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Monitoramento da ictiofauna na área de
influencia da UHE Irapé entre 2008/09
Francisco de Andrade – Biólogo de campo do Programa Peixe Vivo
CRBio 44968/04
Sumário
Apresentação ................................................................................................................................. 2
Introdução ..................................................................................................................................... 3
Objetivos ....................................................................................................................................... 4
Metodologia .................................................................................................................................. 4
Nota sobre as diferenças metodológicas do trabalho realizado entre 2003-06 e o de 2008-09
................................................................................................................................................... 4
Nota sobre o processamento do material coletado ................................................................. 5
Pontos de amostragem ............................................................................................................. 5
Cronograma das amostragens .................................................................................................. 9
Métodos de coleta .................................................................................................................. 10
Cálculo da produtividade numérica ........................................................................................ 10
Medidas de diversidade, equitabilidade e similaridade ......................................................... 10
Aspectos taxonômicos ............................................................................................................ 11
Caracterização preliminar da pesca no reservatório .............................................................. 11
Resultados e discussão ................................................................................................................ 11
Composição da ictiofauna ....................................................................................................... 11
CPUE para tarrafa em P4 ......................................................................................................... 13
CPUE para redes de espera ..................................................................................................... 15
Medidas de diversidade, equitabilidade e similaridade ......................................................... 18
Abundância de peixes no canal de fuga .................................................................................. 15
Relação entre a captura de peixes e o volume útil do reservatório ....................................... 19
Caracterização preliminar da pesca no reservatório .............................................................. 20
Espécies exóticas ..................................................................................................................... 22
Bibliografia ................................................................................................................................. 22
Apresentação
A partir de 2008 o Programa Peixe Vivo (PPV) assumiu o monitoramento da ictiofauna da área
de influência da Usina Hidrelétrica de Irapé (UHIR) após o fim dos quatro anos do trabalho
(2003 – 06) realizados pelo Centro de Transposição de Peixes da Universidade Federal de
Minas Gerais (CTPEIXES – UFMG). O primeiro estudo esteve focado nos impactos do
barramento sobre a estrutura da assembléia de peixes, durante o enchimento. O presente
trabalho também continuou investigando o processo de reestruturação da ictiofauna no
reservatório. Além disso, a operação da usina e as suas relações com a ictiofauna a jusante
também foram abordadas. O surgimento de uma pequena atividade pesqueira comercial e
esportiva também foi identificado e caracterizado.
A coleta de material ictiológico foi autorizada pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF) através
da licença para pesca científica, categoria D e número 040/08.
Introdução
A UHIR está localizada na região do alto-médio rio Jequitinhonha, entre os municípios
de Berilo e Grão Mogol. Seu reservatório se estende por até 137 km2 e atinge as cidades de José
Gonçalves de Minas, Cristália, Leme do Prado, Botumirim e Turmalina, todas no estado de
Minas Gerais. Próximo à barragem, o reservatório apresenta profundidades superiores a 200
metros. A potência instalada é de 360 MWh, produzidos por três unidades geradoras do tipo
Francis.
O reservatório é considerado jovem, uma vez que a UHIR iniciou sua operação em
2006. Por isso, a assembléia de peixes ainda se encontra em fase de colonização (Agostinho et.
al 2007). Em reservatórios brasileiros essa fase é caracterizada por elevada produção biológica
resultante da liberação de nutrientes durante a decomposição da matéria orgânica que foi
submersa pelo enchimento do reservatório (Agostinho et. al 2007).
O monitoramento da ictiofauna não é uma condicionante ambiental para a operação da
usina. Entretanto, de acordo com o Plano de Controle Ambiental (Delphi, 2001), é necessário
monitoramento da ictiofauna na fase pós-enchimento, para acompanhamento das tendências na
dinâmica das populações (principalmente alterações dos estoques pesqueiros), servindo de base
para a indicação de intervenções que se fizerem necessárias ao manejo das populações que
forem afetadas pela formação do reservatório.
