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MUDANÇA CULTURAL EM EMPRESAS PRIVATIZADAS: Estudo
de Casos
Ana Beatriz de Alvarenga Menezes Fernandes
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa - COPPEAD
Mestrado em Administração
Orientadora: Ursula Wetzel Brandão dos Santos
Rio de Janeiro Março de 2002
ii
MUDANÇA CULTURAL EM EMPRESAS PRIVATIZADAS:
ESTUDO DE CASOS
Ana Beatriz de Alvarenga Menezes Fernandes
Tese submetida ao corpo docente da COPPEAD da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de
Mestre.
Aprovada por:
Prot". Ursula Wetzel Brandão dos Santos COPPEAD/UFRJ
TiIof.J: 0bert0G0Sda Silva PUC/RJ
Rio de Janeiro, RJ
2002
Presidente da Banca
Fernandes, Ana Beatriz de Alvarenga Menezes
Mudança Cultural em Empresas Privatizadas: Estudo de Casos. Ana Beatriz de Alvarenga Menezes Fernandes. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2002.
Xii, 185 p; iI
Dissertação - Universidade Federal do Rio de Janeiro,
COPPEAD, 2002. Orientador: Ursula Wetzel Brandão dos Santos. 1. Cultura Organizacional. 2. Privatização. 3 Tese. (Mestr. - UFRJ/COPPEAD). 4. Orientador
I. Título. " Tese (Mestr. UFRJ/COPPEAD)
11l
IV
Ao Anibal, meu companheiro, meu amigo e meu amor e aos meus filhos João Pedro, José Guilherme e Maria Júlia, que me ensinam a aprender sempre e me fazem renascer a cada dia.
v
Agradecimentos
Gostaria de deixar registrado meus agradecimentos às pessoas cujo apoio e ações
possibilitaram a realização desse trabalho.
Em primeiro lugar minha imensa gratidão a minha orientadora, Professora Ursula
Wetzel, pelo seu apoio, tempo dedicado, disponibilidade, sua consistente orientação e
pelo estímulo contínuo. Seguramente sem ela esse trabalho não teria sido finalizado.
Agradeço também a Professora Ângela da Rocha a quem muito admiro, por me servir de
exemplo e pelas importantes contribuições na reta final desse trabalho.
Quero também fazer alguns agradecimentos especiais a meus familiares. Ao
Anibal, meu marido, por ser a base sobre a qual posso construir meus sonhos. Somente
com seu apoio, sua força e acima de tudo com sua inesgotável capacidade de me
transmitir paz esse trabalho pode ser concluído. Aos meus pais Dirceu e Daisy,
orientadores de toda a minha vida, agradeço pelo carinho, pela confiança depositada e
pelo exemplo de vida. A minha cunhada Teresa, que inúmeras vezes cuidou dos meus
filhos com carinho e com amor, me dando, assim, tranqüilidade para seguir em frente e a
Marcia, minha irmã, que compartilhou comigo todos os percalços e todas as vitórias nesse
caminho.
A todos os meus professores do COPPEAD agradeço o apoio, a dedicação e a
qualidade do conhecimento que me foi transmitido.
Aos meus colegas da turma 1998, pessoas queridas e profissionais competentes,
agradeço pela convivência rica e prazerosa e aos meus amigos de todas as horas
agradeço pela grande torcida.
Por fim agradeço o apoio oferecido por todos os funcionários da Secretaria
Acadêmica e da Biblioteca. Foi muito bom contar com a competência, boa vontade e
simpatia de todos.
vi
FERNANDES, Ana Beatriz de A. Menezes. Mudança Cultural em Empresas Privatizadas: Estudo de Casos. Orientadora: Professora Ursula Wetzel Brandão dos Santos. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2002. Dissertação. (Mestrado em Administração)
RESUMO
Este estudo teve por objetivo investigar o processo de mudança cultural em
empresas brasileiras. A partir do estudo de três organizações privatizadas pelo governo
brasileiro entre 1996 e 1998 e da análise de 58 entrevistas focadas realizadas com
funcionários remanescentes nas empresas após a privatização, foi possível compreender
importantes aspectos do processo de mudança e de adaptação de uma cultura
corporativa para outra.
A luz da corrente funcionalista que considera a cultura uma variável da organização
e, considerando também, que a cultura corporativa pode ser gerenciada, foram analisadas
as características das empresas antes e depois da privatização, bem como as ações
gerenciais praticadas durante o período que se seguiu ao anúncio da nova administração.
A partir dessa análise, observou-se a importância da existência de um evento externo à
organização e de ações gerenciais específicas em um processo de mudança cultural.
Nos casos analisados, a privatização foi o evento externo que serviu como ·um
agente catalisador para o processo de mudança, impulsionando as pessoas a reverem
posicionamentos pré-existentes. Do mesmo modo, as ações gerenciais parecem ter sido
importantes ferramentas no processo, contribuindo para a redefinição do comportamento
dos funcionários e reforçando os valores preconizados pela nova administração.
Como conclusão do estudo percebeu-se que valores comumente aceitos nas
empresas estatais tais como paternalismo, estabilidade, valorização do status quo,
burocracia excessiva e influência política, deram lugar à atribuição de maior
responsabilidade para os funcionários, fim da estabilidade, mudanças sempre que
necessárias, agilidade e valorização do desempenho, valores típicos de empresas
privadas.
Vl1
FERNANDES, Ana Beatriz de A. Menezes. Mudança Cultural em Empresas Privatizadas: Estudo de Casos. Orientadora: Professora Ursula Wetzel Brandão dos Santos. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2002. Dissertação. (Mestrado em Administração)
ABSTRACT
The objective of this dissertation is to investigate the process of cultural change in
organizations. By studying the cases of three Brazilian companies privatized by the
government between 1996 and 1998 and through the analysis of 58 focused interviews
with people who remained in the company after the process, it was possible to understand
important aspects of cultural change in business organizations.
Based on the functionalist stream that considers culture an organization variable
and also considering that a corporate culture can be managed, the characteristics of the
companies after and before privatization were reviewed, as well as the managerial actions
taken by the néw administration during the transition phase. As a result of these analysis,
the importance of an externai event and of the management involvement in a process of
cultural change were observed.
In the three companies, the privatization was the externai event that worked as a
catalyst agent, encouraging employees to review their values and positions. At the same
way, management interference seemed to have been an important tool in the process,
helping in redefining employees behaviour and reinforcing concepts valued by the new
administration.
As a conclusion of this study, it was noted that values and beliefs that are typically
found in public companies as well as paternalism, stability, importance of status quo,
excessive bureaucracy and political influence were replaced by stewardship, turnover,
changes whenever needed, quick decisions and meritocracy, values typically found in
private companies.
Vll1
Lista de Figuras
Figura 1.1 Distribuição setorial da receita do PND
Figura 2.1 Interseções entre teoria da cultura e teoria organizacional
Figura 2.2 Cultura como variável independente, externa à organização
Figura 2.3 Cultura como variável independente, interna à organização
Figura 2.4 Cultura e seus elementos
Figura 2.5 Manifestações da cultura
Figura 2.6 O ciclo da evolução cultural nas organizações
Figura 2.7 Tipos e dimensões da mudança cultural
Figura 2.8 Fontes comuns de resistência à mudança
Figura 2.9 Estrutura básica de empresas públicas e privadas
Lista de Quadros
Quadro 1.1 Número de funcionários das empresas estudadas
Quadro 2.1 Tipologia de táticas de socialização
Quadro 2.2 características típicas de empresas estatais e privadas
Quadro 2.3 Níveis da cultura
Quadro 2.4 Elementos da cultura
Quadro 2.5 Características da cultura
Quadro 2.6 Dimensões da cultura
Quadro 2.7 Processo de mudança
Quadro 3.1 Comparação de Métodos de Pesquisa em Ciências Sociais
Quadro 3.2
Quadro 4.1
Quadro 4.2
Número de entrevistas por cargo
Empresa AAA segundo classificação de Schein
Ideologia da AAA - antes e depois
Quadro 4.3 AAA antes e depois segundo Reilly, Chatman e Caldwell (1991)
Quadro 4.4 Dimensões da mudança cultural na AAA
Quadro 5.1 Empresa BBB segundo classificação de Schein
Quadro 5.2 BBB antes e depois segundo Reilly, Chatman e Caldwell (1991)
Quadro 5.3 Dimensões da mudança cultural na BBB
Quadro 6.1 Empresa CCC segundo classificação de Schein
Quadro 6.2 CCC antes e depois segundo Reilly, Chatman e Caldwell (1991)
• Quadro 6.3 Dimensões da mudança cultural na CCC
IX
Quadro 7.1 Comparativo das características da cultura das organizações antes e depois
da privatização
Quadro 7.2 Dimensões da Mudança Cultural- AAA, BBB, CCC
Quadro 7.3 Aderência às características de uma Estatal
Quadro 7.4 Aderência às características de uma Empresa Privada
Quadro 7.5 Ações gerenciais geradoras de mudanças
Quadro 7.6 Valores mudados através de ações gerenciais
Quadro 8.1 características de empresas estatais e privadas
Quadro 8.2 Valores antes e depois da privatização
Quadro 8.3 Ações gerenciais e os valores antes e depois
1 Introdução
1.1 Objetivos do estudo 1.2 Relevância do estudo 1.3 Organização do estudo
2 Referencial Teórico
2.1 Cultura
Sumário
Pág. 1
1 3 8
9
9
2.2 Cultura Organizacional 10 2.2.1 Teoria organizacional - suposições e metáforas 11 2.2.2 Diferentes correntes no estudo da cultura organizacional 14 2.2.2.1 Tipologia dos estudos de Cultura Organizacional- Rowlinson e Procter (1999) 15 2.2.2.2 Tipologia dos estudos de Cultura Organizacional- Linda Smircich (1986) 19
2.3 Elementos da Cultura 32
2.4 Desenvolvimento, Manutenção e Identificação da Cultura 39 2.4.1 Modelo Dinâmico de Schein (1985) par a análise da formação da Cultura 39 2.4.2 Modelo de evolução cultural de Dyer Jr (1985) 42 2.4.3 Modelo de identificação de cultura de Sathe (1985) 43 2.4.4 Modelo de Deal e Kennedy (1982) 44
2.5 Mudança Cultural 44 2.5.1 Tipos de mudanças culturais 46 2.5.2 Analisando quantidade de mudança segundo Beyer e Trice (1998) 46 2.5.3 Considerações específicas em mudanças culturais 49 2.5.3.1 O modelo de mudança transformadora de Schein (1999) 49 2.5.3.2 Modelo de mudança de Trice e Byer (1993) 50
2.6
2.7
3
3.1
3.2 3.2.1 3.2.2 3.3 3.3.1 3.3.2
Empresa Pública e Empresa Privada
Modelo Conceitual
Metodologia
Objetivo da pesquisa
Tipo de pesquisa O conceito de pesquisa qualitativa O Estudo de casos Fonte de dados Dados secundários Coleta de dados
56
59
62
62
62 63 64 67 67 70
x
XI
3.4 Tratamento e Análise de dados 70 3.4.1 Particularidade das empresas pesquisadas 72 3.4.2 Etapas do tratamento e análise de dados 71 3.4.3 Uso de software para análise de dados qualitativos 72 3.4.4 Confidencial idade dos depoimentos 72
3.5 Limitações do método 73
4 Descrição e Análise de Caso - Empresa AAA 75
4.1 Histórico da Empresa AAA 75 4.2 A Empresa AAA antes da privatização 76 4.3 A Empresa AAA depois da privatização 86 4.4 Ações desenvolvidas no processo de privatização e pela nova 95
Administração
4.5 Análise do processo de mudança cultural 99 4.5.1 Níveis da cultura 99 4.5.2 Elementos da cultura 104 4.5.3 Características da cultura 107 4.5.4 Dimensões da mudança cultural 109 4.5.5 Ações gerenciais promotoras de mudança cultural 111
5 Descrição e Análise de Caso - Empresa BBB 115
5.1 Histórico da Empresa BBB 115 5.2 A Empresa BBB antes da privatização 115 5.3 A Empresa BBB depois da privatização 119 5.4 Ações desenvolvidas no processo de privatização e pela nova 122
administração
5.5 Análise do processo de mudança cultural 127 5.5.1 Níveis da cultura 127 5.5.2 Elementos da cultura 129 5.5.3 Características da cultura 130 5.5.4 Dimensões da mudança cultural 131 5.5.5 Ações gerenciais promotoras de mudança cultural 132
6 Descrição e Análise de Caso - Empresa CCC 135
6.1 Histórico da Empresa CCC 135 6.2 A Empresa CCC antes da privatização 135 6.3 A Empresa CCC depois da privatização 139 6.4 Ações desenvolvidas no processo de privatização e pela nova 146
administração
6.5 6.5.1 6.5.2 6.5.3 6.5.4 6.5.5
7
Análise do processo de mudança cultural Niveis da cultura Elementos da cultura Características da cultura Dimensões da mudança cultural Ações gerenciais promotoras de mudança cultural
Análise conjunta dos três casos
150 150 152 153 154 155
158
7.1 As empresas antes da privatização 159 7.2 Dimensões das mudanças culturais percebidas nas empresas privatizadas
161 7.3 Aderência das características das empresas ao modelo de Machado 164 7.4 Ações gerenciais 165
8 Conclusões 174
9 Recomendações para Pesquisas Futuras 179
10 Referências Bibliográficas 180
xii
1
1 Introdução
1.1 Objetivos do estudo
Durante as décadas de 70 e 80, o conceito de cultura e o estudo das
organizações tornaram-se cada vez mais próximos. A identificação de aspectos
simbólicos nos sistemas organizados conduziu a uma abordagem cultural nas
organizações.
Nesse contexto, surgiram vários estudos e diferentes correntes que
discutem o que é e como se comporta a cultura corporativa. Algumas dessas
visões são controversas e radicais. Enquanto alguns acadêmicos defendem,
por exemplo, que o assunto mereceria uma disciplina específica nos estudos
das organizações, outros autores não somente negam a importância da cultura
nas organizações, como negam, até mesmo, a sua existência.
Parte dessa discussão e falta de consenso em torno do conceito de
cultura organizacional decorre da existência de múltiplas definições e múltiplos
métodos de investigação. Disciplinas tais como a Antropologia, Sociologia,
Psicologia têm mostrado cada vez mais interesse por esse assunto trazendo
para as discussões paradigmas e métodos de pesquisa particulares.
Associada á definição da cultura organizacional, está o questionamento
sobre a possibilidade dessa cultura ser gerenciável. Nesse ponto surge uma
cisão teórica entre autores que acreditam ser viável gerenciar a cultura de uma
organização e os que pensam de modo diferente.
Esse estudo aborda a cultura organizacional sob a ótica funcionalista,
defendida por autores que enfocam a cultura como uma variável independente,
interna ou externa à organização. Assume-se também, nesse trabalho, que a
cultura de uma organização pode ser gerenciada embora isso possa não ser
um processo fácil.
Cabe ainda ressaltar que a opção pela abordagem funcionalista desse
estudo, está em linha com a experiência profissional do pesquisador e sua
vivência em empresas que passaram por subseqüentes mudanças em seus
processos e valores.
2
Assim, à luz da corrente funcionalista, o presente estudo analisa os
efeitos sobre a cultura corporativa em três organizações brasileiras que
passaram por um processo de privatização realizado pelo governo no final dos
anos 90.
Partindo do pressuposto que o estudo e conhecimento da cultura de
uma organização é importante e considerando que cada organização possui
características, valores, comportamentos, ambientes e atividades-fim distintos,
esse estudo investiga se e de que forma:
1. Um evento externo, no caso a privatização, pode provocar mudança cultural
em uma organização;
2. Ações gerenciais podem provocar mudança cultural em uma organização.
Três empresas foram analisadas a partir de dados qualitativos obtidos
através de 61 entrevistas em profundidade1 realizadas pela Professora Ursula
Wetzel Brandão dos Santos em sua Tese de Doutorado em Administração pelo
Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração - COPPEAD, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ: Processo de Downsizing em
Empresas Privatizadas: A Percepção dos Parlicipantes. As transcrições dessas
entrevistas foram disponibilizadas para uso no presente estudo.
Mediante análise das entrevistas realizadas com gerentes e funcionários
de diferentes áreas, buscou-se identificar as características da cultura da
empresa antes e depois de cada uma delas ter sido privatizada. Procurou-se,
1 De acordo com Yin (1994) "pud Wetzel (2000) seriam indicadas três tipos de entrevistas no estudo de caso: a) entrevista aberta (ope1l-ended); b) entrevista foca da (foCllsed) e c) entrevista com questões estruturadas. Na entrevista aberta, as perguntas poderiam incluir dados e opiniões acerca de determinados eventos e poder-se-ia obter dos respondentes insights acerca de determinadas ocorrências. O segundo tipo de entrevista, a focada, seria uma importante fonte de coleta de informações, quando houvesse pouco tempo para o encontro entre pesquisador e pesquisado. Nestas situações, seria natural a utilização de um conjunto de questões derivadas do planejamento do estudo de caso. O terceiro e último tipo de entrevista, a com questões estruturadas, seria adequado se houvesse necessidade de se realizar um estudo semelhante ao das pesquisas quantitativas, orientadas por procedimentos de amostragem. Segundo Wetzel (2000), as entrevistas seguiram um roteiro seguindo a linha de entrevistas focadas.
3
ainda, entender a estratégia traçada por cada empresa durante o período de
privatização.
1.2 Relevância do estudo
A globalização, a modemização das economias e a necessidade de
investimento em áreas sociais exigem modificações de posicionamento dos
governos em relação a algumas questões, incluindo a questão das empresas
estatais.
No Brasil, o Programa de Privatização representa a operacionalização
de uma decisão geral de modernização do setor público, surgindo como um
potente instrumento para a redefinição do papel do Estado na economia. Ele se
dedica a desenvolver e implementar formas de reestruturar, desativar ou
transferir ao setor privado, empresas cujo controle não mais se justifica estar
em mãos do estado.
Alguns autores, como Kornai (1990), defendem que a privatização deve
ser feita com o objetivo de estabelecer a efetiva propriedade e o controle das
empresas, em vez de simplesmente transferir nominalmente as ações para a
iniciativa privada. Por outro lado, não pode ser esquecida a velocidade
necessária, pois os processos de privatização correm o risco de parar em
função de divergências políticas, no momento em que os diversos agentes
econômicos envolvidos passarem a reclamar dos possíveis prejuízos
resultantes.
Durante décadas o setor público brasileiro promoveu ações e programas
voltados para o desenvolvimento econômico e industrial do país participando,
direta e indiretamente, da consolidação de diversos setores produtivos, tais
como: siderúrgico e energético (década de 30), mineração (década de 40),
transportes (década de 50) e petroquímico (décadas de 60 e 70).
Diante dos desafios impostos pela economia mundial a partir da década
de 80, tais com: concorrência acentuada e acelerada, mercados altamente
globalizados e constantes aperfeiçoamentos tecnológicos, somados com a
necessidade de reduzir as dificuldades fiscais do governo e reestruturar e
4
tornar eficiente os serviços públicos prestados à sociedade, foi criado, em
1990, o Programa Nacional de Desestatização (PND).
O PND tem como objetivo o reordenamento da participação estatal na
economia; a redução da divida pública; a eliminação dos gargalos,
principalmente em infra-estrutura, que dificultam o crescimento econômico
brasileiro; e o aumento da produtividade e competitividade do parque industrial
nacional.
Foi o primeiro programa, na história econômica brasileira, dedicado
integralmente à privatização de empresas estatais, venda de participações
minoritárias e concessão à iniciativa privada de serviços públicos,
principalmente telecomunicações, eletricidade, transportes e saneamento.
Os resultados gerais, até inicio de 2000, foram2:
• Privatização de 65 empresas;
• Concessão de 58 serviços públicos;
• Foram arrecadados US$72 bilhões;
• Foram transferidos para a iniciativa privada US$18 bilhões em dividas.
Historicamente o processo de privatização brasileiro teve a seguinte
evolução:
a) Década de 80 - reprivatização
Anteriormente ao PND, o governo iniciou, durante a década de 80, um
modesto processo de reprivatização de empresas que, anteriormente privadas,
tinham sido estatizadas em função de dificuldades financeiras.
Foram vendidas 38 estatais, em sua maioria de pequeno porte, proporcionando
uma arrecadação de US$780 milhões.
Em 1985, o governo brasileiro criou o Conselho Interministerial de
Privatização, com a função de efetivar as diferentes formas institucionais de
reestruturação, desativação, descentralização ou transferência de empresas
estatais para o setor privado.
2 Dados obtidos no si!e do governo na internet: http://www.infraestruturabrasil.gov.br
5
b) Década de 90 - primeira metade
Com a criação do PND, o processo de privatização foi ampliado e
melhorado em relação às tentativas da década anterior. No período de 1990 a
1994, o governo obteve resultado geral de US$12,6 bilhões com as
privatizações,. que envolveram, principalmente, as empresas do setor
siderúrgico. ., ..
Em 1993, o presidente Itamar Franco assinou um decreto regulamentando a
venda das estatais. Desde então, várias empresas brasileiras já' foram
privatizadas, a despeito da enorme resistência de uma parte da sociedade e do
questionamento sobre -as melhorias no serviço prestado à população.
As receitas obtidas com a venda de estatais e participações minoritárias
atingiram US$ 8,1 bilhões e as dívidas transferidas foram de US$4,5 bilhões; O·
pagamento pela aquisição das empresas foi feito, principalmente, com ,títulos
da dívida pública federal, as chamadas "moedas de privatização". ."
Nessa etapa, foi passado para a iniciativa privada o controle de 20
empresas e a participação mirioritária que o governo possuía em outras 13:
A distribuição setorial na receita total do PND foi:
• Siderúrgico 75% • Petroquímico 15% • Fertilizantes 7% • Aeronáutico 3%
Figura 1.1 Distribuição setorial da receita do PND .
Fonte: Paper: Privatização - US$ 90 bilhões e subindo
Site do governo na internet http;.JjwlVw.infraestruturabrasil.gov.br
Ainda em 1994, foram concluídas as privatizações das empresas
siderúrgicas e da maioria das estatais do setor industrial, sendo, logo em
...... ":".
6
seguida, permitida a participação dos investidores estrangeiros em 100% do
capital votante das empresas. Além disso, foi criado o Conselho Nacional de
Desestatização, conferindo mais agilidade e definição na condução das
decisões.
c) Década de 90 - segunda metade
A partir do Govemo Femando Henrique Cardoso, iniciado em janeiro de
1995, o PND foi ampliado.
Nessa segunda etapa, o processo de reordenação do papel do Estado
na economia e na prestação de serviços foi definido com a descentralização, a
flexibilização e a reorientação de suas atividades, com destaque para as
concessões nas áreas de telecomunicações, eletricidade, transportes e
saneamento básico.
Duas vendas, em particular, sinalizaram a mudança do paradigma do .
controle estatal sobre a economia: a da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD),
uma das maiores mineradoras do mundo; e as concessões do sistema
Telebrás. Ocorridas em 1997, essas vendas marcaram a busca por um Estado
modemo e desenvolvimentista.
De 1995 até o início de 2000, foram arrecadados pelo govemo federal
US$60 bilhões em moedas correntes, derivados das privatizações e
concessões de serviços públicos, e foram assumidos pelos compradores
privados outros US$13,5 bilhões em dívidas2.
A venda de ativos estaduais também foi significativa, embora nem todos
os Estados perseguiram a meta da privatização com a mesma urgência.
O processo de privatização de empresas brasileiras ainda está em
andamento e a discussão em tomo dos impactos causados pela transferência
de empresas de setores como energia e comunicações das mãos do estado
para a iniciativa privada, não está encerrada.
Além da privatização, as condições econômicas nacionais e
intemacionais, o desenvolvimento tecnológico e a ação dos competidores são
fatores que provocam mudanças no ambiente no qual as empresas estão
7
inseridas. Fusões, aquisições e internacionalização de empr~sas são
importantes movimentos no ambiente empresarial.
Para competir nesse mundo globalizado, que se desenvolve
rapidamente, as pessoas nas organizações precisam lidar com diferentes tipos
de consumidores e com vários novos competidores. Governos e setores da
população exigem das empresas maior preocupação ambiental e uma maior
preocupação social.
Ao mesmo tempo, a explosão do conhecimento e da quantidade de
informações disponíveis significa que as organizações precisam lidar com
especialistas com diferentes tipos e níveis de especialização, com: visões .do
mundo diferentes e muitas vezes conflitantes.
Profissionais com múltiplas experiências, distintos níveis sócio
econômicos e muitas vezes de nacionalidades diferentes se unem em projetos
multinacionais e em novas organizações formadas através da compra ou
associações de empresas.
Com tudo isso, os gerentes e altos executivos das empresas têm o
desafio de definir as ações mais adequadas para assegurar a sobrevivência e a
prosperidade da sua organização. Precisam ainda saber como lidar e extrair o
melhor das diferenças individuais .
. Do ponto de vista teórico, a importância do presente estudo deriva de
sua inserção no debate acadêmico sobre processos de ·mudança
organizacional. Ao estudar a forma como· a mudança cultural ocorreu em
empresas privatizadas, buscou-se desvendar alguns aspectos relacionados a
este tema, no âmbito das empresas brasileiras representantes de·:diferentes
setores da economia.'··
Do ponto de vista prático, a importância do presente estudo decorre do
fato de que ele pode proporcionar algumas indicações relevantes para a prática
empresarial não somente em empresas a serem privatizadas, mas em todas as
empresas inseridas em um contexto onde processos de mudança são
freqüentes.
O estudo foi baseado em três empresas de grande porte com o seguinte
número de funcionários:
8
Empresa Qtde de funcionários
AAA 6.300
BBB 7.500
CCC 12.000
Quadro 1.1 Número de funcionários das empresas estudadas
1.3 Organização do estudo
Este trabalho está organizado em oito capítulos. O primeiro deles
apresenta os objetivos do estudo e sua relevância.
No segundo capitulo, apresenta-se a literatura existente sobre o tema.
São descritas as principais correntes teóricas a debaterem o tema de cultura
organizacional.
No terceiro capítulo, apresenta-se a metodologia adotada, incluindo o
método de pesquisa utilizado e a fonte dos dados.
Nos capítulos quatro, cinco e seis são feitas as descrições e análises
dos casos analisados, tomando-se como base o aspecto específico que se
pretendeu investigar - o processo de mudança cultural a partir da privatização
das empresas.
No sétimo capítulo é feita uma análise comparativa entre aS três
empresas.
Por último, no capítulo oito, são apresentadas as conclusões do estudo.
9
2 Referencial Teórico
2.1 Cultura
Embora existam, na literatura acadêmica e popular, inúmeras variações,
o conceito de cultura no qual se baseia a teoria organizacional teria sua origem
na Antropologia (Sackman, 1992) tendo sido primeiramente usado na língua
inglesa por E. B. Taylor, em 1871 (Salama, 1992). Para Taylor apud Gonzaga
Mello (1987), a cultura seria um conjunto complexo que incluiria: conhecimento,
crença, arte, moral, lei, costumes e várias outras aptidões e hábitos adquiridos
pelo homem como membro da sociedade.
Por essa definição, conclui-se que Cultura, em sentido amplo, seria todo
o conjunto de obras humanas, que distingue o homem de outros animais.
Em seus trabalhos, Taylor enfatizaria a capacidade humana de aprender
e transmitir para outros seu conhecimento e definiria cultura como o resultado
dessa capacidade humana de aprendizagem. Para o autor, a capacidade de
continuar, criar, acumular e transmitir a cultura, independente de sua herança
genética seriam as questões mais importantes a serem discutidas (Salama,
1992).
o conceito de cultura já foi definido das mais diversas formas e sob
diversos enfoques. Pode-se adotar uma visão de cultura segundo enfoque
antropológico, que busca desvendar os significados dos costumes de uma
sociedade, ou segundo a visão sociológica do termo, que procura compreender
a elaboração dos símbolos (Salama, 1992).
A enciclopédia Delta Larousse (1972), por exemplo, define cultura em
seu sentido antropológico e sociológico, como um complexo de hábitos, idéias
ou criações do homem, recebidas do grupo em que nasceu ou adquiridas ao
contato com outros grupos.
Segundo Gonzaga Mello (1987), alguns estudiosos, como os
antropólogos Kroeber e Klucklohn consideram que, embora alguns aspectos da
cultura sejam universais como, por exemplo, a necessidade de se cuidar de um
bebê para que ele sobreviva, os grupos diferem culturalmente de acordo com
suas histórias e experiências de aprendizagem.
10
De acordo com Linton (1971) apud Gonzaga Mello (1982), a cultura de
qualquer grupo ou sociedade consistiria na soma total e na organização de
idéias, reações emocionais condicionadas e padrões de comportamento
habitual que seus membros adquiririam pela instrução ou pela imitação de que
todos, em maior ou menor graus, participariam. A cultura, entretanto, não seria
apenas adquirida; ela seria também transformada, acrescentada e mudada
pela inovação ou descoberta.
Sathe (1986) considera que o conceito atual de cultura foi influenciado
pelas escolas adapcionistas e ideacionistas. A primeira basear-se-ia no que
seria diretamente observável nos membros de uma comunidade - modo de
falar, linguagem e modo de vestir, por exemplo. A segunda observaria os
conceitos compartilhados nas mentes dos membros de uma comunidade:
aspirações, valores, crenças e outras idéias que as pessoas têm em comum
(Ester de Freitas, 1991).
O conceito de cultura poderia ser aplicado a diversos grupos coletivos,
tais como organizações, profissões, religiões ou famílias.
2.2 Cultura Organizacional
Durante as décadas de 70 e 80, o conceito de cultura e o estudo das
organizações tornaram-se cada vez mais próximos. O reconhecimento dos
aspectos simbólicos de sistemas organizados chamou atenção para uma
perspectiva cultural nas organizações (Smircich, 1983). Nesse contexto,
surgiram vários estudos que trataram o gerenciamento como uma atividade
simbólica (Smircich e Morgan, 1983) enquanto outros chamaram atenção para
o poder do simbolismo organizacional - lendas, estórias, mitos e cerimônias
(Trice e Beyer, 1983).
Há muitas controvérsias na literatura sobre cultura corporativa.
Estudiosos como Hofstede (1986), advogam que cultura organizacional deve
ser uma disciplina própria nos estudos sobre gerenciamento. Entretanto, outros
autores como Thackray (1986), não somente negam a importância da cultura
nas organizações como até mesmo desconsideram a sua existência.
11
Essa confusão sobre o conceito de cultura corporativa deve-se à grande
quantidade de definições e métodos de investigação sobre o tema, originadas
pelas várias e diversas correntes que o estudam. Disciplinas tais como a
Antropologia, Sociologia e Psicologia interessam-se pelo estudo da cultura
organizacional o que, se por um lado enriquece a discussão, por outro dificulta
a obtenção de um consenso sobre sua definição e sua operacionalização (Trice
e Beyer, 1983).
2.2.1 Teoria Organizacional - suposições e metáforas
Vários autores (Morgan e Smircich, 1980) têm se dedicado a
compreender as várias suposições que os teóricos das organizações
apresentam em seus estudos. Esses autores concordam que o trabalho na
teoria organizacional pode ser caracterizado por uma série de suposições
sobre o status ontológico da realidade social - a questão do objetivo vs
subjetivo - e uma gama de suposições sobre a natureza humana - a questão
do determinismo vs voluntarismo (Smircich, 1983).
Pesquisadores que mantêm diferentes posições sobre essas questões,
abordam o estudo das organizações de diferentes modos. Entretanto, apesar
dessas diferenças básicas, alguns argumentam que todos os cientistas buscam
conhecer o mundo através de suas diferentes percepções sobre o seu objeto
de estudo (Morgan, 1980).
Outros apontam que o uso de metáforas, ou seja, a caracterização de
uma coisa em função de outra, é um aspecto fundamental do pensamento
humano; é como conhecemos o mundo (Lakoff e Johnson, 1980). Segundo
Smircich (1980), percepção e conhecimento estariam vinculados em um
processo interpretativo que seria metaforicamente estruturado, permitindo-nos
conhecer um elemento de experiência em função de outro. Usar uma metáfora
implicaria um modo de pensar e uma forma de ver que permearia a maneira
pela qual se entende o mundo em geral.
Ao longo do desenvolvimento da teoria e prática administrativa, tanto os
teóricos das organizações como os praticantes têm usado uma variedade de
metáforas ou imagens, para caracterizar, moldar e diferenciar uma espécie de
12
experiência conhecida como "organização". Ainda segundo Smircich (1983), a
associação com metáforas seria relevante para compreender a organização e a
administração. As organizações seriam fenômenos complexos e paradoxais,
que poderiam ser compreendidos de muitas maneiras diferentes. Muitas das
idéias assumidas como certas sobre as organizações seriam metafóricas,
mesmo que não fossem reconhecidas como tal. Falar-se-ia, por exemplo, sobre
organizações, como se elas fossem máquinas desenhadas para atingir fins e
objetivos pré-determinados, que devessem funcionar tranqüila e
eficientemente. Quando os administradores pensam nas organizações como
máquinas, tenderiam a administrá-Ias e planejá-Ias como máquinas feitas de
partes que se interligariam, cada uma desempenhando um papel claramente
definido no todo. Como resultado desse tipo de pensamento, suas qualidades
humanas acabariam impelidas para um papel secundário (Morgan, 1986).
Outra metáfora bastante utilizada considera as organizações como
organismos (Morgan, 1986). Essa visão, apreendida da biologia, em que
ecossistemas definiriam um hábitat e os seres vivos que o habitam, levar-nos
ia a ver a organização como participante de um ambiente e sujeita às
influências dos outros participantes desse ambiente. Desse modo, poder-se-ia
analisar todo o ciclo de vida de uma organização, seu nascimento,
crescimento, desenvolvimento, declínio e morte conforme as relações de
demanda do meio ambiente. A capacidade de adaptação das organizações ao
meio ambiente também poderia ser claramente percebida por meio desta
metáfora. Essa imagem focalizaria a sua atenção em compreender e
administrar as "necessidades" organizacionais e as relações com o ambiente.
Levaria a ver os diferentes tipos de organizações como pertencentes a
diferentes espécies. Vêem-se que diferentes espécies seriam mais talhadas
para lidar com as demandas de diferentes ambientes e, desta forma, aumentar
se-ia a capacidade de desenvolver interessantes teorias sobre as relações
entre organizações e os seus ambientes.
Embora metáforas que aludam ao ambiente fisico, tais como a dos
organismos e das máquinas sejam historicamente dominantes, outras
metáforas, como as sociais, também têm sido usadas para elaborar aspectos
13
da organização (Smircich, 1983). Por exemplo, as organizações podem ser
vistas como "palcos", onde os atores têm papéis, dramas e scrípts ou como
"arenas políticas" orientadas à busca e conquista de poder. Cada uma dessas
imagens metafóricas foca sua atenção em aspectos distintos e fornece modos
diferentes de se conhecer o fenômeno chamado organização. Nem sempre o
uso de uma metáfora é uma escolha consciente ou se faz explícita, mas pode
ser inferida através do modo como o estudo da organização é conduzido, das
suposições feitas no estudo.
Alguns autores, como Pinder e Bourgeois (1982), entretanto, são
contrários ao uso de metáforas uma vez que isso pode afastar os teóricos das
organizações do seu objeto de estudo. Essa linha de pensamento é combatida
por autores que sugerem que o próprio termo organização é uma metáfora que
se refere à experiência de coordenação e ordenamento coletivo (Smircich,
1983).
"Organização ê uma função do problema da ordem e ordenação,
similarmente, conceituações da organização sociais têm sido função da
conceituação do problema da ordem e da ordenação. Muito cedo na
experiência humana, ordem parece ter sido um tipo de fato empírico do qual
não se pode escapar nem se pode reter. O sol nasce e se põe; pessoas
nascem e morrem; as estações vêm e vão; e existe a procissão das estrelas. O
padrão espacial e a temporalidade da experiência humana estabeleceram um
imaginário da ordem, formando uma vestimenta para o drama do cosmos
surgindo do caos. A conquista lenta e incrementaI de um substancial avanço
científico no conhecímento do universo, foi construída na experiência semiótica
e na sua tradicional devoção a suposição inquestionável que esse é um
universo ordenado. (Meadows, 1967:78 apud Linda Smircich, 1983)."
Se, seguindo a linha de Meadows (1967) e Smircich (1983), a teoria
organizacional é dominada pelo conceito de ordem social, o interesse pelo
conceito de cultura não é uma surpresa. Na antropologia, cultura seria o termo
fundamental através do qual ordenamento e padronização da maioria da
experiência humana seria explicada. O mesmo argumento usado por Meadows
(1967) sobre a teoria organizacional poderia ser usado na antropologia cultural
- ela também questionaria o problema da ordem social. O que se vê ao
14
associar os conceitos de cultura e organização seria a interseção das duas
imagens, as associadas com organização e as associadas com cultura.
2.2.2 Diferentes correntes no estudo da cultura organizacional
Tal como cultura, a cultura organizacional também é difícil de ser
definida; mas, seguindo Smircich (1983), uma divisão seria sempre feita entre
pesquisadores que tratariam cultura como variável e os que considerariam
cultura uma metáfora. Segundo Schultz (1995), cultura como uma variável
basear-se-ia em uma perspectiva racionalista defendida por autores populares
como Peters e Waterman e Oeal e Kennedy assim como na perspectiva
funcionalista, representada por Schein. Para Schultz (1995), a cultura seria
usada como uma metáfora na perspectiva simbólica, corrente criada a partir de
estudos de antropólogos como Geertz. Ainda de acordo com Schultz, do ponto
de vista da perspectiva funcionalista a pergunta mais importante seria: "qual a
função que a cultura preenche em uma organização?" Enquanto a pergunta
fundamental feita pelo simbolismo seria: "qual o significado da organização
para seus membros ?". (Rowlinson e Procter, 1999).
Rowlinson e Procter (1999) defendem que os diferentes estudos de
cultura organizacional ao invés de serem mutuamente exclusivos são níveis de
análises que se sobreporiam. Em um primeiro nível, a metáfora da cultura
organizacional, veria a organização como um todo, uma coletividade. No
segundo nível, a perspectiva simbólica da organização, possibilitaria uma
interpretação da importância simbólica do fenômeno anteriormente inexplicado
ou não percebido. Por último, o discurso pós-moderno das organizações
preocupar-se-ia em como estariam sendo feitas as pesquisas, levantaria
dúvidas sobre a racionalidade de se conduzir pesquisas e usar a linguagem
para expressá-Ia. Esses três níveis corresponderiam ao culturismo corporativo,
simbolismo organizacional e ao pós-modernismo (Rowlinson e Procter, 1999).
15
2.2.2.1 Tipologia dos estudos de Cultura Organizacional- Rowlinson e Procter, 1999.
a. "Culturismo" Corporativo
Para Rowlinson e Procter (1999), uma das explicações para a explosão
das pesquisas sobre cultura corporativa durante os anos 80, teria sido o fato do
sucesso econômico do Japão ter sido creditado às características culturais do
Japão e das suas corporações. Em resposta a isso, pesquisadores americanos
como Peters e Waterman (1982) e Deal e Kennedy (1982), teriam percebido a
necessidade de se valorizar as virtudes culturais das empresas americanas.
Essa versão popular do "culturismo corporativo,,3 teria sido duramente criticada
por advogar manipulação e controle ideológico como uma estratégia essencial
de gerenciamento.
A importância da história empresarial seria claramente reconhecida no
culturismo corporativo popular, mesmo que o seu tratamento tenha sido
simplista. Segundo Rowlinson e Procter (1999), Peters e Waterman basear-se
iam em eventos históricos escritos por proeminentes membros das
organizações e os tratariam como fontes históricas incontestáveis. Deal e
Kennedy também dariam grande importância a fontes históricas. Para esses
autores, as organizações americanas seriam mais do que simples
organizações seriam instituições humanas.
Segundo criticos dessa corrente, os depoimentos de executivos e
gerentes usados pelos teóricos do culturismo corporativo seriam considerados
verdades incontestáveis, havendo pouca reflexão sobre o que é dito. Nem
Peters e Waterman, nem Deal e Kennedy discutiriam o lado negro das histórias
que aflorariam.
Além disso, embora os autores dessa corrente reconheçam a
importância da história empresarial, eles a separariam claramente dos mitos.
Para eles a história seria imutável, enquanto "estórias, mitos e lendas"
poderiam ser construidos para atender aos valores e a cultura da empresa.
