Post on 30-Sep-2018
1
MISSÕES RELIGIOSAS DE CHIQUITOS E A CAPITANIA DE MATO GROSSO
Leny Caselli Anzai1
Departamento de História Programa de Pós-graduação em História
UFMT
Para Denise Maldi Meireles, in memorian.
Desde inícios do século XVI que parte das terras que vieram a se constituir, em
1748, o território da Capitania Geral de Cuiabá e Mato Grosso, já eram visitadas por
navegadores e cronistas espanhóis. No entanto, a constatação da inexistência nelas de
metais preciosos, e a concomitante descoberta de riquezas minerais no espaço andino,
levaram o colonizador espanhol a colocar em segundo plano a região, até então parte
integrante dos domínios conferidos por Tordesilhas à Espanha. A política de conquista
castelhana privilegiou, inicialmente, “a mineração na área de Potosi, depois a colonização
por particulares e, em seguida, a propagação da fé pelas ordens religiosas”
(CANAVARROS, 2004, p. 276).
No entanto, o movimento monçoeiro paulista na bacia do rio Paraguai, e as notícias
sobre a descoberta de ouro no Cuiabá, por volta de 1719, fizeram com que a disputa pelo
território se acirrasse. Havia receio da parte dos espanhóis, de que os portugueses
tivessem acesso às riquezas andinas por intermédio do rio da Prata ou do rio Paraguai.
Anos mais tarde, com a exploração de minas de ouro na região dos divisores de
águas das bacias Paraguai-Guaporé-Juruena, na região do “mato grosso do rio Jauru”, a
situação delicada de fronteira levou a que o Conselho Ultramarino deliberasse pela
criação da Capitania de Mato Grosso, em 1748, fazendo frente aos avanços espanhóis.
(CORREA FILHO, 1969, p. 304). Para confirmar a presença metropolitana lusa na fronteira,
o primeiro capitão general, Antonio Rolim de Moura fundou Vila Bela da Santíssima
1 Este artigo foi originalmente publicado em SILVA, Joana A. Fernandes (Org.). Estudos sobre os Chiquitanos no Brasil e na Bolivia: historia, lingua, cultura e territorialidade. Goiânia: Editora da UCG, 2008, v. , p. 137-168.
2
Trindade, em março de 1752, na margem direita do rio Guaporé. O núcleo urbano passou
a abrigar uma população de burocratas, tornando-se também sede militar da capitania. O
ato político de fundação da vila assegurava a Portugal a posse de Mato Grosso e de parte
da bacia amazônica, já legalizada pelo Tratado de Madri, e consolidava a ocupação
portuguesa no extremo-oeste das possessões luso-americanas (GÓES FILHO, 1999, p.
152). A partir de então, intensificou-se o movimento de criação de núcleos populacionais
na fronteira luso-espanhola.
O território da recém criada capitania compunha-se de 65 mil léguas quadradas,
limitando ao norte com o Grão-Pará, ao sul com a capitania de São Paulo e a capitania de
Goiás, e a oeste com as possessões espanholas. A base de sua população era
predominantemente indígena, com presença significativa do escravo negro trazido para
as lavras de ouro que foram sendo descobertas. A mestiçagem, pois, foi uma de suas
características principais.
Na outra margem do Guaporé, a esquerda, estrategicamente plantadas,
encontravam-se missões religiosas que foram administradas por jesuítas até 1767 e, após
a expulsão dos inacianos, por curas seculares. Os índios e os missionários das reduções
atuaram, por sua vez, na expressão de Denise Maldi Meireles, como verdadeiros
“guardiões da fronteira”2, defendendo territórios espanhóis dos avanços portugueses.