Os efeitos do barramento são, de certa forma, previsíveis para a assembléia de peixes do
reservatório, uma vez que o monitoramento de vários reservatórios brasileiros mostra padrões
nos processos de colonização ao longo do tempo (Agostinho et. al 1999). Entretanto, muito
pouco se conhece sobre a biologia das espécies de peixes da bacia. Informações básicas como
período reprodutivo, tamanho de primeira maturação, tipo de desova, são muito importantes e
certamente irão direcionar as alternativas de manejo da pesca no reservatório (Bone & Moore,
2008). No presente trabalho buscou-se adequar as demandas do PCA à realidade da bacia,
explorando-se ao mesmo tempo as dinâmicas do reservatório e algumas características da
biologia das espécies de interesse, como reprodução e dieta.
Objetivos
O monitoramento da ictiofauna na região da UHE Irapé teve como objetivo geral avaliar a
estrutura da comunidade de peixes nos trechos lóticos e lênticos do rio Jequitinhonha e em
alguns afluentes direta ou indiretamente afetados pelo barramento. Especificamente, este projeto
buscou:
Determinar a composição da ictiofauna com relação à abundância relativa e similaridade
entre os pontos de coleta;
Estimar as produtividades em número e biomassa das espécies por ponto e período
amostrados, bem como os petrechos utilizados, através da captura por unidade de esforço
(CPUE);
Avaliar ao longo do tempo, as espécies mais abundantes nas proximidades do canal de
fuga da usina e suas relações com a operação da usina.
Metodologia
Nota sobre as diferenças metodológicas do trabalho realizado entre 2003-06 e o de 2008-09
Os dois trabalhos de monitoramento seguiram a mesma base metodológica baseada em coletas
periódicas em locais previamente determinados na área de influência da UHIR. Entretanto,
algumas alterações foram propostas no presente trabalho, e que podem gerar resultados e
interpretações diferentes. As principais serão listadas abaixo e outras serão discutidas
individualmente no texto.
a) Exclusão do ponto P6 do monitoramento anterior devido à poluição da água do rio
Salinas próximo ao ponto de coleta (em Rubelita) (IGAM, 2007).
b) Inclusão de pontos a montante do reservatório, nos rios Jequitinhonha e Itacambiruçú.
c) Inclusão da tarrafa de malha 5,5 (entre nós opostos) como apetrecho de coleta em P1,
P4, P5 e P7 e sua quantificação em P4.
d) Realização de cinco amostragens no período de um ano ao invés das quatro feitas no
trabalho anterior.
Nota sobre o processamento do material coletado
Em setembro de 2008, a partir de uma parceria informal, o PPV passou a fornecer material
ictiológico do Jequitinhonha à PUC Minas para estudos de dieta e reprodução. Como a literatura
é muito escassa sobre os peixes da bacia, inicialmente todas as espécies poderiam ser utilizadas
nesses estudos. Após a avaliação das quantidades e constâncias dos peixes entre os pontos e
períodos de coleta, ficou decidido que seriam priorizados o roncador (Wertheimeria maculata),
a Maria-mole (Trachelyopterus striatulus), a curimba (Prochilodus hartii), o timburé
(Hypomasticus garmani) e a piapara (Leporinus crassilabris).
Os peixes foram diretamente enviados à PUC Minas, sem qualquer processamento em campo.
Os dados biométricos estão sendo obtidos inicialmente para as espécies priorizadas e as demais
serão processadas assim que terminarem as primeiras ou quando houver número de indivíduos
suficiente para seu aproveitamento. Desta forma, só serão mostrados aqui dados referentes ao
número de indivíduos e não haverá referência ao estádio de maturação gonadal, classe de
tamanho ou biomassa.
Estão envolvidos no trabalho os professores Nilo Bazzoli e Gilmar Bastos Santos, bem como
seus alunos de graduação. Para o ano de 2009 estão previstas as finalizações de monografias e a
divulgação dos trabalhos no XXVIII Congresso de Zoologia. Os resultados desses trabalhos
serão enviados e apresentados à CEMIG quando forem concluídos.