Quando se tratasse de gerenciar a cultura, eles atribuiriam muito mais poder ao
mito do que à história (Rowlinson e Procter, 1999).
3 Nomenclatura usada por WiIlmott (1993).
16
Schein (1985), um dos mais influentes estudiosos da cultura corporativa,
trabalha sobre uma estrutura funcionalista, e reconhece que a informação
histórica é vital para o estudo de cultura. Entretanto ele considera a histórica
metodologicamente inacessivel devido ao problema dos significados. Os
estudos de cultura de Schein seriam amplamente baseados em entrevistas. A
natureza dos seus dados reforçaria o fato que a história real seria complexa,
dificil de ser interpretada e por si só um repositório de cultura. Schein simplifica
e reinterpreta os dados de modo a enquadrá-los em temas que façam sentido
em termos de cultura organizacional.
Schein (1985) interpreta fatores históricos no que diz respeito à história
de seus fundadores. Ao invés de basear-se na história das culturas
organizacionais, Schein invoca teorias psicológicas da psicodinâmica de
formação de líderes. Ele se utiliza disso para idealizar o quadro de como
culturas organizacionais são formadas a partir da ação de seus fundadores.
b. Simbolismo Organizacional
O simbolismo organizacional abrangeria diversas tradições teóricas
como a antropologia, semiótica, criticismo literário e estudos de comunicação.
Estudiosos dessa corrente advogariam não haver consenso sobre o que seria
cultura organizacional ou sobre o que esperar do estudo da cultura
organizacional. Entretanto, segundo Rowlinson e Procter (1999), eles desejam
afastar-se do culturismo corporativo. Os simbolistas organizacionais posicionar
se-iam como acadêmicos e não praticantes, como puristas culturais e não
pragmáticos.
O simbolismo organizacional estaria associado a ponto de vista de
teóricos sociais que defenderiam que para compreender a realidade social
seria preciso estar menos preocupados com previsões e mais com o
significado e interpretações dos atores, que ajudariam a construir o fenômeno
social denominado organização. Simbolistas organizacionais não entenderiam
a cultura como chave para predição do sucesso das organizações. (Rowlinson
e Procter, 1999).
17
Os adeptos do simbolismo organizacional seriam particularmente críticos
à idéia que as organizações possuiriam uma única cultura corporativa que
poderia ser manipulada pela gerência da organização. Ao contrário, as
organizações poderiam ser vistas como contendo subculturas. (Rowlinson e
Procter,1999).
A mudança para o simbolismo organizacional estaria associada à
crescente desilusão com os métodos quantitativos usados nos estudos
organizacionais, os quais encorajariam os pesquisadores a separarem-se do
fenômeno que criou a vida organizacional e passar muito pouco tempo nas
organizações coletando dados.(Rowlinson e Procter, 1999).
Do mesmo modo que Geertz, os simbolistas organizacionais
defenderiam descrições em profundidade sobre as organizações, envolvendo
casos qualitativos em contraposição às descrições sucintas baseadas em
poucas entrevistas com gerentes. Por outro lado, autores como Ott (1989)
argumentariam que os estudos de caso profundos raramente poderiam ser
replicados. Isso aconteceria porque a pesquisa etnográfica seria um produto da
relação entre o pesquisador, a comunidade pesquisada e os atores da
organização que estaria sendo estudada. O papel do pesquisador nesse
relacionamento não poderia ser passivo.
Os simbolistas acreditariam que a objetividade na pesquisa
organizacional seria um mito e que uma genuína perspectiva de ciência social
seria uma infraestrutura interpretativa subjetivamente imposta no processo de
coletar e analisar dados culturais. O reconhecimento do pesquisador como
parte do processo interpretativo, resultaria em um estilo de escrever subjetivo
onde o autor estaria necessariamente presente de algum modo. Segundo
Rowlinson e Procter (1999), num caso extremo isso poderia levar a uma
autobiografia e não a uma etnografia, onde o interesse seria captar a
experiência única do autor em uma cultura, e não em uma descrição confiável
da mesma (Rowlinson e Procter, 1999).
18
c. Pós Modernismo
Ainda segundo Rowlinson e Procter (1999) a relutância dos simbolistas
organizacionais em pesquisar e escrever narrativas históricas seria reforçada
pela influência do pós-modernismo. Na maior parte dos estudos
organizacionais, o pós-modernismo teria sido fonte de inspiração para os
teóricos com formação no simbolismo organizacional.
Em comum com os simbolistas organizacionais, o pós-modernismo
estaria associado com a introdução nos estudos da cultura organizacional de
disciplinas tais como a lingüística, psicanálise, antropologia, critica literária e
história. Assim como o conceito de cultura, o pós-modernismo é difícil de ser
definido e seus críticos reclamam essa falta de definição (Rowlinson e Procter,
1999). O pós-modernismo poderia ser mais bem entendido como um termo que
abrigaria uma gama de discussões envolvendo linguagem, cultura,
racionalidade e escrita. Essas discussões constituiriam uma mudança textual
nos estudos organizacionais particularmente ligados aos estudos etnográficos
da cultura organizacional. Para os pós-modernistas, os etnógrafos estariam tão
preocupados com a arte de escrever quanto com a de pesquisar sobre cultura.
Existe um temor de que reflexões infindáveis sobre o que faz a etnografia ser
uma etnografia distraiam os etnógrafos de fazer trabalho de campo. Enquanto
o pós-modernismo corre o risco de ser acusado de querer transformar toda a
ciência social em crítica literária, Rowlinson e Procter (1999), alertam sobre o
risco de isso ser usado para se evitar uma maior reflexão crítica.
As mais céticos ou duras versões do pós-modernismo, associadas a
gurus como Lyotard (1984) e Baudrillard (1992), aparentariam acreditar no fim
dos estudos organizacionais tal qual apostariam no fim da história. Para esses
autores, do mesmo modo como não faria sentido procurar padrões e
significados na história, seria igualmente inútil interpretar o mundo em termos
de organizações, culturas e símbolos.
São as formas mais suaves ou positivas das versões do pós
modernismo, especialmente a de Foucault (1972), as que teriam sido
consideradas tanto no estudo de culturas organizacionais quanto na história
das organizações. A influência de Foucault estaria nos conceitos de que
19
organização e cultura não se refeririam a objetos, mas a construções
lingüísticas.
2.2.2.2 Tipologia dos estudos de Cultura Organizacional- Linda Smircich, 1986.
Segundo Smircich (1986), a interseção entre a teoria das organizações e
a teoria da cultura se manifesta em várias áreas temáticas e conteúdos, que
são de interesse de estudiosos das organizações e de gerenciamento, como
mostra a figura 2.1. Diferentes conceitos de organização e cultura teriam
gerado estudos nas seguintes áreas: gerenciamento corporativo,· cultura
organizacional, simbolismo organizacional e organização e processos
inconscientes. A variação no modo em que o conceito de cultura é usado por
pesquisadores nessas diversas áreas estaria diretamente ligada aos diferentes
modos como "organização" e "cultura" são percebidos. Seus questionamentos
são guiados por diferentes metáforas e buscam diferentes fins.
Smircich (1983), define cinco programas de pesquisas diferentes
associados a conceitos de cultura e organização, e que utilizam diferentes
suposições e metáforas: Nos dois primeiros, cultura seria uma variável
organizacional que poderia ser tanto independente ou dependente, externa ou
interna. Nos três últimos, cultura não seria uma variável, mas uma metáfora
para conceituação de organização.
a. Cultura como variável independente
Estudos sobre gerenciamento comparativo analisam variações no
gerenciamento, práticas de trabalho e atitudes em diferentes países (Haire,
Ghiselli e Porter apud Smircich, 1983). Para esses estudiosos, cultura seria um
fator que estaria na retaguarda, quase sinônimo de país, uma variável
explanatória ou uma infraestrutura básica e ampla, influenciando e reforçando o
desenvolvimento de credos. A literatura sobre esse tema poderia ser
segmentada em um macro foco, examinando a relação entre cultura e a
estrutura da organização e em um micro foco, investigando similaridades e
diferenças na atitude de gerentes de diferentes culturas (Smircich, 1983).
Cultura é um instrumento a serviço das necessidades humanas biológicas e psicológicas.
Ex. Funcionalismo de Malinowski
Cultura funciona como um mecanismo adaptativo e regulatório, Une individuas em estruturas sociais.
Ex. Funcionalismo estrutural de Radcliffe-Browni.
Cultura é um sistema de cognições compartilhadas. A mente humana cria a cultura através de um numero finito de regras.
Ex. Etnociência de Goodenough.
Cultura é um sistema de simbolos e significados compartilhados. As ações simbólicas precisam ser interpretadas. lidas e decifrooas para serem entendidas.
Ex. Antropologia simbólica de Geertz.
Cultura é um projeção da infraestrutura universal da mente humana.
Ex. Estruturalismo de Levi-Strauss.
ASSUNTOS ESTUOADOS NA PESQUISA GERENCIAL E ORGANIZACIONAL
Gerenciamento
Corrporativo ~--
Cultura
Corporativa
Cogniçao
Organizacional
Simbolismo
Organizacional
Processos Inconscientes e
Organizaçao
20
Organizações são instrumentos sociais para a realização de tarefas.
Ex. Teoria Clássica.
Organizações são organismos adaptativos existentes através do processo de troca com o ambiente.
Ex. Teoria Contingerdal
Organizações são sistemas de conhecimento. A· Organização "reside na rede de significados subjetivos que seus membros compartilham em níveis variados. e parece funcionar baseada em
regras Ex. Teoria Organizacional Cognitiva
Organizações sao padrOes de discurso simbólico. A "Organizaçao" é mantida através de modos simbólicos como a linguagem qLe facilitam o compartilhamento de sgnificooos e realidades.
Ex. Teoria Organizacional Simbólica.
Formas e práticas organizacionais são manifestações de processos do inconsciente.
Ex.Teoria Organizacional Transformacional.
Conceitos de Cultura Conceitos de Organização
Figura 2.1. Interseções entre teoria da cultura e teoria organizacional
Fonte: Concepts of Culture and Organizational Analysis, Linda Smircich, 1983-Administrative Science Quartely, 28 (1983): 339-358
Esse conceito de cultura-organização poderia ser esquematicamente
representado como na figura 2.2.
Contexto Cultural
A Organização
Figura 2.2 Cultura como variável independente, externa á organização
Fonte: Concepts of Culture and Organizational Analysis, Linda Smircich, 1983-Administrative Science Quartely, 28 (1983): 339-358
21
Assim, a cultura seria tratada como uma variável independente, trazida
para a organização através dos seus membros. Sua presença seria detectada
através dos padrões, das atitudes e ações dos membros da organização.
Pesquisas derivadas dessa visão analisariam diferenças entre culturas,
localizariam grupos similares e traçariam as implicações sobre efetividade
organizacional.
b. Cultura como variável interna
Um segundo modo de se relacionar os conceitos de organização e
cultura seria o de pesquisadores tais como Deal e Kennedy (1992), que
acreditam que as organizações por si só seriam fenômenos geradores de
cultura.
Nesse caso, as organizações seriam vistas como instrumentos sociais
que além de produzirem bens e serviços produziriam artefatos culturais
distintos tais como rituais, lendas e cerimônias. Embora as próprias
organizações estivessem inseridas em um contexto cultural mais amplo,
pesquisadores dessa linha enfatizariam os aspectos sócio-culturais
desenvolvidos nas organizações (Smircich, 1986).
Pesquisas que se utilizam desse conceito baseiam-se na teoria dos
sistemas. Como tal, estariam preocupadas em articular padrões de
relacionamentos contingenciais entre variáveis típicas da organização, tais
como estrutura, tamanho, tecnologia e liderança. Algumas variáveis subjetivas,
como cultura, seriam inseridas no modelo de sistemas, com o reconhecimento
que processos simbólicos estariam ocorrendo dentro das organizações.
Consistente com o modelo da teoria dos sistemas, essa linha de pesquisa
consideraria que a organização estaria em constante troca com o seu meio
ambiente. O meio-ambiente estabeleceria alguns padrões de comportamento
que os gerentes trariam para as organizações através de simbolismos. O
resultado seria que a dimensão cultural ou simbólica de algum modo
contribuiria para o balanço sistêmico geral e para a efetividade da organização.
A figura 2.3 esquematiza essa forma de abordagem entre cultura e
organização
Contexto Cultural .,/' ".
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Figura 2.3 Cultura como variável independente, interna à organização
Fonte: Concepts of Culture and Organizational Analysis, Linda Smircich, 1983-Administrative Science Quartely, 28 (1983): 339-358
22
Dentro dessa abordagem, a cultura seria normalmente definida como um
aglutinador social que manteria a organização integrada. Ela expressaria os
valores ou ideais sociais e os credos que os membros da organização
compartilhariam. Esses valores ou padrões de crenças seriam manifestados
através de meios simbólicos como mitos, rituais, estórias, lendas e linguagem
especializada.
Algumas das mais antigas referências ao conceito de cultura como uma
variável organizacional interna, podem ser encontradas na literatura de
Desenvolvimento Organizacional. A maior parte dos pesquisadores dessa área
estaria preocupada em melhorar os mecanismos adaptativos dentro das
organizações. As intervenções do Desenvolvimento Organizacional estariam
sempre direcionadas ao subsistema cultural de modo a permitir o
questionamento de valores e normas sob os quais as pessoas operariam.
Essas ações ajudariam a cultura a ser mais receptiva a mudanças, facilitando o
realinhamento de todo o sistema organizacional a uma configuração mais
viável e satisfatória (Smircich, 1986).
Entretanto, outra linha de pesquisa não explicitamente preocupada com
projetos de mudanças planejadas, tem focado em aspectos normativos e
simbólicos das organizações. Essa linha de pesquisa defende que haveria
alguns processos de interpretação subjetiva que poderiam influenciar a
23
adaptação em ambientes organizados, e procuraria descrever e prever o modo
como tais processos estão relacionados a outros parâmetros como rotatividade
de pessoal, absenteismo e comprometimento. Essa linha de pesquisa
investigaria várias dimensões da cultura organizacional. Seus pesquisadores
advogariam que artefatos culturais e mesmo o próprio gerenciamento seriam
poderosos mecanismos simbólicos de comunicação. Eles poderiam ser usados
para estabelecer o comprometimento organizacional, converter uma filosofia de
gerenciamento, racionalizar e legitimizar atividades, motivar pessoas e facilitar
a socialização. (Smircich, 1986).
Cultura concebida como valores e crenças compartilhadas, preencheria
várias importantes funções. Em primeiro lugar, forneceria um senso de
identidade aos membros da organização. Em segundo lugar, facilitaria o
estabelecimento de comprometimento dos membros com algo maior do que
consigo mesmo. Em terceiro lugar, melhoraria a estabilidade do sistema social.
Por último, a cultura serviria com um algo que faz sentido e que norteia e
modela os comportamentos.(Smircich, 1986).
Essa linha de pesquisa ofereceria a perspectiva de que a cultura
organizacional poderia ser uma peça chave, uma poderosa ferramenta para
direcionar e influenciar o curso de uma organização. A crença seria que
empresas cuja cultura organizacional estivesse alinhada a seus objetivos
estratégicos teriam maiores chances de sucesso. Aos gerentes caberia
encontrar o modo como usar estórias, lendas e outros simbolismos próprios
para atingir os objetivos que deseja. (Smircich, 1986).
De um modo geral, pesquisas baseadas na visão de cultura como uma
variável organizacional buscariam entender como moldar e definir uma cultura
interna de um modo particular e como mudar uma cultura de modo a atingir os
objetivos organizacionais.(Smircich, 1986).
Em contraposição a essa pesquisa, alguns estudiosos questionariam o
fato de uma cultura ser gerenciável. A maior parte da literatura referir-se-ia a
uma cultura organizacional, esquecendo-se da grande possibilidade de haver
mais de uma cultura, subculturas ou mesmo contra-culturas, competindo na
definição da natureza das situações dentro dos limites da organização. Outro
24
questionamento feito seria até que ponto o termo cultura corporativa referir-se
ia a nada mais do que uma ideologia cultivada pelos gerentes com o objetivo
de controlar e legitimizar suas atividades. (Smircich, 1986).
Apesar desses questionamentos, o conceito de cultura corporativa
geraria muito interesse entre acadêmicos e profissionais. Talvez por se tratar
de um termo de senso-comum - todos saberiam o que significa sem muita
explicação. Para acadêmicos, cultura forneceria uma ligação conceitual entre
micros e macros níveis de análise, bem como uma ligação entre
comportamento organizacional e interesses gerenciais estratégicos. Para
profissionais, proveria um modo menos racional de entender o mundo
organizacional, de modo mais próximo da sua vivência prática. (Smircich, 1986)
c. Comparativo entre cultura como variável independente e como variável
interna
Embora as diferentes abordagens anteriormente analisadas pareçam
distintas, há nelas alguns aspectos comuns. Ambas estão consistentes com os
paradigmas funcionalista, a visão estruturada do sistema, e o social factual. As
duas são derivadas de pressuposições básicas similares sobre a natureza do
mundo social, das organizações e da natureza humana.
Ambas assumem que o mundo social se expressa em termos de
relacionamentos formais e contingenciais entre os seus elementos, chamados
de "variáveis" (Morgan e Smircich, 1980). Elas compartilham o conceito de
organizações como organismos, existindo em um ambiente que apresenta
algumas normas de comportamento. No primeiro caso, "cultura" é parte do
ambiente e vista como determinando ou imprimindo sua força. No segundo
caso, cultura organizacional é vista como resultado da interferência humana.
Nos dois casos organizações e cultura são conhecidas através do estudo de
padrões de relacionamento dentro e fora das suas fronteiras.
Ao se considerar cultura como uma variável, as suas atenções são
focalizadas na linguagem, nos símbolos, mitos, histórias e rituais. Mas
enquanto a primeira linha busca entender essas manifestações da cultura
como variáveis, a segunda busca entendê-Ias como geradoras de significados.
25
o ponto comum nos estudos das duas abordagens, é a busca por
modos previsíveis de controle organizacional e da melhoria do gerenciamento
das organizações. Nos dois casos o problema da casualidade é de importância
crítica.
d. Cultura como metáfora
As duas maneiras anteriormente descritas para analisar-se cultura e
organização estão consistentes com a imagem de organização como um
organismo. Mas existem outras maneiras de analisar as organizações, por
exemplo, como cérebros, sistemas políticos e prisões psicológicas (Morgan,
1986)4
Alguns teóricos defenderiam que as organizações deveriam ser
entendidas como culturas. A metáfora cultural enxergaria a organização como
idéias, valores, normas, rituais e crenças que sustentariam a organização como
uma realidade social construída. Eles abandonariam a idéia de que cultura
4 Quando se comparam as organizações a cérebros, dar-se-ia importância aos processos de
informação. aprendizado e inteligência e às formas de desenvolvê-los. Segundo esse enfoque as
organizações modernas poderiam ser melhor entendidas se fossem comparadas com hologramas. Os
hologramas apresentariam a caracteristica peculiar de ser o todo e a parte ao mesmo tempo. A
organização holográfica se formaria a partir da divisão do todo em partes, da criação de redes de
conectividade e redundância entre partes, da existência simultânea da especialização e da generalização
8, por fim, da capacidade de se organizar por si só em uma forma total. Assim, a organização seria uma
fonte de informações, inteligência e auto desenvolvimento (Morgan, 1986).
A metáfora política buscaria explicar a organização segundo interesses, conflitos e disputas de
poder internas e externas à organização. Uma metáfora derivada desta seria a da organização como
instrumento de dominação e exploração com vistas a atingir objetivos organizacionais. (Morgan, 1986)
As organizações também poderiam ser vistas como prisões psiquicas em que as pessoas são
aprisionadas pelos seus pensamentos, ideais, crenças e preocupações surgidas do seu inconsciente.
Neste enfoque, as organizações seriam um reflexo das manifestações do inconsciente das pessoas. A
busca da redução da ansiedade, da satisfação dos desejos, da solução dos problemas advindos da
repressão sexual e da segurança seriam os guias mestres desta visão. (Morgan, 1986)
26
seria algo que a organização tem em detrimento de algo que a organização é
(Smircich, 1983).
O uso da cultura como uma metáfora seria bastante diferente do que
fazer analogias entre organizações e máquinas ou organizações e organismos.
Representaria uma mudança na comparação da cultura com objetos físicos
para comparação com outro fenômeno social, uma suposição sujeita a
ambigüidades devido ao caráter abstrato de cultura. A cultura como uma
metáfora para as organizações iria além da visão instrumental das
organizações vistas como máquinas e além da visão adaptativa proveniente da
metáfora do organismo. Cultura como metáfora veria as organizações como
formas expressivas, manifestações da consciência humana, entendidas e
analisadas não somente em termos econômicos e materiais, mas em termos
de sua expressão, ideais e aspectos simbólicos. (Smircich, 1983).
Caracterizada amplamente, a linha de pesquisa derivada dessa
perspectiva exploraria o fenômeno da organização como uma experiência
subjetiva, e investigaria os padrões que tomariam a ação organizada possível.
(Smircich, 1983).
O conceito de cultura desenvolvido na antropologia serviria como um
instrumento epistemológico do mesmo modo como a metáfora dos organismos
serviria como base para o desenvolvimento da teoria dos sistemas nas
organizações. Entretanto, como já dito anteriormente, na própria antropologia o
conceito de cultura seria bastante variado. Quando os teóricos das
organizações desenvolvem uma analogia com a cultura, costumam trabalhar
com uma visão de cultura extraida da antropologia cognitiva, da antropologia
simbólica ou da antropologia estrutural e teorias psicodinâmicas. A antropologia
cognitiva diz que a cultura consiste no conhecimento compartilhado; a
simbólica considera cultura como significados compartilhados; e a estruturalista
enfoca a cultura como a manifestação e expressão das operações
inconscientes da mente.
27
d.1. Perspectiva Cognitiva
De acordo com a corrente que segue a antropologia cognitiva,
conhecida como etnociência, cultura seria um sistema de cognições
compartilhadas ou um sistema de conhecimentos e crenças. A cultura seria
vista como um sistema único para perceber e organizar fenômenos materiais,
coisas, eventos, comportamentos e emoções (Smircich, 1983).
A cultura seria gerada pela mente humana através de um número finito
de regras ou significados de uma lógica inconsciente. A tarefa de um
antropólogo que seguisse essa corrente seria determinar quais seriam essas
regras, descobrir como os membros da cultura vêem e descrevem seu mundo
(Smircich, 1983).
A maior conseqüência prática de se conceber as organizações como
associações sociais cognitivas seria a ênfase no pensamento e na mente. Os
membros da organização seriam vistos como componentes que tem
comportamento e pensamento (Smircich, 1983).
A perspectiva cognitiva teria sido crescentemente aplicada ao estudo
das organizações. Teóricos dessa corrente poderiam ou não usar o termo
cultura em seus trabalhos. A ênfase que dariam à cognição os levaria a ver as
organizações como redes de significados subjetivos ou sistemas de referência
compartilhados que membros da organização compartilhariam em diferentes
graus e, assim, para um observador externo, pareceriam funcionar como regra.
Algumas dessas pesquisas documentariam como os membros da organização
perceberiam a eles mesmos como uma coletividade. Muitas vezes seriam
também diagnósticos, no sentido que descreveriam até que ponto existiria uma
base compartilhada para ação ou espaço para conflito (Smircich, 1983).
O entendimento de organizações como culturas - estruturas de
conhecimento ou empresas cognitivas - seria semelhante à noção de
paradigma como aplicado nas comunidades científicas. Em outras palavras,
paradigmas e culturas, ambos referir-se-iam a visões do mundo, padrões
organizados de pensamento acompanhados do entendimento do que
constituiria conhecimento adequado e atividade legítima. Alguns teóricos
considerariam a conceituação de organizações como paradigmas úteis para se
28
pensar sobre processos estratégicos de gerenciamento e mudança
organizacional (Smircich, 1983).
A orientação cognitiva da cultura e organização seria unificada pela
atenção dada pelos teóricos à base epistemológica da ação social, assim como
das suas buscas para encontrar uma gramática para explicar seu padrão. Um
pensamento comum nesses trabalhos seria que o pensamento estaria ligado à
ação. A maior conseqüência prática de se conceber as organizações como
empresas cognitivas socialmente sustentadas seria a ênfase na mente e no
pensamento. Membros da organização seriam vistos como seres que pensam
e se comportam.
Enxergar as organizações como sistemas de conhecimento abriria
canais para o entendimento do fenômeno da atividade organizada. As questões
a serem pesquisadas seriam: Quais as estruturas de conhecimento que
estariam operando? Quais seriam as "regras" ou "roteiros" que direcionariam a
ação? Seriam estas as questões práticas para os que buscam entender,
diagnosticar e alterar o modo como a organização está funcionando (Smircich,
1983).
d.2. Perspectiva Simbólica
Outra corrente é a da perspectiva simbólica. Antropólogos como
Hallowell (1955) e Geertz (1973) tratariam sociedades ou culturas como
sistemas de símbolos e significados compartilhados. Perceberiam a função do
antropólogo como sendo interpretar os "temas" da cultura - esses postulados
ou entendimentos, declarados ou implícitos, aprovados por todos embora sem
regulamentação específica, que orientariam e estimulariam a atividade social.
De modo a explicar os sistemas de significados que permeariam as atividades,
os antropólogos mostrariam o mOodo como símbolos operariam em relações
plenas de significados e demonstrariam sua conexão como as atividades das
pessoas (Smircich, 1983).
Quando essa perspectiva simbólica fosse aplicada à análise
organizacional, a organização, assim como a cultura, seria entendida como um
padrão de discurso simbólico. Seria necessário interpretar, "ler" ou "decifrar"
29
para ser entendida. Para interpretar uma organização, o pesquisador focaria no
modo em que uma ação ou experiência se tornaria significativa para as
pessoas. Isso seria feito observando-se os relacionamentos mantidos no
campo através do modo como prestam atenção, nomeiam e outros padrões de
atitudes. O pesquisador poderia usar várias evidências para construir uma
figura complexa e multifacetada de vários tipos de sistemas simbólicos e seus
significados associados. O pesquisador também estaria preocupado em
articular temas recorrentes que representariam padrões de discursos
simbólicos e que especificariam ligações entre valores, crenças e ações em um
cenário. Os temas, expressos de vários modos simbólicos, representariam o
coração de uma análise simbólica da organização como cultura (Smircich,
1983).
O foco dessa forma de análise organizacional seria como os indivíduos
interpretariam
interpretações
e compreenderiam suas experiências e como essas
e percepções se relacionariam com as ações. Com essa
orientação, o conceito de organização seria problemático já que o pesquisador
buscaria examinar os processos através dos quais grupos de pessoas
passariam a compartilhar interpretações e significados vivenciados que
permitiriam a possibilidade de uma atividade organizada. Aqui a agenda de
pesquisa seria documentar a criação e manutenção da organização através da
ação simbólica.
Por terem esse foco de interesse, teóricos da organização simbólica
teriam muito em comum com os líderes das organizações. Teóricos e
administradores estariam preocupados com assuntos práticos tais como criar e
manter um senso de organização e como alcançar interpretações comuns de
situações de modo que uma ação coordenada fosse possivel. Algumas
pesquisas derivadas dessa perspectiva visualizariam a liderança como o
gerenciamento dos significados e formatação das interpretações.
d.3. Perspectivas Estrutural e Psicodinâmica
Cultura também pode ser entendida como a expressão de processos
psicológicos do inconsciente. Essa visão da cultura seria a base da
30
antropologia estrutural de Levi-Strauss. Estaria também presente no trabalho
de teóricos das organizações que analisariam as organizações através de
abordagens psicodinâmicas. Sob essa ótica, as formas e práticas das
organizações seriam entendidas como projeções de processos inconscientes e
analisadas segundo a interação dinâmica entre processos desconhecidos e
sua manifestação consciente.
O estruturalismo de Levi-Strauss teria pouco desenvolvimento na teoria
das organizações. Ele assumiria que a mente humana teria limites fixos sobre
os quais se estrutura conteúdo físico e psíquico. Uma vez que esses limites e
estruturas seriam desconhecidos, eles poderiam ser chamados de "infra
estrutura do inconsciente" (Smircich, 1983). Nesse caso, a cultura mostraria o
trabalho da infra-estrutura do inconsciente; revelaria a forma da inconsciência.
Por essa perspectiva, o propósito do estudo da cultura seria revelar aquilo que
está escondido, dimensões universais da mente humana. A tarefa da análise
estrutural seria descobrir uma ordem de relações que tornassem uma série de
partes, de significado individual limitado, em um todo inteligível. Essa ordem
poderia ser chamada estrutura.
De acordo com Levi-Strauss as "estruturas" resolveriam problemas. Se
essa abordagem de cultura fosse aplicada ao estudo das organizações poder
se-ia perguntar: Quais problemas seriam resolvidos por esses padrões
persistentes em organizações como a hierarquia? O que os padrões de
organização revelariam sobre a mente humana?
Por essa perspectiva a maioria da análise organizacional poderia ser
criticada por ser muito limitada na sua abrangência. A pesquisa organizacional
tenderia a lidar somente com o nível superficial, fragmentos que seriam, de
fato, elementos dos modelos conscientes compartilhados por participantes e
analistas organizacionaís. O estruturalismo e os modelos psicodinâmicos
separariam a experiência do fenômeno da realidade sublinhada que faria surgir
formas de associações particulares. Assim um analista de organizações
orientado por uma perspectiva dinâmica ou psicodinâmica necessitaria penetrar
por sob a superfície da aparência e experimentar para descobrir as bases
objetivas dos arranjos sociais.
31
e. Comparativo da cultura como metáfora
Embora a perspectiva cognitiva, simbólica, estrutural/ psicodinâmica das
organizações e cultura tenha distintos focos de interesse entre teóricos da
cultura organizacional, todas teriam uma base comum que as separariam das
visões que consideram cultura como uma variável. Esse modo de pensar
adotaria a idéia de cultura como um mecanismo epistemológico para enquadrar
o estudo das organizações como fenômeno social. Embora haja diferenças no
modo como cultura é conceituada, ao se considerar as abordagens cognitiva,
simbólica, estrutural ou psicodinâmica, ao se considerar a cultura como
metáfora, todas consideram a organização como uma forma particular de
expressão humana. Essa abordagem é distinta das oriundas das metáforas na
máquina ou dos organismos, nas quais as organizações são percebidas como
instrumentos com um fim especifico ou como mecanismos adaptativos.
Ao se considerar a cultura como metáfora; o mundo social passa a não
ter um objetivo, uma existência independente imposta aos seres humanos. Ao
contrário, as sociedades e organizações somente existem por causa das
relações e dos significados mantidos através dos processos interativos dos
seres humanos. A ação social só é possivel por causa dos significados
determinados consensualmente através da experiência que, para um
observador externo, poderia ter a aparência de uma regra independente.
O foco da atenção de pesquisadores aqui também está na linguagem,
símbolos, mitos, estórias e culturas, assim como nas abordagens que
consideram cultura uma variável. Entretanto, aqui eles não são considerados
artefatos culturais, mas processos produtivos que criam e modelam
significados e que são fundamentais para a existência da organização. Quando
a cultura é uma metáfora, a atenção dos estudiosos muda de preocupações
sobre o que as organizações alcançam e como podem alcançá-Ias mais
eficientemente para como a organização é formada e o que significa estar
organizado.
32
2.3 Elementos da Cultura
Embora exista uma enorme variedade de conceitos de cultura
organizacional, a maior parte dos trabalhos empiricos baseia-se na visão de
cultura como um fenômeno duradouro e autônomo, que pode ser isolado para
análise e comparação entre diferentes organizações (Detert, Schroeder &
Mauriel, 2000). Há também em comum, em várias visões sobre cultura, a idéia
que esta consistiria de uma combinação de artefatos (também chamados de
práticas, símbolos de expressão ou formas), valores, credos e pressupostos
sobre determinados comportamentos, que os membros da organização
compartilhariam (Schein, 1992). O fato de que esses conceitos compartilhados
atuam de um modo normativo para guiarem o comportamento faria com que a
cultura fosse considerada um "aglutinador social" da organização (Smircich,
1983).
Segundo Hofstede, Neuijen, Ohajv e Sanders (1990), a maioria dos
autores concorda com as seguintes características do conceito de cultura
organizacional: ela seria (1) holistica, (2) historicamente determinada; (3)
socialmente construída; (4) "soft"; (5) difícil de mudar. Segundo esses autores,
essas características teriam sido tratadas separadamente em vários trabalhos
sobre cultura organizacional realizados nas últimas décadas.
Schein (1984) analisa a cultura organizacional da seguinte forma:
"Cultura é o resultado da aprendizagem coletiva ou compartilhada
adquirida pela organização enquanto ela desenvolve sua capacidade de
sobreviver ao ambiente externo e gerenciar seus assuntos internos. Cultura é o
conjunto de soluções para esses problemas externos e internos que
funcionaram, de forma consistente para um grupo e assim foram ensinados
para os novos membros da organização como a correta maneira de perceber,
pensar e sentir em relação àqueles problemas. Essas soluções
eventualmente tornam-se pressupostos sobre a natureza da realidade,
verdade, tempo, espaço, natureza humana, atividade humana e
relacionamento humano. A partir de então são tomadas como certo e
finalmente saem do nível da consciência. O poder da cultura està no fato de
que ela opera uma série de pressupostos inconscientes e tomados como
verdade (Schein, 1984).
33
De acordo com o mesmo autor, cultura organizacional seria entendida
como um fenômeno que existe em três níveis, como ilustrado na figura 2.4.
1. Artefatos e criações
Estariam no nível mais superficial, seriam fáceis de serem vistos, mas
difíceis de serem decifrados. O que se veria e o que se ouviria quando se
entrasse em uma organização - a arquitetura, o modo como mesas e
escritórios estão dispostos, a decoração, o clima, a tecnologia disponível etc.
Seriam os modelos de comportamento visíveis e audiveis. Ao se deparar com a
cultura, no nível de artefatos ter-se-ia um impacto emocional imediato;
entretanto o que se veria e sentiria não necessariamente seria o que é. Nesse
nível não se conheceria a razão pela qual todos funcionários agiriam de um
determinado modo ou a razão da configuração formada e observável da
organização.
2. Valores
Seriam explicações dadas pelos membros da organização para o que
acreditam estar por trás dos artefatos. Representariam manifestações da
cultura, a nível do consciente de cada indivíduo, que procurariam relatar a
ideologia, filosofia ou credo básico da organização.
3. Pressupostos Básicos
Pressupostos básicos norteariam e criariam valores. Seria a organização
em seu nível mais profundo. Os valores históricos trazidos pelos seus
fundadores e pelos seus líderes ao longo do tempo. Seriam os elementos
usados na solução de problemas que se mostraram eficazes e que
gradativamente foram aceitos, saindo do nível consciente para o nível do
inconsciente. Esses elementos resultariam de um processo de aprendizado
em conjunto. Seriam idéias originalmente oriundas dos fundadores e líderes,
compartilhadas e admitidas pelos novos membros da organização à medida
que estes percebessem a utilidade para o sucesso da empresa.
1. Artefatos e Criações Tecnologia Arte Padrões de comportamento visíveis e audíveis
~
~ 2. Valores
Testáveis no ambiente físico Testáveis somente com consenso social
i 3. Pressupostos Básicos
Relação com o ambiente Natureza da realidade, tempo e espaço Natureza da natureza humana Natureza da atividade humana Natureza do relacionamento humano
Figura 2.4 Cultura e seus elementos
Fonte: Schein, 1985
34
Visíveis mas nem sempre decifráveis
i Maior nível de consciência
i Entendidos como certo, invisíveis, préconscientes
Hofstede, Neuijen, Ohajv e Sanders (1990), classificam as
manifestações de cultura em quatro categorias: (1) símbolos, (2) heróis, (3)
rituais e (4) valores.
Símbolos seriam palavras, gestos, figuras ou objetos que carregariam
um significado particular dentro da cultura. Heróis seriam pessoas vivas ou
mortas, reais ou imaginárias que possuiriam características altamente
valorizadas na cultura e que serviriam de modelo de comportamento. Rituais
seriam atividades coletivas, tecnicamente supérfluas, mas socialmente
essenciais dentro da cultura.
Simbolos
Heróis
Rituais
Valores Práticas
Fi9ura 2.5. Manifestações da cultura
Fonte: Hofstede, Neuijen, Ohayv e Sanders, 1990
35
Essas características seriam desenhadas na forma de camadas
sucessivas dos símbolos mais superficiais para rituais mais profundos. De
acordo com o modelo de Hofstede, Neuijen, Ohayv e Sanders (1980),
símbolos, heróis e rituais poderiam ser agrupados em "práticas", porque seriam
visíveis para um observador embora seu significado cultural estivesse no modo
em que fosse percebido por membros da cultura. De acordo com a figura 2.5,
e baseado em estudos tradicionais de cultura corporativa, o coração da cultura
seria formado pelos valores, no sentido de sentimentos amplos e não
especificos de bem ou mal, bonito ou feio, normal e anormal, racional e
irracional - sentimentos, na sua maior parte, inconscientes e raramente
discutidos, que não poderiam ser observados como tal, mas que seriam
manifestados em comportamentos alternativos.
Schein (1984), observa que a manifestação do conceito de cultura se dá
por meio de símbolos, da linguagem, da ideología, das crenças, dos ritos e dos
mitos.
1. símbolos - seriam as maiores manifestações da cultura, referências
por si só, enquanto as outras manifestações citadas seriam formas de
simbolismo. Símbolos seriam objetos, atos, relacionamentos ou formações
lingüísticas que apresentariam diversos significados e que evocariam emoções
e impeliriam pessoas a agirem. A construção de símbolos serviria como um
meio para a formação da identidade da organização.
36
2. linguagem - seria outra forma de manifestação da cultura
organizacional. A linguagem seria um conjunto de signos com a capacidade de
comunicar significados. Por seu meio, as experiências seriam compartilhadas e
transmitidas não apenas como um conjunto de palavras e termos, mas também
recheadas de significados ocultos. A análise de certas características
peculiares à detenminada linguagem poderia ser muito útil para desvendar a
cultura de uma organização. Muitas vezes, grupos específicos em uma
organização desenvolveriam uma linguagem própria. Este seria o caso da
subcultura, por exemplo, de engenheiros que utilizariam freqüentemente
termos técnicos no seu vocabulário.
3. gestos - seriam movimentos de partes do corpo usados para
expressar significados. Funcionariam como complemento às idéias transmitidas
por meio da linguagem.
4. - ideologia seria um conjunto de crenças sobre o mundo social e sua
operação, contendo fatos sobre o arranjo social e as ações
esperadas em tal arranjo. A ideologia serviria como um elo de ligação
entre atitudes e ações. 5
5. ritos - segundo Trice e Beyer (1984), os ritos constituir-se-iam de um
conjunto relativamente elaborado, dramático e planejado de atividades, que
consolidariam várias formas de expressão cultural em um evento, realizado por
meio de interações sociais, geralmente para o benefício da audiência e com
múltiplas conseqüências sócias. Por meio dos ritos, as regras sociais seriam
definidas, estilizadas, convencionadas e principalmente valorizadas.
Seis tipos básicos de ritos e seus objetivos poderiam ser identificados:
• Ritos de passagem: facilitariam a transição de indivíduos
para novos papéis e novo status;
5 Poderia ser comparada com uma religião que exige fé e dedicaçao de seus membros (Pagés, 1985).
37
• Ritos de degradação: dissolveriam identidades sociais e o
poder a eles associados;
• Ritos de confirmação: fortaleceriam identidades sociais e o
poder a eles associados;
• Ritos de reprodução: renovariam estruturas sociais e
melhorariam o seu funcionamento;
• Ritos para a redução de conflito: reduziriam conflitos e
agressões;
• Ritos de integração: encorajariam e reviveriam sentimentos
comuns que agregariam os indivíduos e os manteria em um sistema
local.
6. A criação de mitos seria a forma encontrada para estabelecer o
comportamento correto e valorizado contra atitudes inaceitáveis. Os mitos
exerceriam um papel importante na formação da cultura, pois seriam
rapidamente criados e facilmente percebidos pelos membros da organização.
Os mitos seriam ricas fontes para "revelar" a cultura de uma organização
(Fleury, 1987).
7. As sagas seriam narrativas históricas descrevendo uma realização ou
atividade ímpar, realizada com sucesso e, em geral, com grande heroísmo.
