acordo com o número de se-
mitons presentes no intervalo, o que os situará em uma posi-
ção na escala maior ou menor. Assim, existem terças maiores
e menores, dependendo da quantidade de semitons que o
intervalo apresenta. Por exemplo, uma terça maior, dó-mi, será
composta de dois tons inteiros, e uma terça menor, lá-dó, pos-
suirá um tom mais um semitom.
Há uma íntima ligação dos intervalos com as razões numéricas
descobertas por Pitágoras em seus estudos com o monocór-
dio. Consequentemente, há uma forte crença na extensão das
proporções intervalares a outros campos de aplicação, como
a geometria. Isso porque, por meio dos estudos de consonân-cia e dissonância dos intervalos musicais, pôde-se compre-
ender melhor as sensações psicológicas atribuídas a eles pelas
culturas ao longo do tempo. Quer dizer, os intervalos não só
apresentam uma lógica descritível matematicamente, mas
também possuem significados sensíveis. Esse evento pode
ser melhor descrito pela tabela abaixo:
Os intervalos, quando sobrepostos, produzem
a sensação de “massa sonora” descrita por Grilo
(2001), com a consequente perda da individu-alidade das notas. Depara-se aí com o conceito
de acorde, uma pilha de três ou mais notas que
gera em seu interior diferentes intervalos, produ-
zindo sensações diversas no ouvinte dependen-
do do modo como são combinados e dispostos
ao longo de uma peça musical.
A arte da harmonia musical consiste justamente nisso, na es-
colha e sequenciamento de acordes ao longo de uma compo-
sição, de maneira a lidar com suas consonâncias e dissonâncias
em um sutil jogo de contrações e retrações de pulsos so-
noros de riqueza inestimável.
� consonância x dissonânciaAqui, nos encontramos com a história das igrejas como for-
ma de se entender a concepção de consonância e dissonân-
cia ao longo da história da arquitetura e, consequentemente,
da história da música.
1. catedral gótica
Espaços verticalizados e sequenciados como
afirmação do poder divino perante o homem.
2. tempieto renascentista
A planta circular, as formas geométricas
bem definidas, parecem conotar consonân-
cia entre as partes e o todo.
3. igreja barroca
Há algo de polarizador nas plantas ovais barrocas que parece
remeter ao uso da dissonância resolvida, aquela que tensiona
para depois resolver, tal como nas fugas de Bach.
4. catedral de brasília
Oscar Niemeyer se utiliza da ilu-
minação barroca, do espaço cir-
cular e do esqueleto estrutural
numa conciliação entre os três
períodos citados anteriormente.
Oitava
Quinta
Quarta
Terças (maior e menor)
Sétimas (maior e menor)
Quarta aumentada
Segundas (maior e menor)
Dó-Dó
Dó-Sol
Dó-Fá, Sol-Dó
Dó-Mi e Mi-Sol
Dó-Si e Ré-Dó
Dó-Fá# ou Fá-Si
Dó-Ré e Dó-Réb
1/2
2/3
3/4
4/5 e 5/6
8/15 e 5/9
1/√2
8/9 e 15/16
Estável, neutro
Dinâmico, movimento
Dinâmico, movimento
Alegre/triste, claro/escuro
Instabilidade
Tensão forte, atração
Sedução, atração
Intervalo Exemplo Razão Valor atribuído
Acorde: pilha de sons
faixa nº16
Vista da entrada escurecida, planta e corte da Catedral
26 arq 27
mus
Contraponto e polifonia
Além do simples encadeamento de acordes, outro recurso
composicional muito utilizado na música é a sobreposição
de melodias. Conhecido como contraponto, esse recurso ca-
racteriza-se pelo constante movimentar das notas melódicas
em sequências paralelas ou desencontradas, formando dife-
rentes intervalos na medida em que são desenvolvidas.
Na história da música ocidental há um curioso evento que
remonta didaticamente às articulações dos contrapontos: é
o caso do canto gregoriano. Coincidente com o início da
Idade Média, essa prática musical teve co-
meço nas pregações dos padres nas igrejas
românicas. A princípio esse canto se dava
em uníssono (todos cantando as mesmas
notas), com melodias relativamente sim-
ples. No decorrer dos séculos, as vozes
musicais começam a se separar, primeiro
criando movimentos paralelos uma quin-
ta acima (organum paralelo), depois adi-
cionando uma quarta acima, em seguida
criando movimentos de subida e descida
alternados das vozes musicais. Ao final do
século XIV, com o início da Renascença, já
se verifica maior mobilidade nas vozes mu-
sicais, o que é tido na história da música
ocidental como o nascimento do contra-
ponto moderno.