Pontos de amostragem
Ao todo foram amostrados sete pontos distantes até 160 km a montante e 60 km a jusante da
barragem. Com relação ao tipo de ambiente amostrado, dois pontos estão situados em trechos
lênticos e os demais em trechos lóticos. Três rios foram amostrados, sendo o Jequitinhonha em
quatro pontos, o Itacambiruçú em dois e o Vacaria em um. No que se refere à orientação em
relação à barragem, quatro pontos estão localizados a montante e três a jusante. A distribuição
dos pontos está evidenciada na Figura 1. A Tabela 1 e as Figuras 2, 3, 4, 5 e 6 trazem a
caracterização de cada ponto.
Tabela 1: Características dos pontos de coleta.
Ponto Rio Orientação em
relação a barragem
Tipo de
ambiente
Largura
(m)
Sob regime hidrológico
natural
Influencia da
operaçao de Irapé
Profundidade
máxima (m)
Tipo de Substrato
1 Jequitinhonha Montante lótico 30 Sim Nenhuma 3 cascalho, areia e algumas corredeiras
2 Jequitinhonha Reservatório lêntico 300 Não Indireta > 100 nao determinado
3 Itacambiruçú Reservatório lêntico 200 Não Indireta > 100 nao determinado
4 Jequitinhonha Jusante lótico 30 Não Muito alta 15 rochoso com corredeiras
5 Jequitinhonha Jusante lótico 50 Não Alta 10 arenoso com trechos rochosos e corredeiras
6 Vacaria Jusante lótico 15 Sim Nenhuma 2 rochoso com corredeiras
7 Itacambiruçú Montante lótico 30 Sim nenhuma 1,5 rochoso com corredeiras
Figura 2: Ponto 1, rio Jequitinhonha em agosto de 2008.
Figura 3: Reservatório visto do acesso ao povoado de Malhado, próximo ao ponto 2, em agosto
de 2008.
Figura 4: Rio Vacaria no ponto 6, visto do alto do acesso á cidade de Padre Carvalho em agosto
de 2008.
Figura 5: Ponto 7, rio Itacambiruçú em agosto de 2008.
Figura 6: Ponto 4 no rio Jequitinhonha em diferentes vazões. De A – E, canal de fuga. De F – H,
vertedouro.
Cronograma das amostragens
O trabalho foi realizado entre junho/2008 e maio/2009, cobrindo períodos de enchimento e
deplecionamento do reservatório e de vazões defluentes altas e baixas (Figura 7). Para atender
ao monitoramento do canal de fuga foram feitas coletas mensais no P4, com exceção de
setembro. O monitoramento da área de influência foi realizado em agosto e outubro/2008;
janeiro, março e maio/2009 (Figura 7). Em janeiro/2009 não foi possível utilizar redes de espera
no P7, pois o rio se encontrava muito cheio e com correntezas fortes que colocaram em risco a
segurança dos coletores. A amostragem do P1 que deveria ter sido feita em março/2009
aconteceu em abril/2009 devido à necessidade da presença da equipe em outras atividades da
UHIR.
Figura 7: Médias das vazões afluentes e defluentes durante o período de trabalho. Os meses em
que houve coletas foram indicados com (exceto P4 que teve coletas mensais).
Métodos de coleta
Para se coletar peixes no maior número de ambientes possível foram utilizadas redes de espera,
tarrafas e redes de arrasto conforme as possibilidades de cada ponto. As redes utilizadas tinham
10 metros de comprimento, altura variando de 1,5 a 3,2 metros e malhas com 3, 4, 5, 6, 7, 8, 10,
12, 14 e 16 cm entre nós opostos. Utilizou-se tarrafas de malha 5,5 e tarrafinhas com 2,4 cm
entre nós opostos. Os arrastos foram feitos no reservatório com redes de malha 2,4 cm entre nós
opostos.