Pela descrição e definição das várias formas e funções dos símbolos,
linguagens, crenças, rituais e mitos, poder-se-ia perceber que todos estariam
interligados e convergiriam para solucionar o problema da integração interna da
empresa.
Robbins (1998) apud Reilly, Chatman e Caldwell (1991), definiriam sete
características básicas que, juntas, apreenderiam cultura de uma organização.
1. Inovação e tomada de risco
O grau em que as empresas seriam estimuladas a serem inovadoras e a
assumirem riscos.
2. Atenção a detalhes
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o quanto à organização esperaria que funcionários fossem precisos,
analíticos e atentos a detalhes.
3. Orientação para resultados
A concentração em resultados comparada à concentração em técnicas e
processos para atingir aos objetivos organizacionais.
4. Orientação para pessoas
Grau em que a administração consideraria os efeitos das decisões nas
pessoas.
5. Orientação para equipes
O quanto às tarefas estariam mais organizadas em função de equipes
do que nos indivíduos.
6. Agressividade
Grau de agressividade e competitividade das pessoas em detrimento da
sociabilidade.
7. Estabilidade
O quanto às atividades organizacionais dariam ênfase à manutenção do
status quo em comparação com o crescimento.
Avaliando a organização sob estas sete características ter-se-ia, então,
uma imagem da cultura da organização. Esta imagem seria base para o
entendimento partilhado dos membros da organização, de que modo as coisas
seriam feitas nela e da maneira que se espera que os membros se comportem
(Robbins, 1998).
Segundo Schein, (1985), a cultura concebida como um conjunto de
crenças e valores compartilhados preencheria várias funções importantes:
1. Fomeceria um sendo de identidade aos membros da
organização;
2. Facilitaria a geração de comprometimento com algo maior do que
apenas com o próprio indivíduo;
3. Melhoraria a estabilidade do sistema social;
4. Serviria como um mecanismo para guiar e molda o
comportamento.
39
A cultura organizacional poderia ser uma ferramenta adicional
importante com a qual a gerência estratégica conseguiria influenciar e
direcionar mudanças organizacionais. Organizações que tivessem uma cultura
alinhada com sua estratégia teria maiores chances de sucesso (Schein, 1985).
Para Pettigrew (1986), o nível mais profundo de entendimento da
cultura, os credos e pressupostos básicos, se manifestam na estrutura,
sistemas, símbolos, mitos e padrões de recompensa da organização.
Estudos nessa área buscariam, portanto, as formas pelas quais se
moldar a cultura de uma organização e como mudá-Ia de modo a atingir
objetivos gerenciais.
Alguns, entretanto, questionam o fato da cultura organizacional ser
gerenciável. A maior parte da literatura refere-se a uma cultura organizacional,
aparentemente não considerando que há múltiplas subculturas ou mesmo
contraculturas, competindo entre si para definir a natureza das situações,
dentro das fronteiras da organização.
2.4 Desenvolvimento, Manutenção e Identificação da Cultura
2.4.1 Modelo Dinâmico de Schein (1985) para a análise da formação da
Cultura
Segundo Schein (1985), os tipos de problemas que quaisquer empresas
teriam que lidar estariam relacionados á sobrevivência externa ou à integração
interna. Para formar a cultura e sobreviver ao ambiente externo, qualquer
empresa deveria:
A. definir senso de missão, objetivo da existência da organização;
B. estabelecer objetivos concretos derivados da missão da empresa;
C.definir uma estrutura organizacional apropriada e processos de
decisão adequados para que os funcionários atingissem os objetivos
estabelecidos;
D. desenvolver sistemas de monitoramento e controle;
E. definir mecanismos de reavaliação de estrutura e processos para
casos em que os objetivos não estivessem sendo atingidos.
40
Entretanto, para atingir o sucesso que o grupo deveria ter:
1. Linguagem comum e conceitos compartilhados;
2. Algum modo de definir fronteiras e selecionar membros;
3. Alguma forma de alocar autoridade e status;
4. Normas para lidar com relações interpessoais e íntimas;
5. Critérios de recompensas e punições;
6. Alguma forma de lidar com o não administrável.
Para Schein, a cultura seria aprendida através de dois mecanismos
interativos: redução da dor e ansiedade e reforço/recompensa positiva.
O primeiro diria respeito à ansiedade que teria, um indivíduo novo na
organização, provocada pela incerteza na sua capacidade de sobrevivência e
na qualidade de seu relacionamento com os demais membros do grupo. No
segundo mecanismo, reforço positivo, as pessoas repetiriam as ações e
atitudes que funcionassem e abandonariam o que não funcionasse.
Schein acreditaria que a pergunta sobre "se toda a organização tem uma
cultura" poderia ser respondida em termos de oportunidade ou não para que a
aprendizagem entre seus membros ocorresse. Para esse autor, a cultura seria
diretamente proporcional à estabilidade do grupo, ao tempo que ele tem de
convivência e à intensidade da aprendizagem gerada. Assim, para Schein, a
cultura não poderia ser criada simplesmente por uma ação dos executivos ou
decisões de cúpula.
Para Schein, o desenvolvimento cultural de uma organização estaria
relacionado com o seu estágio de desenvolvimento. Usando a noção de ciclo
de vida, o autor atribuiria uma correspondência entre o desenvolvimento da
cultura e os estágios de desenvolvimento da organização, como descrito
abaixo:
1. Fase de crescimento
a. Nascimento e estágios iniciais de organização, onde
existiria a dominação do fundador ou da família dominante.
A cultura seria uma competência distinta e fonte de
identificação, uma espécie de cimento que manteria os
41
membros unidos. Seria dada forte ênfase à socialização
como uma evidência compartilhada.
b. Sucessão. A organização se tornaria um campo de
batalhas entre os conservadores e os progressistas.
Sucessores potenciais seriam julgados de acordo com a
sua capacidade de mudar alguns elementos da cultura
presente.
2. Fase intermediária
Com o desenvolvimento de novos produtos, integração vertical,
expansão geográfica, aquisições, fusões etc. surgiriam subculturas, crises
de identidade, perda de objetos-chave, valores e pressupostos.
Oportunidade para mudança cultural.
3. Maturidade
Com a estabilidade de mercados, falta de motivação para mudanças
a cultura tornar-se-ia restritiva às inovações, passando a ser valorizada
como uma fonte de auto-estima e defesa, preservando a glória do passado.
Nessa fase também poderia ocorrer uma opção de transformação, via
mudança cultural, ou uma opção de destruição, onde ocorreria mudança
cultural nos níveis básicos, através da substituição massiva de pessoas
chave.
Segundo Schein (1985), deveriam ser tomados alguns cuidados
quando se trata de cultura organizacional:
1. Não supersimplificar - a cultura organizacional seria mais
que o comportamento observável e os valores. Seriam os
pressupostos básicos que definiriam a realidade apreendida
para certo grupo;
2. Não esquecer que se deveria aprender a cultura - se a
aprendizagem se desse através de mecanismo baseado em
traumas, haveria resistência às mudanças;
3. Não limitar o raciocínio ao conteúdo da cultura. Seria
importante analisar relações humanas, realidade, verdade,
42
estrutura social, desenho organizacional e decisões
tomadas;
4. Não assumir que se muda fácil a cultura de uma
organização
5. Não assumir que mais cultura ou cultura mais forte seria
necessariamente melhor.
2.4.2 Modelo de evolução cultural de Dyer Jr. (1985)
Maria Ester de Freitas (1989), analisaria o modelo de evolução cultural
proposto por Dyer Jr.(1985) que consideraria três correntes para analisar a
criação da cultura:
1. Fundadores e outros líderes trariam com eles um conjunto de
valores, perspectivas e artefatos para a organização e o
imporia a seus funcionários;
2. A cultura emergiria com a interação dos membros da
organização para resolver problemas relacionados com a
integração interna e a adaptação ambiental;
3. Membros individuais da organização poderiam tornar-se
"criadores da cultura", através de soluções para problemas
individuais de identidade, controle, necessidades individuais e
aceitação, passando-as para as gerações seguintes.
Baseado nessas três correntes, o autor sugere um modelo de evolução
cultural de seis etapas, que considera o processo de resolução das crises e o
papel da liderança, conforme figura 2.6.
43
1. Se a crise percebida 2. Se a percepção fosse
questionasse as acompanhada de ruptura
habilidades e práticas da nos padrões, símbolos,
liderança crenças ou estruturas
t 6. A nova cultura seria sustentada pela introdução 3. Se uma nova liderança de novos padrões de emergisse com um novo manutenção conjunto de pressupostos
5. A crise seria resolvida, e 4. Existência de conflitos se fosse dado crédito à entre os proponentes da nova liderança por essa .. nova e antiga liderança tarefa, estabeleceria-se uma nova elirte cultural
Figura 2.6. O ciclo da evolução cultural nas organizações.
Fonte: Cultura Organizacional - Formação, Tipologias e Impacto, Maria Ester de Freitas
Considerando esse processo cíclico, o autor questionaria o
planejamento da mudança, dizendo que esta seria, em grande parte, resultado
de ocorrências imprevisíveis.
2.4.3 Modelo de identificação de cultura de Sathe (1985)
Sathe (1985) compartilharia as idéias de Schein sobre os níveis de
definição da cultura e como esta se fonmaria, comentando que uma melhor
compreensão se daria quando se examinassem os aspectos de conteúdo
(pressupostos dos fundadores e líderes seguintes, bem como as experiências
atuais de resolução de problemas e aprendizagem) e força (quão importantes
fossem os pressupostos, quão largamente fossem compartilhados e a clareza
de que alguns seriam mais importantes do que outros).
Para decifrar a cultura, Sathe proporia:
44
1. Inferir o conteúdo através das falas, modos de fazer as coisas, os
sentimentos compartilhados;
2. Atentar para as qualificações e "status" dos investigadores (vantagens e
desvantagens da observação dos antigos e recém-admitidos na
organização );
3. Estimar a força da cultura, observando a proporção em que seus
membros compartilhariam manifestações tais como: atributos, slogans,
práticas, expressões de sentimentos etc.
2.4.4 Modelo de Deal e Kennedy (1982)
Deal e Kennedy sugeririam dois tipos de análise: extema e intema. Na
análise extema:
a. Observar-se-ia o ambiente físico que sugeriria quão orgulhosa
uma empresa seria de si própria;
b. Ler-se-ia o que a companhia falaria sobre si e sua cultura;
c. Testar-se-ia como a companhia receberia os estranhos;
d. Entrevistar-se-iam pessoas a respeito da história da companhia,
como teria sido o seu começo, que tipos de pessoas trabalhariam
ali, quem iria avante, a que se atribuiria o sucesso.
O aspecto intemo envolveria entender questões como: o sistema de
carreiras; quanto tempo em média as pessoas ficariam em um determinado
cargo; qual o conteúdo dos discursos e memorandos, as anedotas e estórias
que circulariam na rede cultural. Aqui também poderiam ser detectados alguns
males culturais tais como foco no curto prazo, explosões emocionais, diferentes
padrões de vestimenta, diferentes ambientes físicos, diferentes hábitos de
trabalho e rituais.
2.5 Mudança Cultural
Segundo Maria Ester de Freitas (1991), não seria consenso entre os
pesquisadores que a cultura de uma organização possa ser mudada. Mesmo
os estudiosos que defendem a condição de mudança assumiriam que o
processo não seria simples, barato e nem se faria sem causar traumas.
45
Existiria uma concordância explícita a respeito da cultura ser conectada a
outros elementos organizacionais que também sofreriam alterações caso
houvesse uma mudança cultural, como a estratégia, a estrutura, habilidades,
sistema de recompensas entre outros.
O que se entenderia por mudança cultura seria a definição de um novo
rumo, uma nova maneira de fazer as coisas, alicerçada em novos valores,
símbolos e rituais.
Deal e Kennedy (1982), advogariam que a mudança cultural seria a
parte mais difícil de uma transformação organizacional e que muitos
administradores subestimariam esses dados no que se refere ao tempo e ao
custo. Para esses autores, quanto mais forte fosse a cultura de uma
organização mais difícil seria a sua mudança.
Para Schein (1986), as organizações precisariam mudar para
adaptarem-se a mudanças no ambiente externo. Se as organizações forem
vistas como sistemas abertos, trocas entre a organização e o ambiente externo
seriam constantes.
Trice e Byer (1993) discutiriam que uma maneira de se tirar dúvidas
sobre se uma cultura organizacional poderia ser alterada consistiria em
entender que a verdade está entre as duas visões extremas sobre o assunto.
Alguns estudiosos acreditariam ser praticamente impossível mudar
deliberadamente uma cultura. De acordo com esse argumento, culturas seriam
demasiadamente etéreas para serem descritas, gerenciadas ou mudadas
(Uttal, 1983). Outras análises, entretanto, defenderiam que a cultura poderia
ser totalmente manipulada, sugerindo que gerentes pudessem agir direta e
intencionalmente para mudar suas culturas (Peters e Waterman, 1982; Deal e
Waterman, 1982; Kilmann, 1982). Segundo Trice e Byer (1993), um consenso
que a realidade está no meio do caminho pareceria estar emergindo.
De acordo com Trice e Bayer (1993), estudiosos considerariam a
existência de três maneiras distintas de se classificar o que seria e significaria a
mudança cultural: (1) classificar o que mudança cultural seria e não seria; (2)
descrever, através da observação, o que pareceriam ser tipos de mudanças
culturais qualitativamente diferentes; (3) estudar os prováveis efeitos de
46
quaisquer mudanças específicas em dimensões que representassem aspectos
específicos do funcionamento da organização. As três maneiras procurariam
responder a mesma pergunta: quando uma cultura seria suficientemente
alterada para ser considerada uma mudança cultural?
A resposta a essa pergunta teria ramificações práticas e acadêmicas.
Para serem efetivos em gerenciar suas culturas, os gerentes deveria ter claro
qual deveria ser a linha mestra de seu gerenciamento. Precisariam decidir se
seus esforços seriam no sentido de manter a cultura atual ou no sentido da
inovação. Se eles não estivessem seguros, seria pouco provável que seus
subordinados ou acionistas recebessem mensagens claras de suas intenções
(Trice e Byer, 1993).
2.5.1 Tipos de mudanças culturais
A literatura descreve pelo menos três tipos diferentes de esforços de
mudanças culturais nas organizações. Alguns desses esforços buscariam
trazer mudanças massivas em toda a organização, o mais rápido possível.
Outros também seriam radicais, mas estariam restritos a algumas partes da
organização. Outros ainda envolveriam pequenas mudanças espalhadas ao
longo dos anos ou de décadas. As descrições cairiam três tipos básicos: (1)
esforços revolucionários para mudar a cultura de toda a organização; (2)
esforços confinados a mudar subculturas específicas ou unidades' da
organização; (3) esforços graduais e incrementais, mas que representariam
uma reformatação de toda a cultura organizacional. Todos eles seriam
esforços de mudanças conscientes e planejados. De um modo geral a
diferença entre eles estaria quantidade das mudanças.
2.5.2 Analisando quantidade de mudança segundo Beyer e Trice, 1998
Se a mudança cultural fosse vista como um processo contínuo e não um
evento discreto ou um produto a ser gerado, tornar-se-ia mais fácíl desagregar
aspectos distintos do processo. Os processos de mudança poderiam ser
descritos em quatro dimensões que ajudariam a esclarecer a quantidade de
47
mudança envolvida em um processo de mudança cultural planejado. Essas
dimensões seriam: penetração, magnitude, inovação e duração do processo.
A penetração de uma mudança cultural seria o quanto das atividades em
uma organização seriam afetadas por ela. Essa quantidade seria determinada
por pelo menos dois fatores: quantos membros deveriam mudar seu
comportamento e seu entendimento da cultura, e com que freqüência essas
mudanças impactariam o modo de trabalhar.
A magnitude da mudança estaria relacionada com a distância entre
compreensão e comportamentos antigos e os novos que os funcionários
deveriam adotar. Os funcionários iriam considerar a ideologia e valores
desejados próximos àqueles que já existissem? Haveria algo da ideologia e
valores atuais tão incompatíveis com a cultura desejada que os funcionários
teriam que abdicar delas e por algo diferente em seu lugar?
Inovação se referiria a quanto as idéias e comportamentos na nova
cultura que se desejaria implantar seriam sem precedentes ou haveria alguma
similaridade a algo já implantado em outro lugar. Se a cultura desejada fosse
similar a algo já implantado por outros grupos ou outras organizações, gerentes
e demais funcionários poderiam adaptar o que outros aprenderam sobre como
essa cultura funciona. Em particular, poder-se-ia imitar algumas formas
culturais que ajudariam a comunicar e afirmar tal cultura. Se não fosse similar,
seria necessária originalidade para se pensar em formas culturais como novo
conteúdo. Seria também relevante entender se haveria subculturas na
organização atual similares à cultura que se desejaria implantar. Se existisse
algum exemplo interno, gerentes e funcionários poderiam aprender algo com
eles. Mas se uma cultura totalmente nova fosse desejada, gerentes e
funcionários deveriam inventar novas redes de ideologias e valores para dar
lhe substância.
Duração se referiria a quanto tempo um esforço de mudança deveria
durar e o quão permanente a mudança seria. Embora todas as mudanças
organizacionais radicais levassem anos, algumas seriam mais demoradas que
outras. Esperar-se-ia que mudanças em organizações de baixa performance ou
acostumadas a ambientes de mudanças rápidas, acontecessem mais
48
rapidamente do que em outras. Embora o corpo gerencial normalmente
pretendesse que a nova cultura persistisse por um longo horizonte de tempo,
algumas culturas seriam temporárias - seja porque elas lidariam com
circunstâncias temporárias claramente reconhecidas como tal, ou porque
surgiriam em organizações temporárias.
Uma vez que as quatro dimensões de mudança fossem conceitualmente
distintas, não se deveria esperar que qualquer mudança fosse alta ou baixa em
todas as dimensões. Ao se analisar a quantidade de mudança cultural, os
gerentes deveriam considerar especialmente a magnitude e inovação da
mudança; juntas essas dimensões representariam o quanto as mudanças
previstas representariam um rompimento com o passado. Se a magnitude for
alta, e a inovação baixa ou média, os gerentes estariam enfrentando um
esforço de mudança cultural. Se a inovação fosse alta, os gerentes teriam que
criar uma nova cultura, especialmente se a mudança também fosse
penetrativa. Se tanto a inovação quanto a magnitude fossem baixas, os
gerentes estariam lidando com manutenção da cultura e não com mudança. A
penetração de uma mudança pretendida indicaria o quão inclusiva ela seria.
Alta penetração indicaria que toda a organização deveria ser persuadida a
mudar; baixa penetração indicaria que os esforços de mudança estariam
direcionados a grupos ou unidades pré-determinadas.
A tabela abaixo combinaria as três mudanças descritas anteriormente
com as quatro dimensões acima relatados. A tabela mostraria que diferentes
dimensões de mudanças seriam indicadores chave dos tipos de mudança
cultural descritos na literatura. Embora outras combinações de dimensões
fossem possíveis, estas pareceriam ser as mais comuns.
49
Tipos e Dimensões da Mudança Cultural
Tipos de Mudanças Culturais Dimensões
1. Revolucionária e abrangente Penetração: alta
Magnitude: alta
Inovação; variável.
Duração: variável
2. Subunidade ou subcultura Penetração: baixa
Magnitude: moderada a alta
Inovação; variável.
Duração: variável
3. Remodelagem Penetração: alta
Magnitude: moderada
Inovação: moderada
Duração: alta
Figura 2.7 Tipos e dimensões da mudança cultural
Fonte. The Cultures of Work Organizations, Trice & Byer, 1993
o terceiro tipo de mudança cultural seria a menos descontinua das três.
Os rompimentos com a cultura anterior seriam numerosos, mas cada um deles
seria moderado em magnitude. Além disso, esse tipo de mudança tenderia a
buscar mudanças amplas - aquelas que visariam afetar todos os funcionários
em algum nível. Uma vez que a reformulação cultural ocorreria gradativamente,
através de várias mudanças que seriam acumuladas e internalizadas ao longo
do tempo, esse tipo de mudança poderia ser mais fácil de se implantar e de
permanecer.
2.5.3 Considerações específicas em mudanças culturais
2.5.3.10 modelo de mudança transformadora de Schein
Para Schein (1999), quando os elementos de uma cultura estivessem
estabilizados, tornar-se-ia mais complexa a mudança. Ela envolveria
desaprender velhas crenças, atitudes, valores e certezas, e também aprender
50
novas. As pessoas resistiriam a ela porque esse aprendizado seria
desconfortável e geraria ansiedade. Elas poderiam ser coagidas a mudar seu
comportamento em público, mas a mudança só seria estável se houvesse
algum tipo de transformação e um nível mais profundo. O modelo de Schein
envolveria três estágios:
1. Estágio 1
Descongelar - criar a motivação para mudar
• Desconfirmação
• Criação da ansiedade pela sobrevivência ou da culpa
• Criação de uma segurança psicológica que sobrepuje a
ansiedade do aprendizado
2. Estágio 2
Aprender novos conceitos e novos significados para velhos conceitos
• Imitação e identificação com modelos
• Exploração para encontrar soluções e aprendizado com
tentativas e erros
3. Estágio três
Internalizar novos conceitos e significados
• Incorporação no autoconceito e na identidade
• Incorporação nos relacionamentos em evolução
2.5.3.2 Modelo de mudança de Trice e Byer
Trice e Byer (1993) proporiam um modelo para se gerenciar a mudança
cultural de uma organização, baseado em oito proposições:
1. Capitalizar em momentos propícios
Uma mudança cultural seria mais bem iniciada em momentos propícios,
quando algum problema óbvio, oportunidade, ou mudança nas circunstâncias
tornassem a mudança desejável. Deveria ser apropriada, necessária à
empresa e os funcionários precisariam estar convencidos de sua necessidade.
Os gerentes não deveriam assumir uma mudança cultural óbvia para um grupo
fosse óbvia para os demais.
51
Oportunidades que demandariam mudança cultural, na prática - a
descoberta de nichos de mercado lucrativos ou uma nova fonte de venture
capital- poderiam aparecer de repente e fornecer as justificativas. Além disso,
"revoluções" podem ocorrer que gerem uma crise e momentos propícios de
mudança cultural (Milier e Friesen, 1990). Internas ou externas como a
privatização de uma organização.
2. Combinar cautela com otimismo
Uma vez iniciada uma mudança, dever-se-ia criar uma visão otimista
sobre o processo. Embora culturas sejam, sem dúvida, difíceis de mudar (Urtal,
1983; Barley e Louis, 1983; Beyer, 1981; Martin e Siehl, 1983), os gerentes
deveriam estar confiantes do sucesso da empreitada ou as dúvidas seriam
transmitidas a outros. O entendimento completo dos benefícios da mudança
ajudaria a criar essa confiança. Também ajudaria se eles entendessem que as
culturas mudariam de qualquer modo, e seria natural que os gerentes
canalizassem e iniciassem tais mudanças (Jones, 1984). Consistência e
persistência em seus esforços seria absolutamente essencial para trazer
otimismo e confiança.
Outra razão para que gerentes temperassem seu otimismo com alguma
cautela seria o grau de resistência que a mudança cultural poderia provocar.
Algum entendimento sobre as possíveis fontes de resistência poderia ajudar os
gerentes a remover algumas dessas fontes e reduzir outras.
3. Entender a resistência à mudança cultural
Pesquisas em mudanças organizacionais de vários tipos apontariam
várias razões pelas quais as pessoas resistiriam a mudanças. A tabela abaixo
lista as fontes comuns de resistência.
A nível individual:
Medo do desconhecido
Interesse próprio
Atenção e retenção seletivas
Hábito
Dependência
Necessidade de segurança
A nível da organização ou grupo:
Ameaças ao poder e à influência
Falta de confiança
Diferentes percepções e gols
Disrupção social
Limitações de recursos
Investimentos fixos
Acordos interorganizacionais
Figura 2.8. Fontes comuns de resistência à mudança.
Fonte Trice e Byer, 1993
4. Mudar alguns elementos, mas manter alguma continuidade.
52
A resistência a mudança cultural poderia ser reduzida se alguns
elementos da cultura vigente na empresa fossem valorizados e mantidos. Os
membros da atual cultura não teriam a percepção de estarem destruindo o que
construiram e valorizariam isso. Ao contrário, os novos elementos da nova
cultura poderiam ser vistos como somando-se positivamente aos valores já
existentes.
5. Reconhecer a importância da implantação
De acordo com pesquisa feita por consultores especializados, 90% das
corporações americanas fracassariam em implementar mudanças em sua
estratégia corporativa (Kiechel, 1970 apud Trice e Byer, 1993). Esse número
impressionante demonstraria o fato que muitas mudanças planejadas
dificilmente são implementadas com sucesso. Aceitação inicial e entusiasmo
53
seriam insuficientes para se levar adiante um processo de mudança. Muitos
planos cuidadosamente elaborados são abandonados.
Segundo Trice e Byer (1993), cada etapa de qualquer processo de
mudança correria o risco de ser omitido, abandonado ou de voltar a etapa
anterior. O modelo simplificado de um processo de mudança teria três estágios:
1° Decidir a mudança;
2° Implementar a mudança;
3° Institucionalizar a mudança.
Embora os três estágios pudessem se sobrepor, o modelo serviria para
mostrar que cada uma das etapas afeta a etapa seguinte. Particularmente, a
institucionalização das mudanças dependeria de uma implementação bem
conduzida.
A etapa da implementação da mudança também poderia ser quebrada
em três passos:
1 ° Difusão das informações sobre as mudanças para todos os membros
da organização;
2° Receptividade dos membros às mudanças;
3° Aplicação e uso efetivo das mudanças.
Para Trice e Byer (1993) uma transformação cultural não teria sucesso
sem a condução cuidadosa das três etapas anteriores.
6. Selecionar, modificar e criar formas culturais apropriadas.
Muitos pesquisadores advogariam que o uso de símbolos, rituais,
linguagem e estórias seriam ferramentas a serem usadas por gerentes em
processos de mudança cultural (Schein, 1985).
Outros diriam que ações gerenciais poderiam simbolicamente legitimar
mudanças culturais. Assim, o modo como se comportariam ao telefone, como
distribuíram seu tempo, o local de reuniões, as perguntas feitas - todas essas
ações também seriam ferramentas a serem usadas em mudanças culturais
(Trice e Byer, 1993 apud Deal e Kennedy, 1982).
Metáforas também poderiam ser veículos efetivos de mudança. A
eliminação ou a mudança de metáforas que traduzissem a antiga ideologia
54
corporativa, seria um passo no processo de mudança cultural (Trice e Byer,
1993 apud Krefting e Frost, 1985).
A criação de novos mitos também seria um poderoso instrumento de
mudança cultural (Trice e Byer, 1993 apud Boje, Fedor e Rowland, 1982).
Trice e Byer, 1993 apud Moore e Myerhoff, 1977, afirmariam que os ritos
e cerimônias normalmente funcionariam melhor para manter e celebrar uma
cultura existente do que para promover uma mudança cultural. Assim, a criação
de ritos e cerimônias novas em uma organização por si só, não gerariam um
movimento de mudança. Para esses autores, os ritos e as cerimônias
existentes em uma empresa poderiam ser modificados para incorporar
elementos desejados da nova cultura. Além disso, ritos novos que
conscientemente combinassem elementos novos e antigos poderiam ser
estabelecidos (Trice e Byer, 1985).
7. Modificar táticas de socialização
Para Trice e Byer, 1993, uma vez que uma das maneiras mais básicas
de se aprender sobre a cultura de uma organização seria através de processos
de socialização, bastaria alterá-los para dar início a um processo de mudança
cultural.
Van Maanen e Schein, 1979, proporiam uma tipologia para táticas de
socialização, conforme representado no quadro 2.1. Essa tipologia relacionaria
doze diferentes táticas, cada uma em um extremo de pólos opostos, e as
ordenaria de acordo com seu efeito lógico, relacionado na última linha da
tabela. Quanto mais um processo de socialização usasse as táticas
relacionadas em uma ou outra coluna, mais tenderia a produzir uma resposta
conservadora ou inovadora. Uma resposta conservadora seria aquela na qual a
pessoa sendo socializada agiria, no futuro, de modo a preservar e continuar
com a cultura existente. Uma resposta inovadora seria aquela na qual o modo
de agir de quem estivesse sendo socializado seria diferente da cultura atual e
poderia provocar uma mudança.
Institucionalizada Individualizada
Contexto Coletiva Individual
Formal Informal
Conteúdo Seqüencial Randômico
Fixo Variável
Aspectos sociais Serial Disjuntivo
Descobrir Encobrir
Efeitos prováveis Conservar Inovar
Quadro 2.1 Tipologia de táticas de socialização
Fonte: Van Maanen e Schein, 1979
8. Encontrar e cultivar liderança inovativa
55
Provavelmente a mais importante qualidade de um líder seria sua
capacidade de convencer membros da organização a seguirem sua visão
(Trice e Byer, 1993). Um líder precisaria demonstrar autoconfiança, ter uma
personalidade dominante e pregar sua nova visão com drama e eloqüência
(Trice e Byer, 1991). Em um processo de mudança é fundamental identificar
quem são esses líderes e usá-los de modo a fortalecer a nova cultura.
Trice e Byer (1993), advogariam também que durante uma mudança
cultural seria preciso desacreditar ou destruir partes da velha cultura. Uma das
maneiras de se fazer isso, seria desligando-se da organização pessoas
importantes que representassem esses aspectos da velha cultura. O
afastamento dessas pessoas teria conseqüências simbólicas e práticas.
Comunicaria aos membros da organização que determinados credos e valores
não seriam mais aceitos. Além disso, retiraria da organização pessoas que
poderiam representar um importante foco de resistência à nova cultura. O
perigo nessa ação estaria em que ao se desligar pessoas importantes na
organização, os demais funcionários remanescentes poderiam sentir-se
ressentidos.
56
2.6 Empresa Pública e Empresa Privada
Uma empresa deve ser vista como uma organização, podendo ser
basicamente de caráter público ou privado. O Dicionário Houiass da Língua
Portuguesa (pág 1128) definiria empresa como uma organização econômica,
civil ou comercial, constituída para explorar determinado ramo de negócio e
para oferecer ao mercado bens e/ou serviços.
Para HALL apud Amorim e Freitas (1994) a organização seria uma
coletividade com fronteiras relativamente identificáveis, ação normativa,
escalas de autoridade, sistemas de comunicação, de coordenação e de
afiliação. Sua finalidade básica residiria em racionalizar a utilização dos
recursos disponíveis, visando atingir determinados objetivos.
Segundo os autores, moderna mente, a busca pela eficácia empresarial
complementaria esse conceito, no sentido de a empresa atingir seus objetivos
globais e também os dos próprios funcionários.
No que se refere aos tipos de empresa, o Dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa apresenta as seguintes definições:
}- Empresa de economia mista - pessoa jurídica de direito privado,
de natureza mercantil, com capital misto e controle do Estado;
}- Empresa pública - pessoa jurídica de direito privado, de natureza
mercantil, com patrimônio próprio e capital exclusivo do Estado,
criada por lei para a produção de bens e serviços essenciais à
coletividade (transporte, energia elétrica, etc)
}- Empresa privada - empreendimento de pessoas jurídicas de
direito privado.
Ainda segundo Houaiss, no Brasil seria freqüente o uso do termo
"estatal" para se referir tanto à empresa de economia mista quanto à empresa
pública. Esse estudo adotará essa terminologia.
Para Amorim e Freitas (1994), as empresas públicas distinguiriam-se,
geralmente, das empresas privadas pelos principais objetivos que
perseguissem. As públicas estariam voltadas à satisfação das necessidades da
sociedade e não percorreriam a busca pelo lucro. O "lucro" apareceria como
meio para se conseguir esse objetivo maior, ou seja, seria destinado a
57
reinvestimentos como forma de atingir sua missão. Daí a interferência do
Governo, que passaria a atuar como empresário, no intuito de garantir uma
assistência adequada a seus cidadãos.
Segundo Machado (1991), as empresas estatais, de maneira geral,
apresentam características comuns, como possuir uma cúpula dirigente
transitória e coincidente com o poder executivo. Para o autor, a cada mandato
assumiriam novos executivos com valores, percepções e personalidades
diferentes. Formar-se-ia um novo jogo de poderes, passando a ditar o
comportamento dos participantes e o funcionamento da organização. Tal
aspecto muitas vezes impossibilitaria a implantação de um planejamento a
longo prazo, especialmente pela falta de continuidade da Administração e
observância de interesses distintos.
Amorim e Freitas (1994) verificam, ainda, a existência de estabilidade
empregatícia para quadros táticos e operacionais das empresas públicas, além
da maioria estar organizada em um plano de carreira pré-definido. Assim, pra
os autores, seria comum notar acomodação e desestímulo dos funcionários
quanto a seus cargos. A mudança organizacional, especialmente de caráter
mais profundo, tenderia a ser vista como algo indesejável pelos funcionários,
que estariam acostumados ás rotinas e procedimentos vigentes, por vezes
ultrapassados. O clima seria propício a uma excessiva burocracia.
De outro lado, ainda segundo os autores, estaria a empresa privada,
cujo objetivo principal seria a satisfação dos seus público alvo e dos seus
proprietários como forma de alcançar lucros cada vez mais elevados. A cúpula
administrativa geralmente seria formada por profissionais algumas vezes de
origem familiar ou societária, apresentando relação direta com os fundadores
da empresa, além de possuírem laços de interesse com os demais. Isso
possibilitaria a escolha de pessoas aptas não só a darem inicio, como a
continuarem um processo de mudança e alavancagem da empresa, cuja
duração não seria interrompida a cada mandato do executivo principal.
Machado (1991), salienta ainda que os níveis táticos e operacionais, nas
empresas privadas mostram-se mais rotativos e menos comprometidos com os
interesses organizacionais. Os funcionários não gozando de estabilidade
58
empregatícia, precisariam mostrar suas habilidades e potenciais. Geralmente, a
ascensão a níveis mais elevados decorreria do esforço individual dos
funcionários, o que propiciaria um clima de competição e desenvolvimento
pessoal.
O quadro 2.2 sumariza as características mencionadas por Machado
(1991) e Amorim e Freitas (1994).
Empresa Estatal Empresa Privada Satisfação das necessidades da Satisfação do público alvo sociedade Não objetivam o lucro Objetivam o lucro Forte interferência do Estado Administração por profissionais, Cúpula dirigente transitória e Cúpula dirigente não é interrompida a coincidente com o Poder Executivo cada mandato do executivo ~incipal Dificuldade em se ter planejamento de Maior compromisso com longo prazo planejamento Estabilidade empregatícia Não há estabilidade empregatícia Acomodação e desestímulo dos Funcionários precisam mostrar funcionários habilidades e.potenciais Rotinas e procedimentos por vezes Ascenção dos funcionários decorrente ultrap..assados de esfol"Ço Burocracia Competição e Desenvolvimento
Ipessoal são fundamentais Continuidade desejada Processos de mudança
Quadro 2.2 Características típicas de empresa estatais e privadas
Adaptado de Machado (1991) e Amorim e Freitas (1994)
Vasconcelos (1991) apud Amorim e Freitas (1994) compara assim a
estrutura básica de uma empresa privada a de uma empresa estatal:
Nível Estratégico
Nível Tático
1t.l'I'"'' Operacional
Empresa Pública Empresa Privada
V= Variável; C=Constante
Figura 2.9 Estrutura básica de empresas públicas e privadas
Fonte: Paper publicado pela Universidade Federal de Pernambuco Ter Estagiários de Administração: Bom só para as empresas? Amorim e Freitas, 1994
2.7 Modelo Conceitual
59
Usando como base a revisão de literatura realizada, pode-se chegar ao
quadro conceitual orientador da análise e interpretação dos dados.
Inicialmente foi usado o modelo de Schein para classificar os níveis da
cultura de cada uma das empresas investigadas.
Artefatos e Criações
• t Valores
• t Pressupostos Básicos
Quadro 2.3 Níveis da cultura
A seguir, foram identificados alguns dos elementos de cultura, de acordo
com a definição de Schein.
60
Empresa
Símbolos
Linguagem
Gestos
Ideologia
Ritos de Passagem
Ritos de Degradação
Ritos de Confirmação
Ritos de Reprodução
Ritos para redução de
conflitos
Ritos de Integração
Mitos
Quadro 2.4 Elementos da cultura
Foi usado também o modelo de Reilly, Chatman e Caldwell para
caracterizar a cultura das empresas analisadas.
Empresa
Inovação e tornada de risco
Atenção a detalhes
Orientação para resultados
Orientação para pessoas
Orientação para equipes
Agressividade
Estabilidade
Quadro 2.5 Características da cultura
A revisão de literatura revelou uma quantidade relevante de estudos
sobre criação, manutenção e mudança de cultura de empresas. Foi utilizado o
61
modelo de dimensões da mudança cultural de Trice e Byer para caracterizar o
grau de mudanças realizadas em cada uma das empresas analisadas.
Empresa
Penetração
Magnitude
Inovação
Duração
Quadro 2.6 Dimensões da cultura
Procurou-se analisar também como o processo de mudança foi
conduzido em cada uma das empresas usando o modelo de Trice e Byer.
Empresa
Capitalizar momentos
Cautela e otimismo
Resistência à mudança
Mudar e manter
Implantação
Criar cultura apropriada
Socializar
Liderança Inovativa
Quadro 2.7 Processo de mudança
Por último, na conclusão do estudo, foi feita uma análise de aderência
entre as características de uma empresa estatal e de empresa privada
definidas por Machado (1991) e àquelas identificadas nas empresas AAA, BBB
e na CCC.
62
3 Metodologia
3.1 Objetivo da pesquisa
Este estudo tem por objetivo analisar os efeitos sobre a cultura
corporativa em organizações brasileiras que passaram por um processo de
privatização realizado pelo governo no final dos anos 90.
À luz da corrente funcionalista, que enfoca a cultura como uma variável
independente, interna ou externa à organização e através da análise das
características das organizações, antes e depois de serem privatizadas, o
estudo pretende investigar se e como:
1. Um evento externo, no caso a privatização, pode provocar mudança cultural
em uma organização;
2. Ações gerenciais podem provocar mudança cultural em uma organização.
3.2 Tipo de pesquisa
De acordo com a taxonomia proposta por Vergara (1990), a pesquisa
pode ser classificada de acordo com dois critérios: quanto aos fins -e quanto
aos meios.
Quanto aos fins, uma pesquisa poderia ser exploratória, descritiva,
explicativa, metodológica, aplicada ou intervencionista. A pesquisa- descritiva
exporia características de determinada população ou de determinado
fenômeno. Poderia também estabelecer correlações entre variáveis e definir
sua natureza. Não teria compromisso de explicar os fenômenos descritos,
embora sirva de base para tal explicação (Vergara, 1997).
Tomando por base essa tipologia, pode-se caracterizar o presente
estudo como tendo finalidade descritiva porque pretende relatar como e quais
mudanças culturais foram percebidas em empresas brasileira recém
privatizadas.
Ainda segundo Vergara (1997), no que se refere aos meios, as
pesquisas podem ser classificadas como de campo, de laboratório,
63
telematizada, documental, bibliográfica, experimental, ex post facto,
participante, pesquisa-ação e estudo de caso.
Estudo de caso seria circunscrito a uma ou poucas unidades, entendidas
como uma pessoa, uma família, um produto, uma empresa, um órgão público,
uma comunidade ou mesmo um país. Tería caráter de profundidade e
detalhamento. Poderia ou não ser realizado no campo (Vergara, 1990).
Para esse estudo, se aplica a classificação de estudo de caso por
analisar e detalhar o fenômeno de mudança cultural em três empresas
brasileiras recentemente privatizadas.
3.2.1 O Conceito de Pesquisa Qualitativa
Dentre as diversas classificações dos métodos de pesquisa, uma das
mais comuns é a que distingue a pesquisa qualitativa da pesquisa quantitativa.
De acordo com Myers (1997), a pesquisa quantitativa teria sido
originalmente desenvolvida pelas ciências naturais para estudar os fenômenos
naturais. Surveys, experimentos em laboratório, métodos formais e métodos
numéricos tais como a modelagem matemática, seriam exemplos de métodos
quantitativos atualmente usados nas ciências sociais.