A arte do contraponto tem seu auge na música barroca, e seu
grande mestre foi J. S. Bach. Em seus prelúdios e fugas, o com-
positor desenvolveu exaustivamente os recursos desta técnica
compositiva. Seu grande trunfo era a utilização de intervalos
dissonantes como tensionadores dos movimentos das vo-
zes musicais para, em seguida, resolver a instabilidade por
meio de sons consonantes. Percebe-se ao ouvir suas músicas,
uma constante polarização dos extremos, consonância e disso-
nância numa duradoura batalha repleta de sutilezas.
A separação das vozes musicais gera o efeito de polifonia,
ou seja, múltiplas melodias sobrepostas. O desenvolvimento
da polifonia na música remete a uma crescente busca pela
ampliação da sensação de profundidade na propagação do
som. Significa dizer que, à medida que aumenta o número de
vozes, aumenta a sensação de ocupação do espaço pela mú-
sica. Outra maneira de buscar,
ou de se reforçar a mesma
sensação era a distribuição
espacial das vozes, como, por
exemplo, dois coros situados
em posições opostas de am-
bos os lados de uma catedral.
� contrapontos verticais e horizontaisO contraponto é uma espécie de harmonia das melodias. Por
expandir a sensação dos sons no espaço, é o principal res-
ponsável pela sensação de polifonia, que gera profundidade
nos sons. Podemos especular sobre sua atuação em três am-
bitos da arquitetura.
1. Sobreposição vertical de sequencias melódicas
As cores podem também conformar melodias arquitetônicas;
sua sobreposição, um belo contraponto.
2. Sobreposição plana de retículas
O uso de camadas em profundidade pode gerar polifonia.
3. Sobreposição vertical de planos
A composição dos percursos gera polifonias espaciais
4. Sobreposição horizontal de planos
O sequenciamento de planos pode também definir espaços
contrapostos. No caso, o pavilhão de Barcelona, de Mies Van
Der Rohe, composto apenas por planos de parede e teto.
MUSAC, de Mansilha e Tuñon arquitetos: as cores conformam melodias sobrepostas
Palácio de Chandigard, de le Corbusier, malhas sobrepostas
Parque de La Villete, de Bernard Tshumi. A sobreposição de planos estruturadores do fluxo. Em baixo, os caminhos; no centro, uma malha referencial; em cima, os equipamentos.
Distribuição espacial das vozes musicais
Sobreposição de vozes em diferentes alturas
faixas nº17 e 18
28 arq 29
mus
Intensidade e dinâmica
Tradicionalmente a manipulação das intensidades – a di-nâmica, na terminologia dos músicos – está no fundamento
da expressividade musical. Nem sempre porém, faz presença
na estrutura formal das composições propriamente ditas. De
fato, na maior parte da música antiga, isto é, anterior ao roman-
tismo (século XIX), as manipulações da intensidade prestavam-
se a realçar a interpretação musical. Tais manipulações con-
sistiam principalmente em crescendos ou diminuindos (varia-
ções do que popularmente se chama de volume) e também
nas repetições com intensidades diferentes, contrastantes,
sendo muito comum o uso do efeito eco.
A partir do romantismo, tornou-se mais e mais frequente o uso
estrutural da dinâmica, situação em que o compositor indica, a
seu bel prazer, o emprego de sons muito intensos (fortes, for-
tíssimos) ou, ao contrário, muito suaves (pianos, pianíssimos).
Obtém-se, assim, efeitos musicais novos que não são possibi-
lidades expressivas deixadas ao gosto do intérprete, e sim da-dos estéticos intrínsecos à própria obra.
A dinâmica musical passa a expressar uma gama maior de sen-sações, tais como serenidade, espanto, susto, vigor, ordem e
desordem.
Duração, andamento e agógica
Outro recurso expressivo amplamente utilizado possui um
nome pouco usual: agógica, a técnica de manipulação das durações na música, em especial, dos andamentos.
O andamento pode ser descrito como a quantidade de notas
que cabem em uma determinada unidade de tempo, estando
intimamente ligado às durações dos sons. Isso porque quan-
to menos duram os pulsos sonoros, mais pulsos inteligíveis ca-
bem numa partícula de tempo.