Cálculo da produtividade numérica
A captura por unidade de esforço em número de indivíduos (CPUE) foi obtida para redes de
emalhar em todos os pontos e para tarrafa no P4. A CPUE para redes foi calculada dividindo-se
o número de peixes capturados em uma determinada malha, pela área coberta por todas as redes
dessa mesma malha. Em seguida o valor foi padronizado para 100 m2 de rede. A CPUE foi
calculada para cada malha e ponto de coleta. A CPUE para tarrafa calculada dividindo-se o
número de peixes capturados pelo número de lanços de tarrafa em cada amostragem no P4.
Medidas de diversidade, equitabilidade e similaridade
A matriz de dados utilizada nessas análises baseou-se na CPUE para redes em cada ponto. Os
índices de diversidade (H’) e equitabilidade (E) de Shannon foram obtidos através do programa
BioDap. Para se ter uma idéia do nível de similaridade entre os locais de amostragem, foi feita
uma análise de agrupamento pelo método de ligações completas e o coeficiente de similaridade
utilizado foi a Distância Euclidiana. Essa análise foi executada pelo software Statistica 7.0.
Aspectos taxonômicos
Existem poucos trabalhos sobre a taxonomia dos peixes do Jequitinhonha. O gênero
Hypostomus, por exemplo, não tem nenhuma espécie descrita para a bacia. Existem apenas
referências à presença de quatro morfo espécies nas partes alta e média (Godinho et al. 1999) e
duas na parte baixa da bacia (Bizerril & Lima 2005). Mesmo assim, Hypostomus será
considerado como um único grupo. Os indivíduos que não foram identificados serão enviados a
taxonomistas de acordo com a especialidade. Até o momento, amostras de tecido e indivíduos
fixados de W. maculata foram enviados ao museu de ciência e tecnologia da PUCRS que estuda
as relações filogenéticas de DORADIDAE.
Auxiliaram na identificação dos peixes coletados os trabalhos de Garavello (1979), Oyakawa
(1993), Godinho et. al (1999), Castro & Vari (2004), Bizerril & Lima (2005), Reis et. al (2006),
Sidlauskas & Vari (2008), Oyakawa & Mattox (2009).
Caracterização preliminar da pesca no reservatório
Estava prevista a aplicação de questionários aos pescadores do reservatório. Entretanto, nos
primeiros contatos, percebeu-se que os pescadores não passaram informações corretas sobre a
pesca. Isto porque a equipe de monitoramento da ictiofauna é vista como informante da polícia
ou fiscalizadora. Sendo assim, as informações foram obtidas em conversas informais e
observações durante o trabalho de monitoramento no reservatório. Os resultados mostrados aqui
foram obtidos no local de acesso à balsa de Malhada.
Resultados e discussão
Composição da ictiofauna
Ao todo foram capturados 1512 indivíduos pertencentes a mais de 24 espécies (Tabela 2). Essa
riqueza representa pelo menos 68% do total observado para a bacia do Jequitinhonha no estado
de Minas Gerais (Drummond et al. 2005). A maior parte desses indivíduos pertence a espécies
comuns à calha principal do Jequitinhonha, como o roncador e a curimba (Vide discussão
abaixo). Quatro espécies são exóticas à bacia.
Em temos numéricos brutos, P4 foi onde se coletou 47% dos peixes. Os pontos do reservatório,
P2 e P3, contribuíram com 16 e 12% das capturas respectivamente. Os pontos do Jequitinhonha
mais distantes a montante (P1) e jusante (P5) registraram as menores capturas com 3 e 6%
respectivamente. Os tributários Itacambiruçú (P7) e Vacaria (P6) contribuíram com 10 e 6%
respectivamente. Esse tipo de informação é relevante para os estudos de dieta e reprodução que
vêm sendo executados em parceria pela PUC Minas. Nesse caso, o número de indivíduos
disponíveis para dissecação e a sua constância entre as coletas e os pontos é o fator mais
importante.