2 Este artigo é um dos resultados do trabalho desenvolvido por um grupo de pesquisadores coordenado pela antropóloga professora Drª. Joana A. Fernandes Silva ─ à época pertencente aos quadros do Departamento de Antropologia da Universidade Federal de Mato Grosso ─, que resultou no “Relatório da viagem de campo realizada para a identificação de Chiquitano, na área de influência do Gasoduto Brasil-Bolívia (Ramal Mato Grosso), no trecho Cáceres-San Matias” (Cuiabá, 03 de dezembro de 1998). O grupo, coordenado por Joana Fernandes, era formado pelos seguintes pesquisadores: Leny Caselli Anzai, professora mestre do Departamento de História da UFMT; André Luís Alves, assistente de pesquisa; Juscelino Mello, e José Eduardo Moreira da Costa, técnicos indigenistas da FUNAI - administração regional de Cuiabá, que acompanharam todos os trabalhos na condição de observadores. O objetivo era verificar a existência de comunidades indígenas sob a área de influência do gasoduto Bolívia-Brasil nos trechos Cáceres-San Matias, e Cáceres- Cuiabá. A hipótese motivadora do trabalho se embasava em Denise Maldi Meireles (1996), que afirmava ser a região entre Cáceres e a fronteira com a Bolívia, área de forte presença Chiquitana. Foram realizadas viagens de campo entre os dias 17 e 24 de novembro de 1998, e elaborada pesquisa em arquivos históricos de Cuiabá. Ambas as atividades confirmaram Maldi, e colocaram em foco a diversidade de comunidades e de situações nas quais vivem atualmente os Chiquitano na fronteira Bolívia-Brasil. Apesar da exigüidade do tempo disponível para o trabalho, os resultados foram surpreendentes, e incentivaram outras investigações, entre as quais, a que deu origem ao presente artigo. Ver o excelente estudo: COSTA, José Eduardo F. Moreira da. A coroa do mundo: religião, território e territorialidade Chiquitano. Cuiabá: EdUFMT, 2006.
3
A margem esquerda do Guaporé
Eram muitos os grupos indígenas que ocupavam a região do atual oriente boliviano.
Grande também era a perseguição que sofriam, fosse por parte de encomenderos ou de
traficantes de escravos, espanhóis ou mamelucos da colônia portuguesa. Essa situação
tornou-se crítica em fins do século XVII, levando a que ordens religiosas fossem
convidadas para criar “reduções” na região, termo empregado à época para fazer
referência “ao processo de congregar índios infiéis em povoados”, mas que também era
utilizado para se referir ao próprio povoado ou “ao conjunto de povoados considerados
unitariamente, por razões geográficas ou missionárias” (FLECK, 2004).
Nessas reduções, a intenção dos missionários era evangelizar e preparar os índios
militarmente para fazer frente aos ataques que sofriam. Interessava à administração
espanhola valer-se do trabalho das ordens religiosas para levantar missões em postos
avançados, que auxiliassem o Estado em seu esforço de efetivar a posse de áreas
distantes dos centros mineradores e politicamente mais importantes. Portanto, a
organização das missões não se desenvolvia à margem da esfera da administração
colonial espanhola, nem em contradição com o sistema de governo da Coroa.
Desde os primeiros tempos de ocupação da América que os reis de Espanha
associaram a Igreja ao processo de conquista e colonização, poder que lhes havia sido
concedido por Roma, por intermédio do Real Patronato Indiano, instituição de direito
canônico-eclesiástico considerado quase tão polêmico quanto o Tribunal do Santo Ofício.
(TREVIÑO, 2003). Em 1493 o papa Alexandre VI promulgou a Bula Intercoetera, que
concedia aos monarcas de Castela "todas as ilhas e terra firme que descobrissem a
ocidente", com a obrigação de que para esses locais enviassem religiosos para “converter
os índios idólatras". A partir de então, os reis de Espanha orientaram sua ação de governo
ligando a Igreja a todos os acontecimentos relacionados à conquista e colonização,
práticas confirmadas por outras resoluções papais.
Desse modo, o campo de ação da Igreja se alargou em todas as possessões da
Espanha mas, em contrapartida, fortaleceu também o poder do Estado espanhol no
tocante às questões religiosas. Mediante o pleno exercício do direito de patronato, os reis
católicos interferiam na nomeação ou deposição de eclesiásticos, fundação de dioceses,
igrejas ou conventos, recebimento de rendas e, para entrar em vigor, todas as
4
comunicações emanadas de Roma, destinadas às igrejas na Espanha e na América
deveriam contar com a autorização do Conselho das Índias (CHARUPÁ, 2002).
Os primeiros jesuítas chegaram à América em meados do século XVI, e a primeira
Província da ordem foi criada em 1549, pelo padre Manuel da Nóbrega, a “Província
Jesuítica do Brasil”. Em 1568 fundou-se a “Província Jesuítica do Peru”, a primeira em
território espanhol. Em 1604, o superior da Companhia em Roma, Claudio Acquaviva
criou a “Província Jesuítica do Paraguai”, com sede em Córdoba, e que compreendia os
atuais territórios da Argentina, Paraguai, Uruguai, parte da Bolívia, Chile, e todo o sul do
Brasil. Em 1625, o território de ação da Província Jesuítica do Paraguai se reduziu, com a
criação da “Vice Província Jesuítica do Chile”. Na ordem administrativa eclesiástica, a
“Provincia Jesuítica do Paraguai” dependia diretamente do padre geral da Companhia,
radicado em Roma.