Uma boa forma de se entender o significado de andamento é
a partir das notações musicais a que usualmente são associa-
das. Por exemplo, o andamento Largo é convencionado como
o mais lento, o Andante, tido como médio, o Allegro e o Vivace
são mais rápidos e cheios de vida. Utilizando-se de variações
entre esses e outros andamentos, bem como de recursos do
tipo acelerando, retardando e rubatos (compensações que
se fazem no acelerar e frear das melodias), a agógica une-se
aos demais recursos descritos na chamada expressão musical.
� dinâmica
1. jogos de luz
Uma das maneiras que percebemos de se conferir intensida-
de ou suavidade aos volumes arquitetônicos é a partir dos jo-
gos de sombra decorrentes da entrada de luz nos ambientes.
2. espaço crescente e decrescente
Outro modo de se demarcar a intensidade é a partir do uso
das escalas dos espaços sequenciados.
� andamentos
1. marcação de piso
O andamento em arquitetura pode ser, literalmente, a ma-
neira como se anda através dos percursos. Uma forma de se
determinar a velocidade do andamento é a partir das demar-
cações de piso.
2. movimento
Outra maneira de se
denotar movimento é
a partir da forma dos
edifícios em si. Oscar
Niemeyer e Zaha Ha-
did se utilizam bastan-
te desses recursos em
seus projetos.
A luz, materializando a cúpula do Panteão de Roma e desmaterializando as paredes da igreja da luz, de Tadao Ando
Largo, andante e allegro, três possibilidades de andamento
Fortíssimo e pianíssimo, duas formas de se marcar intensidade
faixa nº19
faixa nº20
Acima, pavilhão das bienais, no
Ibirapuera em SP, obra de Oscar Niemeyer;
abaixo, Centro de ciências Phaeno, em
Wolfsburg, Alemanha, de Zaha Hadid;
Na Villa Rotonda, de Andrea Palladio, a progressão de alturas intensifica os espaços
No jardim japonês, o espaçamento das pedras determina a velocidade do andamento. No calçadão de Copacabana, o piso sugere o estado de espírito.
30 arq 31
mus
Conceito de ritmo
Um conceito um tanto fugidio é o de ritmo, uma vez que mui-
tas tentativas de defini-lo acabam mostrando-se inconsisten-
tes. Por isso, será adotado um conceito mais amplo, aplicável
tanto à música, quanto a outras esferas do conhecimento, da
pintura ao cinema, do crescimento populacional à produção
industrial.
Qualquer tipo de ocorrência sucessiva de eventos, ou mes-
mo de objetos, constitui um fluxo. Fluxos podem ser aleató-
rios, como o caso da passagem de carros por uma avenida, ou
estruturados, como um desfile militar. Sendo assim, define-se
ritmo como sendo a estrutura perceptível em um fluxo
(Grilo, 2001). Na música, o ritmo se faz a partir da estruturação
das durações dos sons e silêncios.
O ritmo mais elementar pode ser considerado o pulsar de um
metrônomo, instrumento originalmente pendular que produz
séries de pulsos de duração perfeitamente regular – a própria
monotonia. A operação básica do metrônomo é a divisão
do tempo em pequenos segmentos, os
tempos musicais. Pode ser interessante a
comparação do metrônomo com o cora-
ção humano, também ele um pulsor de
regularidades. Porém, qualquer ouvinte
atento poderá notar que o pulsar do co-
ração é marcado por uma batida fraca,
seguida de uma outra muito mais forte,
o que aumenta a complexidade do seu
ritmo. Além disso, o coração acompanha
a atividade do corpo humano, o que tor-
na sua regularidade variável ao longo
do dia – reforçando o conceito de anda-
mento apresentado anteriormente.
Outro ritmo elementar pode ser observado em uma marcha
do tipo militar. Nela os dois pés do soldado determinam o ca-
ráter binário do ritmo, onde tudo acontece de dois em dois,
direita, esquerda, direita, esquerda, sempre com a marcação de
um pulso de referência, geralmente forte, em um dos pés. Da
mesma forma como um pé se opõe ao outro – um referência,
outro complemento – em cada passo (tempo) ocorre uma
outra oposição: pé em cima, pé embaixo. O momento de ins-tabilidade gerado pela elevação do pé se contrapõe à sen-
sação de estabilidade momentânea gerada pelo toque do
pé no chão. O momento de instabilidade é conhecido como
contratempo.