Tabela 2: Lista das espécies capturadas no monitoramento da UHIR. indica espécie exótica
introduzida na bacia
Ordem Espécie Nome comum
Characiformes Astyanax bimaculatus lambari do rabo amarelo
Astyanax fasciatus lambari do rabo vermelho
Brycon sp NOVA Piabanha
Hoplias lacerdae Trairão
Hoplias malabaricus Traíra
Hypomasticus garmani Timburé
Leporinus crassilabris Piapara
Leporinus sp NOVA Piau
Leporinus steindachneri piau três pintas
Moenkhausia costae Piaba
Oligosarcus macrolepis peixe cachorro
Prochilodus hartii Curimba
Serrasalmus sp. Pirambeba
Steindachnerina elegans Sardinha
Siluriformes Harttia garavelloi Cascudo
Clarias gareipinus bagre africano
Delturus brevis Cascudo
Hypostomus spp cascudo
Rhamdia jequitinhonha bagre
Steindachneridion amblyurum surubim do Jequitinhonha
Trachelyopterus striatulus Maria mole
Wertheimeria maculata Roncador
Gymnotiformes Gymnotus carapo Sarapó
Perciformes Geophagus brasiliensis cará
Tilapia sp Tilápia
CPUE para tarrafa em P4
A tarrafa foi utilizada em P1, P4, P5 e P7. No total foram capturados 202 indivíduos
pertencentes a 13 espécies. Desses, P4 foi local de captura para 187. Ao todo foram 10
amostragens com esse petrecho.
As espécies mais abundantes em número foram a piapara (L. crassilabris , 49%), curimba (P.
hartii, 28%) e o timburé ( H. garmani, 13%). Esse resultado é bastante interessante para a
piscicultura, uma vez que a tarrafa é bastante efetiva para capturar matrizes de L. crassilabris.
Além disso, a tarrafa é um método de captura ativa, o que reduz o tempo de exposição do peixe
ao estresse e aumenta as chances de sobrevivência.
Foram feitas correlações simples para verificar se a abundância de peixes em P4 pode ser
atribuída às vazões turbinada, vertida e total. Percebe-se que as três vazões contribuem
positivamente com o aumento na CPUE (Figura 8). Entretanto, a vazão vertida é mais bem
correlacionada que as demais. A maior parte das capturas por tarrafa é de peixes de escamas,
mais especificamente CHARACIFORMES. É possível que o vertedouro exerça maior
influencia sobre essas espécies do que SILURIFORMES. A natureza dessa atração deve ser
investigada, pois pode ser de caráter reprodutivo e assim o vertedouro teria um papel importante
no estímulo para a migração reprodutiva dessas espécies.
20 40 60 80 100 120 140 160 180 200 220
Vazão turbinada (m3/s)
0
2
4
6
8
10
12
CP
UE
( ind
iv / ta
rrafa
da
)
-10 0 10 20 30 40 50 60
Vazão vertida (m3/s)
0
2
4
6
8
10
12
CP
UE
( ind
iv / ta
rrafa
da
)
20 40 60 80 100 120 140 160 180 200 220 240 260 280
Vazão total (m3/s)
0
2
4
6
8
10
12
CP
UE
( ind
iv / ta
rrafa
da
)
Figura 8: Relação entre as vazões vertida,turbinada (superior) e total (inferior) e a CPUE
numérica para tarrafa no ponto 4.
CPUE para redes de espera
Redes de espera foram utilizadas em todos os pontos de amostragem. No total foram capturados
1310 peixes de 23 espécies. Nas duas primeiras amostragens nenhum peixe foi capturado com
rede no P1 e mesmo quando houve captura, os valores foram baixos comparados com outros
pontos. P4 e P7 mantiveram as maiores capturas com redes durante todo o trabalho. Uma
característica comum aos dois pontos é a presença de uma barreira física que impede a
passagem de peixes para montante. Em P7 esse obstáculo é uma queda d`água que funciona
como barreira pelo menos durante o período seco. Em P4 o obstáculo é a UHIR. É possível que
esses locais promovam a aglomeração de peixes por serem o ponto limite para sua passagem.