Em 1560, nas terras baixas da Audiência de Charcas3 foi criada a Gobernación de
Moxos, e no ano seguinte sua capital, Santa Cruz de la Sierra. No território que compunha
essa gobernación desenvolveram-se, em fins do século XVII, as missões de Moxos e as de
Chiquitos. As reduções de Moxos estavam ligadas à Província Jesuítica do Peru4 e, embora
as tentativas de estabelecimentos na região datem de 1667, a primeira redução, Nossa
Senhora de Loreto, foi fundada em 1682.
Em 1561 foi estabelecida a Real Audiência de La Plata de los Charcas, o mais alto
tribunal de Espanha na zona conhecida como Alto Peru, dependente do Vice-reinado do
Peru5, que manteve sob sua influência vastos territórios. Os Dominicanos se
estabeleceram em Charcas em 1539; em seguida os Mercedários, os Agostinianos em
1563, e os Jesuítas, em 1572 (MESA & GISBERT, 2003, p. 158). Em 1588, jesuítas foram
convidados pelo bispo de Tucuman, para irem ao Paraguai ─ território então dependente
do Vice-reinado do Peru ─ e para lá seguiram, com o intuito de desenvolver atividades de
evangelização junto aos índios. Após um período de atividades itinerantes, os inacianos
fundaram a Província Jesuítica do Paraguai, sob alegação da necessidade de se proteger,
3 Hoje conhecidas como Oriente boliviano.
4 Atualmente corresponde aos Departamentos de Beni, La Paz, e Santa Cruz, na Bolívia.
5 Em 1778, com a criação do Vice-reinado do Rio da Prata, Charcas passou a ser responsável por quatro províncias: Chuquisaca ou La Plata, La Paz, Potosi, e Santa Cruz, abrigando diversas sociedades indígenas, entre as quais Moxos e Chiquitos.
5
na província de Guairá, os índios Comarcano das investidas dos mamelucos paulistas.
Jesuítas dirigiram-se também para o norte de Assunção, com o objetivo de assegurar,
mediante pacificação dos Guaicuru, as comunicações com o Peru através do Chaco. Havia,
ainda, o desejo de se explorar uma saída para o Atlântico.
Em fins do século XVII, aumentava a pressão exercida por mercadores de escravos
e encomenderos sobre os índios da região de Santa Cruz de la Sierra. Os cruceños vendiam
os índios capturados a compradores das terras altas, e os bandeirantes comerciavam os
que capturavam na colônia portuguesa. Essa prática alcançou tamanha proporção, que o
governador Agustín de Arce y de la Concha solicitou o envio de religiosos para fundar
missões que protegessem os diversos grupos indígenas da região (MORENO, 2004, p. 18).
Embora outras ordens religiosas já se encontrassem na região desde meados do
século XVI, foram os padres da Companhia de Jesus os convidados para se dirigirem às
áreas da fronteira ocidental do império, embora essas atividades missionais só viessem a
ser fortalecidas quase um século depois, em 1691, “com la autorización del virrey y el
apoyo material de la província jesuítica del Paraguay y el Colégio de Tarija” (Radding,
2005, p. 88). A partir de então, os jesuítas criaram reduções nas terras baixas da
Audiência de Charcas, compondo as missões de Chiquitos e de Moxos. Localizadas ao
norte do Chaco, as missões de Chiquitos protegeriam o acesso “da parte Leste de Potosi,
na direção do Brasil, visto que, a Nordeste da Província de Santa Cruz de la Sierra, os
jesuítas de Lima já haviam estabelecido, na planície, as Missões de Moxos”
(CANAVARROS, 1998, p. 253).
Para fundar as missões de Chiquitos e de Moxos, os jesuítas foram indicados por
intermédio de ordens reais, e a administração espanhola prestava toda a ajuda necessária
à criação das reduções, situação que se manteve até meados do século XVIII (KONETZKE,
1984). Chiquitos e Moxos ligavam-se inicialmente ao Vice-reino do Peru e,
posteriormente, a partir de 1776, passaram a ser administrados pelo então recém criado
Vice Reinado do Rio da Prata (MESA & GISBERT, 2003, p. 267).
