Mundividência Cristã novo.docx

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    Mundividncia Crist

    Ernesto Campos

    Se a procura do desenvolvimento pede um nmero cada vez maior de tcnicos, exigetambm um nmero cada vez maior de sbios de reflexo profunda em busca dumhumanismo novo...Populorum Progressio

    H quarenta anos a encclica Populorum Progressio (Sobre o Desenvolvimento dos Povos)provocou um verdadeiro terramoto no universo cristo e fora dele. Foi, dum lado, consideradauma encclica marxista; e, do lado do prprio marxismo, contraditoriamente, objecto ora decrtica derrotista, ora de expectativa mais ou menos duvidosa.

    Aludir ao subdesenvolvimento dos povos famintos e interpelao que fazem aos povosopulentos , para alguns, ao condenar o capitalismo e o neo-colonialismo, adoptar o discurso

    marxista e abrir caminho via revolucionria, nomeadamente em pases da Amrica Latina eda frica.

    Do lado dos marxistas, a crtica acusa o Papa de no tomar em considerao,cientificamente, as leis econmicas para explicar o subdesenvolvimento, limitando-se suacondenao moral; e, ao apontar o desenvolvimento como panaceia universal, estaria aapoiar-se a ideologia capitalista.

    Alguns outros, todavia, reconheciam um novo estilo no documento de Paulo VI, admitindo apossibilidade de dilogo sobre o desenvolvimento da sociedade dos homens e sobre aconcepo do mundo. Um terreno, pois, em que cristos e no-cristos poderiam encarar emcomum os sinais dos tempos.

    Em termos de sntese, as pessoas bem intencionadas, de qualquer quadrante ideolgico, nopodiam deixar de ler a encclica como uma proclamao do direito de todos os homens aopleno desenvolvimento da sua personalidade e da sua vida de relao, devendo tudo(poltica, economia, educao, organizao social) ordenar-se ao servio do homem emesprito de fraternidade. Para tanto, h que empreender a luta contra a fome e outrasmanifestaes de subdesenvolvimento, estabelecendo internacionalmente trocas comerciaismais justas. Iderio este que to somente expresso dum elementar humanismo focadonos valores do esprito, que no pode deixar de enformar a mente de todos os homens deboa vontade.

    Esta viso da sociedade que Paulo VI nos prope, bem vistas as coisas, no o que separacristos e no-cristos. Neste plano bem podemos dialogar e, mais, concertar acescomuns para o bem dos homens. Bem diferente, porm, a posio de cristos e marxistasquanto dialctica de natureza e da histria. Para estes, conscincia, esprito so mero saltoqualitativo resultante do acumular, no crebro, transformaes quantitativas da matria. Noh a lugar para Deus e, muito menos, Providncia e religiopio do povo, que apenasaliena o proletrio pregando-lhe a resignao e a vida eterna. Como se v, esta dialctica danatureza, em que o homem se faz, acaba por condicionar a histria em que o mesmohomem, proletrio ou burgus, se movimenta.

    E para os cristos? Que mundividncia? De acordo com Teilhard de Chardin, o esprito existecomo princpio, no gerado por alteraes quantitativas da matria, mas contido na prpriamatria criada por Deus e emergindo progressivamente. O homo oeconomicus obstaculizaesta emergncia do esprito; aqui e ali entrava o progresso da histria na sua trajectria geral.Mas como as ondas do mar, no fluxo da mar, vo avanando, cada uma um pouco mais, naareia da praia, tambm a humanidade avana pelo caminho da histria. (P. P. n. 17). queo esprito est presente na ordem pessoal: O homem ultrapassa infinitamente o homem,como refere a encclica, citando Pascal. E neste plano, para que o homem se encontreconsigo mesmo, que se apela aos sbios de reflexo profunda.

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    A fim de que essa reflexo profunda oriente tanta cristianssima gente, para que no sedeixe ingenuamente seduzir, ainda hoje, por mundividncias que, embora com virtualidadesinegveis, jamais podem rezar: creio em Deus Pai todo poderoso, criador do cu e da terra.

    MUNDIVIDNCIA

    Joo Maurcio Brs: O conceito de mundividncia fundamental no seu pensamento. um conceito mais abrangente e vai para alm da tentativa de o definir como conjunto decrenas, conjunto de valores, conjunto de prticas, hbitos, ideias e costumes, cultura. Oque o define e torna mais amplo que essas definies? Quais os aspectos determinantes

    na formao das mundividncias?

    Onsimo Teotnio Almeida: Sobre o conceito de mundividncia, no creio tratar-se de umateoria revolucionria, mas apenas de se reconhecer que h vises do mundo irredutveis entre

    si e que as sociedades se organizam mais ou menos coerentemente dentro delas. Na minhatese sobre ideologia apercebi-me de que o conceito de mundividncia era maisabrangente e, do ponto de vista filosfico, muito mais fecundo, por incorporar a

    ideologia no segmento emotivo do nosso universo individual, o que abrange a tica e aEsttica. Em ltima anlise, todos os segmentos radicam-se em crenas metafsicas, e

    quase sempre religiosas, e nelas assenta toda a construo cultural de quem as habita.

    dessa realidade que falamos quando usamos o termo mundividncia ou viso do

    mundo.Era essa uma das minhas concluses ()Cada um de ns organiza todo esseconjunto sua maneira e sob influncias vrias, sobretudo do meio em que foi educado,cresceu e convive. Essa complexa rede de crenas, valores, desejos, necessidades,

    interesses, informao acumulada, e o mais que se quiser, organiza-se mais ou menos

    coerentemente naquilo a que se chama mundi vidnciaou viso do mundo. Todos temos a

    nossa. nela, ou a partir dela, que intervimos socialmente e nos definimos no nosso agir.

    Isso pe-nos todos no mesmo barco e na irremedivel necessidade de negociarmos onosso espao. As alternativas so a intolerncia e a guerra.

    J.M.B: Quais as semelhanas e/ou as diferenas do conceito de paradigma de T.S. Kuhne o seu conceito de mundividncia?

    O.T.A: Primeiro, Kuhn e o seu conceito de paradigma: sim, tm ambos muito a ver.O conceito de mundividncia, ou worldview, j existia antes de Kuhn surgir com oseu. Mas o uso do paradigma ficou sempre muito circunscrito problemticacientfica()Com o uso que estabelece o sentido ou o significado de um termo,basta notarmos que nunca algum fala de mundividncia religiosa em termos deparadigma. No se diz: Eu converti-me ao paradigma muulmano, nem mesmose fala do paradigma de Aristteles versus o de Plato. Portanto, o termo

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    mundividncia tem, na nossa linguagem corrente e mesmo na mais tcnica,uma abrangncia mais vasta que paradigma.

    Joo Maurcio Brs e Onsimo Teotnio Almeida, Utopias em di menor, Gradiva, Lisboa,2013, p.99-102.