As mesmas correlações verificadas para tarrafas em P4 e aplicam às redes de espera. Porém,
nesse caso a espécie mais capturada é o roncador e a vazão total parece ser a mais relacionada
com a CPUE. É possível que a operação da UHIR produza diferentes reações nas espécies
presentes no canal de fuga. Nesse caso, a vazão total seria mais atrativa para o roncador que é
uma espécie característica de locais mais profundos.
Abundância de peixes no canal de fuga
O monitoramento com menor intervalo entre coletas no canal de fuga foi proposto para se
compreender os fatores que levam os peixes a se concentrarem nessa região. O período de um
ano oferece condições variadas sobre a operação da usina. Percebe-se que mesmo analisadas
separadamente as vazões turbinada e vertida exercem influencia sobre a abundância de peixes.
Essa relação fica mais confiável quando se agrupam essas duas vazões na total.
Como as flutuações no nível da água são mais intensas em P4 (Figura 6), períodos de maior
vazão devem proporcionar aos peixes mais habitas e alimento disponível nas áreas que são
alagadas. Por outro lado existe o risco aprisionamento em locas formadas quando a vazão
diminui, aumentando assim o risco de morte de peixes.
Figura 9: CPUE para redes de espera
Figura 10: CPUE para redes e tarrafa em P4, durante o período de estudo.
20 40 60 80 100 120 140 160 180 200 220
Vazão turbinada (m3/s)
2
4
6
8
10
12
14
16
18
20
22
24
26
CP
UE
(ind
iv/1
00
m2
red
e)
-10 0 10 20 30 40 50 60
Vazão vertida (m3/s)
2
4
6
8
10
12
14
16
18
20
22
24
26
CP
UE
(ind
iv/1
00
m2
red
e)
20 40 60 80 100 120 140 160 180 200 220 240 260 280
Vazão total (m3/s)
2
4
6
8
10
12
14
16
18
20
22
24
26
CP
UE
(ind
iv/1
00
m2
red
e)
Figura 11: Relação entre as vazões vertida,turbinada (superior) e total (inferior) e a CPUE
numérica no ponto 4.
Medidas de diversidade, equitabilidade e similaridade
Os valores de H’ e E estão sintetizados na Tabela 3. A diferença entre o maior e o menor valor é
de 0,51. Segundo Magurran (2004) os valores de H’ geralmente estão entre 1,5 - 3,5 e essa
pequena amplitude de variação dificulta a interpretação das diferenças entre os valores. O que se
pode verificar é que em geral H’ diferiu em relação aos anteriores (Godinho 2008). Em todos os
pontos que foram mantidos, os valores de H’ foram maiores na fase de operação que na de
enchimento (Figura 12).
Tabela 3: Índices de diversidade (H’) e equitabilidade (E) para cada um dos pontos de coleta,
durante o período de estudo.
P1 P2 P3 P4 P5 P6 P7
H' 1,71 1,57 1,77 1,74 1,96 2,08 1,85
E 0,74 0,71 0,71 0,7 0,72 0,84 0,74
Figura 12: Valores do índice de Shannon (H’) para quatro pontos de amostragem durante a fase
de enchimento (Godinho, 2008) e operação (presente trabalho)
A similaridade ictiofaunística baseada na composição de cada ponto em todas as coletas mostra
a formação de três subgrupos (Figura 13). O primeiro subgrupo abrange P1, P6, P5 e P7, que
compreendem a maior parte dos trechos lóticos amostrados. Os pontos do reservatório (P2 e P3)
formam os segundo subgrupo. P4 está isolado dos demais, provavelmente devido ao maior
número de amostragens ali realizadas.
A proximidade de P2 e P3 no dendrograma poderia indicar certa tendência a estabilização do
reservatório. Agostinho et. al (1999) estimaram em 15 anos a estabilização do reservatório de
Itaipu a partir aumento na similaridade entre os pontos de amostragem ao longo do tempo.
Porém, apesar de localizados em rios diferentes, P2 e P3 estão na zona lacustre do reservatório.