� fluxos sucessivosEncontraremos também a ocorrência de fluxos na arquite-
tura, podendo ser aleatórios (arrítmicos) ou estruturados (rít-
micos).
1. aleatórios
A aleatoriedade, por mais que não defina rítmos perceptíveis,
pode ter efeitos interessantes sobre um projeto arquitetôni-
co pois, podem sublimar a racionalidade mundana. Em ou-
tros casos, apenas enchem as cidades de mais caos.
2. estruturados
Aqui uma homenagem aos ricos mapas rítmicos formados
pos diversas esquadrias da arquitetura moderna. Se a ausên-
cia de ornamentos foi uma preceita para o modernismo, a
presença das variadas estruturas rítmicas foi uma constante.
direitatempo forte
esquerdacontratempo
direitacontratempo
esquerdatempo fraco
Tempo forte, do tempo fraco e do contratempo, na marcha de um soldado
O metrônomo e o coração, dois ritmos básicos
faixa nº21
Painel lateral do Teatro Nacional de Brasília, por Athos Bulcão:aleatoriedade intencional, composição plástica, infinita
Hundertwasser building, de Hundertwasser: a aleatoriedade é dada pela ocasionalidade, não pela intenção plástica
32 arq 33
mus
Esses dois momentos, tempo e contratempo, correspon-
dem ao que se conhecia na Grécia antiga como thesis e arsis,
pé no chão, pé no alto, ou seja, a marcação feita pelo corega,
o diretor grego do coro. Da oposição entre tempos e contra-
tempos nasce grande parte da riqueza do mundo rítmico. Essa
polaridade está presente em praticamente toda a música tradi-
cional, mesmo quando interna a estruturas não binárias.
Alguns exemplos de estruturas rítmicas não binárias:
• Valsa, disposta segundo uma razão de 3 para 1 – ternária;
• Tango argentino, na razão de 4 para 1 – quaternário;
• Jequibau, estruturado na razão de 5 para 1 – quinário;
Outros ritmos derivam da sobreposição ou alternância des-
sas estruturas fundamentais:
• Polca paraguaia, constituída de uma parte ternária sobrepos-
ta a uma binária, resultando na razão de 3 para 2 (muito co-
mum na música hispanoamericana);
• Habanera mexicana, alternância entre razões de 3 por 1 e
2 por 1;
• Blues, em que há uma razão binária com subdivisão ternária,
resultando numa razão de 6 para 2.
Há uma enorme diversidade de estruturas rítmicas que os
compositores desenvolvem como desdobramentos dessas
razões matemáticas básicas. Assim como na harmonia musi-
cal, os ritmos se compõem de complexas relações pulsantes
que podem ser alternadas, encadeadas, sobrepostas, amplia-
das, divididas ou multiplicadas, num infinito processo criativo.
� outros ritmos
1. ritmos mistos em fachadas
Há muita riqueza na sobre-
posição de ritmos de fa-
chada. Mostraremos abaixo
alguns exemplos ao longo
da história.
2. ritmos de espaços
Além do ritmo planificado, há o espacial. A escadaria espa-
nhola parece ser composta sobre uma elegante dança qua-
ternária. Os lances de subida, em número de quatro, alternam
patamares, se aproximam e se afastam, como numa dança.
Na casa rural, do escritório RCR aquitetos, volumes espaça-
dos de acordo com uma bela estrutura rítmica conectada
por uma linha de circulação geram a sensação de alternância
entre sons e silêncios ao longo do percurso.
3 4
Ritmos binários, ternários e quartenários estruturam as diferentes danças.
faixa nº22
SQN 205, de Marcílio Ferreira
Palácio Doges, em Veneza
3 estudos para uma fachada, Borromini
Strekdam, do escritório MVRDV
Escadaria espanhola, em Roma
34 arq 35
mus
Diálogo de complexidades
Uma vez consideradas as propriedades do som e da música,
abarcando os principais métodos compositivos utilizados em
sua matéria, cabe agora refletir sobre a música em sua totalida-
de. Wisnik (1989) propõe ser a música um diálogo pulsante
entre duas grandes esferas: a melódico/harmônica, referen-
te às alturas dos sons, e a rítmica, relativa às suas durações.