Por outro lado, os métodos de pesquisa qualitativos teriam sido
desenvolvidos nas ciências sociais de modo a possibilitar os pesquisadores a
estudarem os fenômenos culturais e sociais. Exemplos de métodos qualitativos
seriam a pesquisa de ação, o método do caso, a etnografia e a grounded
theory. Fontes de dados qualitativos incluiriam a observação e observação dos
participantes, entrevistas e questionários, documentos e textos, e as
impressões e reações do pesquisador.(Meyers, 1997)
Kirk e Miller (1986) apud Barreto (1998) observam que a pesquisa
qualitativa identifica a presença ou a ausência de algo, em oposição à pesquisa
quantitativa, que mede o grau em que determinada coisa se apresenta. Para
esses autores, a objetividade em pesquisa qualitativa implicaria entender um
mundo de realidades empíricas que se colocaria diante do pesquisador. Nesse
sentido, nem todas as interpretações seriam igualmente válidas ou bem
aceitas. Haveria, então, um compromisso intelectual através do qual os
64
pesquisadores se disporiam coletivamente a interpretar essa realidade
empirica, através de melhorias parciais e incrementais no entendimento da
questão. Estas melhorias viriam através da identificação de ambigüidades em
visões anteriores aparentemente claras ou em mostrar casos em que uma
visão alternativa pareceria funcionar melhor. Estas visões, na maioria das
vezes complementariam as anteriores.
3.2.2 O Estudo de Casos
De acordo com Yin (1989), a análise de caso é uma pesquisa empírica
que investiga um fenômeno contemporâneo no seu contexto real, quando os
limites entre o fenômeno e o contexto não se encontram definidos e quando
diversas fontes de informação são utilizadas.
Ainda segundo Yin (1994), o estudo de caso é considerado uma
metodologia abrangente que inclui a pergunta da pesquisa, prossegue com a
coleta e a análise de dados e termina com as conclusões e a redação final da
pesquisa.
O método de estudo de casos na pesquisa em Ciências Sociais teria sua
origem na Antropologia e na Sociologia. Na Antropologia seria atribuído a
Malinowski o desenvolvimento inicial do método, através da observação
participante. A unidade de análise, ou caso, passou a ser, então, a tribo ou
comunidade, considerada o loeus adequado para o estudo da cultura, uma vez
que a homogeneidade do grupo permitiria identificar padrões de
comportamento, crenças e valores daquele grupo social (Hamel, 1993).
Na Sociologia, o método do caso surgiria através das monografias
familiares do sociólogo francês Frédéric Le Play. Para Le Play seria
fundamental a escolha da família como unidade de análise, já que a sociedade,
como organismo complexo, não poderia ser estudada em sua totalidade. Desta
forma, o estudo da família da classe trabalhadora seria a forma adequada de
estudar a sociedade francesa do século XIX (Hamel, 1993).
Nos Estados Unidos, no final do século XIX e início do século XX, o
Departamento de Sociologia da Universidade de Chicago, adotaria e
consagraria o método do caso no contexto dos estudos sociológicos
65
relacionados à urbanização e imigração. Chicago era, à época, uma cidade em
crescimento desordenado e alvo de movimentos migratórios. Problemas
decorrentes, como subemprego, pobreza e violência estimularam uma série de
pesquisas desenvolvidas em contato direto com a população. Entre os
enfoques do método do caso utilizados encontrar-se-ia a observação direta,
perguntas abertas e análise de documentos. Por conta dessas pesquisas, a
Escola de Chicago passaria a ser referência nos estudos de caso nos Estados
Unidos (Hamel, 1993).
Entretanto, por volta de 1935, ocorreria a ascensão da Escola de
Sociologia da Universidade de Columbia e com esta, o uso de sUlveys e
métodos estatísticos nas pesquisas, estabelecendo a dominância dos métodos
quantitativos sobre os qualitativos neste campo de conhecimento. No entender
dos investigadores de Columbia, o método do caso carecia de qualquer forma
possível de controle, estando sujeito aos viéses decorrentes do processo de
coleta de dados, introduzidos tanto pelo investigador quanto por seus
informantes. Uma nova corrente se formaria, defensora do método dedutivo
com base em trabalho estatístico, adequado para validar as grandes teorias
sociológicas, e contrário ao processo indutivo inerente ao método do caso.
Desde então e até recentemente, o método do caso passaria a coexistir com os
métodos quantitativos na Sociologia, cabendo ao primeiro o papel de método
explanatório, preliminar.
Apenas na última década, ressurgiria o debate em torno do método do
caso como instrumental na pesquisa sociológica, voltando a ser-lhe atribuída
maior importância (Hamel, 1993). Gummesson (1991) apud Wetzel (2000),
indica, entretanto, que o método do caso tem sido cada vez mais usado nos
Estados Unidos e na Europa.
Para Yin (1994), são três as condições que definem quando usar
determinados métodos de pesquisa: (a) o tipo de questão que se deseja
responder, (b) o quanto o pesquisador tem controle sobre os eventos
comportamentais, e (c) o nível de focalização em eventos contemporâneos em
detrimento de eventos históricos. O quadro 3.1 relaciona as condições
relatadas com cinco métodos de pesquisa usados em Ciências Sociais.
66
Quanto à pergunta da pesquisa, aquelas do tipo como e porquê
sinalizariam a conveniência do estudo de caso; as do tipo qual poderiam indicar
survey, experimento ou estudo de caso. Com relação à questão do controle,
apenas o experimento se aplicaria. A atualidade do fenômeno, por sua vez,
seria importante para distinguir a história do estudo de caso. O estudo de caso
lida com personagens ainda vivos que fazem ou fizeram parte do fenômeno,
enquanto na história apenas documentos e objetos estariam disponíveis (Yin,
1994).
Quadro 3.1 Comparação de Métodos de Pesquisa em Ciências Sociais
Método Tipo de Necessita controlar Focaliza eventos
Pergunta da eventos recentes?
Pesquisa comportamentais?
Experimen to Como, por que Sim Sim
Survey Quem, o que, Nao Sim
onde, quanto
Análise de arquivo Quem, o que, Não Sim/não
onde, quanto
História Como, por que Não Não
Estudo de caso Como, por que Não Sim
Fonte: Yin, 1994
De acordo com Yin (1994), estudos de casos poderiam limitar-se a uma
ou mais unidades de anàlise. Estudos de um único caso seriam mais
adequados no estudo de uma situação extrema, única ou crítica. Múltiplos
casos deveriam ser estudados quando houvesse possibilidades materiais,
humanas e de tempo, como é o caso dessa pesquisa.
67
3.3 Fonte de dados
Os dados utilizados nesse estudo são dados secundários provenientes
de base de dados gerada pela Professora Ursula Wetzel Brandão dos Santos
em sua tese de Doutorado em Administração pelo Instituto de Pós-Graduação
e Pesquisa em Administração - COPPEAD, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro - UFRJ: Processo de Downsizing em Empresas Privatizadas: A
Percepção dos Participantes. Essa base de dados foi disponibilizada para uso
da pesquisadora.
3.3.1 Dados Secundários
De acordo com Mattar (1996), os dados em pesquisa podem ser
classificados em dados primários e dados secundários. Os dados primários
seriam aqueles não antes coletados, estando ainda em posse dos
pesquisadores, e que seriam obtidos com o propósito de atender às
necessidades especificas da pesquisa em andamento. As fontes básicas de
dados primários seriam o pesquisado, pessoas que tivessem ligação com o
pesquisador e situações similares. (Mattar, 1996)
Os dados secundários seriam aqueles que já teriam sido coletados,
tabulados, ordenados e, às vezes, analisados e que estariam catalogados à
disposição dos interessados. (Mattar, 1996)
Kinnear e Taylor (1979) classificam os dados secundários em internos e
externos. Os dados secundários internos seriam aqueles gerados pela própria
organização, tais como relatórios de vendas, dados financeiros e contábeis. Os
dados secundários externos seriam gerados por fontes fora da organização
(livros, jornais, revistas, publicações acadêmicas).
A utilização de dados secundários apresenta vantagens e desvantagens
para o pesquisador e sua pesquisa. Kinnear e Taylor (1979) advogam que as
vantagens da utilização de dados secundários seria a economia de tempo,
dinheiro e esforços. Para esses autores, se os dados necessários para a
pesquisa estivessem disponíveis em fontes secundárias, o pesquisador poderia
dedicar-se a busca de materiais complementares em bibliotecas, órgãos do
governo, instituições não governamentais, leitura de jornais e publicações ou
68
consultas de informações padronizadas de empreSas de pesquisa. Nesse caso,
os dados secundários poderiam contribuir para:
~ Estabelecer melhor o problema de pesquisa;
~ Sugerir outros métodos já testados e aprovados de coleta de
dados;
~ Sugerir outros tipos de dados a serem coletados para obter as
informações desejadas;
~ Servir como fonte comparativa e complementar para os dados
principais a serem coletados.
Segundo os mesmos autores, haveria também desvantagens na
utilização de dados secundários. Uma delas seria que, como os dados teriam
sido coletados com diferentes objetivos, poderiam não se ajustar perfeitamente
às necessidades de determinada pesquisa. O grau de ajustamento desses
dados dependeria de quatro fatores: unidade de medida, a definição de
classes, momento da publicação e confiabilidade e precisão.
Para Kinnear e Taylor (1979), é comum para o pesquisador descobrir
que os dados secundários estão expressos em unidades diferentes das
requeridas em sua pesquisa. Outro problema comum ocorreria quando os
intervalos de classe da apresentação dos resultados da variável de interesse
não coincidissem com aqueles que interessariam a pesquisa.
Com relação ao momento da publicação, seria importante considerar o
período de tempo entre a coleta dos dados e a sua utilização. Períodos
excessivamente longos poderiam tornar os dados obsoletos, tendo apenas
valor histórico.
Finalmente seria importante para o pesquisador verificar a confiabilidade
e precisão dos dados tendo em vista os propósitos de sua pesquisa. (Mattar,
1996)
Traçando um paralelo entre quatro critérios anteriormente descritos, e a
base de dados utilizada no presente estudo, concluiu-se que o seu grau de
ajustamento é bastante adequado. Primeiramente, a base de dados continha
69
entrevistas individuais com funcionários remanescentes das estatais o que
estava alinhado com as necessidades desse estudo. Quanto ao grau de
agregação, os dados utilizados não estavam agrupados ou classificados. Ou
seja, foi usado no corrente estudo, o conteúdo integral das entrevistas
individuais efetuadas na coleta primária, transcritas pela pesquisadora que os
coletou.
No que se refere à obsolescência, embora sua coleta tenha sido no
período de maio a outubro de 1999, os dados analisados foram considerados
bastante atualizados para os fins dessa pesquisa. Isso decorre do fato que se
pretendeu analisar ações e mudança de comportamento de indivíduos em uma
organização decorrentes de uma ação específica externa ocorrida em períodos
de tempo muito próximos da coleta (97/98).
Por fim quanto a precisão e confiabilidade, cabe ressaltar novamente
que a dados foram coletados para a Tese de Doutorado de Administração da
Professora Ursula Wetzel. As entrevistas foram gravadas e posteriormente
transcritas, o que garantiu a precisão do registro das informações coletadas.
A base de dados em questão é extremamente rica em seu conteúdo. Ela
é composta por entrevistas em profundidade de aproximadamente uma hora,
com funcionários de vários níveis hierárquicos das empresas analisadas.
Além disso, embora seguindo um roteiro padrão nas três empresas e em
todas as entrevistas, além do tema original abordado (no caso, downsizing),
pode-se extrair informação relevante e detalhada da percepção dos
funcionários sobre as características das empresas antes e depois da
privatização, bem como sobre a própria condução do processo de privatização.
Uma das razões para tal deriva do fato de que, por coincidência, todas as
empresas pesquisadas para o estudo de downsizing haviam sido privatizadas
em um passado recente. Desse modo, embora, teoricamente, as questões de
privatização e downsizing possam ser tratadas separadamente, na percepção
dos entrevistados estes dois eventos estavam ligados e a privatização assumiu
uma importância maior em suas vidas do que o próprio downsizing. Assim, a
discussão sobre privatização esteve presente em todas as entrevistas
efetuadas.
70
3.3.2 Coleta de Dados
De acordo com Wetzel (2000) a base de dados em questão foi gerada a
partir de entrevistas facadas com funcionários remanescentes nas empresas
após a privatização, no período de maio de 1999 a outubro de 1999. Os
funcionários foram divididos em duas categorias: os que tinham função
gerencial e os que não tinham. Além disso, não foram entrevistados
funcionários da estatal desligados após a privatização.
As entrevistas foram realizadas usando-se dois roteiros padrão: um para
funcionários remanescentes com cargo gerencial e outros para remanescentes
sem cargo gerencial (Anexos 1 e 2). Cabe ressaltar que a base de dados
utilizada não foi explicitamente gerada visando à mudança cultural das
empresas. Desse modo, os dados obtidos para essa pesquisa foram inferidos a
partir dos discursos e entrevistas realizadas.
No quadro 3.2 encontra-se o detalhamento, por cargo, das entrevistas
realizadas em cada uma das empresas.
Quadro 3.2 Número de entrevistas por cargo
Cargo AAA BBB CCC
Diretor de Recursos Humanos ou 2(*) 1 1
gerente de alto nível
Gerentes intermediários ou 11 10 8
supervisores
Funcionários sem cargo gerencial 9 10 6
Total por empresa 22 21 15
Entrevistas descartadas 2 1
(*) Foram entreVistados o diretor de Recursos Humanos da holdmg e o diretor de Recursos
Humanos da MA.
3.4 Tratamento e Análise dos dados
3.4.1 Particularidade das empresas pesquisa das
As empresas analisadas nesse estudo passaram por dois processos
teoricamente distintos mas que ocorreram simultaneamente: a privatização e o
71
downsizing. Portanto, embora o estudo original da Professora Ursula Wetzel,
gerador dos dados primários, tenha sido sobre Oownsizing (Wetzel, 2000) e
conseqüentemente suas entrevistas tenham focado esse tema, a maior parte
das respostas obtidas abordaram, também, a privatização e as mudanças
ocorridas.
Para o presente estudo isso foi um fator fundamental, visto que a base
de dados, embora secundária, apresentava uma quantidade extremamente rica
de informações relevantes.
3.4.2 Etapas do tratamento e da análise de dados
Os dados coletados foram analisados da seguinte forma: em uma
primeira fase, analisou-se para cada empresa, as características da
organização antes e depois da sua privatização, permitindo a emergência de
temas e conceitos específicos de cada situação. Na segunda etapa, também
para cada empresa, foram analisadas as ações gerenciais realizadas durante
as fases de transição da estatal para a empresa privada e durante a fase inicial
de operação da empresa privada, conforme relato dos entrevistados.
A seguir os dados de cada uma das empresas foram analisados
segundo o modelo conceitual adotado.
Por último, foi efetuada uma análise comparativa entre o processo de
mudança cultural das três empresas analisadas.
Em algumas análises adotou-se o critério de se classificar a mudança
ocorrida nas empresas ou a relevância dada a determinado valor/caracteristica
como baixo, moderado e alto. Isso foi feito para facilitar a identificação das
mudanças ocorridas e a comparação entre empresas. Nesses casos:
~ Baixo - significa que a característica/valor não era valorizada pela
maior parte dos funcionários entrevistados. Significa também que
foram mínimas ou nenhuma as mudanças percebidas antes e
depois da privatização;
~ Moderado - significa que parte da organização valoriza a
característica/valor analisado, mas não a maioria da organização.
72
Significa também que algumas mudanças foram percebidas, mas
ainda de modo tímido;
).> Alta - significa que a organização, em praticamente sua
totalidade compactua com os novos valores/caracteristicas.
Significa também, que as mudanças ocorridas antes e depois da
privatização foram radicais.
3.4.3 Uso de software para análise de dados qualitativos
De acordo com Wetzel (2000), dados qualitativos referem-se, na maioria
das vezes, a narrativas, materializadas inicialmente na forma de entrevistas,
gravadas e posteriormente transcritas para o papel.
A base de dados usada nesse estudo continha o conteúdo transcrito de
586 entrevistas realizadas com funcionários das três empresas analisadas,
correspondendo a cerca de 20 páginas por entrevista.
Assim, diante de um volume grande de material, utilizou-se um software
específico para a análise de dados qualitativos. Segundo Creswell (1998) apud
Wetzel (2000), o uso desses softwares apresentam as seguintes vantagens:
).> Organizam e arquivam material;
).> Permitem rápida recuperação de partes específicas;
).> Eliminam as operações de "corte e cola";
).> Forçam uma análise mais profunda do texto.
Esse estudo utilizou-se do software Nud*ist, criado por Thomas e Lyn
Richards e comercializado pela empresa Sage.
3.4.4 Confidencialidade dos depoimentos
De modo a garantir a confidencial idade dos dados, todas as citações
diretas utilizaram nomes fictícios. As empresas foram denominadas AAA, BBB
6 Segundo Wetzel (2000), originalmente foram feitas 61 entrevistas. Entretanto, três das 61 não puderam ser consideradas. Em um dos casos, o funcionário pesquisado teria permitido a gravação da entrevista mas, a certa altura, teria solicitado que o gravador fosse desligado e as informações e opiniões relatadas a seguir não fossem utilizadas na pesquisa. Nos outros dois casos, teria havido problemas com a fita a ponto de não ser possível a transcrição.
73
e CCC, e os funcionários foram categorizados por nível hierárquico e área
funcional.
3.5 Limitações do método
Segundo Rocha (s/d), o método de casos não permitiria generalizações
dos resultados da pesquisa. Entretanto, esta limitação não invalidaria sua
utilização, uma vez que ele não se proporia a avaliar a freqüência;.com que
dado fenômeno ocorreria em determinada população. Ao contrario, sua
proposta seria a de descobrir relações, estudar processos, identificar variáveis
ainda não estudadas, encontrar tipologias - objetivos esses que não
conduziriam á necessidade de generalizações para o universo. .., .
Yin (1989) observa que os estudos de casos, como os experimentos,
seriam generalizáveis para proposições teóricas e não para populações ou
universos.
Outra limitação do método decorre da subjetividade na coleta, registro e
análise de informações, particularmente aquelas obtidas através de entrevista
pessoal.
É importante ressaltar, ainda, que as conclusões desse estudo estão
sujeitas à perspectiva do pesquisador, uma vez que a real mudança de valores
de um indivíduo é um pressuposto básico, uma verdade absoluta de' cada um
que medida ou observada diretamente.
Deve-se considerar ainda que a percepção dos entrevistados é outro
viés a que deve submeter-se o pesquisador nesse tipo de. estudo.
Especificamente, quando relatando eventos passados, é possível que o
entrevistado não disponha de memória de tais eventos ou distorça,
deliberadamente ou não, esses eventos. Por outro lado, mesmo quando se
referindo a eventos em andamento, pode ele desejar, por exemplo,
impressionar o entrevistador, alterando as informações.
Na verdade, pouco se pode fazer com relação a isso, a não ser que o
entrevistador use de sua habilidade para abordar a mesma questão de diversas
formas, de modo a testar as respostas obtidas, ou, ainda, através do uso de
várias fontes.
74
De modo similar, deve-se considerar o efeito da dissonância cognitiva.
Segundo Chisnall (1975), a teoria da dissonância cognitiva foi proposta por
Leon Festinger, Professor de Psicologia de Stanford, estados Unidos, em 1957.
A teoria pressupõe que:
1. A existência de dissonância, sendo psicologicamente desconfortável,
motivará a pessoa a reduzir a dissonância e alcançar consonância;
2. Quando a dissonância está presente, além de tentar reduzi-Ia, a
pessoa irá evitar ativamente situações e informações que poderiam aumentar a
dissonância.
No estudo proposto, deve-se considerar o efeito da dissonância
cognitiva nos flJncionários remanescentes. Tendo sido psicologicamente
afetados pelas mudanças decorrentes da privatização, poderiam tender a
reduzi-Ia mostrando-se mais adaptados e mais favoráveis á nova situação do
que realmente estariam.
Este tipo de viés é inerente a pesquisas em Ciências Sociais. É possível,
porém, que a longa duração das entrevistas tenha reduzido o impacto do
mesmo, uma vez que os entrevistados, ao longo da entrevista, tiveram a
oportunidade de sentir-se mais confortáveis e menos defensivos. Em uma
situação como a estudada, as entrevistas em profundidade podem ser, nesse
sentido, claramente superiores a entrevistas curtas ou questionários
estruturados.
75
4 Descrição e Análise de Caso - Empresa AAA
4.1 Histórico da Empresa AAA
A AAA é uma empresa prestadora de serviços com âmbito de atuação
na Região Sul do país. Estatal em sua origem, a empresa foi adquirida em
1997 por um consórcio de sócios majoritariamente nacionais, tornando-se líder
de mercado, na região, em seu segmento de atuação.
Ao final de 1996, ao ser anunciado o ganhador do leilão de privatização,
a AAA iniciou uma fase de transição de dois meses de duração, durante a qual
se realizou uma administração conjunta da estatal e do consórcio adquirente.
Nessa época, os novos administradores montaram uma equipe responsável
pela transição, que definiu, entre outras coisas, as linhas da nova estrutura
administrativa, incluindo um plano de redução de pessoal.
No início de 1997, a nova direção assumiu a empresa e imediatamente
iniciou um forte processo de demissão de pessoal, que incluía as áreas
administrativa, operacional e comercial. Previa-se uma maior redução de
funcionários na área operacional, pois algumas atividades seriam terceirizadas
e outras eliminadas, mediante a da otimização de processos e procedimentos.
A estatal tinha escritório em dois Estados. o que gerava duplicidade de
funções, como, por exemplo, as de recursos humanos, contabilidade e
orçamento. Planejava-se, assim, a fusão das duas unidades e a concentração
das atividades em apenas um dos locais, ficando o outro apenas como a parte
operacional da região e um departamento de apoio. Na opinião da nova
direção, todas essas medidas justificavam a eliminação de um grande número
de postos de trabalho.
Para poder conduzir o processo de desligamento de funcionários, a AAA
precisava dos líderes oriundos da estatal. Entretanto, como raramente eram
efetuados processos de demissão na estatal, esses líderes não tinham
experiência prática em entrevistas de desligamento. Assim a AAA optou por
efetuar uma série de palestras durantes as quais procurava-se explicar as
razões da redução de pessoal.
76
4.2 A Empresa AAA antes da privatização
De acordo com os entrevistados, as principais caracteristicas da AAA como
estatal eram:
a) Excesso de burocracia;
b) Falta de comunicação e de objetivos bem definidos;
c) Excesso de pessoal, ociosidade e despreparo;
d) Estabilidade;
e) Preocupação Social;
f) Impunidade;
g) Custos não priorizados;
h) Sujeição a interesses políticos;
i) Remuneração igualitária e baseada em gratificações por nível e tempo
de serviço;
j) Recursos e investimentos escassos;
k) Falta de comprometimento.
a) Excesso de Burocracia
A empresa era considerada extremamente burocrática, com processos
longos e lentos. Quaisquer compras, por exemplo, mesmo as de produtos de
baixo valor agregado, necessitavam de licitação. Isso diminuía bastante a
agilidade da empresa.
"Como empresa pública, infelizmente todo mundo sabe que ela tem uma série de
dificuldades de atuar em função do sistema burocrático em que o governo em si, o
sistema público está envolvido. Não tem como mudar esse processo; é uma coisa que
já está arraigada no sistema de governo. Para você ter uma idéia: para se comprar um
parafuso na empresa pública você tem que fazer uma licitação e na empresa privada
não, as coisas são muito mais ágeis, em todos os sentidos."(funcionário de área
administrativa)
"Na ocasião da AAA estatal, você não sentia muito isso. A gente estava
empregada da AAA, estava fazendo um serviço, muitas vezes um serviço que
demandava muito sacrifício, e até pelas próprias dificuldades numa empresa pública,
não teve cursos, a parte burocrática era muito amarrada. e você não via aquele
resultado no contexto geral da empresa. Mesmo porque a empresa não tinha aqueles
77
objetivos determinados de atingir metas, de atingir e bater recordes e ter resultados
financeiros, a gente vê isso claramente." (funcionário de área administrativa)
Além disso, a estrutura organizacional da estatal era considerada "pesada",
setorizada e com muitos níveis intermediários. Isso acarretava uma baixa
produtividade e dificultava o processo decisório. Mesmo pequenas decisões
precisavam passar por diversas pessoas da organização, gerando um
desperdício de tempo e atrasando os processos.
"Porque olha, é outro conceito de trabalho? A empresa estatal, como é que eu vou
dizer ... tem um conceito de que eu não era demitido, era uma empresa muito
setorizada, a estrutura era muito pesada. E eu tinha conhecimento que uma empresa
privada a coisa é mais enxuta, as oportunidades de acordo com a capacidade de cada
um, ficou mais fácil? E todo um processo novo de trabalho." (funcionário de área
administrativa)
"Para você ter uma definiçãozinha de algumas coisas, você demorava até
semanas. Fazia um despachozinho para o teu chefe, teu chefe mandava para o chefe
dele e mandava para o chefe ... Tinha supervisor de grupo, de núcleo, gerência,
gerência do setor, gerência da unidade, depois chegava ao cargo de diretor. Então nós
tínhamos cinco gerentes antes de chegar ao diretor." (funcionário de área
administrativa)
"Eu lembro que da estatal até ... que eu aprendi a escrever. Que, na estatal, a gente
tinha que escrever muito ... Escreve, escreve. Dai passava para um, passava por outro,
até que aquele processo retornasse para você e demorava uma, duas, e você não
tinha esse acesso que nem a gente tem aqui." (gerente de área administrativa)
b) Falta de comunicação e de objetivos bem definidos
A estatal tinha também, um sistema de comunicação vertical que dificultava
o acesso aos níveis superiores da empresa e distorcias informações. Os
entrevistados fazem, referência, por exemplo, a secretárias que organizavam a
agenda da chefia e à disposição física das salas de trabalho, aspectos que
entravavam, mais ainda, o fluxo e a rapidez das informações na empresa.
78
"Era muito, muito dificil. Para você telefonar e falar com o superior, você tinha que
passar toda a hierarquia primeiro até chegar. Se não, era falta grave." (funcionário de
área administrativa)
"Na estatal, era muito difícil. Eu tinha que ir ao gerente. Esse gerente ia no outro e
ia no outro .... Muitas vezes, até alguma coisa que você fazia, que chegava no último já
não era mais assim." (funcionário de área administrativa)
"Era uma sala separada, fechadinha e ali estava o superintendente, estava o
assessor, estavam todas as pessoas assim. Você tinha que se anunciar para falar.
Você não chegava a ter um diálogo aberto, os problemas você tinha,as vezes, que
passar para outra pessoa, aquela outra pessoa ia falar." (funcionário de área
administrativa)
"Na AAA era tudo, salas reservadas e não sei o quê, escritórios fechados. Para
você conversar com o diretor tinha que ficar marcando na agenda com ele. Ele não se
chega ali." (funcionário de área administrativa)
No nível operacional, havia queixas quanto ao desconhecimento dos
objetivos da organização. A infonmação não fluía facilmente na empresa
dificultando, muitas vezes, a própria operação da empresa.
"Em tempo de estatal, as coisas eram todas chaveadas, tudo no cadeado. Cada
arquivo, cada equipamento tinha um dado e tudo era chaveado. Fulano não pode ficar
sabendo disso ai, fulano não pode saber disso aqui." (funcionário de área operacional)
"No tempo da estatal não havia esse envolvimento. Não se conhecia muito quais
eram os objetivos, onde nós queríamos chegar." (gerente de área operacional)
" ... Era mais fechado. Bem mais fechado, Era aquela coisa do superintendente ter
uma secretária no meio ali, você não passa, sem passar pela secretária. Hoje você tem
as secretárias, as secretárias estão ali. Mas se eu passar ali, ela não vai perguntar o
que você vai fazer? Porque você está indo lá? Porque você quer falar? É bem
diferente ... (funcionário de área administrativa)
c) Excesso de pessoal, ociosidade e despreparo
A AAA trabalhava com um número excessivo de profissionais. A
percepção da maioria das pessoas entrevistadas era que a empresa estava
79
"inchada". Esse número excessivo de pessoas traduzia-se também em uma
grande ociosidade.
"Quando privatizou a gente sabia que o quadro estava inchado, sabe? Inchado de
pessoal, o quadro de pessoal estava inchado, um verdadeiro cabide de emprego."
(funcionário de área operacional)
"Era muita gente mesmo. Você entrava naquelas salas lá, tinha 20/30 pessoas
numa sala. Tinha 1 ou 2 pessoas 3 pessoas trabalhando s6. Uma velharada fazendo
tricô, crochê, lendo jornal. O pessoal não queria se aposentar nunca. " (funcionário de
área operacional)
Além disso, como a AAA era uma empresa descentralizada, operando em
dois estados, possuía uma duplicidade em alguns de seus processos e a
necessidade de um quadro de funcionários maior.
"Com a privatização não existiu mais a estrutura aqui de diretoria, ficou tudo em
[local xl. Então tinham atividades que eram paralelas, que eram iguais. Então não tinha
como manter. Se era uma empresa só que abrangia os três Estados e que estava
sendo feito por [local xl, mas no mornento assim que houve essa grande demissão foi
feito uma reunião e foi dito isso pra n6s. Em termos de mudança ... foi feito de processo
de trabalho, pelo menos pra mim foL" (funcionário administrativo)
Os funcíonários estavam desatualizados e eram excessivamente
especializados nas suas funções. A maior parte deles tinha mais de 10 anos
de empresa, entraram na empresa através de concurso e nunca tiveram
outro emprego. Havia funcionários dos mais diversos níveis sócio-culturais
e econômicos, morando em lugares de difícil acesso, muitos semi
analfabetos.
"Os nossos empregados ficaram muito tempo numa função s6; então eles foram
desligados lá com um número x de anos, mas extremamente especializados somente
naquilo." (funcionário de área administrativa)
80
"A grande maioria tem primeiro grau completo. Quando a AAA foi privatizada, a
média das pessoas [de empresa] era mais ou menos 15 anos; é pessoal de primeiro
grau incompleto. É aquele pessoal que capina" (funcionário de área administrativa)
d) Estabilidade
Era raro e difícil demitir-se um funcionário na AAA. O processo de
demissão era cheio de etapas e representava uma pesada burocracia. Em
uma das etapas, o funcionário precisava conversar com um assistente
social, que buscava reverter a situação. Por último, a chefia necessitava
negociar com o sindicato cada uma das demissões pretendidas.
"E a gente tinha uma cultura de estabilidade. Eu trabalhei nesses dezoito anos,
ninguém foi demitido assim por sei lá alguma causa, sei lá. Raríssimas as exceções,
que foram demitidos. E a pessoa tava lá. Podia fazer assim ... continuava lá. "
(funcionário da área administrativa)."
"Para mandar uma pessoa embora na estatal, dava serviço, porque você tinha que
provar, você tinha que conhecer seu chefe ... Depois você tinha o RH, depois tinha o
serviço social, que queria tentar tudo antes e, depois, tinha o problema juridico e,
depois ainda, com tudo isso envolvido, as vezes politicamente não era interessante
porque você ia pegar uma guerra com o sindicato ... então para você conseguir mandar
uma pessoa embora que estava causando problemas aqui, era uma via crucis."
(gerente da área operacional)
"Também não se fazia investimento. Tanto é que foi se degradando o sistema
como um todo. Então veja bem o seguinte, eu sabia que a empresa ... era inevitável o
enxugamento, não tinha como. Mesmo porque haveria, e há necessidade de
renovação sempre no quadro. Empresa que não renova seu quadro ela está fadada
realmente a se acabar. É o que estava acontecendo na AAA ultimamente. As
admissões na AAA eram assim a cada 10 anos que se admitia alguém. Não havia uma
oxigenação da empresa ..... senão não há uma renovação de idéias tuas ou de fora,
você acaba entrando na rotina, quer dizer não
outras alternativas, de uma mudança
renovando ... "(funcionário de área operacional)
há uma inovação, você não busca
de tecnologia que acabe
81
e) Preocupação social
Por ser uma empresa estatal, a empresa AAA tinha a preocupação de
assistir ao funcionário em casos de problemas pessoais.
"Na época da AAA (estatal) tinha essa assistente social, que era para ver. Porque
é que você bebeu? Porque é que você foi jantar? Porque é que você voltou nervoso?
Quer dizer, eram todas preparadas ali e conversavam. "(funcionário de área
operacional)
"Na época de estatal, você pegava o cara no flagrante e fazia um termo, ... de
alcoolismo e essas coisas. Mas aí, você tinha que comunicar o sindicato, assistência
social, a chefia e tudo mais. No dia seguinte estava o sindicato, assistente social, todo
mundo atrás desse cara. Pegavam essa cara, levavam para a capital, tratavam dele
dois, três meses lá, tudo por conta do governo. O cara vinha de lá como viço, bonito,
vistoso. Então eu digo, e' agora? Agora ele vai, agora ele está. Dava um mês, dois, de
novo. O cara caía de bêbado, de farra, de jogatina e isso tudo, mas existia a assistente
social que tentava recuperar a pessoa." (supervisor de área operacional)
(f) Impunidade
Os regulamentos existiam, as pessoas os conheciam, mas eles não
eram seguidos. Não havia cobrança nem qualquer punição nos casos de
não cumprimento do que estivesse estabelecido.
"Só que na época da AAA (estatal), aquele regulamento estava ali em cima de uma
mesa, ninguém cumpria, e quem cumpria, ia para o pau porque cumpria. É igual te
digo assim um exemplo, tolerância de álcool para determinadas classes: maquinista,
manobrador, o cara que mexe diretamente com a locomotiva com o trem ai, o cara que
chega alcoolizado para trabalhar. "(funcionário de área operacional)
g) Custos não priorizados
Não se tinha como meta a otimização dos custos.
"O custo, o custo era muito alto. Trabalhava-se com déficit. Embora aqui na
regional, tinha um superavit operacional mas era muito ... era o seguinte, praticamente
empatava. Não se falava em lucro ... "(funcionário de área operacional)
82
"Esse curso inicialmente era dado no IMI no Rio, mas por uma questão
politica na época, esse curso foi transferido para a Universidade da Paraiba, em
Campina Grande, onde na verdade a Universidade da Paraíba só entrou como local
físico, os professores eram do Rio, os alunos eram do Brasil inteiro [risos], esse foi o
curso mais caro que eu vi até hoje."(gerente de área operacional)
h) Sujeição a interesses políticos
A política externa governamental direcionava as ações e o
preenchimento de cargos na AAA.
Apesar da estabilidade de empregos garantir a permanência das
pessoas em empresas públicas, não garantia a sua permanência nos cargos
que ocupava. Quando havia uma mudança por indicação política em algum
cargo de chefia, pessoas da equipe também poderiam ser destituídas de seus
cargos.
"Uma coisa que eu não esperava, na verdade a gente sempre vinha com um
trabalho profissional. Infelizmente pegamos uma parte que entrou mais na parte
politica ... E aí não fiquei muito tempo na superintendência. Graças a Deus saí, não me
arrependo até hoje, mas era alguma coisa com a qual não concordei. .. Aí eu fui para a
área administrativa, aí me encostaram lá na área administrativa. No setor estatal é
assim, qualquer coisa você encosta (gerente de área operacional)
Além disso, como não havia um sistema de meritocracia formal, a
ascenção profissional de cada funcionário estava vinculada não somente ao
seu tempo de empresa mas também a indicações políticas.
"A AAA foi muito politica. Para conseguir uma ascenção tinha que ter um bom
padrinho. É o mesmo sistema do governo, só que numa outra esfera."(funcionário de
área operacional)
"As grande mudanças? Acho que uma coisa muito forte para mim é a
perspectiva de futuro. Na AAA [estatal], o futuro que eu teria é só se fizesse assim um
concurso, no meu cargo, por exemplo, se eu fizesse mais ou menos não ia fazer muita
diferença. Ia ter o mesmo salário no final do mês. Não teria uma perspectiva para o
futuro. Então se você trabalhando você vai direito a ter um aumento, se você trabalhar
83
mais se dedicar mais vai ter direito a um aumento ou vai ter uma ascensão para outro
cargo, não tinha isso. Nem poderia, porque a empresa pública não permite isso. Tem
que fazer concurso externo, tem uma série de, é um processo realmente muito difícil. A
não ser que conseguisse, politicamente, um cargo de confiança, por exemplo. Mas era
muito difícil." (funcionário de área operacional)
Um dos funcionários entrevistados demonstrou ressentimento pela falta
de reconhecimento das boas iniciativas dos funcionários. Na sua
perecepção os erros eram sempre apontados e as boas ações eram
sempre creditadas à chefia.
"Antigamente era muito mais difícil. Eu tinha que ir no gerente. Esse gerente ia
no outro, e ia no outro, e então você ... muitas vezes até alguma coisa que você fazia,
que chegava no último já não era mais assim.Coisas que eu havia desenvolvido e eu
ficava sabendo que ... ah, olha aqui, o gerente de tal, tal tal, apresentou em tal local.
Isso acontecia. De levarem serviços meus para a AC dizendo que outras pessoas que
tinham. Ah, não. É que no momento, no momento que erra, foi fulano, no momento que
está certo foi a gerência. Então não é por aí. Acho que de repente tem que dar o nome
aos bois também. Isso acontecia bastante. Aqui não, você errou foi você. Você acertou
foi você também. Tem isso, as pessoas sabem o que você faz." (funcionário de área
administrativa)
i) Remuneração igualitária e baseada em gratificações por nível e tempo de
serviço
Alguns salários estavam fora da faixa salarial praticada no mercado mas
havia várias gratificações adicionais que faziam com que a remuneração
total, de um modo geral fosse boa. Os aumentos salariais, entretanto,
precisavam ser discutidos com o sindicato e aprovados pelo governo. Por
ser estatal, aumentos eram muito difíceis de serem concedidos, uma vez
que poderiam causar impacto na inflação.
"Alguns fora do mercado. Nós tínhamos uma série de vantagens, adicional
por tempo de serviço. Então tinham duas pessoas, por exemplo, fazendo a mesma
coisa, só que uma tinha 5 anos de empresa, outra tinha 25 anos de empresa. Essa
ganha 25 anos, o custo dela é muito mais do que aquela de 5 anos. Então fazia com
que quanto mais antigo, maior o custo." (gerente de área administrativa)
84
Sem um processo de avaliação individual que alimentasse o sistema de
remuneração, os empregados da estatal recebiam aumentos independentes
de sua produtividade. Em um processo de comparação indicavam que, se
outro funcionário não trabalhasse, esse receberia um aumento da mesma
forma. Verifica-se, assim, que as práticas de recursos humanos
desestimulavam os funcionários que desejavam produzir.
"O plano de cargos e salários e de merecimento era igual para todos. Se você
fosse um bom funcionário ou fosse ruim, você recebia a mesma coisa. Não tinha uma
meritocracia. A pessoa recebia igual, você trabalhava e trabalhava e ganhava a mesma
coisa. Se você ficasse o dia inteiro lendo e eu ficasse fazendo tudo, seria a mesma
coisa. Você não era reconhecido e eu também não, tudo bem, ficava por isso mesmo.
Hoje não, hoje as pessoas demonstram algum interesse a mais, elas são
reconhecidas." (gerente da área operacional)
j) Recursos e investimentos escassos
Os recursos tecnológicos da estatal eram bastante precários. Todos os
sistemas existentes eram desenvolvidos por funcionários da própria
empresa e eram sujeitos às limitações impostas pelo governo.
"Até porque pelas próprias limitações, a AAA [estatal) não podia pensar em
contratar um serviço. O governo não permitia isso. A rede chegava ao absurdo de
parar uma [máquina] porque o governo não permitia a importação da peça para fazer a
[máquina] funcionar. Por mais que o RH quisesse, eu não podia nem pensar em
contratar um sistema externo para o RH. Por melhor que fosse." (gerente de área
administrativa)
"Naquela primeira ocasião se sabia que se precisava daquilo. Tudo que a
gente tinha era praticamente obsoleto, na época da AAA [estatal). Nós não
trabalhávamos ainda com o Windows 95. Algumas áreas sim, alguns computadores só,
mas a grande maioria trabalhava com sistema DOS ainda. Então, para redigir carta era
o Carta Certa, por exemplo. Então era um transtorno. Quando chegou assim que
precisava uma ferramenta melhor, um Word, uma qualidade melhor .. " (funcionário de
área operacional)
85
"Só para você ter uma idéia: nós tínhamos as entradas para a folha de
pagamento, a gente gerava documentos manuscritos ou feitos através de como se
fosse uma planilha no microcomputador.lsso era redigitado na informática. Então 5 ou
6 pessoas na informática, só para digitação." (funcionário de área administrativa)
As condições para o trabalho eram consideradas inadequadas. Na área
operacional, por exemplo, havia constante falta de peças para o conserto de
máquinas, sendo que, algumas vezes, chegava-se a reciclar peças que já
haviam sido descartadas. Por falta total de peças, os funcionários eram
obrigados, muitas vezes, a interromper o trabalho. Tal situação, segundo o
relato de um funcionário, desmotivava os empregados, fazendo com que se
sentissem "desgostosos" com o trabalho.