Isso também pode explicar a similaridade, porque os pontos estão em ambientes semelhantes.
As regiões litorâneas dos dois pontos possuem valores semelhantes para algumas variáveis
limnológicas (zona fótica e temperatura) e biológicas (riqueza e densidade de fito e
zooplâncton) (Petrel 2008).
Figura 13: Dendrograma de similaridade para os pontos amostrados.
Relação entre a captura de peixes e o volume útil do reservatório
Durante o período de estudo o volume útil do reservatório variou de 45,78% em novembro de
2008 a 94,56% em abril de 2009. Esses valores correspondem a uma amplitude de 15,8 metros
entre a cota máxima e a mínima alcançadas pelo nível da água. De forma semelhante, a captura
em P2 e P3 apresentou tendência ao incremento, com o aumento do volume do reservatório.
Nos dois pontos (P2 e P3) essa resposta foi semelhante às variações no volume do reservatório.
Apesar do número de amostragens ter sido menor em relação a P4, nota-se a tendência de
crescimento na CPUE a medida que o reservatório enche (Figura 14). Para se ter maior
confiança nessa relação serão necessárias novas amostragens nos dois pontos.
0 20 40 60 80 100
Volume útil (%)
0
2
4
6
8
10
12
14
16
CP
UE
(Ind
iv/1
00
m2
red
e)
P2
P3
Figura 14: Relação entre o volume útil do reservatório e a CPUE de P2 e P3.
Caracterização preliminar da pesca no reservatório
Antes da construção da UHIR a pesca nessa região do Jequitinhonha tinha caráter local e de
subsistência. Segundo Vono & Birindelli (2007), um dos principais e mais eficientes apetrechos
utilizados era o jequi, feito de bambus e lianas e cevado com jenipapo, milho ou minhocas.
Após a formação do reservatório a pesca comercial e esportiva começou a se desenvolver em
pelo menos dois pontos: Malhada e Posses. O acesso às balsas nesses dois locais facilita o
transito de pescadores moradores de outros povoados como Igicatu e Lelivéldia. Além disso, o
reservatório encobriu boa parte do vale que dificultava o acesso por veículos.
Para auxiliar no resgate de fauna durante o enchimento do reservatório, foram contratados
barqueiros da região de Três Marias que permaneceram instalados em Lelivéldia por períodos
superiores a um ano. Pelo menos um desses barqueiros se fixou em Lelivéldia e formou família.
O aumento na captura de peixes durante o período de enchimento atraiu esse barqueiro, que
agora é um dos principais pescadores do reservatório da UHIR. Ele atua ainda na disseminação
do conhecimento sobre as técnicas de pesca àqueles menos experientes que também passaram a
explorar o reservatório. Esses últimos trabalhavam com a agricultura antes do barramento e vem
se adaptando à nova oportunidade de renda.
A pescaria em Irapé é essencialmente embarcada. São utilizados barcos de duralumínio com até
seis metros ou canoas de madeira. O uso de motor de popa também é regra. Os mais presentes
são os de 15 hp e os de rabeta. Há pescadores que se arriscam a utilizar o gás de cozinha como
combustível, mas a maioria usa gasolina misturada com óleo dois tempos.
Os tipos de pesca identificados são a pesca com redes de espera e anzol. As redes permanecem
armadas durante a noite e a pesca de anzol é realizada durante todo o dia. Alguns pescadores
informaram que os tamanhos de rede variam de 11 a13 cm entre nós opostos. O esforço de
pesca para alguns pescadores é de 1,5 km linear. Na pesca de anzol são utilizadas
principalmente lambaris e carás como iscas, obtidas no próprio reservatório, próximo as
margens. A pesca só ocorre na região litorânea e, segundo relatos, até 10 metros de
profundidade. Os pescadores exploram locais onde a vegetação está ou foi encoberta, como
paliteiros, que oferecem refúgios aos peixes.
