Post on 16-Jul-2020
Muro de Contenção em Solo Reforçado e Face Verde com Utilização de
Resíduo Cerâmico
Paulo J. Brugger
Brugger Engenharia Ltda., São José dos Campos, SP, Brasil, paulo@brugger.eng.br
Cassio Carmo
Huesker Ltda., São José dos Campos, SP, Brasil, cassio@huesker.com.br
RESUMO: O trabalho apresenta um caso de obra onde foi executado um muro de contenção em
solo reforçado com geogrelhas e face verde envelopada para a ampliação do pátio de uma fábrica de
revestimento cerâmico. O muro possui altura máxima de 18 metros e área de face de 800 metros
quadrados. A fábrica possuía um grande passivo composto por resíduos de material cerâmico
proveniente da produção ao longo de aproximadamente 20 anos de produção. O resíduo era
composto por aproximadamente 800 metros cúbicos de cacos cerâmicos. Para viabilizar a obra todo
o resíduo foi utilizado no muro substituindo as camadas drenantes normalmente compostas por
areia e misturado no próprio solo de aterro do muro.
PALAVRAS-CHAVE: Contenção, Aterros, Reforço, Geogrelhas, Resíduo.
1 - Introdução
Para a ampliação da fábrica de pisos e revestimentos cerâmicos Biancogrês Ltda. no município de
Serra, ES, foi construido um muro de contenção com aproximadamente 65 metros de extensão com
alturas variando de zero a 18,0 metros. A implantação do muro foi projetada para o preenchimento
de um talvegue existente na área de expansão e a criação de uma área plana ao lado da fábrica
existente para fins de estoque de materiais e para a futura expansão da fábrica. A construção do
muro foi feita ao longo de aproximadamente quatro meses no ano de 2012.
Pelas dimensões do muro e pela sobrecarga de projeto de 50 kN/m2 prevista para estoque de
pallets com material cerâmico, a alternativa técnica e economicamente mais atraente foi a
construção de um muro em aterro com solo reforçado com geogrelhas. Uma vez o muro estaria
voltada para uma área de preservação permanente composta por uma mata, a face foi executada com
envelopamemnto frontal dos reforços e revegetação com grama amendoim e posterior inserção de
espécies nativas da mata atlântica local. A figura 1 apresenta a posição do muro em planta para a
criação do pátio de estocagem da fábrica. Para alturas de contenção acima de dez metros de altura,
as soluções em solo reforçado com geogrelhas são geralmente as mais econômicas. Muros de peso
ou de concreto à flexão demandam grande quantidade de materiais nobres como concreto, aço e
ancoragens metálicas. A utlização de geogrelhas em PVA garantiu uma maior rigidêz para a
estrutura, resultando em deformações pequenas, mesmo para as sobrecargas elevadas na superfície.
A fábrica era proprietária também dos terrenos vizinhos de onde foi trazido o aterro necessário
para a execução do muro e para a criação do pátio de estocagem propriamente dito. Além disso,
existia um antigo depósito de resíduos de material cerâmico proveneinte da própria produção ao
longo de 20 anos, que era composto por aproximadamente 800 metros cúbicos de cacos cerâmicos
de diversas formas e tamanhos. Este depósito de resíduos significava um passivo importante para a
fábrica e, apesar de ser um material quimicamente inerte, teria que ser transportado até um centro de
reciclagem ou aterro licenciado, o que implicava em custos significativos. A foto 1 apresenta uma
vista da pilha de resíduo cerâmico.
Figura 1 – Planta da área com o muro entre o pátio de estocagem e a área de preservação
permanente.
Foto 1 – Pilha de resíduo cerâmico existente na fábrica.
2 – Solução Adotada
Para criar a nova área de estocagem e preservar a área de proteção permanente foi projetado e
construido um muro em solo reforçado com geogrelhas e face verde. O projeto ficou sob
responsabilidade da Brugger Engenharia Ltda. e a execução da obra foi feita pela Dublin Engenharia
Ltda. Para os reforços foram utilizadas geogrelhas de PVA da Marca Fortrac com módulos de
rigidêz ao alongamento na faixa de 1100 a 4000 kN/m e resistências nominais entre 55 e 200 kN/m
para alongamento específico máximo na ruptura de 5%. Para o projeto foram adotados fatores de
redução conforme as recomendações da norma BS 8006 e as certificações das geogrelhas. Além
disso, foram adotados alongamentos específicos máximos de projeto de 3% para a vida útil de 60
anos para a obra. Os comprimentos dos reforços foram dimensionados em função das alturas e da
sobrecarga, tendo comprimento de 8 metros nas omberiras laterais e 13 metros no trecho central.
Para toda a obra foi adotado espaçamento padrão de 60 cm entre camadas de geogelhas e com
rigidêz e resistência crescentes com a profundidade. O dimensionamento foi feito através de
métodos de equilibrio limite com posterior verificação pelo método de Ehrlich (1994), que
considera a rigidez relativa entre o solo compactado e o reforço, além da influência das tensões
induzidas na compactação.