"Muitas vezes tinha o serviço, mas faltavam peças, ou, então, para você fazer
um serviço mal feito, justamente por não ter peças. Então, profissionalmente, a gente
se sente um pouco ruim com essa situação. Porque você sabe que cada um tem um
determinado potencial, cada um quer dar o melhor de si. E, as vezes, você sabe que
não está fazendo, porque a empresa não dá condições de fazer. Eram peças
reutilizadas, muita coisa que estava, muitas vezes na lata do lixo, tinha que ir lá buscar,
para reutilizar, porque não tinha peça. Você tinha duas opções: ou você deixava a
máquina parada ali no pátio, ou fazia uma tentativa de pegar uma peça já sucateada e
colocar na máquina." ... E tudo isso ai fazia a gente ficar desgostoso de trabalhar numa
firma estatal. .. (funcionário de área operacional)
"Porque você estava vendo na estatal que o patrimônio estava terminando,
coisas assim. Não tinha incentivo de trabalhar." (funcionário de área administrativa)
"Para você ter uma idéia, faltava lápis para se escrever. Então o pessoal não
tinha como trabalhar, não tinha copo, não tinha bulufas nenhuma." (funcionário de área
operacional)
Não havia uma preocupação com as condições de segurança dos
empregados. Sem fornecimento de roupas e equipamentos adequados para o
trabalho, os funcionários sentiam-se, em alguns casos, obrigados a arcar com
86
despesas de uniforme. O sentimento de descaso com os funcionários e com o
patrimônio da empresa expressou-se no seguinte depoimento:
"Eu mesmo, eu ficava revoltado e a turma também. Então, nós parávamos de
trabalhar, que os caras não se preocupavam com segurança do trabalho. Eles não
davam luvas, não davam botinas para nós. Roupa, roupa a essa altura do serviço nós
é que pagávamos. Nós é que pagávamos a nossa roupa." (supervisor de área
operacional)
k) Falta de Comprometimento
A ausência
produtividade de
de pressão para o desempenho ocasionava a baixa
muitos empregados. Havia, na opinião de alguns
entrevistados, uma cultura paternalista, em que os interesses pessoais se
sobrepunham aos interesses da organização, produzindo empregados pouco
comprometidos com o trabalho.
"Antigamente eles batiam o cartão 'as sete e vinham do vestiário ás oito. Aí,
depois, eles iam tomar café, daí nós íamos conseguir fazer eles trabalhar com um
tapinha nas costas. Quem sabe, por favor, vai lá e faz isso para nós ?' Ah, mas a
minha mulher está doente, eu tenho que ir para casa, olhar meus filhos' , e era assim
que era." . (supervisor da área operacional)
Em algumas áreas geográficas, entretanto, a produção atingia um nível
que, se comparado com outras áreas da estatal, era considerado superior à
média nacional. O orgulho por esse desempenho pode ser constatado no
discurso de um supervisor da área operacional:
"É que, no tempo de estatal, nós aqui nos pátios, sempre foi isso que é hoje.
Uma alta produção ... , mesmo na época de empresa estatai. Isso aqui sempre foi um
pátio modelo, sempre foi alta produção" (supervisor de área operacional)
4.3 A Empresa AAA depois da privatização
De acordo com a percepção dos funcionários, a privatização da AAA fez
com que novas prátícas de trabalho fossem implementadas mudando a forma
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de trabalhar e o comportamento dos funcionários. As principais características
observadas na empresa após a privatização foram:
a) Foco em custos;
b) Administração por metas;
c) Meritocracia;
d) Acesso mais fácil às chefias;
e) Comunicação mais eficiente;
f) Reconhecimento e valorização do funcionário;
g) Alteração na quantidade e no modo de trabalhar;
h) Cobrança de resultados;
i) Multifuncionalidade;
j) Atitude pró-ativa;
k) Comprometimento, respor:lsabilidade e mais tempo dedicado à empresa.
a) Foco em custos
A partir da privatização, a AAA passou a visar a maior redução possível dos
seus custos. Os salários foram revistos e unificados de modo que ficasse claro
qual o real custo da mão de obra.
""Não pode diminuir [salário]. E uma das, uma das mudanças da AAA [após
privatizar], em 97, ela unificou todas essas vantagens como salário. Porque o nosso
contracheque era bastante extenso. Então o que ela fez? Ela fez um estudo e juntou.
Todas essas gratificações essas verbas numa só. Porque na realidade era salário. E,
ai, começou a ficar bem claro quanto uma custava em relação à outra. Então os mais
caros também contribuíram para que infelizmente saíssem da empresa. É a regra de
jogo. Não sei se você concorda. Mas a regra do jogo é essa. Você, a gente como
consumidor pensa assim. Você vai comprar uma coisa, como colaborador, ele é uma
mercadoria digamos assím. Então entre duas eu sempre escolho a mais barata.
Analiso a qualidade das duas, mas essa ... E na AAA [estatal] não tinha, não era
assim." (gerente de área administrativa)
b) Administração por metas
A nova administração da AAA implementou um sistema de
administração por metas. Assim, todas os níveis da empresa, da presidência
88
até a seção de mais baixo nível na hierarquia receberam metas a serem
atingidas. Os coordenadores e gerentes são avaliados pela diretoria de acordo
com o seu desempenho em relação ao que foi estabelecido.
"Existem metas a serem cumpridas. Coloca isso como o item número um. Tem
prazo, você negocia o prazo. Agora, depois de negociado o prazo, ai é sua
responsabilidade cumprir o prazo. " (funcionário de área administrativa)
"Todas as áreas têm metas e os coordenadores e os gerentes são avaliados
pela diretoria de acordo com o seu desempenho nas metas. E nós também somos
questionados porque todos estão envolvidos nas metas. Então se a gente não está
conseguindo cumprir a meta, é porque tem algum problema. Então a gente é
questionado e a gente é ... solicitado digamos assim, a dar sugestão para .. O que nós
podemos fazer para melhorar? Como é que nós estamos errados? Olha você está
errado nisso, isso ai não está bom, vamos mudar, vamos tentar melhorar. A gente está
permanentemente sendo avaliado." (funcionário de área administrativa).
Para alguns funcionários essa postura da empresa representa a
abertura de oportunidades de crescimento na empresa.
"Hoje não, hoje, com a privatização, com a oportunidade que a Companhia
está dando para as pessoas da base ... a minha oportunidade de crescer, dentro da
Companhia, depende só de mim, mas é muito grande. É enorme, meu campo é
enorme, meu cargo é enorme. Nós temos doze empresas, quer dizer, eu acho que
amanhã de repente, eu posso estar como chefe de uma OP, ou chefe de produção em
outro lugar, agora, quanto a aposentaria .... " (funcionário de área operacional)
c) Meritocracia
Um sistema que vinculava o desempenho, com a avaliação e
remuneração foi implantado, aumentando o estímulo e a motivação dos
funcionários.
"Até hoje a filosofia da empresa é esta. Tanto é que ela tem uma politica de
meritocracia. Você propõe as coisas, elas são analisadas e se elas forem boas com
certeza serão implantadas, e você é medido por isso, por esse retorno que você dá. E
isso não acontecia na AAA [estatal]." (funcionário de área administrativa)
89
"As grande mudanças? Acho que uma coisa muito forte para mim é a
perspectiva de futuro ... Então se você trabalhando você vai direito a ter um aumento; se
você trabalhar mais se dedicar mais vai ter direito a um aumento ou vai ter uma
ascensão para outro cargo;[na estatal] não tinha isso. Na AAA [após a privatização]
não, isso pode acontecer [ascenção de cargo], depende muito da gente. Quase que
exclusivamente de você ser um bom profissional. Eu acho que a visão dos
administradores da AAA, são muito de observar as pessoas. E de reconhecer isso e
dar possibilidade da pessoa crescer, em todos os niveis." (funcionário de área
administrativa)
d) Acesso mais fácil ás chefias
O organograma da empresa foi revisto e vários níveis foram eliminados,
diminuindo o distanciamento entre os funcionários e a alta administração da
organização. A tomada de decisão foi agilizada.
Em paralelo, os diretores passaram a passar mais tempo visitando as
áreas operacionais entendendo os problemas e funcionamento.
"Ele [organograma] foi modificado, pra diretoria ficar perto da base ... pra dar
mais autonomia, porque as empresas precisam de mais autonomia, e diminuir dentro
do organograma o espaço ...... Topo de pirâmide e a base. E a diretoria, constante, ..
andando pela empresa, conversando com o pessoal, a gente se vê a tarde inteira, fala
com o que pernoitou ... E a diretoria ... eles se mantém ai mesmo junto com o pessoal,
eles tão valorizando muito o pessoal." (funcionário de área opercaional)
"E hOje não, hoje se eu precisar falar com o presidente, se ele estiver !lli,
posso entrar ali, sentar na mesa dele e conversar com ele. Mais aberto .... que a gente
vê é uma filosofia da empresa, nem todas as empresas sâo assim." (funcionário de
área administrativa)
" ... mas ele (superintendente) sempre está disposto ali e aberto a qualquer diálogo que
você precise dele. Chega ali e resolve as coisas rapidamente e já se libera e vai
embora, pegar teu serviço. E para a comunicação entre as áreas a mesma coisa. Se
eu preciso de uma área, corro ali, já troco uma idéia, já resolvo e já. Se preciso de
outra área, corro lá também, já resolvo e já volto. Está tudo facilitado." (funcionário de
área opercaional)
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" ... , tenho total liberdade de ir ali e falar com ele, perguntar, se ele puder resolver. Ele
não vai me criticar por causa disso. Total liberdade, total liberdade. Tem livre acesso. E
não só para mim como para todos. Isso é uma coisa que fica bem claro, todos têm
acesso. O próprio presidente nos informes que passa ele mesmo fala, estamos á
disposição" (funcionário de área administrativa)
e) Comunicação mais eficiente
A comunicação na empresa entre os diferentes níveis também melhorou
bastante. Os resultados da empresa são divulgados para todos os funcionários
através de informes distribuídos via correio eletrônico.
"Eles sempre passam o resultado do mês.A gente tem correio eletrônico, então
ele passa informando como foi o desempenho da empresa, qual vai ser a meta do
próximo mês. E sempre se colocando á disposição para quem quiser dúvida"
(funcionário de área administrativa)
"Vem gente de várias localidades. Então são cento e poucas pessoas
e nessa reunião é falado da área de operações, da área financeira. como estão
os números, as metas, como estão em relação ao mês anterior, expectativa
para a safra, para o próximo ano, como estão as metas, participação nos
resultados, números, enfim é uma forma de você melhorar a informação dentro
da empresa, para fluir melhor, embora a gente tenha outras fontes de
informação, que são as reuniões que acontecem setoriais."(gerente de área
administrativa)
f) Reconhecimento e valorização do funcionário
No relato dos funcionários, a questão da valorização e do
reconhecimento das pessoas pela nova administração revelou-se freqüente.
"As pessoas estão muito valorizadas, principalmente na área operacional.
Porque percebeu-se que, para cuidar de um negócio como o da gente, mais no nível
técnico, no nivel intermediário, a gente não encontra no mercado uma pessoa com
tanta experiência .... Então eu acho que as pessoas, principalmente da área operacional
foram muito valorizadas." (gerente de área administrativa)
" Reconhecidos, eu acho que o reconhecido que a gente está tendo por parte
deles é que a gente está, continua empregado. Então se a gente continua empregado,
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é porque está havendo um reconhecimento por parte deles do que a gente está
fazendo. Acredito que seja isso." (funcionário de área administrativa)
" A gente sente uma valorização do pessoal. Com a privatização da AAA, a
valorização do pessoal tá sendo muito grande" (funcionário de área operacional)
Parece ter havido também uma preocupação da empresa em investir no
treinamento e desenvolvimento de seus funcionários. Em primeiro lugar, a
própria nomenclatura foi alterada: o funcionário passou a ser chamado de
colaborador.
"Por que a empresa tem como filosofia o foco nas pessoas. Colaboradores.
Então ela tem investido bastante em gente. Nós temos como meta o treinamento
homem-hora. Então além dos treinamentos técnicos, sejam eles on the job, ou o RO, o
regulamento operacional, a empresa já tem como objetivo estar treinando e reciclando
pessoas. E até em aspectos comportamentais mesmo."(gerente de área administrativa)
"Há dois anos já na condição de AAA [pós privatizada). nós fizemos um
trabalho de desenvolvimento gerencial, que foi voltado muito para a questão
orçamentária. Foi um recurso que a empresa utilizou para que cada gerência da
empresa fizesse o seu plano orçamentário para 99. Então foi uma consultoria inclusive
do Rio de Janeiro que veio e trouxe essa metodologia, que se não me falha a memória,
veio de Harvard. E nesse treinamento nós tivemos dois momentos, um aprendendo a
utilizar esta técnica, essa ferramenta, e num outro momento uma questão
comportamental, onde você trabalhou depressão, comunicação, motivação, então foi
um trabalho interessante." (gerente de área administrativa)
g) Alteração na quantidade e no modo de trabalhar
De acordo com a maioria dos depoimentos dos funcionários, houve um
significativo aumento na quantidade de trabalho após a privatização da
AAA. As razões para este aumento na carga de trabalho foram tributadas a
várias causas: reestruturações organizacionais, novos processos,
introdução de novas tecnologias e escassez de pessoal para realizar todas
as tarefas.
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"Que a gente está trabalhando mais, com certeza. Eram 6.000, hoje está com
3,000, alguém está fazendo o serviço. A gente está trabalhando muito mais, está se
desgastando mais. O estresse é muito grande, mas profissionalmente eu cresci muito.
Isso vale muito também." (funcionário de área administrativa)
"Bastante dificil, porque é muito trabalho. É muito complicado, muita mudança,
muita reestruturação. Nós tivemos a implantação de novos sistemas, inclusive sistema
de RH. Aconteceu logo depois, os novos donos assumiram em março, em setembro as
pessoas já trabalharam na migração do novo sistema, que mudou completamente ... um
outro sistema, um outro sistema. Gráficos bem modernos em relação ao que se
utilizava .... Transfonmar todos os arquivos, históricos financeiros, históricos salariais,
então um trabalho muito grande. Então a gente trabalhou muito."(funcionário de área
administrativa)
h) Cobrança de resultados
A cobrança de resultados apresentou-se no depoimento de quase todos
os funcionários, de forma implícita ou explícita. Cobra-se uma maior
produtividade, menos ociosidade e mais eficiência.
"Acho que nós tivemos um aumento de produtividade muito grande. Mesmos as
pessoas que apertavam apenas um parafuso, hoje elas sabem que ... elas têm que
apertar 10. Então elas mesmas estão se condicionando a produzir mais. E isso foi
colocado para as pessoas, que elas têm que produzir mais e em niveis tão bons
quanto qualquer empresa privada." (gerente de área operacional)
"Antes tinha ... o pessoal parava para tomar café. Tipo, tinha a reunião dos lideres
de manhã das sete às sete e meia, era um horário que quase todo o pessoal não
trabalhava, ficavam tomando cafezinho, depois paravam para tomar café e voavam
para caramba. Hoje em dia não, o cara, você tem que entregar o seu serviço, você tem
que entregar no final do expediente ou se passam um serviço grande, até o fim de
semana, até lá você tem que entregar mesmo." (funcionário de área operacional)
A cobrança por resultados também sinalizou para alguns funcionários, o
fim do "paternalismo" e da impunidade existentes na época da estatal.
"Agora esse [nc] não tem isso, não tem uma psicóloga, não há um
departamento que chegue e pergunte: Machado, você bebeu? Hoje não deve nem
93
saber. O Regulamento diz, não pode usar drogas, álcool, assim, assim, e lista aquele
troço todo. Não pode, não pode. Não tem choro, pegou manda embora. Não está
fazendo de acordo, manda embora. Então é por isso que hoje o pessoal que ficou
sentiu o drama da coisa, ôpa, o troço não é bem assim." (supervisor de área
operacional)
i) Multifuncionalidade
Outra característica da nova forma de trabalhar levantada
consistentemente pelos funcionários foi a multifuncionalidade. Ao invés da
estrita divisão do trabalho, os funcionários teriam passado a trabalhar com
escopo menos nitido, a realizar tarefas acessórias as suas tarefas principais, a
aprender o ofício de outro especialista ou mesmo substituir empregados
desligados, em treinamento ou em férias.
"É alguma coisa que a gente percebe dentro da multifuncionalidade. A parte de
mecãnica também. A parte de mecãnica tem lá, o especialista mecânico e o
especialista elétrico. Na época da estatal o especialista elétrico era um especialista. O
especialista elétrico só fazia aquilo mesmo ali. O mecãnico não, só faz a parte
mecânica. O elétrico tem que chamar o outro para fazer. Hoje já a gente consegue,
estamos desenvolvendo que o elétrico está prendendo a parte mecânica e o mecânico
a parte elétrica." (gerente de área administrativa)
j) Atitude pró-ativa
Além da mudança para uma prática de multifuncionalidade, os depoentes
relataram ainda, o estímulo, por parte da gerência, para a adoção de atitudes
pró-ativas. Segundo os entrevistados, procurava-se estimular o pensamento
critico e a busca por atividades mais inteligentes de se realizar um trabalho.
"Então a gente acertou ... primeiro é o seguinte: nós vamos ter que fazer, dar
treinamento 5S para todo o pessoal aqui. Foi o que a gente fez, um treinamento geral
para todo mundo. Vamos mudar a cabeça do pessoal, vamos fazer com que eles
mesmos tenham a iniciativa de fazer e aprender que o mais importante não é limpar, o
mais importante é não sujar. E a partir dai agente está conseguindo uma evolução.
Olha, eu fico até emocionado de ver a evolução que a gente tem no dia a dia, o
pessoal limpando... A mudança que dá é realmente fantástica, na cabeça das
pessoas." (gerente de área administrativa)
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k) Comprometimento, responsabilidade e mais tempo dedicado á empresa
Alguns aspectos de mudanças no comportamento dos funcionários
surgiram durante as entrevistas.
Em primeiro lugar percebeu-se que os funcionários estavam mais
comprometidos seja com os resultados da empresa como também em cumprir
seus deveres.
"Hoje não, hoje você ganha oito para trabalhar, trabalha oito e você fica mais
uma ou duas de graça para a empresa aqui dentro. Porque você se compromete muito
com a situação. Se compromete muito com a situação. E hoje a empresa não admite
hora extra. Não pode hora extra, tem que cumprir seus deveres." (supervisor de área
operacional)
"Acho que a grande maioria hoje está comprometida com a empresa, com o
resultado, com a geração de lucro, com a imagem. Isso eu vejo como uma coisa
positiva. Mesmo que isso cause, digamos assim, um certo transtorno na vida pessoal."
(gerente de área operacional)
Outra novidade para os empregados da AAA, surgida após a
privatização foi o aumento da responsabilidade sobre as tarefas.
"As pessoas respeitam e eu acho que elas sabem até onde que elas têm que
resolver as coisas que são de responsabilidade delas, que não adianta jogar o
macaquinho para as costas dos outros. Elas têm que resolver o problema, não adianta
trazer o macaquinho para cá achando que o diretor vi dar. Não é. Hoje cada um de nós
tem responsabilidade sobre uma boa parte daquilo que nós decidimos." (gerente de
área administrativa)
Por último, percebeu-se que os funcionários passaram a levar situações
de trabalho para dentro de casa.
"Não, não consegue se desligar. Depois que inventaram o celular então, ai. ...
Você fica com celular direto, direto ligado. Então as pessoas ficam, a gente até passa
uma certa preocupação até no aspecto familiar a gente para eles assim, uma
preocupação que algumacoisa pode acontecer errado, você pode ser chamado de uma
hora para outra." (gerente de área operacional)
95
4.4 Ações desenvolvidas no processo de privatização e pela nova
administração
Quando foi anunciado o consórcio ganhador da AAA, a nova diretoria
começou a implantar uma série de novas ações, a saber:
(a) Definição dos gerentes e líderes que continuariam na empresa;
(b) Desligamento de profissionais;
(c) Contratação de novos funcionários;
(d) Reestruturações organizacionais e mudanças de atividades;
(e) Implantação de novas tecnologias;
(f) Estabelecimento de metas;
(g) Terceirização de atividades.
a) Definição dos gerentes e líderes que continuariam na empresa
Durante o período de transição, que se caracterizou por uma
administração conjunta da antiga e nova administração eque se estendeu de
dezembro de 1997 a fevereiro de 1998, foram selecionadas pessoas de nível
gerencial ou em cargos de liderança que continuariam na empresa e foi
elaborada uma lista dos funcionários que seriam desligados.
Ao assumir a empresa, os novos administradores delegaram aos
gerentes e líderes escolhidos para permanecerem na empresa a tarefa de
escolher, com base no levantamento efetuado na fase de transição os
funcionários que deveriam ser demitidos. Esses gerentes, por sua vez, junto
com alguns de seus subordinados imediatos, analisaram a mão de obra
existente e fizeram suas seleções.
"Se tentou fazer o critério o mais justo possível. Mas devido ao pouco tempo
que você tem para conhecer, e você tem às vzees 1.300, 1.500 pessoas aquí, você
não consegue conhecer todas rapidamente. Então cada um, cada engenheiro desses,
junto com seus supervisores, iam determinando as pessoas abaixo. Por exemplo, eu
determinei os cinco engenheiros que ficavam comigo. Eles, com seus supervisores,
escolhiam as demais que iriam ficar." (gerente da área operacional)
96
b) Desligamento de profissionais
Foi um processo já esperado pelas pessoas e ocorreu em primeiro de
março de 1998, primeiro dia da nova administração. Foram desligadas 2.500
pessoas.
"A gente não sabia. A gente imaginava. Era praticamente um consenso que
haveria redução no quadro, até porque a gente sabia que a nova empresa ia se tentar
modernizar muitas atividades ... A gente sabia que ia reduzir, mas a gente não sabia se
ia ser na área operacional, se ia ser na área administrativa ... a gente não sabia se iria e
em que nivel e nem quando." (funcionário de área administrativa)
Dentre as razões para o desligamento citadas pelos entrevistados
incluem-se: eliminação de funções em duplicidade, redução de custos,
enxugamento do quadro de pessoal, necessidade de oxigenar a empresa,
mediante a criação de vagas par novas contratações e terceirização das
atividades.
"Estava tendo um processo de enxugamento do quadro porque a empresa
estava com a folha de pagamento muito alta e tinham muitos processos que tinham
mudado, que tinham ido para outro Estado... Então tinham atividades que eram
paralelas, que eram iguais. Então, não tinha como manter." (funcionário da área
administrativa)
c) Contratação de novos funcionários
Pessoas provenientes de outras empresas foram contratadas pela nova
administração e um programa de trainees foi implementado.
A contratação dessas pessoas provocou reações diversas nos
entrevistados. Alguns sentiram-se bastante incomodados, até mesmo
ameaçados em suas posições, considerando excessiva a valorização desses
novos profissionais em detrimento daqueles provenientes da estatal.
"A gente teme por outro lado, a gente teme que amanhã ou depois eles metam
um guri novo, que não entenda bulufas do serviço como já está acontecendo em
alguns setores ... Eu já tive a impressão, ... que a AAA mais cedo ou mais tarde, ela não
vai ficar com um sequer remanescente da estatal." (funcionário de área operacional)
97
Outros funcionários, entretanto, consideravam as novas contratações
como uma oportunidade de "oxigenar" as idéias da empresa e auxiliar na
construção de metas.
"Eu não tinha nenhuma preocupação com eles [trainees]. Eu acho que eles iam
desenvolver um trabalho ótimo, que iam somar, que iam oxigenar a cabeça das
pessoas que estão ai, que iam empurrar todo mundo para um caminho melhor."
(gerente de área operacional)
d) Reestruturações organizacionais e mudanças de atividades
Durante os primeiros meses da nova administração foram realizadas
uma série de reestruturações organizacionais e de mudanças nas atividades.
Vários processos e procedimentos adotados na estatal foram revisados e
redefinidos, buscando uma maior adequação ao novo modo de trabalho da
empresa privatizada.
" Foi um período de muito trabalho ... porque ainda estavam se fazendo muitos
ajustes na empresa. A gente mudou e reestruturou aqui o nosso departamento,
mudamos o local, muitas coisas foram abandonadas que eram feitas na época da
estatal... o modo de trabalhar, como uma readequação grande nesse sentido."
(funcionário da área administrativa)
"Houve basicamente duas fases. Teve uma fase que foi a fase inicial da
privatização, eu diria que foi um mês ou dois antes de ser [privatizada]. Janeiro e
fevereiro e os primeiros meses de 97. Porque foram meses de acomodação. Você
tinha que reestruturar tudo novamente, tinha que repensar seu quadro de pessoas, a
sua maneira de fazer e priorizar o serviço novamente ... Elas têm que aprender a
priorizar, isso foi dificil no começo, porque as pessoas não estavam acostumadas com
aquela redução. A redução [de pessoal] foi bastante grande assim no começo."
(gerente da área operacional)
e) Implantação de novas tecnologias
Um correio eletrônico foi disponibilizado para agilizar a comunicação
entre todos os funcionários e vários processos da empresa foram
automatizados.
98
"Bastante difícil, porque é muito trabalho. É muito complicado, muita mudança,
muita reestruturação. Nós tivemos a implantação de novos sistemas, inclusive sistema
de RH. Aconteceu logo depois, os novos donos assumiram em março, em setembro as
pessoas já trabalhavam na migração do novos sistema que mudou completamente ...
um outro sistema, um outro sistema. Gráficos bem modernos em relação ao que a
gente utilizava. ... Tranformar todos os arquivos, históricos financeiros, históricos
salariais, então um trabalho muito grande." (funcionário de área administrativa)
Em paralelo, investiu-se no treinamento dos profissionais no uso dessas
novas tecnologias.
"E até uma coisa interessante de falar é que a AAA [pós privatização] deu um
treinamento para quem ficou. Eu mesmo tive um treinamento em informática na
Ferrovia. Fiz o Excel, fiz o Word. Excel e Word só." (funcionário de área operacional)
f) Estabelecimento de metas
Metas forma estabelecidas para todos os niveis da empresa, da
presidência à seção de mais baixo nível na hierarquia. Em cada local de
trabalho era exposto um quadro com a lista de metas do setor e uma avaliação
do atingimento das mesmas. Um sinal verde indicava que as metas teriam sido
atingidas com sucesso, amarelo, que a meta requeria atenção e vermelho
acusava insucesso em seu atendimento. O desempenho de todos os setores
era exposto para toda a empresa.
"Mudou a forma de trabalhar, a forma de cobrança. Hoje, aqui todos têm metas de
produção, todas as gerências têm metas. Então hoje todos os funcionários estão
envolvidos com metas. Qualquer mecânico que você chegar lá dentro e vai perguntar
quais são as metas aqui da oficina, eles vão saber dizer". (gerente da área operacional)
"As pessoas são cobradas pelas metas individuais. Eu tenho uma meta individual que
eu tenho que alcançar um valor X de vendas. Se eu não alcançar esse valor X, eu
tenho uma nota mais baixa, digamos que eu não ganho [participação nos lucros]."
(funcionário de área administrativa)
99
g) Terceirização
Após reduzir seu quadro de pessoal, nova administração da AAA
começou a terceirizar algumas atividades da empresa.
"Era aqui. Recursos humanos, sistema de recursos humanos. O sistema que a
AAA [estatal] utilizava, foi desenvolvido na empresa, por técnicos da empresa, com
recursos que a empresa dispunha, dentro das limitações da empresa. Hoje não, a
gente tem contato. É uma empresa de fora que está trazendo tecnologia. Que de
melhor existe, pelo menos que a gente conseguiu encontrar. Então você tem contato,
sabe como isso acontece. Ah não, mas vocês fazem assim, mas tal empresa faz
desse jeito. E aí você vai correr lá para ver porque você faz assim. Na AAA [estatal]
não era, na AAA [estatal] não tinha disso. A AAA [estatal] era o mundo dela ali."
(gerente de área administrativa)
"E hoje não. Hoje você tem plena liberdade até de propor isso [contratação de
terceiros], O que você está fazendo ali, Você vê uma chance de pegar um serviço fora
e trazer para cá. Um produto externo, não tem problema. S6 sugere, vamos analisar,
vamos ver quanto custa, e está liberado." (gerente de área administrativa)
4.5 Análise do processo de mudança cultural
4.5.1 Níveis da cultura
Analisando a AAA segundo o modelo de níveis da cultura de Schein,
percebem-se mudanças significativas na cultura da empresa antes e depois de
sua privatização como descrito no quadro 4.1.
a) Artefatos e criações
A AAA antes de ser privatizada era uma empresa burocratizada e
com uma estrutura organizacional com muitos níveis hierárquicos. O acesso a
alta diretoria era difícil e controlado. No nível imediatamente observável, isso se
traduzia em um ambiente de trabalho caracterizado por salas fechadas e
isoladas, para superintendentes, diretores e assessores. O acesso de
funcionários aos altos executivos era através das secretárias e necessitavam
de um pré agendamento. Havia um distanciamento bastante grande entre a
operação e a alta administração.
100
AAA antes AAAdepois
Artefatos e Criações » Salas reservadas e » Facilidade de
fechadas acesso à diretoria
» Estrutura formal e » Diretoria em sala
hierárquica única e sem portas
» Acesso à diretoria » Maior interação
através de entre funcionários e
assessores e a alta administração
secretárias
Valores » Preocupação Social » Foco em custos
» Igualdade de » Meritocracia
remuneração » Eficiência e
» Foco no·funcionário Produtividade
» F alta de foco na » Eficácia
produtividade » Multifuncionalidade
» Falta de foco na » Pró-atividade
eficácia
» Falta de foco no
cliente
Pressupostos Básicos » Atender ao poder » Lucro
público
» Estabilidade
Quadro 4.1 Empresa AAA segundo classificação de Schein
Como conseqüência disso, a comunicação dentro da empresa não
fluía facilmente. Muitas informações eram de difícil acesso, dificultando, em
alguns casos, a própria operação da empresa.
Ao se privatizar, a estrutura organizacional da empresa se modificou,
passando de cerca de 14 níveis para 4 níveis. Os escritórios foram
remodelados de modo que tanto o novo comitê de diretoria, como o presidente
da empresa trabalham em uma única sala na qual não há portas nem
secretárias exclusivas.
101
A alta administração da MA pós privatização tem um estilo mais
despojado de se apresentar e de trabalhar. Os diretores não usam terno ou
gravata e fazem bastante trabalho de campo, ou seja, eles têm uma
comunicação muito mais intensa com os funcionários que trabalham na
operação da empresa.
b) Valores
Com relação ao segundo nivel proposto por Schein, os valores, antes
de ser privatizada, percebe-se que a AAA tinha um compromisso maior com a
sociedade e com seus funcionários do que com a eficiência, lucratividade e
otimização de custos.
A preocupação com a sociedade se manifestava através do controle
de aumentos salariais que pudessem causar impacto na inflação ou em não
demitir para não elevar a taxa de desemprego local.
Demissões eram muito raras de acontecerem. Os funcionários que
apresentassem problemas de comportamento tais como alcoolismo ou
abandono de posto eram encaminhados para o serviço social da empresa para
serem devidamente tratados e, na maioria das vezes, eram reencaminhados
para o trabalho. Além disso, havia uma forte presença dos sindicatos
defendendo os direitos dos trabalhadores.
Na AAA estatal não havia um sistema de meritocracia mas de
igualdade de remuneração entre os funcionários. A ascenção dos profissionais
estava vinculada ao tempo de serviço ou a alguma interferência política. A
remuneração também era limitada por eventos externos à organização. Por ser
uma estatal, aumentos salariais poderiam impactar a sociedade gerando
aumento de impostos e criando uma imagem negativa da empresa. Assim,
quando se desejava aumentar os salários, eram usados artificios como mudar
o funcionário de nível.
A falta de foco na eficiência, eficácia e no cliente tinha múltiplas
conseqüências. A primeira é que a otimização de custos não era uma
prioridade da empresa. Havia um excessivo número de funcionários na AAA e
102
uma falta de cobrança efetiva por resultados, gerando ociosidade e falta de
comprometimento de alguns funcionários.
Outra conseqüência da falta de focalização na eficiência é que a
empresa não investia nem em tecnologia nem na contratação de serviços
tecnológicos especializados do mercado. Essa falta de investimentos era
atribuída ás dificuldades impostas pelo excesso de burocracia. Assim ,todos os
sistemas informatizados eram desenvolvidos pelo próprio pessoal da empresa.
Várias peças necessárias usadas pela equipe de manutenção tinham que ser
adaptadas e recondicionadas, devido à demora no processo de compra.
Durante o período de transição da estatal para a empresa
privatizada, a nova administração preparou-se para assumir a empresa e ser
rápida na efetivação de algumas mudanças. Durante esse período uma
empresa de consultoria foi contratada para ajudar no redimensionamento da
empresa e na elaboração do planejamento estratégico.
A AAA precisava cortar custos para se tornar economicamente
viável. Essa redução de custos começou com a redução do quadro de
funcionários. Ainda durante o período de transição, foram escolhidos os
gerentes da estatal que seriam convidados a permanecer na empresa e
aqueles que deveriam sair. O grupo que permaneceu foi, então, preparado
para ajudar no processo de seleção, preparação a condução do desligamento
de pessoas de suas equipes. Com essa atitude a nova administração
conseguiu conquistar importantes aliados. Líderes que tinham poder de
influenciar pessoas e diminuir eventuais resistências a mudanças. Além disso,
essas eram as pessoas mais capacitadas a identificar os melhores .ou mais
necessários funcionários para a operação da empresa.
A AAA buscou reduzir o atraso tecnológico através da implantação
de alguns sistemas, como por exemplo o correio eletrônico, Notes, o qual
mudou bastante o modo de trabalhar dos funcionários.
Em termos de administração de pessoas, foram definidas metas
individuais e por equipe e implantado um sistema de meritocracia atrelado aos
resultados da empresa. Se por um lado isso aumentou a competitividade
103
interna, por outro lado estimulou os funcionários a dedicarem-se mais a
empresa para serem recompensados.
A redução do quadro de funcionários fez também com que a carga
de trabalho dos que permaneceram na empresa fosse aumentada. Outra
conseqüência disso foi que as pessoas, antes muito especializadas, tivessem
que ser mais multifuncionais ou seja, tivessem que desenvolver a capacidade
de atuar e conhecer diversas áreas.
c) Pressupostos básicos
Em termos de pressupostos básicos, o que realmente norteava a
AAA como estatal eram dois fatores: a estabilidade e o poder público.
A estabilidade regia o comportamento das pessoas. O fato de
sentirem-se seguras em suas posições fazia com que alguns funcionários
pouco se dedicassem ao trabalho e evitassem esforços além do que fosse
formalmente demandado. Esse comportamento era reforçado pela prática da
remuneração igualitária que estabelecia que as recompensas seriam as
mesmas, independente da quantidade ou qualidade do trabalho realizado. Em
conseqüência disso, havia funcionários pouco motivados e pouco
comprometidos. A convivência entre pessoas pouco comprometidas com a
empresa com outros mais dedicados, tinha o impacto negativo de desestimular
os que "vestiam a camisa" da empresa.
Com relação a política, cargos e remunerações eram guiados de
acordo com indicações políticas o que desestimulava e em algumas situações
comprometia a empresa.
Na AAA após a privatização, o direcionador foi o lucro final desejado.
Para isso, era necessário ser competitivo, eficiente, cortar custos e de fazer
mais por menos. Os sistemas implantados (meritocracia, metas, remuneração,
multifuncionalidade) foram todos direcionados a aumentar a eficiência e a
lucratividade da empresa.
104
4.5.2 Elementos da cultura
Após analisar os níveis da cultura de empresa, passou-se a analisar os
elementos da cultura da AAA antes e depois da privatização.
a) Símbolos
As salas reservadas e fechadas da AAA estatal são símbolos que podem
ser traduzidos em um distanciamento entre os executivos da empresa e os
demais funcionários. Também o posicionamento das secretárias consideradas
como "dificultadoras" de acesso aos executivos, denotava uma hierarquia que
deveria ser respeitada.
Por outro lado, o despojamento da nova administração da AAA podia ser
observado na sala ampla, dividida pelos membros da diretoria e pelo
presidente. As portas abertas ou falta de portas também era um símbolo
interessante de abertura e de receptividade.
A proximidade desejada pela nova administração também podia ser
observada no modo de vestir dos executivos e nas suas ações. Os diretores
não usavam terno ou gravata e estavam sempre presentes nas áreas
operacionais.
b) Ideologia
A filosofia da AAA antes de ser privatizada era a de atender à sociedade
e ao poder público. Isso norteava e, algumas vezes, prejudicava a sua ação,
como nos casos de longas licitações que implicavam na demora na compra de
equipamentos essenciais para a operação da empresa.
Outra ação que demonstrava a atitude "social" da AAA estatal eram as
casas alugadas para funcionários com aluguéis de valor simbólico. Novamente
aqui a empresa estava mais interessada em "cuidar" de seus funcionários do
que em trabalhar com custos reduzidos.
Após a privatização, o novo ideal da AAA era tornar-se uma empresa
competitiva, ágil e dinâmica. Algumas das diferenças ideológicas da AAA antes
e depois da privatização estão caracterizadas no quadro 4.2.
105
MA antes MA depois
Manter empregos Cortar custos
Responsabilidade pelo indivíduo Eficiência e competência
Licitações para prestar contas à Agilidade nos processos com custos
sociedade menores
Quadro 4.2 Ideologia da AAA - antes e depois
c) Ritos
c.1) Ritos de Passagem
Na AAA estatal a transição dos funcionários para novas funções era feita
através de concursos internos. Usualmente os funcionários entravam ma
empresa bastante jovens e através desses concursos desenvolviam uma
carreira interna ou mudavam de área. Nos cursos para posições de nível
superior, os funcionários disputavam vagas com profissionais de fora da
empresa.
A nova administração da MA investiu em treinamentos formais,
vivenciais e palestras para motivar, integrar e preparar antigos funcionários da
estatal para se adaptarem à nova filosofia da empresa.
Foram feitos também treinamentos que visavam "reeducar" funcionários
de nível cultural mais baixos, como por exemplo, treinamento de 58 para
ensinar aos funcionários que melhor do que limpar a sua casa ou seu local de
trabalho é não sujá-los.
c.2) Ritos de Degradação
Na MA após a privatização algumas ações poderiam ser caracterizadas
como ritos de degradação. Em primeiro lugar os planos de demissão e a
identificação das pessoas menos qualificadas. Para alguns dos entrevistados,
embora haja uma maior valorização dos funcionários, há também uma
cobrança muito maior, e demite-se as pessoas muito facilmente.
106
Em segundo lugar, a percepção das pessoas que para a nova
administração o pessoal remanescente da estatal estava "carimbado" ou seja,
eram incompetentes. Pessoas novas contratadas com MBA e com
conhecimento de línguas ganhavam mais do que funcionários antigos. Além
disso, alguns funcionários reclamaram da diferença de tratamento dada pelos
chefes a novos e velhos funcionários quando aconteciam eventuais erros.
Por último, o modo intenso como foi implantado o programa de trainees
da nova empresa, fazendo com que antigos funcionários temessem sua
substituição.
c.3) Ritos de Confirmação e Reprodução
Para reciclar os funcionários remanescentes da estatal, a AAA montou
um forte programa de treinamento, com o objetivo de elevar a auto-estima,
confraternizar, melhorar o trabalho em equipe, aumentar a sinergia e motivar
dos que permaneceram na empresa.
c.4) Ritos para redução de conflitos
Na AAA estatal havia conflito entre os funcionários, sindicatos e a
administração da empresa quando se aproximava a data do dissídio coletivo.
Como aumentos salariais eram difíceis de serem dados por gerar impacto
social, artifícios tais como, promover o funcionário de nível eram utilizados.
Na AAA após a privatização para se compensar o excesso de trabalho
há uma maior valorização do funcionário e uma maior recompensa financeira.