As principais espécies em ordem de importância são as traíras (H. malabaricus e H.
brasiliensis), curimba (P. hartii), roncador (W. maculata) e paibalha (Brycon sp). Segundo os
pescadores, o quilo da traíra é vendido por sete reais. Sobre essa espécie, um dos maiores
temores de alguns pescadores é a sua diminuição no reservatório. Uma de suas solicitações é a
realização de peixamentos com traíras.
A rotina dos pescadores é baseada em viagens durante a semana que podem durar até cinco dias.
São improvisados acampamentos nas margens, na zona de deplecionamento do reservatório ou
nos barcos. Os peixes são mantidos em caixas de isopor com gelo e depois transferidos para
freezers, caso o pescador os tenha. Alguns transportam os peixes de carro para venda em outras
cidades.
Algumas atitudes dos pescadores demonstram a queda no rendimento da pesca. Pode-se citar a
diminuição na malhagem e o deslocamento até as partes finais do reservatório. Inicialmente os
pescadores faziam uso de redes com pelo menos 11 cm entre nós opostos. Em março de 2009
foi possível presenciar um pescador confeccionando uma rede de malha 9. Segundo ele, a
justificativa é a redução dos peixes de maior porte e a possibilidade de capturar o roncador (W.
maculata) que é bastante apreciado na bacia pela sua carne forte e como uma fonte de proteína
animal (Vono & Birindelli 2007). Alguns pescadores estão se dirigindo ao terço final do
reservatório, no braço do rio Itacambiruçú. Estima-se que o tempo decorrido entre a saída da
balsa de Malhada e a chegada ao local da pesca seja superior a duas horas. A zona fluvial e tida
como a de maior diversidade no reservatório (Agostinho et. al 1999) por apresentar
características mais próximas do ambiente natural (Agostinho et. al 2007). A CPUE em
biomassa e número também é maior nessa zona nos primeiros anos após o represamento
(Agostinho et. al 1999).
A pesca esportiva também vem se desenvolvendo e atrai turistas de Araçuaí, Montes Claros,
Teófilo Otoni e até outros estados como Bahia e Rio de Janeiro. O foco dessa pescaria é a traíra
capturada no anzol da mesma forma da pesca comercial. Alguns turistas mantêm barcos
ancorados às margens do reservatório, o que indica seu uso recorrente. Alguns moradores já
relatam a soltura de tucunarés jovens, por turistas. Entretanto a espécie ainda não foi registrada
pelo monitoramento ou pescadores.
Espécies exóticas
Foram coletadas pelo menos quatro espécies exóticas à bacia do Jequitinhonha: a tilápia
(Tilapia sp), bagre africano (Clarias gareipinnus), pirambeba (Serrasalmus sp) e a piaba
(Moenkhausia costae) . A última é registrada pela primeira vez nesse trabalho. Ela esteve
presente em várias amostragens com tarrafinha em P4 e compôs, em minoria, cardumes com
outras espécies como Astyanax bimaculatus e A. fasciatus. É possível que essa espécie tenha
sido introduzida por aquariofilia.
Serrasalmus sp havia sido registrada em P4 (Godinho 2008) e teve sua distribuição ampliada
para P5. Nesse mesmo ponto, foram coletados Tilapia sp e o único exemplar de C. gareipinnus.
A jusante de P5 aparecem mais áreas espraiadas no e o rio tem oportunidades de
extravasamento lateral. Depois das cheias essas áreas de alagadiço são aproveitadas para o
plantio do arroz. Há relatos de ribeirinhos que encontram tilápias e bagres africanos nesses
locais, mesmo quando o terreno está quase seco e restam poucas poças de lama.
A pouca literatura sobre a ictiofauna do Jequitinhonha já registrava na década de 80 a presença
de tilápias nas regiões média e baixa da bacia (Weitzman et. al 1986). Bizerril & Lima (2005)
atualizam a registram quatro espécies exóticas para o baixo Jequitinhonha. Além desses
Godinho (2008) relata a presença do surubim ponto e vírgula (cruzamento de Pseudoplatystoma
corruscans com P. fasciatum).
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