Os solos existentes nas jazidas de terrenos adjacentes à fábrica eram compostos na sua maioria
por argilas arenosas residuais de cor laranja e vermelha que, quando compactadas na umidade ótima
e com energia equivalente a 100% do ensaio proctor normal, resultam em solos resistentes e rígidos.
Para o projeto foram adotados parâmetros de resistência reduzidos, com peso específico natural
compactado de 18 kN/m3, coesão de 10 kPa e ângulo de atrito de projeto de 28 graus. No topo do
muro e em toda a área do pátio de estocagem foi prevista uma carga distribuida estática de
50 kN/m2 decorrente da estocagem de pallets de piso e revestimento cerâmico em até dois níveis
sobrepostos.
Para a definição da fundação do muro foram executadas sondagens a percussão ao longo do
alinhamento da base do muro. Observou-se que nas ombreiras laterais o solo local é composto por
argilas arenosas residuais medianamente compactas a compactas, podendo o muro ser apoiado
diretamente nos solos locais com embutimento típico de 1 metro e degraus de 60 cm para adequação
das camadas de geogrelhas na base escalonada. Já na parte central do muro foram detectadas
camadas de argila mole com espessura de tipicamente dois metros e umidade alta. Para este trecho
foi prevista a substituição de uma camada de solo com dois metros de espessura por camada de
rachão. A camada de rachão melhora as condições de fundação do muro e permite a drenagem de
águas que porventura percolem pela base do aterro ou mesmo águas que infiltrem na massa de solo
compatada.
Para o resíduo de material cerâmico existente na fábrica foram realizados alguns ensaios de
granulometria e processos de quebra no local através de ponteiro mecânico, misturador de concreto
e quebra mecânica. Concluiu-se que o espalhamento em camadas com até 20 cm sobre superfície
rígida e a quebra com trator de esteira passando diretamente sobre o material resulta em
granulometria similar à brita 2, e que este material, quanto estocado em pilhas, tem ângulo de atrito
no repouso de aproximadamente 33 graus e é francamente drenante. A partir destes ensaios o
resíduo foi todo quebrado e utilizado como material drenante na base do aterro reforçado em
substituição à areia que é utilizada normalmente. Dada a grande quantidade de resíduo disponível,
foi adotada uma camada drenante com 60 cm de espessura na base de todo o aterro, consumindo
aproximadamente 600 metros cúbicos de material para este fim O restante foi misturado com o solo
do aterro e compactado normalmente. Toda a camada drenante da base do aterro estava conectada à
camada central de rachão
A figura 2 apresenta a elevação do muro com a geometria, distribuição de geogrelhas e o trecho
central com base em rachão. A figura 3 apresenta a seção transversal no ponto mais alto do muro
com a indicação das geogrelhas, camada de base em rachão e camada drenante em cacos cerâmico
na base do muro e de todo o aterro de preenchimento da área para a criação do pátio de estocagem.
Observa-se nas figuras que a camada drenante está ligada à camada inferior de rachão. A superfície
do terreno no topo do muro foi feita com inclinação invertida de modo a evitar a descida de água
diretamente pela face do muro. Em um projeto de drenagem superficial específico foi previsto um
sistema de caimentos e canaletas para garantir o escoamento de águas de chuvas em toda a área e
evitar acúmulos e infiltrações no corpo do aterro.
Figura 2 – Elevação do muro em solo reforçado.
Figura 3 – Seção transversal do muro em solo reforçado no trecho de maior altura.
As fotos 2 a 8 apresentam algumas imagens da execução da obra e do aspecto final. A estrutura
tem um aspecto estético agradável e permitiu a integração do muro com a mata existente na área de
preservação. Por ser uma região bastante úmida a vegetação nativa surgiu naturalmente na face
depois de alguns meses com o crescimento de samambaias e arbustos de pequeno porte.
Fotos 2 e 3 – Vista do talvegue antes das obras e logo após a limpeza superficial e escavação da
região central para colocação da camada de rachão. Observa-se ao fundo a mata nativa da área de
preservação permanente.
Fotos 4 e 5 – Detalhe da colocação da camada de rachão no trecho central do muro. Sobre a camada
de rachão o lançamento da camada drenante de cacos cerâmicos e a colocação da primeira geogrelha
com a face envelopada em sacos de juta e proteção com geotêxtil de malha aberta.
Fotos 6 e 7 – Vista geral da obra durante a construção do muro. Observa-se a colocação das
geogrelhas com 13 metros de comprimento no trecho central do muro.
Foto 8 – Detalhe da face no final da construção com plantio de grama amendoim em mudas e a face
quatro meses após a finalização da obra com o surgimento natural de vegetação nativa.
3 – Referências
BS 8006. Code of Practice for Strengthened and Reinforced Soils and Other Fills. British Standard,
London, Inglaterra.
Ehrlich, M. e Mitchel, J. K. (1994) Working Stress Design Method For Reinforced Soil Walls.
Journal of Geotechnical Engineering. Vol 120, No. 4, pp. 625-647.