O próprio comportamento das chefias, trabalhando um maior número de
horas de horas e trabalhando além do expediente normal buscava atenuar a
questão do excesso de trabalho, criando a imagem de "cumplicidade", um
modelo a ser seguido.
c.5) Ritos de Integração
Na AAA após a privatização, a integração se dava através de reuniões,
treinamentos, palestras e uma maior abertura entre funcionários e a alta
diretoria.
107
d) Mitos
Na MA estatal, criou-se o mito da estabilidade e da impunidade. Vários
depoimentos falavam da dificuldade em se demitir pessoas, mesmo quando
cometiam delitos graves como chegarem alcoolizadas ao trabalho. Pelas
regras do governo, podia-se demitir funcionários de empresas públicas.
Entretanto, o mito em torno da dificuldade de faze-lo já inibia, muitas vezes,
uma ação efetiva nesse sentido. Em muitos casos, quando um funcionário não
desempenhava satisfatoriamente, era transferido de área.
Um mito criado pela nova administração da MA foi o da acessibilidade
do presidente da empresa. Este procurava aproximar-se muito dos funcionários
não somente estando fisicamente próximo, mas agindo como um simples
funcionário. O presidente visitava várias áreas da empresa, conversava com
funcionários, viajava de trem e usava uniforme. Isso era muito valorizado
dentro da empresa.
Com essa atitude, o presidente tornou-se urn herói, um exemplo a ser
seguido por todos. Criou-se um sentimento de orgulho nos funcionários,
aumentando sua auto estima, motivação e dedicação.
4.5.3. Características da cultura
Analisando as caracteristicas da cultura da MA antes e depois de ser
privatizada, sob a ótica do modelo de Reilly, Chatman e Caldwell (1991),
observam-se as caracteristicas resumidas no quadro 4.3.
108
AAA antes AAAdepois
Inovação e tomada de Baixa Alta
risco
Atenção a detalhes Baixa Alta
Orientação para Baixa Alta
resultados
Orientação para pessoas Alta Média
Orientação para equipes Baixa Alta
Agressividade Baixa Alta
Estabilidade Alta Baixa
Quadro 4.3 AAA antes e depois segundo ReilJy, Chatman e CaldwelJ (1991)
Na AAA antes da privatização não havia estímulo para a inovação e
tomada de decisão. Não havia qualquer tipo de recompensa diferenciada para
quem fizesse mais do que o básico exigido na função. Os sistemas de
avaliação e remuneração não estavam atrelados à performance individual ou
do grupo. Além disso, mesmo os funcionários mais comprometidos, ao verem
seus colegas produzindo menos sentiam-se desmotivados a desempenhar
melhor do que a média.
Ao contrário, na AAA após a privatização, foi implementado um sistema
de meritocracia que vinculou o desempenho à qualidade do trabalho realizado.
Isso incentivou os funcionários a arriscarem mais e a serem mais criativos.
Em termos de atenção a detalhes, o grau em que se espera que os
empregados demonstrem precisão, análise a atenção a detalhes, na AAA
estatal era muito baixo. Pela falta de investimento da empresa, eram usadas
peças sucateadas ou peças pegas no lixo. Os funcionários trabalhavam sem
equipamento de segurança e proteção. Algumas vezes compravam
equipamento com seu próprio dinheiro.
Quanto à orientação a resultados, o grau em que a administração
concentra-se em resultados ou produção mais do que em técnicas e processos
usados para atingir esses resultados, na AAA estatal era muito baixo. Era uma
empresa mais orientada a pessoas, ou seja, as decisões eram tomadas
109
avaliando-se o impacto nos funcionários e na sociedade, em detrimento do
impacto na lucratividade ou nos clientes. Para evitar reduzir seu quadro de
pessoal, por exemplo, a empresa trabalhava com ociosidade e com alto custo
de mão-de-obra. Além disso, mesmo quando funcionários em cargos que
exigiam atenção se apresentavam no trabalhar sem condições físicas,
bêbados, por exemplo, eram encaminhados ao serviço de assistência social
onde eram socorridos e reencaminhados a seus postos.
A AAA após ser privatizada, tinha maior foco em resultados do que em
pessoas. A primeira ação efetiva tomada pela nova administração foi reduzir
custos, reduzindo pessoal. A empresa também se informatizou e agilizou seus
processos, mas sempre visando melhorar os resultados financeiros da
empresa.
A agressividade e a competitividade dos funcionários tornou-se bem
maior após a privatização do que na época da estatal. A implantação de um
sistema de meritocracia e o estímulo da nova direção foram os principais
motivadores dessa mudança.
Na AAA estatal, não somente a estabilidade de emprego era garantida
como pouco se mudavam os processos ou a forma de trabalhar. Após
privatizada, a empresa impôs as regras do mercado - demite-se e contrata-se
quando necessário à empresa ou de acordo com o desempenho dos
funcionários. Os processos e a estrutura da empresa ganharam agilidade e se .
modificam rapidamente para atender ao mercado.
4.5.4 Dimensões da mudança cultural
Analisando o processo de mudança da AAA estatal para uma empresa
privatizada segundo o modelo de Trice e Byer (1984), conforme quadro 4.4,
percebeu-se que a mudança cultural na AAA foi bastante acentuada.
110
AAA
Penetração Alta
Magnitude Ampla
Inovação Baixa
Duração Baixa
Quadro 4.4 Dimensões da mudança cultural na AAA
o grau de penetração, ou seja, o quanto as atividades da empresa
foram impactadas pela mudança, foi bastante alto. A mudança atingiu a maioria
dos empregados e muitos dos processos administrativos da empresa. Os
processos operacionais da organização também foram influenciados, através
da implantação de nova tecnologia.
Em termos de magnitude, ou seja, do distanciamento entre ideologias, a
mudança também foi bastante grande. A estatal preocupava-se com questões
políticas e sociais, enquanto a empresa privada visava aumentar sua
lucratividade.
Já em termos de inovação, isso é, o quanto a mudança foi sem
precedentes, pode-se dizer que seu grau foi baixo. Embora a privatização no
Brasil seja uma questão recente, ela já ocorreu no país em outras empresas.
Além disso, como muito já foi divulgado na mídia e na literatura administrativa
sobre características de empresas privadas, a maioria das pessoas tinha um
modelo mental de como seria a empresa privatizada.
Com relação à duração da mudança, embora processos de mudança
real de cultura em uma organização sejam processos profundos e levem
bastante tempo, pode-se dizer que na AAA seu impacto foi sentido muito
rapidamente. Esse fato deve-se, principalmente ao perfil do grupo que adquiriu
a AAA: agressivo, rápido e inovador.
Dentro dessa classificação de Trice e Byer, pode-se considerar a
mudança cultural ocorrida na AAA como revolucionária e abrangente.
111
4.5.5 Ações gerenciais promotoras de mudança cultural
Seguindo ainda as considerações de Trice e Byer sobre ações
recomendadas em um processo de mudança cultura concluiu-se que:
1. Capitalizar em momentos adequados
A mudança cultural na AAA foi deflagrada por um evento externo à
organização, que foi a privatização definida pelo governo. Tão logo o anúncio
da privatização foi efetuado e o grupo ganhador assumiu a direção, o processo
de mudança cultural teve início. A nova direção foi rápida em introduzir seu
estilo gerencial e a demonstrar através de ações e de palavras a cultura que se
desejava implantar.
2. Cautela e otimismo
O grupo ganhador do leilão de privatização da AAA preparou-se durante
um período de dois meses (transição) para assumir a empresa. Foi feito um
estudo de viabilidade econômica da empresa durante o qual verificou-se a
necessidade de reduzir o número de empregados e foi elaborado um plano de
ações. Nesse plano estabeleceu a necessidade de redesenhar processos,
implantar novos sistemas, terceirizar atividades e fundir algumas atividades
antes descentralizadas em vários escritórios. Ao mesmo tempo, foram
identificadas pessoas chave na organização as quais foram preparadas para
ajudar a administração nas mudanças que seriam implantadas.
Pode-se dizer que apesar do otimismo e da crença da alta direção no
sucesso do plano de mudança cultural a ser implantado, houve cautela na sua
condução.
3. Resistência à mudança
As principais razões de resistência a nível individual, identificadas no
processo de mudança cultural foram: o medo do desconhecido, a perda de
vantagem pessoal e a necessidade de segurança das pessoas. Com o fim da
estabilidade e os planos de demissão implantados, as pessoas sentiram-se
inseguras e prestes a perder os respectivos empregos. Além disso, um plano
112
de frainees foi implantado, trazendo para a organização pessoas jovens, com
excelente formação acadêmica. Isso gerou um desconforto nos antigos
funcionários que sentiram seus empregos ameaçados. Para fazer frente a isso,
percebeu-se um aumento da competividade interna.
A nível de grupo, houve uma ruptura social. De acordo com
depoimentos, alguns dos antigos chefes queriam proteger pessoas de sua
intimidade e com laços familiares. Houve também casos em que em um
primeiro momento as pessoas permaneceram nas suas funções, mas após
alguns meses essas mesmas funções foram eliminadas. Isso representou uma
perda de confiança das pessoas na empresa.
Houve também casos em que chefes viraram subordinados de seus
antigos pares, gerando desconforto.
Alguns dos funcionários não se adaptaram ao processo de mudança e
foram demitidos.
4. Mudar e manter
Uma das primeiras ações da alta direção da AAA foi definir gerentes e
líderes que continuariam na empresa. Com isso a AAA estava mantendo na
empresa um importante conhecimento mas estaca também fazendo duas
importantes indicações de mudança cultural:
1a seriam aproveitados e valorizados os gerentes que estivessem
alinhados com os valores desejados pela nova administração;
2° a importância na meritocracia: a partir daquele momento, os melhores
funcionários seriam aproveitados.
O desligamento de profissionais representou outra profunda mudança;
sinalizou a todos que a estabilidade não era mais o padrão que seria seguido.
Se antes as pessoas dificilmente eram demitidas, nesta nova fase, 2.500
funcionários foram desligados em um único dia.
A contratação de frainees foi mais uma mudança relevante. Significa que
a nova administração estava em busca e valorizava novas idéias. A
senioridade passou a ser menos importante do que a inovação.
113
Por fim, os processos de reestruturação da organização, além de
diminuir o número de níveis hierárquicos da empresa, simbolizou aos
funcionários que o status quo antigo não valeria mais. As mudanças ocorreriam
sempre que a economia e o mercado demandassem. Caso necessário,
departamentos inteiros seriam eliminados.
5. Implantação
A implantação das mudanças de processos e de pessoas pela nova
administração da AAA foi feita de forma extremamente rápida e agressiva. As
mudanças não foram abandonadas nem postergadas,
Durante o período de transição e no início da nova administração, houve
instabilidade, as pessoas ficaram instáveis dentro da empresa, em termos de
sinergia e motivação. Aconteciam "conversas de corredor" e os índices de
acidente foram maiores do que o usual. Isso afetou a produtividade e ambiente
de trabalho. A nova administração contomou isso através de treinamento e
palestras motivacionais.
6. Criar cultura apropriada
A cultura implantada na AAA foi a do grupo formador da nova
administração. Era forte, agressiva, flexível, voltada para o mercado e para os
resultados. Ela já havia sido testada e implantada em outras organizações.
7.Mudar táticas de socialização
A tática adotada para manter as pessoas motivadas durante o processo
de privatização foi, em primeiro lugar, mantê-Ias ocupadas. Era importante que
elas se sentissem úteis dentro do contexto e se sentissem desafiadas. Foi
montado um programa, que incluía um treinamento vivencial do qual
participaram os principais executivos da empresa e que tinha por objetivos
confraternizar, estimular o trabalho em equipe, aumentar a sinergia, motivar e
recuperar a auto-estima dos antigos funcionários.
114
8. Liderança Inovativa
A nova administração da AAA era totalmente alinhada com os valores da
nova cultura. A começar com o estilo bastante despojado e agressivo, bastante
diferente da antiga organização. Sem terno nem gravata, presidente e diretores
trabalhavam juntos em uma única sala, no intuito de demonstrar aos
funcionários que estavam disponíveis para todos, que eram orientados a
resultados muito mais do que a formalidades e aparências do que a antiga
administração.
O presidente tinha o carisma de um líder. Tomou-se um mito e um
exemplo a ser seguido. Não se limitava a trabalhos administrativos, estava
sempre nas areas de produção, conversava com pessoas de todos os níveis da
hierarquia da organização e demonstrava interesse e preocupação pelos
aspectos técnicos da empresa. A política de portas abertas e livre acesso á alta
direção também era simbolizada em almoços, cafés da manhã e reuniões cujo
objetivo anunciado era aproximar e ouvir as pessoas.
Os empregados sentiram que o poder que, no tempo da estatal estava
em Brasília, passou a estar próximo aos empregados, dentro da própria
empresa.
Além disso, foi dada maior autonomia aos líderes. Se, por exemplo, um
líder precisar demitir alguém, ele não precisa mais consultar a alta direção, ele
tem hoje o poder de demitir.
115
5 Descrição e Análise de Caso - Empresa BBB
5.1 Histórico da Empresa BBB
A BBB é uma empresa prestadora de serviços com âmbito de atuação na
Região Sudeste do país. Ainda como estatal, a empresa era uma referência
para as demais empresas do govemo, pelo seu nível de desempenho em
termos gerenciais, técnicos e operacionais.
Em 1998, a empresa foi vendida para a iniciativa privada e, juntamente com
outras empresas estaduais privatizadas, tornou-se parte de um grupo maior,
cuja holding está localizada na região sudeste.
Já privatizada, a empresa contratou uma empresa de consultoria para
auxiliá-Ia no estabelecimento das próximas ações da holding. Empresas
internacionais foram usadas como benchmark para a avaliação operacional e
para a identificação dos recursos necessários ao alcance das metas
estabelecidas.
As entrevistas foram efetuadas cerca de um ano após a privatização. De um
modo geral, a percepção das pessoas é que a fase de transição da estatal para
a empresa privada ainda estava em andamento. Havia uma certa frustração em
torno das expectativas geradas até então não efetivadas.
5.2 A Empresa BBB antes da privatização
Segundo as entrevistas efetuadas, a BBB antes de ser privatizada
apresentava tanto características típicas de uma estatal como outras típicas de
uma empresa privada. As principais características identificadas foram:
a) Gestão pautada em interesses políticos;
b) Quadro de pessoal enxuto, no contexto de uma empresa estatal;
c) Foco em treinamento e desenvolvimento;
d) Capacitação técnica;
e) Paternalismo e Benevolência.
a) Gestão pautada em interesses políticos
116
A empresa era criticada por alguns funcionários porque cargos de gerência
e diretoria eram preenchidos mediante indicações políticas, por pessoas
relacionadas a partidos políticos, sem as completas qualificações técnicas para
o cargo.
Além disso, para algumas pessoas entrevistadas, certas ações
consideradas estratégicas para a empresa deixavam de ser tomadas por
interesses alheios aos interesses da empresa.
"Todo mundo aqui político mesmo, diretoria politica, muitos gerentes eram
designados politicamente ... Presidente da empresa do partido tal, o diretor de Recursos
Humanos era do partido tal. ... Nós tivemos aqui dentro do próprio departamento duas
pessoas recomendadas pelo diretor ... Apesar de ótimos colegas não tinham qualquer
perfil gerencial ... tinham dificuldade até no operacional... quanto mais gerencia
pessoas." (gerente de área administrativa)
b) Quadro de pessoal considerado enxuto no contexto de uma estatal
Quando questionados sobre a quantidade de funcionários, vários
entrevistados acreditavam que o quadro da empresa, tratando-se de uma
empresa estatal, era enxuto, mas precisava ser renovado. Muitos funcionários
tinham bastante tempo de empresa e salários elevados.
Para um dos entrevistados, a BBB estatal sempre demitiu: 'acho que foi em
77, 78 ... foram umas 300 demissões" (funcionário de área administrativa). Ou
ainda, segundo outro depoimento: "Desde a época da estatal, eu acho que
sempre convivemos com isso, o fantasma do desemprego".
"A BBB sempre se preocupou em enxugar seu quadro. Por isso que quando
assumi a folha de pagamento, nós tínhamos 13 pessoas lá trabalhando e nós
reduzimos pessoas. E em vários setores, a empresa sempre, de um modo geral, se
preocupou em ajustar seu quadro. Então a BBB sempre teve o quadro bem ajustado."
(gerente de área administrativa)
"Bem, eu percebo o seguinte: ela [a empresa] precisa enxugar o quadro de pessoal
e eu senti, bem no fundo, eu senti que ela precisava ficar livre daquele pessoal que já
estava mais próximo de se aposentar, pessoal com mais tempo de casa e com salário
mais alto." (funcionário de área administrativa)
117
A redução do quadro foi feita mediante programas de incentivo nem
sempre com o intuito de reduzir quadro, mas para dar algum benefício
àqueles com tempo para se aposentarem.
"A BBB mesmo como uma empresa estatal ela sempre veio fazendo programas de
incentivo, Isso desde 83/84. Na época tinha outros nomes, ela fazia como se fosse
acordo. Acordo para a aposentadoria e acordo para desligamento com o próprio
funcionário. E nessas siluações englobava-se um número expressivo de empregados
bem acima da média de desligamentos mensais, chegavam 200 a 300 casos por cada
programa desse. Mas sempre, não com o intuito de fazer redução de quadro, era mais
com o inluito de dar algum beneficio para as pessoas que já tinham atingido o lempo
para sairem da empresa." (gerente de área administrativa)
(c) Foco em treinamento e desenvolvimento
A BBB, incentivava o treinamento e desenvolvimento de seus funcionàrios.
Em alguns casos autorizava-se o uso do horàrio de trabalho para esse
desenvolvimento.
"Então a genle estudava, tinha tempo, o próprio gerente designava para a gente
estudar e de uma maneira assim bastante interessante. Eu achava que os gerentes,
nessa época, estimulavam todos a estudarem." (funcionário de área administrativa)
Os treinamentos eram direcionados a todos os níveis organizacionais e
abrangiam treinamentos tecnológicos, funcionais e comportamentais.
"Eu sempre achei que havia uma preocupação da BBB, empresa estatal, muito
grande com relação ao desenvolvimento pessoal e profissional dos empregados.
Desde o diretor até o empregado mais simples da empresa, no menor cargo, eles
todos foram envolvidos em programas de desenvolvimento pessoal e profissional."
(gerente de área administrativa)
(d) Capacitação técnica
A BBB era considerada por seus funcionários uma empresa de ponta, que
funcionava muito bem e tinha uma equipe técnica de alta qualidade.
118
"Aqueles equipamentos antigos foram ficando para trás e sempre renovando os
equipamentos, sempre substituindo por equipamentos mais modernos. E toda essa
revolução tecnológica que teve, o treinamento acompanhou essa revolução
tecnológica." (supervisor de área operacional)
"A BBB conseguiu, mesmo na esfera estatal, mesmo sendo uma estatal, ela
conseguiu um nome, uma competência, prestar um serviço de qualidade ... " (gerente de
área administrativa)
"A BBB foi uma grande empresa mesmo na época em que os políticos a
administraram, porque eles também tiveram uma postura de fazer com que os técnicos
'tocassem' ... " (gerente de área administrativa)
e) Paternalismo e benevolência
Mesmo sendo considerada uma empresa modelo dentro da indústria, a BBB
era uma estatal onde era muito difícil demitir-se funcionários. Por essa
dificuldade e por manter em seu quadro algumas pessoas sem qualificação, a
BBB era considerada uma empresa paternalista.
Existem realmente incompetentes, existem essas pessoas ineficientes,
incompetentes, problemáticas e tudo, que em condições normais numa empresa
privada, não ficariam. Mas como as estatais, inclusive a nossa, ela é até fruto daquele
autoritarismo da era militar. Então nós éramos muito paternalistas. Nós éramos muito
paternalistas." (gerente de área administrativa)
A empresa também cometia alguns "excessos" que segundo depoimento de
um gerente da empresa seriam "inaceitáveis" em uma empresa privada, tal
como admitir que pessoas com ações na justiça contra a própria empresa
permanecessem como funcionários.
"Nós temos hoje, é ... nós temos um número muito grande, um volume muito grande
de pessoas que estão trabalhando na empresa e estão demandando na justiça contra
ela. Isso eu temo que, ao longo do tempo, as estatais permitiram isso, talvez dada a
distorção .. ." (gerente de área administrativa)
119
5.3 A Empresa BBB depois da privatização
De acordo com a percepção dos funcionários, a privatização da BBB fez
com que novas práticas de trabalho fossem implementadas mudando a forma
de trabalhar e o comportamento dos funcionários. As mais relevantes foram:
a) Cobrança de resultados;
b) Foco em custos e centralização das decisões;
c) Foco nos clientes;
d) Falta de metas;
e) Liderança melhor identificada;
f) Aumento da carga de trabalho.
a) Cobrança de resultados
Segundo as pessoas entrevistadas a cobrança após a privatização estava
bem maior. Houve uma expansão das atividades, a competição aumentou, a
qualidade e atendimento ao cliente tornaram-se prioridades, aumentando a
carga de trabalho e o senso de responsabilidade dos funcionários.
"Hoje você é obrigado a tudo aquilo que você colocar ali, você sente aquela
responsabilidade que você tem que cumprir aquele negócio porque eles vão te cobrar
depois ... Então isso faz com que você se esmera mais no seu planejamento, que você
faça uma pesquisa de custo, uma pesquisa de gasto mais detalhada. Então eleva
demais o seu senso de responsabilidade. Realmente a gente sente agora que está
começando a gerenciar como sempre deveria ter sido feito. Porque nunca havia sido
feito porque a gente nunca era cobrado. então basicamente o que mudou é que você é
cobrado hoje. Antigamente você não era muito cobrado, sabe?" (gerente de área
ad m i nistrativa)
b) Foco em custos e centralização das decisões
Com a privatização a BBB passou a focar-se na redução de custos, visando
uma economia mensal, que seria, na visão de algumas pessoas, mais
adequada a uma empresa privada.
120
"Então foi muito focado em cima de custos. Nós tivemos um período após a
privatização em que eu senti assim uma ditadura do custo, sabe? O custo, o quê você
fazia, quanto custava, então sentavam em cima do cofre, sabe. E a gente com projetos
parados porque não eram aprovados. Tudo tinha que passar pela Matriz, eles tinham
que aprovar qualquer contratação acima de dois mil Reais, então .. ."(gerente de área
administrativa)
Por outro lado, a matriz da empresa estava localizada em outra cidade e
centralizava a tomada de decisão. Isso provocou um distanciamento do corpo
de funcionários das decisões estratégicas da empresa. Os funcionários
sentiam-se à margem das decisões e sentiam falta de informações sobre os
rumos da empresa.
"Não existe ainda um sistema de comunicação interna que permita sentir-nos
próximos das decisões estratégicas da empresa. Eu sei que existe um Planejamento
Estratégico á longo prazo. Eu sei porque eu vou atrás, eu leio, eu converso com as
pessoas, eu ligo para o Rio, eu encho o saco do pessoaL .. Agora, noventa e cinco por
cento do pessoal da empresa, não sabe para onde que essa empresa está indo. Se
antes, com a diretoria que já era dificil. .. Porque tinha toda aquela orientação política e
tal, mas a empresa tinha um rumo e as pessoas mais ou menos sabiam que no ano
seguinte ia implantar duzentos mil terminais, que ia crescer a planta de telefone
público, que o lucro tinha que ser de tanto, tem que atingir a marca lá de um milhão. tal
e tal. Então a gente tinha aquela noção. Atualmente ... Que eu falo que é mais um
reflexo do assentamento de coisas que estão acontecendo ainda, nós ainda não temos
aquele rumo, olha, é esse o rumo, é aquele caminho, é aquela meta. A partir do
momento que as pessoas começam a entender isso as suas ações já começam a ficar
direcionadas para aquele rumo. "
c) Foco nos clientes
Após a privatização a área comercial ganhou um maior enfoque para
melhor atender ao cliente. Observou-se, por sua vez, uma preocupação dos
empregados com a eficiência e a sobrevivência da empresa. A BBB procurava,
segundo um entrevistado, não apenas aumentar a sua base de negócios, como
também, impedir que a concorrência avançasse em sua fatia de mercado.
121
" ... da privatização pra cá, a ênfase da empresa foi na área comercial, nos
negócios, todo o foco da estratégia da empresa foi voltada pro cliente. Quer dizer, ela
se reestruturou muito pra tentar se colocar presente pro cliente, porque o cliente é a
pessoa mais importante, o parceiro que a gente tem é o cliente. Foram ampliadas
áreas de negócios, investiu-se maciçamente em treinamento e desenvolvimento da
área de negócios, foram criados dados de clientes especiais, clientes corporativos.
Então houve ênfase muito grande para negócios." (gerente de área administrativa)
"Ela [a empresa] vai trabalhar com uma competição acirrada. Cada vez mais
visando, querendo o cliente, ter o cliente com todas as suas forças. Porque se ela não
fizer isso a concorrente vai pegar. As concorrentes estão cada vez mais fortes ... Então
cada vez mais o corpo de funcionários da empresa, ele tem que estar preparado para
competição, como se fosse diária." (funcionário de área operacional)
d) Falta de metas
Durante o primeiro ano após a privatização, ainda percebia-se algumas
indefinições da empresa em termos de metas a serem atingidas. Em alguns
depoimentos foi ressaltado que a empresa ainda estava um pouco
desorganizada.
"O processo de transição que vai fazer um ano agora no final desse mês, ainda
está em curso. Então não houve o assentamento da poeira ainda. A poeira levantou
mas não assentou ainda." (gerente de área administrativa)
"Essa falta de definição institucional - olha, nossa meta aqui, nossa linha e tal, isso
ainda não está ainda bem sedimentado a nivel de empresa" (gerente de área
administrativa)
o clima de desorganização também foi relacionado ao excesso de
consultorias contratadas para auxiliar a BBB após a privatização. Um dos
entrevistados argumenta que a contratação das consultorias deveu-se a falta
de confiança do atual acionista no corpo de funcionários oriundo da estatal
assim como da falta de conhecimento técnico do próprio acionista.
"É uma desorganização. As pessoas estão tentando acertar... Está havendo
também uma excessiva contratação de consultorias. A Matriz está consultando
122
consultorias demais, tipo assim, pra mim está refletindo ... O que está passando para
mim é O seguinte: as pessoas existentes hoje não têm competência para fazer. Como
nós não conhecemos, vamos contratar uma consultoria ... Então, já desfilaram por nós
aqui, dez consultorias ou mais ... " (gerente de área administrativa)
e) Liderança melhor identificada
Como a estatal pertencia ao governo, era muito difícil identificar um
"dono", alguém que fosse realmente responsável pela empresa. Essa figura só
começa a aparecer, na percepção das pessoas, após a privatização.
"Eu acho que ela vem mudando gradualmente, não houve assim um corte ... Ó, até
aqui nós trabalhamos desse jeito, depois passou a trabalhar de outro ... Não. Ela tem
mudado gradualmente ... Temos tido ganho e temos tido deficiências também. Temos
tido algumas perdas, por outro lado. A forma de trabalhar mudou no sentido de que,
agora a gente sabe que tem um dono. E a gente não sabia que tinha um dono ...
Porque o dono cobra. Quando você não tem dono, você não cobra. "(gerente de área
administrativa)
f) Aumento da carga de trabalho
Percebia-se também, que a redução do quadro de pessoas e o aumento no
ritmo de trabalho, fizeram por aumentar a carga de trabalho de cada
funcionário.
"Aumentou muito o volume de hora extra. A gente gastava uma média de quatro
por cento da folha de hora extra, passou para seis, seis e meio, sete ... Essa equação
não fecha. Aumento de serviço, aumento da cobrança, diminuição de empregados
igual a hora extra menor ... Não, a hora extra vai ser maior. Essa equação não fecha.
Então aconteceu tudo ao mesmo tempo: aumento de serviço, aumento da pressão,
diminuição de empregados uma pressão para reduzir a hora extra .. ." (funcionário de
área administrativa)
5.4 Ações desenvolvidas no processo de privatização e pela nova e
velha administrações
Na BBB a administração da estatal preocupou-se em preparar seus
funcionários para o processo de privatização que viria, sendo responsável pela
123
primeira ação efetiva do processo de mudança cultural. Quando foi anunciado
o consórcio ganhador da BBB, a nova diretoria começou a executar novos
procedimentos.
De um modo geral, foram realizadas as seguintes ações:
a) Preparação dos funcionários;
b) Plano de Desligamento Incentivado;
c) Terceirização de atividades;
d) Implantação de tecnologia;
e) Contratação de novos profissionais;
f) Centralização.
a) Preparação dos funcionários
Antes da efetiva privatização, a administração da BBB realizou uma
série de palestras para seus funcionários informando sobre o processo de
privatização que estava por vir. Além disso, ocorreram ações individuais das
chefias, no sentido de conscientizar os funcionários da iminente privatização.
"Com relação a esse processo de privatização, uns três anos antes ... nós
estávamos sempre presentes informando desse processo de privatização que todo o
pais e todo o mundo passava nesse processo de globalização. Então nós sempre
procurávamos estar no interior, nos parques, mesmo nos prédios mais centralizados,
informando de que esse processo era inevitável." (funcionário de área administrativa)
"Eu atuei na função gerencial e com o grupo conversava muito sobre essas coisas,
exatamente para as pessoas entenderem que essa coisa de estatal e privatização tem
algo muito mais complexo por trás disso tudo, que "e o sistema capitalista."
(funcionário de área administrativa)
b) PDI - Plano de Desligamento Incentivado
No início da administração da BBB como empresa privada, foi efetuado um
Plano de Desligamento Incentivado. Todos que aderiram ao plano, teriam
direito ao desligamento, sem exceção. Por indicação do presidente da empresa
124
não deveria haver vetos, ou seja, os que quisessem sair, deveriam sair,
independente de cargo ou posição.
"Ele [o presidente] achou, que em princípio, todo mundo que aderisse poderia sair.
Ele não queria prender ninguém. Então, foi uma opção também da empresa não
prender ninguém." (gerente de área administrativa)
De acordo com as pessoas entrevistadas, o corpo gerencial da empresa
não foi preparado para lidar com o processo de desligamento incentivado.
"Não houve preparação do grupo gerencial. Não reuniram os gerentes, e
colocaram em primeira mão pra eles qual era o escopo do plano, o quê o plano visava,
que beneficios que traria, que incentivos que ele propunha ... não houve uma questão
assim: 'Olha você só vai, vai aceitar as pessoas que são indesejáveis' ou, 'na realidade
é um plano de incentivo mas nós não vamos admitir que todas as pessoas saiam; as
pessoas que forem importantes e forem estratégicas pra nós, você vai ter que segurar,
você vai ter que fazer assim,',. você é que vai ter que assumir esse pape!' ... " (gerente
de área administrativa)
Ao final do PDI não houve uma comunicação formal da empresa sinalizando
seu final. Para alguns, isso era um indicador que mais demissões ainda iriam
acontecer.
"Olha, não, não assim ... sistematicamente não; você fala assim: - Olha, agora
acabou, não vamos mandar mais ninguém embora ... ". Não porque essa não é a
realidade. A empresa, pelo o que a gente tem trabalhado e tem visto, ela ainda não se
ajustou, ao ponto de que, poderiamos dizer assim, que seria o ideal. Eu acho que não
chegou o momento ainda de você chegar e falar: 'Olha, isso aqui agora acabou, agora
daqui pra frente não se vai demitir mais.' Acho que isso não aconteceu ainda. Acho
que mais desligamentos, mais demissões virão." (gerente de área administrativa)
c) Terceirização de atividades
Durante o processo de privatização, algumas das atividades foram
terceirizadas. Entre os funcionários, foram sentidas duas reações: em primeiro
lugar, a de que a terceirização estava sendo feita porque a nova administração
125
os achava "incompetentes"; a segunda reação foi que a mão de obra de
terceiros não era suficientemente qualificada.
"Não é o fato, o estigma de terceirizar tal que faz com que as pessoas sejam todas
ruins. Então, no primeiro momento em que entrou a nova diretoria de empresa privada,
houve muito essa percepção da nossa parte de que a partir daquele momento a gente
não estava servindo mais para nada, porque tudo o que se fez até então estava
errado." (gerente de área administrativa)
"Então, o que gerou é uma barbaridade, você quer ver uma coisa interessante, que
ela terceirizou, terceirizou sim, terceirizou e vai terceirizar, isso é politica terceirizar.
Politica que está acontecendo em todo canto, muito bem, você sabe o que está
acontecendo nesse mercado? Porque o vizinho ali também está terceirizando, primeiro
o que se tinha em empreiteiras, a qualidade do trabalho das empreiteiras na BBB
estatal era o mais precário que tinha ... Aí, se provou, se teve o gosto da terceirização.
E aí isso cresceu, isso cresceu, só que cresceu numa baixa qualidade, porque esse
mercado não existia. Bom, hoje o que acontece? A BBB faz sabe o quê? Ela investe
nesse mercado." (gerente de área administrativa)
d) Implantação de tecnologia
A nova administração automatizou vários processos de negócios da
empresa através da implantação de uma ferramenta integrada, o SAPo Além
disso, foi feito um processo de automação interna com a introdução do Notes e
das ferramentas do Windows, da Microsoft.
" Rede interna não existia. Então hoje uma ferramenta tipo NOTES substitui uma
secretária. Carta interna eu não recebo ... Nunca mais eu recebi uma carta interna. Só o
NOTES, e eu nunca mais fiz uma carta interna. Então você vê quanta coisa foi
racionalizada por conta da tecnologia. O próprio SAP ajudou muito ... Nos módulos em
que ele já entrou e está trabalhando, funcionando ... A de contabilidade [n.c. 1] a de
orçamento porque eu trabalho mais direto nessas coisas ... A gente fazia ... Tinha um
trabalho aqui muito grande. Precisava de todas as pessoas mesmo ... Só que agora
você tem tudo ali, não precisa de muita gente mesmo. Você migra um arquivo do
grande porte, trabalha numa planilha assim ... Antes tinha que trazer ele em papel,
digitar... É um negócio complicado... Eu acho que a tecnologia foi realmente ...
Tecnologia, uma gerência uma redefinição das tarefas, eu acho que foi fundamental
126
para esses quatro mil ficarem quase que imperceptiveis." (gerente de área
administrativa)
e) Contratação de novos profissionais e reciclagem dos antigos
Alguns profissionais foram contratados do mercado para trabalhar nas
novas áreas de negócios criadas. Em paralelo, profissionais da empresa
considerados com perfil e habilidade foram treinados para assumirem novas
posições.
"Foram contratadas, foi um misto. Nós procuramos pegar dentro do quadro
existente, pessoas que tinham perfil pra trabalhar com o negócio. Apesar do ambiente
de estatal não competitivo, tinham pessoas que tinham o perfil, tinham habilidade e
poderiam desenvolver um processo pra trabalhar nessa área." (gerente de área
administrativa)
Além disso, um programa de trainees foi desenvolvido com o intuito de
disseminar e reter o conhecimento.
"Nosso estado foi o primeiro a fazer o programa de "trainee", iniciamos no final do
ano passado. Dez "trainees" já tão ... acabando agora no final do mês, agora em
agosto eles acabam a fase de treinamento e ai a gente vai tentar colocá-los, já nas
áreas respectivas, e definir pra eles, deve ser, deve ser provavelmente na área de
negócios ... "(gerente de área administrativa)
f) Centralização
Como a privatização da BBB envolveu a incorporação de várias empresas,
cada qual com seus processos, a nova administração da BBB optou por
centralizar alguns processos, incluindo o planejamento estratégico, que passou
a ser de responsabilidade da holding.
"Por exemplo, muita centralização ... Centralizou agora toda a parte de Tecnologia
de Informação, voltando aquela estrutura que existia há vinte anos atrás, tinha um
órgão central o antigo CPD, está voltando agora ... " (gerente de área administrativa)
127
5.5 Análise do processo de mudança cultural
5.5.1 Níveis da cultura
Antes de ser privatizada, BBB apresentava algumas características típicas
de uma empresa estatal e outras mais próximas de uma administração de
empresa privada. Seguindo a conceituação proposta por Schein, os níveis da
cultura na BBB antes e depois da privatização da empresa estão sumarizados
no quadro 5.1.
BBB antes BBB depois
Artefatos e );> Diretoria política );> Baias na matriz
Criações );> Acesso às informações );> Centralização dos
);> Proximidade dos processos processos
Valores );> Postura participativa da empresa );> Foco em custos e lucros
em relação a funcionários e à );> Cobrança por
comunidade resultados
);> Preocupação com );> Foco no cliente
desenvolvimento pessoal e );> Atenção à concorrência
profissional dos empregados
);> Foco em tecnologia
);> Espírito de time e
responsabilidade
);> Respeito e orgulho dos
funcionários pela empresa
Pressupostos );> Atender ao poder público );> Lucro
Básicos );> Satisfazer os funcionários );> Competição
Quadro 5.1 Empresa BBB segundo classificação de Schein
a) Artefatos e Criações
Os gerentes que trabalham na matriz da BBB mudaram a disposição física
de seus escritórios, passando a trabalhar em boxes abertos. Com isso a
128
empresa pretendia sinalizar abertura e atenuar a sensação de distanciamento
dos funcionários, causada pela centralização dos processos na matriz.
b) Valores
A BBB era considerada um modelo entre as demais estatais do seu ramo
de negócios. Diferentemente do que acontecia em outras estatais, por
exemplo, não era consenso entre os funcionários entrevistados que havia
excesso de funcionários na empresa.
A empresa também investia em treinamento e desenvolvimento de pessoas
de todos os níveis. Essa ênfase percebida no treinamento poderia ser pela
necessidade da empresa ter tecnologia especifica e dinâmica e ser
monopolista em seu setor.
A BBB estatal investia continuamente em tecnologia, substituindo
freqüentemente seus equipamentos por outros mais modernos. O treinamento
dos funcionários acompanhava essas mudanças tecnológicas.
Os funcionários da BBB estatal tinham orgulho e respeito pela empresa.
Consideravam-na dinâmica e avançada, técnica e operacionalmente melhor do
que suas similares no país. Além de apresentar uma postura participativa com
relação a seus funcionários e à sociedade
Após a privatização, a BBB passou a focar em custos, lucros, cliente e
concorrência. Orçamentos foram elaborados e controles implantados.
Entretanto, para alguns, isso provocou uma demora no processo decisório que
antes não havia, já que as decisões tinham que ser aprovadas pela holding.
A empresa passou a ter um claro "dono" e com isso os funcionários
sentiram-se mais cobrados, tendo que ter maior responsabilidade.
Como a holding da qual a BBB passou a fazer parte também era formada
por outras empresas do ramo, várias atividades antes desenvolvidas na
empresa foram centralizadas. Com isso houve ganho de escala mas houve
também um maior distanciamento entre funcionários e o corpo executivo da
empresa. A BBB tomou algumas ações para atenuar isso, como mudar a
disposição de alguns setores: os gerentes que trabalham na matriz da BBB
129
estão trabalhando em boxes abertos em uma postura de quem mostrar-se mais
aberto.
A Diretoria era vista como muito política, ou seja, cargos chave como a
presidência e a diretoria de RH eram preenchidos através de indicação política
com pessoas consideradas boas mas sem embasamento técnico. Entretanto,
apesar disso, a empresa era tida como tecnicamente bastante boa, uma vez
que esses politicos deixavam "os técnicos trabalharem", como dito por um dos
entrevistados.
Após a privatização a percepção era de que o período de transição ainda
estava em andamento. As metas e a linha de atuação da empresa não
estavam claramente definidas. Alguns funcionários sinalizaram uma notória
desorganização da direção da empresa.
c) Pressupostos básicos
Em termos de pressupostos básicos, o que realmente norteava a BBB como
estatal eram dois fatores: a politica e a tecnologia. Na BBB após a privatização,
o direcionador foi o lucro, que era o objetivo maior da empresa privada e a
competição que se tornaria muito forte no seu setor de atuação.
5.5.2 Elementos da Cultura
Após analisar os níveis da cultura de empresa, passou-se a analisar como o
conceito de cultura se manifestou na BBB antes e depois da privatização.
1. Símbolos
Na matriz da BBB após a privatização, são usadas baias abertas para
mostrar a facilidade de acesso à diretoria.
2. Ideologia
A filosofia da BBB antes de ser privatizada era a de atender ao poder
público e a seus funcionários. Os cargos mais importantes da empresa como a
presidência da empresa e a alta diretoria eram preenchidos por indicações
politicas.