Há analogias, e até uma certa tradutibilidade entre essas
duas dimensões: os fluxos rítmicos são frequências baixas, per-
cebidas pelo ouvido como que espaçadas. São pulsos muito
bem definidos que, quando acelerados, começam a diluir sua
nitidez até a frequência aproximada de 10 a 15 vibrações por
segundo, numa faixa difusa e indefinida entre a duração e a
altura. Após essa faixa, começa-se a perceber essas frequências
como alturas definidas, um possível dó, um mi, um lá. É um
incrível salto qualitativo do som: enquanto na esfera
rítmica a aceleração dos pulsos gera um movimento
que vai do lento em direção ao rápido, na esfera
melódica, passa a ser percebido num outro pa-
râmetro de escuta, movendo-se dos graves
aos agudos.
Em síntese, Wisnik (1989) afirma:
“Os pulsos rítmicos são complexos e se traduzem em tempos e
contratempos; os pulsos melódico-harmônicos são complexos e
projetam estabilidades e instabilidades harmônicas. (...) É o diá-
logo dessas complexidades que engendra a música.”
As complexidades da música percorrem seus tempos, en-
tremeadas, sobrepostas, atreladas. Há uma necessária (co) de-pendência das suas partes, que se tornam portadoras umas
das outras. Alturas musicais geram intervalos consonantes e
dissonantes, melodias, harmonias, contrapontos; Durações ge-
ram andamentos, ritmos, tempos, contratempos. Sobre essas
categorias se instalam as múltiplas complexidades de compo-
sição musical, transformando-o em espaço acústico para pro-
pagação de seus pulsos vibrantes.
� tradutibilidade de dimensões, espaço-tempo
o pavilhão philips, de corbusier e xenakis
Corbusier deu as linhas gerais: o projeto não seria um pavi-
lhão, mas um poema eletrônico e um receptáculo contendo
o poema; luz, imagens coloridas, ritmo e som se uniriam em
uma síntese orgânica. Xenakis, músico e matemático, definiu
as fórmulas paraboloides hiperbólicas, apoiadas em três mas-
tros verticais e sustentadas por cabos de aço. Edgard Varèse
foi o responsável pela composição musical que acompanha-
va o poema eletrônico projetado sobre as paredes curvas da
edificação
Da união projetual/compositiva entre arquiteto, matemático
e músico modernos resultou um edifício sonoro, não apenas
na presença sinestésica de sons e imagens em seu interior,
mas na próprio espaço, decorrente da aceleração da curva
de sua cobertura.
Os movimentos resultantes de pulsos que viram ondas e
prédios, revelados em alturas (verticais ou sonoras), pro-
fundidades, larguras, ritmos (tempos), cadeiras e pilhas
de espaços parecem ser uma maneira de se reconhecer o
espaço-tempo: um elo entre arquitetura e música.
Duas representações da tradutibilidade dos pulsos rítmicos para os melódicos.
faixa nº23
36 37
Coda
Analogias múltiplas foram sugeridas. O espaço, matéria pura
da arquitetura, encontrou possibilidades de paralelos musicais.
As formas de fazer (e pensar) músicas contactaram e dialoga-
ram com as estruturas arquitetônicas. Os tempos e pulsos per-
correram os espaços diversos.
Mas os vãos também existem.
Porque será que essas duas artes, quando olhadas (ou ouvidas)
de perto, em tanto se assemelham; quando em termos de exis-
tência, são tão distantes? Enquanto a arquitetura construída
perdura até mesmo nos séculos, a música desaparece depois
de ouvida, deixando apenas registros que, escritos ou grava-
dos, não passam de objetos latentes, na espera da próxima
execução. Será a música registrada equivalente a um projeto
não construído? Daria pra construir uma arquitetura que, uma
vez percorrida, sumisse?
Talvez as semelhanças não estejam na maneira como elas se fa-
zem presentes, mas nas impressões que deixam. Uma hora ou
outra o visitante deve deixar a edificação. O que ele leva consi-
go? Sensações e impressões de diferentes espaços? Memórias
de formas ordenadas? Ou só o cansaço da longa caminhada?
Será que alguém é realmente capaz de se lembrar de um edi-
fício como uma sinfonia de sons? Ou podemos pensar que há
áreas diferentes do cérebro pra cada tipo de memória? Talvez
a arquitetura seja mais amiga de Apolo e a música de Dionísio.
Ou talvez haja um pouco dos dois em cada uma.