130
Com relação aos funcionários, a BBB, garantia a estabilidade de emprego,
treinava-os e desenvolvia-os em tecnologias atualizadas. Era um ótimo
ambiente de trabalho, o que fazia com que as pessoas se apegassem
emocionalmente a ela. Algumas das diferenças ideológicas da BBB antes e
depois da privatização estão caracterizadas no quadro 5.2.
3. Ritos
3.1 Ritos de Passagem
Na BBB estatal a transição dos funcionários para novas funções era feita
primeiro através da análise dos currículos. Os que fossem adequados às vagas
em aberto, faziam um concurso público concorrendo com pessoas de dentro e
de fora da empresa. Os funcionários entravam na empresa jovens e através
desses concursos desenvolviam uma carreira interna ou mudavam de área.
A nova administração da BBB, na época das entrevistas, reconhecia a
necessidade de reposicionar e revalorizar seus funcionários mas esse plano
ainda não havia sido implementado.
Quando a BBB foi privatizada, a marca da empresa foi mudada. Isso gerou
um sentimento de perda nos funcionários. Para superar isso foi feita uma
campanha interna de divulgação, visando aumentar a motivação dos
funcionários e reestabelecer a ligação entre os funcionários e a empresa.
5.5.3 Características da cultura organizacional na BBB
BBB antes BBB depois
Inovação e tomada de risco Moderada Moderada
Atenção a detalhes Moderada Alta
Orientação para resultados Moderada Alta
Orientação para pessoas Alta Baixa
Orientação para equipes Alta Moderada
Agressividade Baixa Moderada
Estabilidade Alta Baixa
Quadro 5.2 BBB antes e depois segundo Reilly, Chatmane Caldwell (1991)
131
Em termos de inovação e tomada de risco, a BBB estatal procurava
estar tecnologicamente atualizada tanto em termos de equipamentos como em
termos de capacitação profissional. Algumas decisões que na teoria
necessitariam de aprovação de Brasília, eram feitas localmente pela diretoria. A
BBB pós privatizada estava implantando o SAP para agilizar seus processos,
mas ainda não havia implementado outros processos planejados, como a
remuneração variável.
O planejamento e controle orçamentário é um bom exemplo de como
a atenção a detalhes aumentou após a privatização. Antes o orçamento era
feito e a diferença entre o planejado e o executado não era gerenciada. Após a
privatização, eventuais diferenças precisavam ser explicadas e justificadas,
aumentando a cobrança e o senso de responsabilidade dos funcionários.
A BBB estatal era mais orientada a pessoas e a equipe do que a
resultados. O oposto acontecia na empresa sob a nova administração.
A agressividade da BBB após a privatização aumentou
principalmente devido ao fim do monopólio e a perspectiva de uma competição
forte no mercado.
Em termos de estabilidade, houve o fim da estabilidade de emprego.
5.5.4 Dimensões da Mudança Cultural
As dimensões da mudança cultural na BBB estão resumidas no quadro 5.3.
Na BBB, as mudanças foram de alta penetração pois impactaram um
grande número de funcionários e toda a organização.
Foi de magnitude moderada porque muitos processos operacionais
permaneceram os mesmos.
Inovação baixa porque o processo de privatização já ocorreu em várias
outras organizações.
A duração foi considerada moderada, porque após um ano, alguns
processos que haviam sido planejados ainda não tinham sido implantados.
BBB
132
Penetração Alta
Magnitude Moderada
Inovação Baixa
Duração Moderada
Quadro 5.3 Dimensões da mudança cultural na BBB
5.5.5 Ações em um processo de mudança cultural Seguindo ainda as considerações de Trice e Byer sobre ações
recomendadas em um processo de mudança cultura concluiu-se que:
1. Capitalizar em momentos adequados:
A mudança cultural na BBB foi deflagrada por um evento externo à
organização, que foi a privatização definida pelo governo.
2. Cautela e otimismo
Ao assumir a administração da empresa, a BBB contratou uma grande
consultoria para auxiliar no estabelecimento dos cursos de ação da holding.
Empresas internacionais foram usadas como benchmark para avaliação
operacional e para estimar a quantidade de mão de obra necessária para o
atingimento das metas estabelecidas.
Foi também usado o suporte de uma empresa especializada na implantação
do programa de demissão, de modo que tudo acontecesse de modo tranqüilo e
adequado.
3. Resistência à mudança
As mudanças na BBB não foram fáceis de serem aceitas. Muitas pessoas
achavam que a privatização seria revertida.
De acordo com algumas das pessoas entrevistadas, algumas pessoas
sentiram-se ameaçadas com a privatização. Sentiram medo de estarem
profissionalmente defasadas e terem que disputar posições de trabalho em um
mercado mais exigente e mais competitivo.
133
Houve também resistência do sindicato. com algumas correntes
ideologicamente contrárias à privatização e à demissão de pessoas.
4. Mudar e manter
Os planos de demissão incentivados reduziram parte do quadro de
funcionários. Alguns dos antigos funcionários foram remanejados para outras
empresas da holding. Outros permaneceram em suas funções.
Na época em que as entrevistas foram realizadas a nova administração da
empresa planejava implantar um plano de remuneração variável de acordo com
a produtividade.
5. Implantação
Na época das entrevistas. a implantação estava em andamento. Para
alguns funcionários remanescentes da estatal. a expectativa era de que as
mudanças aconteceriam muito mais rapidamente do que estava efetivamente
acontecendo.
6. Criar cultura apropriada
Como a nova empresa era composta de vários sócios ainda não percebia
se claramente a cultura a ser implantada. As características mencionadas nas
entrevistas eram características do modelo mental que as pessoas tinham
sobre uma empresa privada e não necessariamente decorrentes de ações que
já haviam sido tomadas pela nova administração.
7. Mudar táticas de socialização
Estavam sendo avaliados mecanismos de reposicionamento e revalorização
dos antigos funcionários.
A implantação de um correio eletrônico funcionou como uma importante
ferramenta de socialização. facilitando a divulgação de mensagens
simultaneamente para um grupo grande de funcionários.
134
8. Liderança Inovativa
A liderança não estava claramente identificada. Percebia-se um conflito
entre os vários sócios.
135
6 Descrição e Análise de Caso - Empresa CCC
6.1 Histórico da Empresa CCC
A CCC é uma empresa prestadora de serviços com âmbito de atuação
na Região Sudeste do pais. Em 1996 do estado, dentro do programa de
privatização, por um consórcio formado por empresas nacionais e
internacionais de duas nacionalidades diferentes.
A empresa era carente de investimentos e estava defasada
tecnologicamente.
Em termos de pessoal, a CCC tinha cerca de 480 empregados por
cliente, enquanto a relação considerada ideal no setor era de aproximadamente
700 a 800. Além do excesso de funcionários, a idade média dos funcionários e
seu tempo de serviço na empresa tornaram-se muito elevados, formando um
quadro dito "envelhecido".
A empresa e o sindicato patrocinavam uma escola de primeiro grau para
onde estudavam vários filhos de funcionários.
6.2 A Empresa CCC antes da privatização De acordo com os entrevistados, as principais caracteristicas da CCC
como estatal eram:
a) Hierarquia;
b) Excesso de pessoal;
c) Estabilidade;
d) Impunidade;
e) Projetos desenvolvidos internamente;
f) Foco no produto e não no cliente;
g) Falta de mobilidade e individualismo;
h) Submissão ao poder público;
i) Liderança;
j) Comunicação;
k) Remuneracão;
I) Recursos e investimentos escassos;
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m) Falta de comprometimento.
a) Hierarquia
Assim com a maioria das estatais, a CCC era criticada por ter vários
níveis hierárquicos e uma estrutura extremamente formal.
"Eu não tinha o acesso que eu tenho hoje aos meus superiores hierárquicos ... em
vinte anos eu fui talvez a uma reunião com o diretor. Depois da privatização, eu já fui a
várias. Com o superintendente é quase todo o dia. Não era uma coisa normal. As
coisas eram mais estanques .. " (gerente de área operacional)
b) Excesso de pessoal
A CCC trabalhava com um número excessivo de profissionais. A
percepção da maioria das pessoas entrevistadas era que a empresa estava
"inchada" principalmente devido ao caráter político de recursos humanos. Esse
número excessivo de pessoas, se traduzia também em uma grande ociosidade.
"A gente conversando: 'Está inchado. Passa por ai tem gente lendo jornal a torto e
a direito. A gente está um pouquinho inchado:." (gerente de área administrativa)
"Eu não sei, eu não tenho condição de dizer qual é o número adequado de
empregados que tem que ter na CCC. Mas tem um número e este não é aquele
passado: 12.000. Não é aquilo, aquilo era um absurdO."(gerente de área administrativa)
c) Estabilidade
Era raro e difícil demitir-se um funcionário na CCC. O processo de
demissão era cheio de etapas e representava uma pesada burocracia. Um
funcionário só era desligado da empresa se fizesse uma "grande besteira".
"Ela não tinha uma cultura de desligamento. Para você desligar uma pessoa aqui,
era melhor dar um tiro na cabeça, porque você não conseguia desligar ninguém, por
força do sindicato, força política. Uma empresa estatal tem toda essa história" (gerente
da área administrativa)."
137
"Estatal para você ser mandado embora tem que fazer uma besteira muito grande.
xingar o presidente. coisas desse tipo. Todo mundo tem sempre isso em em mente.
Você trabalhar normal. não precisa ser nenhum gênio. mas se você fizer o seu
feijãozinho com arroz. você vai fazer. Ninguém. a principio. ninguém era demitido.
Nesse sentido. a menos que a besteira fosse muito grande." (gerente da área
operacional)
Uma outra conseqüência da estabilidade era a não renovação do quadro
de pessoal. Na opinião de algumas pessoas entrevistadas. isso ocasionava
uma falta de "oxigenação" na empresa. ou seja. não era trazidas idéias novas
para a empresa.
"Ai então. você tinha pessoas que não estavam totalmente preparadas pra exercer
as funções que exerciam. mas que não precisavam se mexer. não precisavam
melhorar porque ... aquilo era só perder tempo. se esforçar por nada. porque não
tinha ... é nenhum tipo de perigo se continuassem exercendo parcialmente aquilo que
tinham que exercer ...• até porque como não havia também admissão você não tinha a
oxigenação de quadro. você não tinha alguém que viesse lá de fora com novas idéias
aqui para dentro. a não ser com as participações que a gente tinha em cursos e
seminários. em que se ouvia falar o que se fazia lá fora ..... (funcionário de área
administrativa)
d) Impunidade
Os regulamentos existiam. as pessoas os conheciam mas eles não eram
seguidos. Nao havia cobrança nem qualquer punição nos casos de não
cumprimento do que estivesse estabelecido.
"Eu tenho certeza que as pessoas tão num novo contrato de trabalho. É o contrato
de trabalho é ... formal. é o que você trabalha de oito e trinta às dezessete horas. que é
o mesmo de antes. mas o que acontecia antes é que as pessoas chegavam ás oito e
trinta e saiam as dezessete horas "(funcionário de área administrativa)
e) Projetos desenvolvidos internamente
Todas as atividades e projetos desenvolvidos na CCC eram feitos
pelos próprios funcionários da CCC ou seja. nada era terceirizado. Isso se
138
traduzia em uma maior quantidade de pessoas com níveis de conhecimento
diversos.
"Mudou ... ? em termos ... de que tudo é para ontem. A não ser ... até, algumas
coisas tinham que ser mesmo tá, tinham que ser porque a empresa tinha uma
quantidade de pessoas para pensar no [n.c.] que era muito maior, você tinha um ... tudo
era feito aqui dentro, você não contratava quase nada lá fora. Então, algumas coisas
tinham que mudar mesmo." (funcionário de área administrativa)
(f) Foco no produto e não no cliente
De acordo com a visão de algumas pessoas entrevistadas, a CCC
estatal era focada no produto e não no cliente.
"Isso é um choque, há uma mudança muito grande, eu acho que tá sendo muito
difícil pra empresa que nunca colocou o cliente como sua prioridade, essa prioridade
sempre foi a qualidade do produto fim, mas nunca pensando no cliente, é ... era o
produto pelo produto ... " . (funcionário de área administrativa)'
(g) Falta de mobilidade e individualismo
A CCC era criticada pela falta de perspectiva de mudança de função
ou de uma careira na empresa. O funcionário que iniciasse sua vida
profissional em uma função permaneceria nela por muito tempo.
"Vinte anos, vinte anos de empresa ... muito tempo. É, sempre trabalhando com
subestações e ... perfil de estatal mesmo, né, a pessoa entra num lugar e acaba
naquele lugar." (gerente de área operacional)
Além disso, não havia um sentimento comum de trabalhar em equipe
para o bem da operação da empresa. Cada qual cumpria estritamente o que
lhe havia sido delegado sem importar-se com o atingimento dos objetivos finais
da empresa.
"No modelo antigo, "I did my best, mas eu fiz a minha parte, e o problema não é
meu, eu entreguei esse papel desde a semana passada." Tá certo?" (gerente de área
operacional)
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h) Submissão ao poder público
Na percepção dos empregados da CCC, a empresa era governada por
interesses políticos. Os cargos eram preenchidos através de arranjos políticos,
por pessoas sem qualificação técnica para o cargo.
"O diretor desconhece aquilo lá de baixo. Tecnicamente ele não conhece aquilo.
Então a decisão dele é sempre política. "" Achava que as pessoas não tinham
oportunidades. A gente via pessoas chegando, que era amigo de Fulano, Beltrano: isso
acontecia muito na CCC. A CCC quando era federal, a coisa vinha muito de fora, de
Brasília." (gerente de área administrativa)
i) Orgulho
A CCC tinha uma tradição de prestação de serviços essenciais
prestados à população. Empregados e gerentes tinham consciência da
importância de sua atividade e orgulhavam-se disso.
"Então ela tem essa característica, o indivíduo que trabalha na CCC ele é visto na
sociedade de uma forma especial, como alguém que trabalha numa empresa que
presta um serviço público, portanto presente na residência de todos, em todos os
cantos. Tem esse sentido." (funcionário de área administrativa)
6.3 A Empresa CCC depois da privatização
Os principais efeitos da privatização da CCC foram sentidos através das
novas práticas empresariais, da nova forma de trabalhar, da alteração do
contrato psicológico,e da expectativa que as pessoas tinham do futuro.
Entretanto, havia também uma percepção de que a nova administração ainda
precisava organizar-se melhor.
a) Cobrança de resultados;
b) Foco no cliente;
c) Maiores investimentos em equipamentos e novas tecnologias;
d) Maior agilidade;
e) Expectativas não atendidas;
f) Características de estatal;
g) Insatisfação com as políticas de RH;
140
h) Carreira limitada pela idade.
a) Cobrança de resultados
De acordo com muitos depoimentos coletados, os funcionários sentiram
grande modificação na exigência da qualidade e rigidez com que resultados
deveriam ser entregues. Isso gerava maior ritmo de trabalho e maior autonomia
e responsabilidade.
"As cobranças são maiores. Então, antes existiam as metas, existiam os
resultados e tal, mas as pessoas algumas pessoas já trabalhavam num ritmo parecido,
mas por ser característica das pessoas, não por exigência do empregador. Hoje
mesmo quem não tinha isso, vamos dizer, na massa do sangue, está sendo forçado a
fazer desse jeito porque tem que apresentar resultado. Você tem que mostrar e chegar
aos resultados que eles esperam de você."(gerente de área operacional)
"Então eu vejo maior autonomia tanto no lado técnico quanto no lado gerencial.
Eles querem ver resultado. Então eu contrato isso, contrato aquilo, executo isso,
executo aquilo, o problema é meu. Tem que ter resultado nisso ai." (gerente de área
operacional)
"A cobrança é maior. As pessoas têm que ter mais responsabilidade e
iniciativa, elas sabem disso. Umas conseguem e outras não. A cobrança da qualidade
do trabalho, de uma decisão também é maior. Se exige é que sejam pessoas pró
ativas, pessoas auto motiváveis e isso não acontece na prática .. (gerente de área
administrativa)
Esse maior comprometimento foi creditado, também, ao medo dos
funcionários de perderem os seus empregos.
"Eu tenho certeza que as pessoas tão num novo contrato de trabalho. É o
contrato de trabalho é formal, é o que você trabalha de oito e trinta ás dezessete horas,
que é o mesmo de antes. O que acontecia antes é que as pessoas chegavam às oito e
trinta e saiam as dezessete horas. Hoje, não. Tem alguma coisa pelo próprio trabalho e
outra coisa pelo medo, as pessoas vão ficando ... " (funcionário de área operacional)
141
A responsabilidade individual tornou-se fundamental para que os
objetivos da empresa fossem alcançados.
"Então a pessoa entender isso, não importa o quê você fez, a etapa que você
cumpriu ou se você passou a mensagem, você tem que saber se o outro entendeu e
você tem que se preocupar com a ponta do processo. O quê que aconteceu e se a
gente colocou o medidor no cliente, se não colocou o medidor no cliente, foi trabalho
posto fora. Um exemplo prático, quando eu digo a você, é a gente começar a incutir
esse espírito de equipe e o pessoal perceber isso ... não é? Porque também muita
gente era gerenciada sem saber por que faz aquilo ... ? Fazia aquilo sem nenhuma
motivação, eu pego isso aqui todo dia e levo lá pro ... não sei pra onde, mas não sei o
que tem dentro ... tá?" (gerente de área operacional)
b) Foco no cliente
O atendimento ao cliente tomou-se o foco da CCC após a privatização.
Segundo depoentes isso deve-se ao fato da empresa ter que satisfazer
adequadamente aos consumidores, para garantir o contrato de concessão.
"Então, de repente você tem o acionista que aqui dentro, e você tem o cliente
como uma coisa importante por causa da imagem da empresa, e isso tem é reflexo no
Contrato de Concessão. Embora o consumidor, não mude muito para ele, o tratamento
que ele tá recebendo. Porque ele não tem a força específica, mas, o conjunto de
consumidores tem força." (funcionário de área administrativa)
c) Maiores investimentos em equipamentos e novas tecnologias
Com o aporte de capital feito pelos novos donos da CCC, foram
implantados modernos sistemas de informática e também de tecnologias que
permitiram a automação de processos com grande redução de pessoal.
"O plano de investimento da CCC nessa área [w), antes da privatização era da
ordem de vinte milhões ano. Ano passado a gente gastou cento e dez milhões. Esse
ano a gente tem 80 pra gastar e ano que vem tem mais 80... "(gerente de área
operacional)
"Rede interna não existia. Então hoje uma ferramenta tipo Notes substituiu uma
secretária. Carta interna eu não recebo. Nunca mais eu recebi uma carta interna ... s6 o
142
Notes. Eu nunca fiz uma carta interna. Então você vê quanta coisa foi racionalizada por
conta da tecnologia." (funcionário de área administrativa)
Entretanto a disponibilidade de capital deparou-se com a falta de cultura
e experiência de uso destas ferramentas.
"Há quatro anos atrás, quem tinha um micro era uma beleza. E, de repente,
estou falando isso também para mostrar quais são as conseqüências da modernização
da ferramenta. A CCC investe vinte milhões de dólares, que faz toda a parte financeira,
controladoria, materiais, recursos humanos, o SAPo E, de repente, ... todo mundo tem
acesso a um meio digital. Qual a dificuldade? Nós não tínhamos essa cultura na
empresa. Então tem uma certa carência do pessoal voltado para essa parte da
informatização." (gerente de área operacional)
d) Menor hierarquia e facilidade de comunicação
A nova liderança da CCC imprimiu um modelo mais ágil, facilitando o
acesso dos funcionários aos níveis mais altos da organização. Além disso, os
técnicos passaram a ser estar mais próximos da alta gerência e a serem
envolvidos em reuniões e discussões, o que não acontecia na época da estatal.
"Bom, eu acho até que melhorou, eu não tinha o acesso que eu tenho hoje aos
meus hierárquicos superiores. Antes da privatização, os cargos eram muito políticos ...
a área técnica num tava envolvida, então eu ... em vinte anos eu fui. .. talvez a uma
reunião com o diretor, e, depois da privatização eu já fui a várias. Com o
superintendente é quase todo o dia, e ... não era uma coisa normal, as coisas eram
mais estanques ... Sem dúvida, a empresa com a privatização melhorou muita coisa,
é ... melhorou ... linealizou mais as ... aquela, aquela formação hierárquica, apesar de
existir a estrutura hierárquica ela é toda hora quebrada, o superintendente te chama
pra você ir numa reunião, o chefe de departamento nem sabe se chama aquele
engenheiro pra ir pra uma reunião." (gerente de área operacional)
e) Expectativas não atendidas
Se muitas coisas mudaram após a privatização, para alguns funcionários
muitas outras ainda continuavam igual a antes. A expectativa gerada em torno
da privatização ainda não tinha sido atendida.
143
Uma das razões apontadas para isso foi a permanência na empresa de
gerentes de nível médio que não compartilhavam da mesma visão da nova
administração. Esses gerentes tornaram-se uma "camada isolante" que impede
que novas idéias e valores provenientes da alta liderança cheguem aos
funcionários de níveis inferiores da hierarquia da empresa.
"Na minha visão eu acredito o seguinte: a CCC não conseguiu muita coisa até
hoje, porque ela tem uma equipe gerencial ao nivel de superintendente até chefe de
departamento que não modificou a sua estrutura de pensamento. Então o que
acontece? Você tem uma determinação lá em cima, os caras que pensam
maravilhosamente bem, são instruidos pelas empresas de origem deles, são empresas
de sucesso, trazem tudo para cá, mas chega aqui esbarra numa cultura corporativa
muito grande, muito forte a nivel gerencial, a nivel de superintendente e chefe de
departamento.
A maioria, vou te dizer 96%, 93% são gerentes antigos da CCC. Então a
cultura, não se trabalhou a cultura dessas pessoas. Eles não têm uma cultura de
mudança. Então é complicado você fazer programa ... " (gerente de área administrativa)
"A expectativa era muito maior. As reformas de RH, as expectativas de muita
coisa que aconteceria com a privatização, até hoje a gente tá esperando." (gerente de
área operaciona I)
"Eu queria deixar claro que a expectativa pra privatização era muito maior do
que a que aconteceu. Com o passar do tempo, cada vez a gente tá mais ansioso por
essas expectativas. E a gente não tem sinalização nenhuma de que isso vá
literalmente ocorrer." (gerente de área operacional)
"A gente está com programas ótimos, mas só de boa .intenção, só de boa
intenção. Ai esbarra numa mudança de diretoria, esbarra em qualquer coisa dessa, o
programa dá uma estabilizada, segura, não vamos chamar agora, aguarda, mas toda a
reunião que a gente participa, não, programa de trainee é ótimo, não sei o que mais.
Vamos? Até agora não funcionou." (gerente de área administrativa)
A existência de vários donos, de nacionalidades diferentes gerava uma
confusão na administração da empresa. Na percepção de alguns funcionários,
144
ainda não havia consenso sobre os objetivos da empresa, entre os próprios
donos.
"De tudo isso que eu te falei, eu não acho que o futuro seja ruim não. Eu não
sei é quanto tempo ele demora pra chegar. Porque eu acho, que um dos principais
fatores dessas coisas é a existência de quatro donos dentro da própria empresa. É
não é que ter quatro, cinco ou cinqüenta donos faça diferença, mas eles estão aqui
dentro, e cada um quer uma coisa diferente. Um busca só lucro; o outro busca
mercado pro seu pais, o outro busca sei lá [o quê]. Cada um tem aquilo que pretende
aqui dentro. Enquanto isso não for uma coisa que fique acertada lá entre eles, eu acho
que a gente aqui vai estar sofrendo aqui embaixo, as conseqüências dessa ... desses
rumos não muito definidos, e eles vão estar é ... desperdiçando energia sob esse ponto
de vista, né?" (funcionário de área administrativa)
Há também frustração de alguns funcionários por conta de politicas de
recursos humanos anunciadas, mas ainda não implementadas.
"Isso até hoje é uma realidade que a gente não tem, e já se passaram três
anos, e a gente não tem uma política de recursos humanos mais transparente, a
solução de "n" problemas que andam pela empresa e que não tem solução, tipo
periculosidade e horas extras. A expectativa é que isso se resolvesse, com uma
fiexibilização, uma velocidade de recursos muito maior. Isso tudo a gente continua
esperando, infelizmente a gente diz internamente que não privatizou .. ?" (gerente de
área operacional)
f) Características de estatal
Para algumas pessoas entrevistadas, as caracteristicas da CCC estatal
ainda não haviam sido eliminadas da empresa após a sua privatização .
.... perdeu não, tô exagerando, diminuiu a conotação política, que hoje ainda
existe, . e a [empresa dona] é uma estatal, tem muita conotação política ... Então,
diminuiu, mas hoje a gente tem mais chance de ascensão do que tinha antigamente,
tem mais chance de participação em coisas que a gente não tinha e com isso o
desenvolvimento sobe." (gerente de área operacional)
"Não aconteceu nada com ninguém. Então, é isso que eu estou esperando da
empresa privatizada. Porque numa empresa privatizada normal talvez o financeiro todo
145
tivesse ido embora, porque uma ação que sai de 330 pra cento e dez, o financeiro todo
tinha ido embora. O quê aconteceu? Nada, tá todo mundo lá, no mesmo lugar,
fazendo as mesmas coisas. " (gerente de área operacional)
Até nas instalações físicas, havia uma percepção de descaso, de uma
postura não condizente com o padrão das empresas privadas.
"Isso aqui, uma sala como essa toda suja, um banheiro em que as portas não
fecham ... Esse tipo de coisa ainda não chegou. Porque me incomoda receber você
aqui, numa sala em que a parede tá suja, afinal de conta eu trabalho numa
multi nacionaL" (gerente de área operacional)
g) Insatisfação com as políticas de RH
Os salários ainda são considerados ruins . Além disso, a empresa
estava contratando pessoas com experiência no mercado com salários mais
altos do que o dos antigos funcionários, causando um desconforto entre eles.
"Bom, eu diria que hoje, a, a relação do empregado com a empresa é de
sobrevivência. O mercado de trabalho tá muito ruim pra engenharia e as pessoas estão
sobrevivendo. O salário da gente também tá muito ruim. É uma troca, não tem
mercado, não tem salário." (gerente de área operacional)
"Isso é um outro aspecto bastante desmotivadorTem lá, uma superintendência
"x", dois departamentos: o daqui é um empregado antigo que tá ai há vinte anos e
ganha cinco; o daqui acabou de chegar, o mercado diz que salário deve ser nove, ele
vai ganhar nove ... então essas coisas estão ... " (funcionário de área administrativa)
Havia também uma percepção de que os funcionários provenientes da
estatal não estavam qualificados para exercerem suas funções na nova
empresa.
"Mas a sensação que dá é de que é um demérito. Ter muito tempo de empresa
não é positivo, é um fator negativo. Essa é a sensação que me passa da empresa de
um modo geral, e eu também tenho essa sensação ... "(funcionário de área
administrativa)
146
h) Carreira limitada pela idade
Outro fator de desconforto entre os funcionários era o fato da empresa
parecer mais preocupada com o tempo de casa de cada funcionário do que
com seu nível de contribuição.
'"É, exatamente, o cara não agüenta mais. Quer dizer, quando vem o próximo
plano? Então isso é um mal estar muito grande. Quer dizer, quando eu vou ser
encarado não como uma pessoa que tem um certo tempo de casa e que já pode se
aposentar? Quando eu vou ser encarado pelo meu, pela minha capacidade de
trabalho?" (gerente de área operacional)
6.4 Ações desenvolvidas no processo de privatização e pela nova
administração
Quando foi anunciado o consórcio ganhador da CCC, a nova diretoria
começou a implantar uma série de novas ações. Dentre elas:
a) Demissão sumária de 340 funcionários;
b) Plano de desligamento incentivado;
c) Investimento em novas tecnologias e em equipamento;
d) Terceirização de atividades;
e) Melhor gerenciamento;
f) Contratação de novos profissionais;
g) Cobrança de resultados;
h) Desenvolvimento de pessoal.
a) Demissão sumária de 340 funcionários
Logo após a privatização e antes de qualquer plano de desligamento
incentivado, a CCC demitiu sumariamente cerca de 340 empregados, sem
direito a nenhum benefício adicional além dos estipulados por lei. Segundo
alguns depoimentos, eram funcionários com história de problemas na empresa.
'"Uma semana antes da CCC implantar esse programa [programa incentivado],
ela pegou 340 casos e desligou sem direito a nenhum beneficio. Fez a demissão
sumária, mandou superintendente para a rua, mandou diretor para a rua, mandou
147
funcionário, mandou embora. Pegou a carta entregou numa sexta-feira, 'toma está
demitido'. Acabou. E uma semana depois ela solta o programa de incentivo."(gerente
de área administrativa)
b) Plano de desligamento incentivado
O PDI foi o primeiro de uma série de planos implantados pela CCC. Uma
das razões mais mencionadas para o programa de redução de pessoal referiu
se ao quadro de pessoal envelhecido. Segundo os entrevistados havia um
contingente grande de pessoas com muitos anos de empresa que deveria ser
desligado e havia, também, a necessidade de contratar novas pessoas para
oxigenar as idéias.
"Todos nós sabíamos que a empresa era muito grande, era um número
excessivo de funcionários e nós sabiamos que isso ia ocorrer."(funcionário de área
operacional)
"Tem muitas pessoas já com muito tempo de empresa, já com idade ... um dos
fatores que foi colocado é porque ela está com o quadro envelhecido."(funcionário de
área administrativa)
c) Investimento em nova tecnologia e em equipamentos
Ao privatizar houve aporte de capital pelos novos donos, o que
possibilitou a compra de modernos sistemas de informática e também de
tecnologias que permitiram a automação dos
empresa deparou-se com a falta de cultura e
ferramentas.
processos. Entretanto, a
experiência de uso destas
"Rede interna não existia. Então hoje uma ferramenta tipo Notes substitui uma
secretária. Carta interna eu não recebo. Nunca mais eu recebi uma carta interna ... só o
Notes. Eu nunca mais fiz uma carta interna. Então você vê quanta coisa foi
racionalizada por conta da tecnologia." (funcionário de área administrativa)
"Há quatro anos atrás ... quem tinha um micro era uma beleza. E, de repente,
... estou falando isso também para mostrar quais são as conseqüências da
modernização da ferramenta ... A CCC investe ... vinte milhões de dólares, que faz toda
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a parte financeira, controladoria, materiais, recursos humanos, o SAP.E, de repente, ...
todo mundo tem acesso a um meio digital ... Qual a dificuldade? Nós não tínhamos
essa cultura na empresa ... então tem uma certa carência do pessoal voltado para essa
parte da informatização." (gerente de área operacional)
d) Terceirização de atividades
Para melhor equilibrar a maior demanda de trabalho com a redução de
pessoal, a empresa terceirizou parte de suas atividades.
"Uma coisa interessante é o seguinte: como é que a CCC perdeu 6.000, 5.000
em uma ano e continuou trabalhando? A gente entrou com processo de terceirização
muito pesado."(gerente de área operacional)
e) Melhor gerenciamento
Uma melhor ação gerencial foi considerada fator alavancador de
motivação e produtividade.
"Como é que você continua? Gerenciando melhor. Eu diria que gerenciando
melhor. distribuindo melhor a tarefas, premiando. Tem formas de você incentivar o
empregado e fazer com que ele se supere."(funcionário de área administrativa)
f) Contratação de novos profissionais
Uma das preocupações dos novos acionistas da CCC concentrou-se em
diminuir não apenas o contingente, mas também a idade média de seu quadro
de funcionários. À época do PDI, o tempo médio de empresa dos funcionários
era de 20 anos, número considerado alto, considerando que a atividade da
empresa exigia dos funcionários operacionais esforço físico Ei cuidados com a
segurança.
"Porque a CCC, assim como ela está reduzindo o quadro, ela também tem feito
várias admissões. E essas admissões são de pessoas novas no mercado, um pessoal
recém-formado. Então, quer dizer, ela está oxigenando, está trazendo novos
conhecimentos, pessoas novas. E a gente, o pessoal que está com um certo tempo de
empresa, vai se sentindo pressionado."(funcionário de área administrativa)
g) Cobrança de resultados
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Os funcionários sentiram grande modificação na exigência da
qualidade e rapidez com que resultados deveriam ser entregues. Essa
maior cobrança veio acompanhada de maior autonomia e responsabilidade.
"Você tem que dar solução para as coisas e não tem muita maneira de correr
com desculpas, justificativas ... O que se tinha muito eram justificativas. A gente ia para
uma reunião na estatal, as pessoas não percebiam que estavam justificando o tempo
todo e hoje você não consegue começar. Se você começar a justificar alguém vai
cortar você numa reunião."(gerente de área administrativa)
"Então eu vejo muito maior autonomia tanto no lado técnico quanto no lado
gerencial. Eles querem ver resultado. Então eu contrato isso, contrato aquilo, executo
isso, executo aquilo, o problema é meu. Tem que ter resultado nisso ai."(gerente de
área operacional)
h) Desenvolvimento de pessoal
Na nova empresa houve preocupação em se realizar um grande
investimento na melhoria da qualificação das pessoas; para todos os níveis e
abrangendo diversos temas.
"Existem três tipos de plano. Existe o treinamento de gerente, que é um
treinamento gerencial. A própria empresa se encarrega de programar... Existe o
treinamento que é o treinamento de informática que é para todos os funcionários, para
poder capacitar ... Hoje em dia você tem um micro praticamente na mesa de cada
funcionário .... Em função disso o pessoal teve que ser treinado. Houve um treinamento
maciço em informática ... " (funcionário de área gerencial)
A manutenção de alguns gerentes de nível médio na empresa impedia,
segundo alguns depoimentos, que as mudanças culturais se efetivassem na
CCC.
"Nós vemos hoje pessoas que sabidamente têm todo um comportamento
assim ... Questionável nessa relação com o empregado, embora excelentes
tecnicamente, mas na relação com o empregado são questionáveis. Essas pessoas
não deveriam permanecer como gerentes. Porque? Eles estão mantendo STATUS
QUO ali, estão mantendo o jeitinho que estava, sabe? Dão a impressão de que estão
150
fazendo alguma coisa, mas não estão fazendo aquela coisa. Só que não tem condição
de se perceber isso de urna hora para outra. Não é só porque privatizou que todo
mundo que tinha lá seus problemas vai ser descoberto agora. Não, não é assim que
acontece. Agora, aos poucos, acho que isso vai acontecer .... ? Eu vou te falar, o
fisiologismo no corpo gerencial ainda é muito presente, muito presente. Você vê que há
comportamentos questionáveis no corpo gerencial, mas ainda continua tendo peso. "
(gerente de área administrativa)
"Na minha visão eu acredito o seguinte: a cce não conseguiu muita coisa até hoje,
porque ela tem uma equipe gerencial ao nível de superintendente até chefe de
departamento que não modificou a sua estrutura de pensamento. Então o que
acontece? Você tem uma determinação lá em cima, os caras que pensam
maravilhosamente bem, são instruídos pelas empresas de origem deles, são empresas
de sucesso, trazem tudo para cá, mas chega aqui esbarra numa cultura corporativa
muito grande, muito forte a nível gerencial, a nível de superintendente e chefe de
departamento .... A maioria, vou te dizer 96%, 93% são gerentes antigos da cec. Então a cultura, não se trabalhou a cultura dessas pessoas. Eles não têm uma cultura
de mudança, então é complicado você fazer programa .... " (gerente de área
administrativa)
6.5 Análise do processo de mudança cultural
6.5.1 Níveis da Cultura
A CCC antes de ser privatizada pouco diferia das demais estatais, como
pode ser visto no quadro 6.1.
a) Artefatos e Criações
Salas fechadas, com secretárias e assessores em ante-salas,
simbolizando hierarquia e formalidade. Havia muita burocracia, a comunicação
não fluía facilmente e o processo decisório era pouco ágil.
b) Valores
A CCC era uma empresa voltada para interesses políticos. Tinha uma
estrutura organizacional hierárquica e formal. Os cargos eram preenchidos
através de indicações políticas e área técnica não era envolvida nas decisões
estratégicas da empresa. Esse caráter político da administração de recursos
151
humanos criou uma empresa "inchada", com excesso de pessoal e com um
alto nível de ociosidade.
A empresa não tinha como objetivo principal o lucro e o atendimento a
cliente. Seu foco estava mais direcinado ao
O sistema de remuneração era baseado na igualdade e no tempo de
seNiço. Não havia correlação entre remuneração ao desempenho. Isso
acarretava desmotivação nos funcionários que trabalhavam produtivamente.
A divisão de trabalho na CCC estatal era considerada desigual. Poucas
pessoas trabalhavam em demasia enquanto muitos faziam muito pouco.
CCC antes CCCdepois
Artefatos e Criações » Estrutura formal e » Estrutura mais
hierárquica dinâmica
Valores » Remuneração por » Multifuncionalidade
tempo de seNiço » Cobrança de
» Excesso de pessoal resultados
» Quadro de pessoal » Quadro de pessoal
envelhecido enxuto
» Forte presença do » Foco no cliente
sindicato » Características de
» Processo decisório uma estatal
pouco ágil
Pressupostos Básicos » Atender ao poder » Cliente
público » Lucro
» Estabilidade
Quadro 6.1 Empresa CCC segundo classificação de Schein
c) Pressupostos básicos
O que direcionava as ações na CCC eram o lucro final da empresa e o
atendimento ao cliente, isso porque a continuidade da concessão do governo
dependeria da avaliação dos clientes.
152
6.5.2 Elementos da Cultura
Após analisar os níveis da cultura de empresa, passou-se a analisar
como o conceito de cultura se manifestou na CCC antes e depois da
privatização.
a) Símbolos
Na CCC um das representações da continuidade de alguns aspectos
da antiga cultura da empresa foi o da permanência de salas sujas, com
paredes sujas e portas de banheiro que não se fechavam. Para algumas
pessoas isso não estava em acordo com a postura de uma empresa
"multi nacional".
b) Ideologia
A filosofia da CCC antes da privatização pouco diferia das práticas
de outras estatais. Sua gestão era baseada na conveniência de políticos,
acentuada divisão dos trabalhos, dificuldade para demitir, processo decisório
lento e burocrático, ausência de investimentos e defasagem tecnológica.
Após a privatização a empresa passou a focar em reduzir custos,
satisfazer a clientes, dar maior autonomia dos funcionários e criar processos
decisórios mais dinâmicos. Entretanto, talvez por ter como um de seus
acionistas uma estatal internacional, alguns aspectos da cultura da AAA antes
de ser privatizada não se alteraram.
c) Ritos
c.1) Ritos de Passagem
Após a privatização treinamentos técnicos e gerenciais foram
disponibilizados para funcionários de todos os níveis.
O correio eletrônico implantado na empresa também ajudou a nova
administração a comunicar-se mais rapidamente com mais funcionários.
c.2) Ritos de Degradação
153
Logo após a privatização, a nova administração da CCC demitiu
sumariamente cerca de 340 empregados, sem direito a nenhum benefício
adicional além dos estipulados na lei. Segundo depoimentos de alguns
entrevistados, tratava-se de funcionários com histórias de problemas na
empresa. Desso modo, a nova administração estava sinalizando para os
demais funcionários um dos valores relevantes da nova cultura: na nova
empresa não havia mais lugar para pessoas que não contribuíssem para o
sucesso da empresa.
c.3) Ritos para redução de conflitos
Uma das conseqüências mais evidentes da privatização na CCC foi o
aumento da carga de trabalho. As principais ações organizacionais tomadas
para reduzir esse conflito foram a contratação de serviços de terceiros e a
implantação de ferramentas de informática, acarretando um ganho na
prod utividade.
Além disso, em alguns casos, antigos funcionários foram contratados
temporariamente.
A ação gerencial também foi considerada como fator alavancador de
motivação e produtividade. Os gerentes se preocupavam em distribuir melhor
as tarefas e de descobrir diferentes modos de estimular os seus funcionários a
serem mais eficientes.
Individualmente, uma estratégia adotada por vários profissionais foi
rever e otimizar o próprio processo de trabalho.
6.5.3 Características da cultura organizacional
Analisando as características da cultura da CCC antes e depois de
ser privatizada, sob a ótica do modelo de Reilly, Chatmane e Caldwell (1991),
observam-se as características resumidas no quadro 6.2
Na CCC a atenção a detalhes tornou-se maior no sentido de que
havia mais cuidado no planejamento, por exemplo. Por outro lado, as paredes
sujas e instalações ruins demonstrava que esse cuidado não era um padrão
generalizado na empresa.
154
o foco da empresa mudou da sociedade e dos funcionários para o
lucro, a competição e para os clientes.
Em termos de agressividade, ela também aumentou, mas ainda
estava longe dos padrões da AAA, por exemplo.
CCC antes CCC depois
Inovação e tomada de Moderada Moderada
risco
Atenção a detalhes Baixa Moderada
Orientação para Baixa Alta
resultados
Orientação para pessoas Alta Baixa
Orientação para equipes Baixa Alta
Agressividade Baixa Moderada
Estabilidade Alta Baixa
Quadro 6.2 CCC antes e depois segundo Reilly, Chatmane Caldwell (1991)
6.5.4 Dimensões da Mudança Cultural
CCC
Penetração Alta
Magnitude Alta
Inovação Baixa
Duração Alta
Quadro 6.3 Dimensões da mudança cultural na CCC
Assim como na AAA, na CCC o grau de penetração e de magnitude
foram altos e o de inovação baixo.
A duração foi considerada alta, uma vez que o processo ainda estava
em andamento e muitas das iniciativas esperadas ainda estavam sendo
planejadas e discutidas.
155
6.5.5 Ações em um processo de mudança cultural
Seguindo ainda as considerações de Trice e Byer sobre ações
recomendadas em um processo de mudança cultura concluiu-se que:
1. Capitalizar em momentos adequados:
A mudança cultural na CCC foi deflagrada por um evento externo à
organização, que foi a privatização definida pelo govemo.
2. Cautela e otimismo
Algumas chefias mostraram-se mais conscientes com relação às
mudanças que estavam por vir. Estes procuraram alertar suas equipes sobre a
possibilidade de demissão, reestruturações, novos processos e mudanças nas
funções de cada um dentro da empresa.
Muitos funcionários adotaram uma visão otimista, acreditando que
na empresa privatizada haveria mais reconhecimento, valorização e melhor
reumuneração.
3. Resistência à mudança
Embora o Programa Nacional de Desestatização já estivesse em
pleno andamento, a grande maioria dos funcionários da CCC não acreditava
que o governo fosse conseguir concretizar o processo. A camada gerencial
dividia-se em acreditar e não acreditar. O sindicato foi o primeiro a adotar uma
postura de negação.
A privatização era um fator ameaçador para grande parte dos
funcionários, uma vez que, a exemplo da experiência de outras empresas
anteriormente privatizadas, havia grande possibilidade de demissão em massa
dos funcionários. O grande temor era a possibilidade imediata de perda de
emprego.
Esse cenário de ameaça originou comportamentos diferenciados
entre os funcionários. Alguns buscaram uma melhor qualificação, procurando
cursos de idioma, por exemplo. Outros procuravam mostrar-se
156
profissionalmente competentes como proteção contra uma possível demissão
futura.
Houve resistência também, dos antigos funcionários, à ausência de
secretárias e contínuos. Empregados mais graduados reagiram à necessidade
de executar tarefas de arquivamento, por exemplo, por considera-Ias atividades
menores.
4. Mudar e manter
Logo após a privatização e pouco antes do primeiro Plano de
Desligamento Incentivado, a CCC demitiu aproximadamente 340 pessoas.
Tratava-se de pessoas que tinham um histórico de problemas e dificuldades
com a empresa.
Em seguida foi implantado o primeiro de uma série de planos de
desligamento.O quadro de pessoal da empresa estava envelhecido e a nova
administração sentiu necessidade de oxigenar a empresa através da
contratação de novas pessoas.
5. Implantação
A implantação efetiva da mudança cultural na CCC teve início com
os planos de desligamentos. Uma das críticas relatadas pelos funcionários
referiu-se ao pouco tempo que a nova direção teve para elaborar o primeiro
plano de desligamento. Segundo alguns depoimentos, passados apenas dois
ou três meses da privatização, a nova direção da empresa não teria tido tempo
suficiente para conhecer os funcionários. A prova desse erro foi o fato que
foram recontratadas algumas pessoas que haviam saído no plano. Outra crítica
ao plano foi a falta de preocupação em preparar substitutos para cargos críticos
ocupados por funcionários que saíram durante o plano.
Além dos POis, uma outra ação da nova administração que auxiliou
no processo de mudança cultural foi a implantação de softwares modernos,
como o SAP, e de tecnologia de micro informática como o Notes.
6. Criar cultura apropriada
157
Ainda não estava totalmente clara a cultura que deveria ser implantada
na CCC. Como a nova administração era formada por várias empresas, de
diferentes nacionalidades e de diferentes ideologias (havia entre elas uma
estatal), algumas vezes parecia não haver um objetivo comum claro. Algumas
ações tomadas eram típicas de uma empresa multinacional de última geração,
enquanto outras eram mais condizente com o modelo mental estabelecido para
uma estatal.
7. Mudar táticas de socialização
Foram feitos treinamentos gerenciais e técnicos como tática de
socialização. O correio eletrônico também funcionou como uma ferramenta de
socialização, facilitando a divulgação de mensagens e transmissão de
informação para um grupo grande de pessoas.
8. Liderança Inovativa
O perfil da nova liderança não estava bem delineado ainda. Os grupos
formadores da nova administração ainda estavam se organizando. Isso foi
percebido pelos funcionários e gerou neles certa frustração.
158
7 Análise conjunta dos três casos
Este estudo teve por objetivo investigar se, impulsionadas por um evento
externo e através de ações gerenciais específicas, as organizações seriam
passíveis de passar por processos de mudança cultural. Em caso afirmativo,
este estudo procurou entender de que modo isso ocorreria.
De um modo geral, a literatura específica pressupõe que a cultura de
uma organização é profunda, extensa e complexa. Ela cobre todos os aspectos
da realidade e da vida humana. Ela influencia o modo de pensar e de sentir,
bem como o de agir, e dá significado e previsibilidade ao dia-a-dia.
Embora nas teorias revisadas, haja correntes que defendam que a
cultura de uma organização não pode ser alterada, nesse estudo seguiu-se a
linha funcionalista que acredita que, embora a cultura não possa ser pensada
superficialmente, ela pode ser mudada. Acredita-se, entretanto, que isso não é
feito com facilidade e nem tampouco rapidamente.
Cabe ressaltar, que a linha adotada nesse estudo está em acordo com a
experiência profissional do pesquisador e sua vivêncía em empresas que
conseguiram rever seus valores e processos, mudando radicalmente seu modo
de ser e agir, sem, contudo, deixar de existirem.
Por fim, ao se analisar os dados utilizou-se, em alguns casos o seguinte
critério:
~ Baixo - significa que a característica/valor não era valorizada pela
maior parte dos funcionários. Significa também que foram
mínimas ou nenhuma as mudanças percebidas antes e depois da
privatização;
~ Moderado - significa que parte da organização valoriza a
característica/valor analisado, mas não a maioria da organização.
Significa também que algumas mudanças foram percebidas, mas
ainda de modo tímido;
~ Alta - significa que a organização, em praticamente sua
totalidade compactua com os novos valores/características.
159
Significa também, que as mudanças ocorridas antes e depois da
privatização foram radicais.
7.1 As empresas antes da privatização
Embora com algumas variações, havia mais semelhanças do que
diferenças entre as empresas AAA, BBB e CCC antes da privatização. As
características mais relevantes das estatais eram:
a) Estrutura organizacional formal e hierárquica
As três empresas tinham uma estrutura organizacional formal e
composta de vários níveis hierárquicos. O acesso à alta direção das empresas
era difícil: os diretores e superintendentes tinham salas próprias e uma agenda
monitorada por secretárias e assessores. Os funcionários sentiam que havia
um distanciamento entre a chefia e o trabalho operacional feito no campo.
b) Excesso de burocracia
Processos decisórios longos e lentos, que precisavam passar por várias
etapas e aprovações.
c) Sujeição ao poder público
Nas três empresas, cargos estratégicos eram preenchidos por indicação
de políticos. Na BBB, embora os políticos influenciassem, havia uma forte
capacitação técnica no quadro de pessoal e grande parte dos funcionários
orgulhava-se disso.
d) Quadro de pessoal inchado
Tanto a AAA, como a BBB e a CCC mantinham em seu quadro de
pessoal, mais pessoas do que era considerado necessário. Havia ociosidade,
baixa produtividade e pouca cobrança.
e) Baixo investimento em pessoas e em tecnologia
160
o investimento em treinamento e desenvolvimento era baixo na AAA e
na CCC. No entanto, a BBB investia muito na capacitação de seus
funcionários.
De um modo geral, tanto na AAA como na CCC, eram escassos os
recursos para investimento em tecnologia e automação de processos,
causando, em alguns casos, defasagem tecnológica.
f) Estabilidade
A estabilidade era uma questão fundamental nas três empresas e
direcionava a maioria das ações e do comportamento das pessoas. Eles não
se sentiam pressionados, nem ameaçados em suas posições caso não se
mostrassem eficientes. Era raro e dificil demitir um funcionário. O processo de
demissão era cheio de etapas e representava uma pesada burocracia.
g) Remuneração igualitária e baseada em gratificações por nivel e
tempo de serviço
A remuneração não estava atrelada ao desempenho. Não havia sistema
de meritocracia e nem administração por metas. A remuneração era baseada
no tempo de serviço e no nivel em que o funcionário estava.
Como conseqüência disso, muitos funcionários sentiam-se
desmotivados. A maior parte dos empregados fazia o trabalho que lhe era
atribuído sem nenhum diferencial. Alguns, mais comprometidos, buscavam
agregar outros valores, mas nem sempre isso era visto com bons olhos pelos
demais membros das equipes.
h) Impunidade
Os regulamentos existiam, as pessoas os conheciam, mas eles não
eram seguidos. Havia pouca cobrança, e raras punições nos casos de não
cumprimento do que estivesse estabelecido.
161
7.2 Dimensões das mudanças culturais percebidas nas empresas
privatizadas
Após a privatização houve alteração significativa das características das
empresas analisadas, conforme quadro 7.1.
O fim da estabilidade e a mudança de foco de pessoas para resultados
foi comum às três empresas.
A demissão maciça de funcionários e os planos de demissão
incentivados sinalizaram claramente que estabilidade não mais seria um valor
considerado nas empresas. Novas contratações foram feitas e programas de
frainees postos em prática. Mais um sinal de um novo valor importante na
empresa: novas idéias e oxigenação. As demissões e admissões em conjunto,
também sinalizaram outro valor da nova empresa: mudanças, sejam elas quais
fossem, seriam uma constante daquele momento em diante.
AAA BBB CCC
Antes Depois Antes Depois Antes Depois
Inovação e Baixa Alta Moderada Moderada Moderada Moderada
tomada de risco
Atenção a Baixa Alta Moderada Alta Baixa Moderada
detalhes
Orientação para Baixa Alta Moderada Alta Baixa Alta
resultados
Orientação para Alta Baixa Alta Baixa Alta Baixa
pessoas
Orientação para Baixa Alta Alta Moderada Baixa Alta
equipes
Ag ressividade Baixa Alta Baixa Moderada Baixa Moderada
Estabilidade Alta Baixa Alta Baixa Alta Baixa
Quadro 7.1 Comparativo das características da cultura das organizações antes e
depois da privatização
162
Com relação à mudança de foco, se antes a AAA, a BBB e a CCC,
preocupavam-se mais com se papel social e com seus empregados, após a
privatização, o objetivo das empresas passou a ser gerar lucro.
Das três empresas, a AAA foi a que passou por um processo de maior
transformação, Todas as características relacionadas foram alteradas de um
extremo a outro, ou seja, de baixa para alta e de alta para baixa.
Particularmente o aumento da agressividade e da capacidade de inovação e
tomada de risco foram importantes mudanças na AAA.
Na BBB as mudanças foram menos radicais, porque a estatal já tinha
características de uma empresa privada. Em vários itens a BBB estatal foi
classificada como "moderada". Assim, o gap entre a estatal e a empresa
privada mostrou-se menor.
Já na CCC, o impacto da mudança também foi menor, porque a nova
administração não tinha características tão agressivas e tão típicas de uma
empresa privada como os demais grupos que assumiram a AAA e a BBB. Ao
contrário da BBB, a CCC manteve classificações "moderada" e "baixa" depois
da privatização.
Analisando o processo de mudança cultural sob a ótica do modelo de
dimensões da cultura de Trice e Byer (1984), conforme o quadro 7.2, pode-se
concluir que:
1° Em termos de penetração? a mudança cultural foi considerada alta na
AAA, na BBB e na CCC uma vez que toda a organização e praticamente todos
os funcionários foram impactados. As três empresas passaram por
reestruturações organizacionais e redesenho de processos. Na BBB houve a
criação de uma holding e a incorporação de várias empresas.
2° Com relação à magnitude8, ou seja, o quanto as ideologias antes e
depois da mudança eram distantes, na BBB ela foi considerada moderada. A
BBB estava em um nivel mais avançado em sua visão de negócios, investindo
7 Grau de penetração de um processo de mudança cultural representa a proporção das atividades da organização que serão afetadas pelas mudanças. 8 Magnitude mede o distanciamento entre valores e comportamentos dos membros da cultura corrente e aqueles que se espera ser adotado na nova cultura.
163
em tecnologia, em processos e em capacitação de pessoal, de modo a ser
mais eficiente. Assim, na BBB a que a privatização não significou uma
mudança tão radical quanto nas demais empresas;
3° A inovaçã09 foi considerada baixa nas três organizações. A nova
cultura a ser implantada nas empresas privatizadas não era sem precedentes,
uma vez que o processo de privatização já ocorreu em outras empresas. Além
disso, características de uma empresa privatizada já foram estudadas por
teóricos da administração e a maioria da sociedade tem um modelo mental do
que esperar de uma empresa privada.
4° Em termos de duraçã01O, a mudança cultural na AAA foi considerada
bastante rápida, devido ao perfil agressivo da nova administração. Na CCC, ao
contrário, como as empresas ganhadoras têm perfis diferentes, o
direcionamento a ser dado para a nova empresa não está claro, o que faz com
que as ações que levam ao processo de mudança aconteçam mais lentamente.
Cabe ressaltar, que não se pressupõe, nesse estudo, que o processo de
mudança cultural já estava encerrado em quaisquer das três empresas. O
julgamento sobre a duração das mudanças nas três empresas levou em conta
a velocidade do início de sua implantação.
AAA BBB CCC
Penetração Alta Alta Alta
Magnitude Alta Moderada Alta
Inovação Baixa Baixa Baixa
Duração Baixa Moderada Alta
Quadro 7.2 Dimensões da Mudança Cultural - AAA, BBB, CCC
9 Inovação refere-se ao grau em que valores e comportamentos preconizados pela nova cultura, são sem precedentes ou não tenham similaridade com o que j' s existe em outras organizações. 10 Duração refere-se ao tempo que se imagina que o processo de mudança cultural irá levar e o quão permanente a mudança será.
164
7.3 Aderência das características das empresas ao modelo de Machado
De acordo com Machado (1991) tanto as empresas estatais como as
empresas privadas apresentariam algumas características particulares. Essas
características seriam aquelas facilmente reconhecidas na maioria das
empresas de mesma natureza e que as distinguiriam das demais.
Analisando comparativamente as características observadas nas
empresas AAA, BBB e CCC, antes de serem privatizadas, pode-se identificar
nas três empresas, todas as características descritas por Machado e Amorim e
Freitas (1994).
Empresa Estatal AAA, BBB, CCC Satisfação das necessidades da Sim. sociedade Não objetivam o lucro Sim. Forte interferência do Estado Sim. Cúpula dirigente transitória e Sim. coincidente com o Poder Executivo
Dificuldade em se ter planejamento de Sim. longo prazo
Estabilidade empregatícia Sim. Acomodação e desestímulo dos Sim. funcionários Rotinas e procedímentos por vezes Sim. Em graus diferentes, sendo a ultrapassados BBB mais atualizada. Burocracia Sim Continuidade desejada Sim
Quadro 7.3 Aderência às características de uma Estatal
De modo idêntico, após a privatização, a aderência das características
das empresas privatizadas ao modelo de Machado é bastante alta.
165
Empresa Privada AAA, BBB, CCC Satisfação do público alvo Sim. Objetivam o lucro Sim. Administração por profissionais, Sim. Cúpula dirigente não é interrompida a Sim. cada mandato do executivo principal Maior compromisso com planejamento Sim.
Não há estabilidade empregatícia Sim. Funcionários precisam mostrar Sim. habilidades e potenciais Ascenção dos funcionários decorrente Sim. de esforço Competição e Desenvolvimento pessoal Sim são fundamentais Processos de mudança Sim
Quadro 7.4 Aderência às características de uma Empresa Privada
7.4 Ações gerenciais
Após analisar o processo de mudança cultural conduzido na AAA, BBB e
CCC, pode-se perceber que a execução de ações alinhadas aos objetivos
estratégicos que se pretende na nova administração da empresa, possibilitam
uma efetiva mudança na organização.
As ações listadas no quadro 7.6 direcionaram e reforçaram os novos
conceitos desejados pelas empresas após a privatização.
Ações gerenciais AAA BBB CCC Relisão do quadro de funcionários e seleção dos Feito com o objeti\oO de buscar N/A N/A que permaneceriam líderes aliados - manter
conhecimento e mudar cultura Preparação dos funcionários para demissão Os gerentes que permaneceriam na Antes de privatizar, os chefes da N/A
empresa foram posicionados sobre estatal conduziram um processo as razões do desligamento e de conscientização da mudança treianados para conduzir processo de de cultura demissão Por parte da nova administração
não houloe uma preparação dos funcionários para o processo de demissão Também não houloe comunicação formal sobre fim das demissões
Desligamento de funcionários Logo no primeiro dia da nova Foi feita atral.és de plano de Inicialmente foram feitas cerca de 340 administração, foram demitidas 2.500 desligamento \oOluntário. Todos demissões sumárias com o intuito de pessoas de todas as áreas da os que aderissem ao plano estimular adesões ao PDI e sinalizar fim da companhia com o objeti\oO de eliminar teriam direito ao desligamento. estabilidade; Depois seguiram-se vários funções em duplicidade, reduzir Sem exceção planos de desligamento de modo a diminuir custos, reduzir quadro de idade média dos funcionários da empresa -pessoal,abrir espaço para novas no\oO valor p contratações e a determinação da
Reciclagem de profissionais Os profissionais conlidados a Profissionais da empresa que Alguns treinamentos foram efetuados permanecer na empresa foram tinham perfil e habilidade foram treinados e começaram a participar treinados para assumirem novas de reuniões e palestras posições
Contratação de no\oOs profissionais Programa agressi\oO de trainees, com Programa de trainees tímido e Pessoas novas [de idade] foram o objeti\oO de oxigenar a empresa. profissionais contratados do contratadas no mercado lisando reciclar e
mercado para novas áresa reduzir a média de idade dos funcionários. Como os 'irainees eram preparados Programa timido de lrainees para substituir os antigos funcionários, algumas pessoas sentiram seus empregos ameaçados pessoas.
Quadro 7.5 Ações gerenciais geradoras de mudanças
>-'
~
Ações gerenciais AAA BBB CCC Terceirização de ati-.idades Várias ati-.idades foram terceirizadas Ati-.idades foram terceirizadas, Ati-.idades foram terceirizadas
mas a mão-de-obra dos terceiros nem sempre era qualificada
Reestruturação organizacional e mudança nos Já nos primeiros meses da nova Alguns processos foram Processos foram redefinidos processos administração, uma série de centralizados, como a
reestruturações organizacionais informática eo planejamento foram realizadas. Ni\oeis hierárquicos estratégico foram suprimidos e vários processos e procedimentos foram re-.isados e redefinidos
In\oestimento em novas tecnologias e em Um sistema de correio eletrônico foi Automação de processos -.ia In\oestimento na compra de modemos equipamentos implantado e processos foram SAP sistemas de informática e de tecnologias
---- .. -automatizados A matriz da nova holding da que permitiram a automação dos
qual a BBB passou a fazer parte processos ficou em outro estado A estatal já in\oestia.
Cobrança de resultados A cobrança foi uma conseqüência de Cobrança como conseqüência Cobrança como conseqüência do foco em várias ações como metas e planos da redução de pessoas e do qualidade, rapidez e eficiência de remuneração variá\oel. Exigia-se foco na produti-.idade maior produti-.idade, menos ociosidade e mais eficiência
Sistema de meritocracia e administração por Um sistema de meritocracia foi Precisam ser melhor definidas. Não avaliado metas implantado. Metas foram A administração ainda está se
estabelecidas para todos os ni\oeis da organizando empresa. O desempenho de todos os setores era exposto para toda a empresa
Ação da liderança Liderança ativa, participante, Embora as pessoas percebam Liderança ambigua por conta da di\oersidade agressiva, dando exemplos do que têm dono, a liderança ainda e quantidade de grupos que fazem parte da comportamento desejado não está claramente nova administração
identificada.
>-'
Quadro 7.5 Ações gerenciais geradoras de mudanças(cont.) ~
168
a) Revisão do quadro de funcionários e seleção dos remanescentes
Uma das primeiras ações da nova administração da AAA foi rever o
quadro de funcionários da empresa no nível gerencial e definir aqueles que
seriam convidados a permanecer na organização. Depois de escolhidos, os
gerentes remanescentes teriam que reavaliar suas equipes e identificar dentre
seus funcionários aqueles que também seriam convidados a permanecer na
empresa.
O objetivo dessa ação foi identificar líderes na estatal e iniciar com eles
um processo de "conversão" para a nova cultura. Com isso, a AAA estaria
retendo na empresa um conhecimento importante, técnico e organizacional, e
ao mesmo tempo estaria criando replicadores da nova cultura para diferentes
níveis.
Com isso a AAA sinalizou uma postura pró-ativa e controladora: seria a
nova administração quem escolheria os seus funcionários dentre os melhores e
os que tivessem maior potencial de alinhamento com a nova administração.
Não seriam os funcionários que decidiriam se ficariam ou não.
Outro valor sinalizado pela AAA nessa ação foi o fim do paternalismo. A
partir daquele momento delegava-se e atribuía-se responsabilidade aos
gerentes. Eles seriam cobrados por agir e por responder por seus atos perante
a alta direção da empresa.
b) Preparação dos funcionários para condução do processo de
desligamento
Na AAA os gerentes remanescentes foram preparados para conduzir os
processos de desligamento que viriam, uma vez que eles não tinham essa
vivência na estatal. Na BBB, as chefias da estatal preocuparam-se em preparar
os funcionários para o eminente processo de privatização.
A preparação dos funcionários além de sinalizar que maior
responsabilidade seria exigida dos gerentes, sinalizou também a necessidade
de um maior comprometimento por parte dos funcionários. Eles teriam que
compactuar com os valores da empresa e servirem como representantes e
169
divulgadores destes para os demais funcionários, seja demitindo pessoas, seja
defendendo os valores da empresa junto os funcionários remanescentes.
c) Desligamento de funcionários
A demissão de funcionários e os planos de desligamento incentivado
foram importantes sinalizadores de que a estabilidade não era mais um valor
aceito na nova empresa.
Na CCC a demissão sumária de funcionários com problemas de
desempenho, também sinalizou que a má performance não seria tolerada. A
CCC também indicou que queria um time de funcionários mais jovem e
buscava diminuir a idade média de seus funcionários.
Antes de qualquer plano de desligamento incentivado, as empresas AAA
e a CCC fizeram uma demissão sumária. Com essa atitude, ambas as
empresas mostraram a prevalência de sua autoridade e importância dada aos
mais competentes. Na BBB, ao contrário, o primeiro desligamento ocorreu de
acordo com a vontade dos funcionários, ou seja, desligaram-se da empresa
aqueles que desejaram, independente da sua contribuição para a empresa.
O processo de desligamento de funcionários também funcionou, em
maior ou menor grau, como um fator de coerção para os funcionários
remanescentes da estatal, indicando que caso eles não aderissem aos novos
valores, não permaneceriam na empresa.
a) Reciclagem de profissionais e contratação de novos profissionais
Reciclando profissionais, a AAA, a BBB e a CCC estavam "convertendo"
antigos funcionários ao credo da nova organização. Esses funcionários
serviriam como importante replicadores de valores.
Além disso, as três empresas iniciaram processos de recrutamento,
buscando no mercado pessoas com experiência em outras organizações e
criando um programa interno de frainees.
O programa de frainees foi muito agressivo na AAA, ou seja, muitas
pessoas sem muita experiência profissional foram contratadas e começaram a
170
ser preparadas para assumir cargos de chefia. Na BBB e na CCC o programa
de trainees foi implementado mas de modo mais conservador.
As contratações na AAA, BBB e CCC provocaram nos funcionários
remanescentes o medo da demissão e a necessidade de aumentar seu "valor
de mercado". Assim houve uma crescente busca por programas de auto
desenvolvimento.
Todas essas ações traduziam dois valores importantes da nova cultura:
d.1) a importância do conhecimento e da atualização. Se antes, a estatal
era uma "ilha", onde havia pouco intercâmbio com outras organizações e com o
mercado, a partir de então, exigia-se que os funcionários estivessem muito
bem informados e conectados com o que estivesse acontecendo no mundo;
d.2) a importância da experiência trazida por funcionários de outras
organizações, o conhecimento de outros processos e de outras formas de
atuar.
b) Terceirização de atividades
A terceirização das atividades indicou que as empresas estavam
focalizando na sua atividade fim e que atividades não diretamente ligadas a ela
não mais seriam executadas na empresa.
A AAA, BBB e CCC reforçavam, assim, o fim da estabilidade, a
possibilidade de futuras e novas mudanças, e principalmente a necessidade de
se agregar valor. Atividades, pessoas ou departamentos que não agregassem
valor, que não contribuíssem para melhorar o desempenho ou os resultados da
empresa, seriam eliminados da organização.
c) Reestruturação organizacional e mudança nos processos
A redução do número de níveis hierárquicos dentro da organização
diminuiu o distanciamento entre os funcionários e a alta administração das
empresas. Isso indicava uma necessidade de agilidade do processo decisório
e do fim da burocracia. Indicava também que a comunicação deveria fluir
melhor na organização.
171
A eliminação de níveis em conjunto com as demissões sinalizavam,
ainda, que a multifuncionalidade tornava-se uma característica importante para
a organização. Esperava-se que com um número menor de funcionários e com
mais dedicação e objetividade, os funcionários tivessem capacidade de realizar
diversas atividades.
d) Investimento em novas tecnologias e em equipamentos
As empresas investiram em automatizar processos e em novas
tecnologias. Isso as tornava mais eficientes e mais produtivas, em alinhamento
comoos objetivos primordiais das organizações estudadas que eram: lucro, na
AAA; concorrência, na BBB e atendimento ao cliente, na CCC.
O uso de correio eletrônico significava a necessidade de melhorar a
comunicação, agilizando-a e expandindo as informações para diferentes níveis.
Significava também a busca por uma agilização dos processos e eliminação de
cargos e atividades que não agregavam valor, como secretárias e assessores,
usados para transmitir mensagens.
e) Sistema de meritocracia, estabelecimento de metas e cobrança de
resultados
A implantação de um sistema de meritocracia, da administração por
metas e de uma maior cobrança por resultados foi fundamental para criar e
divulgar uma mensagem única em toda empresa, alinhada com a estratégia e
com os objetivos de negócio de cada organização.
A orientação por metas direciona de modo claro e tangível o que é
esperado de cada funcionário, visando retirar uma parte da subjetividade dos
processos de avaliação e de delegação das tarefas.
O sistema de meritocracia reforça o conceito de que o que vale é a
produtividade, a eficiência e a responsabilidade de cumprir as metas
previamente acordadas. Influências políticas e tempo de casa não são mais
valores relevantes na empresa. Aqueles que produzirem mais serão melhor
recompensados.
172
A cobrança por resultados reforça o conceito da responsabilidade
atribuída aos funcionários. Estabelece também o fim da impunidade, uma vez
que quem não estiver cumprindo com o estabelecido ou comportar-se de modo
não condizente com o estabelecido pela empresa sofrerá algum tipo de
"castigo", seja através do desligamento da empresa ou através do não
recebimento de recompensas.
f) Ação e comportamento da liderança
O perfil da nova liderança acelerou e aprofundou a mudança de cultura
na AAA. Seus novos administradores vinham de uma empresa com forte
cultura. A penetração dessa cultura na AAA estatal foi mais rápida do que
naquelas cuja composição acionária ainda estava se formando, como nas
empresas BBB e CCC.
Além disso, na AAA o presidente tornou-se um mito, que freqüentava as
áreas operacionais, conversava com os funcionários e se interessava portodos
os aspectos da organização: administrativos, financeiros e técnicos.
Na três empresas, através da imagem e do comportamento dos alto
executivos, criou-se um espelho, um modelo de comportamento a ser seguido
por todos. Trabalhando fora do expediente, a alta administração sinalizava a
necessidade de um ritmo de trabalho mais forte, com menos desperdício de
tempo e com mais horas de dedicação à empresa, mesmo que fora do
expediente normal de trabalho.
Os valores antes e depois das ações gerenciais realizadas durante o
processo de privatização da AAA, BBB e CCC estão relacionados no quadro
7.6.
Valores antes da privatização Ações Gerenciais Valores depois da privatização Patemalismo- decisões escaladas para Re>isão do quadro de funcionários e seleção dos Maior responsabilidade exigida de cada níveis superiores remanescentes funcionário
Maior cobrança Re>isão do quadro de funcionários e seleção dos Comprometimento com os valores da
Falta de ~prometime!1t~ __ ,_,. ___ ,Irernanesc:ente~ , ____ , ___ .__ _ ________ Ie~p~e~~ ___ ,_ _ _ ______ _ Preparação dos funcionários para condução do processo de desligamento Re>isão do quadro de funcionários e seleção dos
~~.h~_c!~e~.~o não era !U,n~~~~~a~ ___ J~emane~_entes____ _ ___ __ _ __, _____ o .. _" .I",aloriz~ção:J9.co~~~r:!1ento __ ., ___ .'
Estabilidade
Status quo
Preparação dos funcionários para condução do processo de desligamento Reciclagem de profissionais Desligamento de funcionários
-, Contratação"de profissionais Fim da estabilidade
"Mudanças s~mpreClue necessárias Desligamento de funcionários Contratação de profissionais
------~._----~~~- -_·_-----~~-~-I- ~-- ~-~.~ - ~.- -----~ -. - ,---- ,._- -.-.-~._~~ ______ I ___ ~ __ ~ ________ - - - ---
Isolamento Especialização Garantir emprego Burocracia
Preocupação social Maior dedicação a ati>idades pessoais Influência politica e tempo de empresa
Reestrutura,çã~ orílanizacional Mudanças nos processos Contratação de profissionais;
Desligamento de funcionários Terceirização de ati>idades Reestruturação e mudança de processos Meritocracia, Metas e Cobrança; Investimento em tecnologia Ação e comportamento da liderança Meritocracia, Metas e Cobrança
Oxigenação e intercâmbio de experiências Multifuncionalidade Agregar valor Agilidade
Eficiência e produti>idade Maior dedicação à empresa Desempenho
Quadro 7,6 Valores mudados através de ações gerenciais
.... ;:;l
174
8 Conclusões
Embora, nas teorias revisadas, haja correntes que defendam que a cultura
organizacional não possa ser alterada, esse estudo seguiu a corrente funcionalista
que pressupõe que a cultura é uma variável e que uma organização pode mudar
sua cultura. Essa mudança não seria um processo simples e tampouco rápido de
ser implementado, mas poderia ser feita.
A opção da pesquisadora pela corrente funcionalista está alinhada com a
sua experiência profissional em empresas que já vivenciaram tais processos.
Assim, analisando as proposições iniciais desse trabalho, à luz da corrente
funcionalista, concluiu-se que:
1. Um evento extemo, no caso a privatização, pode provocar mudança cultural em
uma organização
O simples conhecimento de que um evento externo estava por vir funcionou
como uma centelha iniciadora do processo de mudança cultural. Nos três casos
analisados, o evento externo foi o processo de privatização de empresas estatais,
anunciado pelo governo.
Por tudo o que já foi publicado na literatura da administração e pela própria
convivência prática, o estereótipo das caracteristicas de uma empresa estatal e de
uma empresa privada fazem parte do imaginário coletivo das pessoas. Como já
visto, analisando as características típicas de empresas estatais e empresas
privadas como proposto por Machado (1991) e relacionadas novamente no quadro
8.1, percebeu-se que algumas das características trazidas pelas novas
administrações das empresas privadas foram antecipadas pelos funcionários da
estatal.
Desse modo, quando se anunciou que o processo estava por vir, é possível
que muitos dos funcionários das empresas que seriam privatizadas tenham dado
175
início a um processo inconsciente de intemalização de novos conceitos e novos
valores.
Empresa Estatal Empresa Privada Satisfação das necessidades da Satisfação do público alvo sociedade Não objetivam o lucro Obietivam o lucro Forte interferência do Estado Administração por profissionais, Cúpula dirigente transitória e Cúpula dirigente não é interrompida a coincidente com o Poder Executivo cada mandato do executivo principal Dificuldade em se ter planejamento de Maior compromisso com planejamento longo prazo Estabilidade empreg_atícia Não há estabilidade empregatícia Acomodação e desestímulo dos Funcionários precisam mostrar funcionários habilidades e potenciais Rotinas e procedimentos por vezes Ascenção dos funcionários decorrente ultrapassados de esforço Burocracia Competição e Desenvolvimento pessoal
são fundamentais Continuidade desejada Processos de mudança
Quadro 8.1 características de empresas estatais e privadas
Fonte: Adaptado de Machado (1991) e Amorim e Freitas (1994)
De fato, percebeu-se que antes de qualquer ação efetiva, de qualquer
alteração no contrato de trabalho, boa parte dos empregados posicionou-se como
se já soubesse o que seria esperado deles, de que modo deveriam agir e quais
seriam as atitudes valorizadas. Em muitos depoimentos, os funcionários diziam
saber antecipadamente que o desligamento de funcionários seria a primeira ação
a ser tomada pelas empresas. O fim da estabilidade na empresa privada, também
era um aspecto claro para os funcionários. Além disso, a necessidade de um
maior comprometimento e de maior cobrança pareciam também ser
características antecipadas pelos funcionários remanescentes.
Outro fato curioso observado foi o posicionamento distanciado de parte dos
entrevistados, como se eles próprios não tivessem sido empregados da estatal e
176
também responsáveis por tudo o que criticaram da antiga forma de administração.
Era como se apenas "os outros" agissem como funcionários públicos. Uma
explicação possível para isso encontra-se na literatura sobre dissonância
cognitiva. A teoria da dissonância cognitiva proposta por Festinger (1957)
pressupõe que:
1. A existência de dissonância, sendo psicologicamente desconfortável,
motivaria a pessoa a reduzir a dissonância e alcançar consonância;
2. Quando a dissonância estivesse presente, além de tentar reduzi-Ia, a
pessoa iria evitar ativamente situações e informações que poderiam aumentar a
dissonância. (Chisnall, 1975).
Na reação e nos comentários dos funcionários remanescentes na estatal
deve-se considerar o efeito psicológico ocasionado pela privatização. O medo das
mudanças que estavam por vir, da falta de qualificação profissional e, talvez, a
percepção de uma maior valorização dos funcionários recém contratados pode ter
causado um desconforto psicológico e ter feito com que os remanescentes
buscassem uma identificação com os novos padrões e, até mesmo, uma
exaltaçâo da nova situação. Desse modo, buscariam compactuar com os novos
valores, mesmo que ainda não estivessem realmente expostos a eles.
2. Ações gerenciais podem provocar mudança cultural em uma organização
As ações gerenciais parecem ter sido importantes ferramentas no processo
de mudança cultural das empresas AAA, BBB e CCC, redefinindo o
comportamento dos funcionários e reforçando os novos valores preconizados pela
nova administração.
Através de ações que envolviam desde uma maior capacitação de
profissionais e implantação de sistemas de informática a simples postura da nova
liderança buscou-se redirecionar os valores culturais das empresas. No quadro 8.2
estão relacionadas algumas das mudanças ocorridas nas três empresas
analisadas, com pequenas variações de intensidade entre elas. No quadro 8.3
177
estão algumas das ações identificadas nesse estudo que facilitaram a ocorrência
dessas mudanças.
Estatal i Privada
Patemalismo . .__ ..._ ... I Resf>On!;abilidad~ .. Falta de comprometimento ,Comprometimento . - ._. __o _ ... ___ __ _._ ... + .. - ._ ._. __ _ .. _. . ~on.h. ecimento defaS~.d~. ____ -hc:o_~~~cimento atualizado __ Estabilidade -------fim da Estabilidade Status qüo- ---- -- ,Mudanças contínuas ------.--- -... - -- ·i .. -- ___ o - • --- --..-
Isolamento :Osigenação - -- -- -- ~ .. - -
~_s'pe~iaHz~ç!i~ ______ -i~ulti~nc~o.n~li~~~e _____ _ (3arantir ~mpreg?____fAgrElgar valor Burocracia ,Agilidade - ---........ -f .. .. - -. ---- --. . Preocupação Social 'Eficiência e produtividade Dedica-ç"ão·a--atividades pessei"ãis-r Dedícaçãoif é-ri-ipresa-~Ii,fluência poiítica ... .... - . ;Oesempenho .. .... ......-
Quadro 8.2 Valores antes e depois da privatização
Valores antes da privatização Ações Gerenciais Valores depois da privatização Paternalismo- decisões escaladas para 1. Revisão do quadro de funcionários e seleção dos Maior responsabilidade exigida de cada niveis superiores remanescentes funcionário
2. Preparação dosfuncionários para conduzir demissões 3. Maior cobrança
1. Revisão do quadro de funcionários e seleção dos Falta de comprometimento remanescentes Comprometimento com os valores da empresa
2. Preparação dos funcionários para condução do processo de desligamento 3. Cobrança de resultados
I 4. Ação da liderança
Conhecimento não era fundamental 1. Reciclagem de profissionais Valorização do conhecimento I
2. Contratação de novos profissionais 3. Reciclagem de profissionais 4. Investimento em novas tecnologias 4. Terceirização de atividades 5. Sistema de meritocracia
Estabilidade 1. Desligamento de funcionários Fim da estabilidade 2. Contratação de profissionais
Status quo 1. Desligamento de funcionários Mudanças sempre que necessárias 2. Contratação de profissionais 3. Reestruturação organizacional 4. Mudanças nos processos
Isolamento 1. Contratação de profissionais Oxigenação e intercãmbio de experiências 2. Reciclagem de profissionais 3. Sistema de meritocracia
Especialização 1.Desligamento de funcionários Multifuncionalidade 2. Reciclagem de profissionais 3. Investimento em novas tecnologias
l:iarannr emprego 1.Terceirização de atividades Agregar valOr tiU rocracla 1. Reestruturação e mudança de processos Agilidade
Preocupação social 1.Sistema de meritocracia Eficiência e produtividade 2. Administração por metas 3. Maior cobrança 4. Investimento em novas tecnologias
lVialor(jedlcaçao a atiVidades pessoais 10çao e comportamemoaa lIaerança Maior aedlcaçao a empresa
Influência politica e tempo de empresa 1. Sistema de meritocracia Desempenho 2. Administração por metas
>-'
dl 3. Maior Cobrança 4. Ação da liderança
- - -- - --- - - - - -
Quadro 8.3 Ações gerenciais e os valores antes e depois
179
9 Recomendações para Pesquisas Futuras
Este estudo investigou o processo de mudança cultural em três empresas
de grande porte, relevantes nos cenários regional e nacional, que passaram por
processos de privatização.
Dentro dessa linha de estudo, algumas sugestões para novas pesquisas
seriam:
1. Investigar se em empresas que não passaram por um evento externo, como a
privatização, as ações gerenciais teriam o mesmo efeito no processo de mudança
cultural;
2. Revisitar as empresas estudadas e avaliar o grau de permanência e aderência
às mudanças culturais;
3. Analisar se o setor da economia no qual atuam as empresas analisadas,
impactam, de algum modo, o processo de mudança cultural;
4. Analisar, isoladamente, o efeito das diferentes lideranças no processo de
mudança cultural das empresas analisadas;
5. Uma vez que as estatais tinham uma preocupação social, avaliar o impacto na
sociedade, do processo de mudança cultural nas empresas privatizadas;
6. Estudar a importância dos aspectos simbólicos das organizações para seus
funcionários;
7. Analisar o processo de privatização sob a ótica dos funcionários que foram
desligados da empresa.
180
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