Projetando ou compondo, o artista acabará refletindo sobre
alguns pontos comuns, certos conceitos universais, se é que
isso existe. Mas há algo misterioso nesse processo, algo que
não deixa claro a origem das ideias. Poderíamos pensar nas
manifestações artísticas como que separadas no nascimento,
desligadas após o babélico fracasso de sua unificação?
Sendo assim, seriam arquitetura e música duas artes gêmeas,
deslocadas uma para o seu espaço, outra para o seu tempo?
Será que elas já se encontraram, ou mantém contato a distân-
cia? Caso sim, qual distância escolheriam, aquela medida em
metros, ou a medida em segundos?
O que será que é espaço-tempo? Talvez seja aquele conceito
difuso, não matemático, que salvará o rumo destas reflexões.
Talvez seja o elo perdido. Mas, digamos que isso seja verdade,
que o espaço-tempo seja a real distância entre arquitetura e
música. Sendo assim, será que podemos morar dentro da ar-
quitetura musical de Tom Jobim? Quais acordes devemos tocar
para abrir suas janelas? Quais músicas cantam os apoios dos
palácios de Niemeyer?
Finalmente, cabe perguntar: dentre os vãos desconhecidos
que separam as duas artes, será válido considerar a música
uma arquitetura de sons? Caso sim, quem foi que petrificou a
arquitetura? faixa nº24
38 39
Referências
Bibliografia, em ordem de relevância
WISNIK, José Miguel. O Som e o Sentido. São Paulo: Companhia das Letras,1989.
SILVA, Breno Thadeu Luiz da, A Incompletude da Construtora: Um Espaço da Tradução em Arquitetura. 132 f. Dissertação (Mes-trado em Arquitetura) – Escola de Arquitetura da Universidade Fe-deral de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007.
GRILO, Eustáquio Alves. Introdução à Morfologia Musical. Obra ainda não publicada: Brasília, 2001.
DUDUCH, Jane Victal Ferreira. Configurações Espaço-Tempo-rais: Ensaio sobre as relações entre arquitetura, pintura e música. 356 f, 3 vol. Tese (Doutorado em Arquitetura) – Faculdade de Ar-quitetura da Universidade de São Paulo: São Paulo, 1999.
RABELO, Frederico André, Arquitetura e Música: Interseções po-lifônicas. 130f. Dissertação (Mestrado em arquitetura) – MINTER UFRGS/UCG, Goiânia, 2007.
CAZNOK, Yara Borges. Música: entre o audível e o visível. São Paulo: Editora UNESP, 2003.
SACKS, Oliver. Alucinações Musicais: Relatos sobre a música e o cérebro. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
ZEVI, Bruno. Saber Ver a Arquitetura. 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
CHING, Francis D. K.. Arquitetura, Forma, espaço e ordem. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
LAMERS-SCUTZE, Petra (coordenação). Teoria da arquitetura, do Renascimento até aos nossos dias. Itália: Taschen, 2003.
HERTZBERGER, Herman. Lições de arquitetura. São Paulo: Mar-tins Fontes, 1999.
GIEDION, Sigfried. Espaço, Tempo e Arquitetura. 1ª ed. São Pau-lo: Martins Fontes, 2004.
RASMUSSEN, Steen Eiler. Arquitetura Vivenciada. XX ed. São Pau-lo: Martins Fontes, 1998.
LABOISSIÈRE, Marília. Interpretação Musical: A dimensão recria-dora da “comunicação” poética. São Paulo: Annablume, 2007.
CONSIGLIERI, Victor. As significações da arquitetura, 1920-1990. Lisboa: Editorial Estampa, Ltda., 2000.
BRANDÃO, Carlos Antônio Leite. A Formação do Homem Mo-derno Vista Através da Arquitetura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999.
Gorovitz, Matheus. Os Riscos do Projeto. Brasília: Studio Nobel/EDUNB, 1993.
BRINGHURST, Robert. Elementos do Estilo Tipográfico (versão 3.0). São Paulo: Cosac Naify, 2005.
Créditos
• Ilustrações: Daniel Correia (Jacaré)
• Pesquisa de imagens: Caroline Portugal e Gabriel Malta (Múmia)
• Revisão ortográfica: Patrícia Almeida e Renata Henriques
• Fonte das imagens: Google e Flyckr (pesquisa em dez/2008)
• Diagramação: Pedro Grilo
• Tipografia utilizada: Myriad Pro