A fronteira oeste luso-espanhola
Para compreender a atividade missionária na fronteira luso-espanhola sul
americana seguimos a divisão em quatro períodos adotada por Roberto Tomichá
6
Charupá: o primeiro, que abrange desde a chegada dos primeiros missionários
franciscanos, em 1493, até a publicação da Real Cédula do Patronato Indiano, em 1574; o
segundo, desde 1574, até a chegada dos capuchinhos, em 1646; o terceiro, desde 1646
até a expulsão dos jesuítas dos domínios espanhóis, em 1767; e o quarto período, que
abrange desde a expulsão dos jesuítas até a independência dos povos americanos
(CHARUPÁ, 2002, p. 37). Neste estudo, abordaremos aspectos ligados ao terceiro e
quarto períodos, enfocando a criação das principais reduções, seu crescimento e
decadência, até fins do século XVIII. Portanto, analisaremos o período jesuítico, mas
avançaremos para o período pós expulsão dos inacianos, quando as reduções estiveram
sob administração de curas seculares, por terem sido, nessa fase, mais intensas as
relações estabelecidas com a Capitania de Mato Grosso. Nas terras do atual oriente
boliviano as missões religiosas estendiam-se desde os últimos contrafortes da Cordilheira
dos Andes, a leste, até à fronteira com o Mato Grosso, no Brasil; ao norte, do rio Madeira
e Abuná até as planícies do Chaco Boreal, ao sul6. A Companhia fundou quinze missões
em Moxos, e dez em Chiquitos.
As reduções de Moxos localizavam-se na planície que atualmente compreende o
Departamento de Beni, cercada por florestas tropicais, ligadas à Província Jesuítica do
Peru7. Embora as tentativas de estabelecimentos na região datem de 1667, a primeira
redução, Nossa Senhora de Loreto, foi fundada em 1682. Em Moxos chegaram a ser
criadas vinte e seis reduções, agrupando-se as regiões de Baures, Mamoré, e Pampas,
embora nem todas tenham se mantido atuantes. Sua população no tempo dos jesuítas
era de aproximadamente trinta mil habitantes. Em fins do século XVIII restavam apenas
onze missões das quinze fundadas, e a população havia se resumido a cerca de vinte mil
índios (CHARUPÁ, 2005, p. 61).
Todas as reduções foram criadas próximas a rios navegáveis, nos mesmos moldes
das missões Guarani, localizadas em trechos das bacias dos rios Uruguai, Paraná e
Paraguai. Apesar das dificuldades de comunicação devido às chuvas, enchentes e pela
6 Administrativamente, o Oriente boliviano é composto pelos atuais departamentos de Pando, Beni, e Santa Cruz, parte dos de La Paz e Cochabamba, o que perfaz mais de 50% do atual território nacional. Este território pode ser dividido em três subáreas: planícies de Moxos, a Chiquitania ou província de Chiquitos, e a Cordilheira de Chiriguanos. Cf. MORENO, Alcides Parejas. Chiquitos: historia de una utopia. Santa Cruz de la Sierra: Imprenta Sirena, 1992. p. 19.
7 Atualmente corresponde aos Departamentos de Beni, La Paz, e Santa Cruz, na Bolívia.
7
interposição do Chaco, eram muito difíceis as ligações com outras regiões, como as
missões do Paraguai, embora não fossem impossíveis. No Paraguai, jesuítas
desenvolveram a produção da erva-mate; em Moxos, a de cacau, e em Chiquitos de
algodão. Também organizarem a exploração de riquezas extrativas dos vários ambientes
nos quais se estabeleceram cada uma das missões. Obtiveram excedentes que,
comercializados pelos próprios religiosos, aumentaram a riqueza da Ordem e os recursos
econômicos das áreas ocupadas.
As reduções de Chiquitos foram criadas na região que atualmente corresponde a
cinco províncias do Departamento de Santa Cruz de la Sierra8. Tinham como limite
meridional o rio Bermejo, acima do paralelo 22º, incluindo, pois, toda a região do Chaco,
na Gobernación de Chiquitos, parte da planície que, bordejando a Cordilheira dos Andes,
estende-se até a Amazônia (BASTOS, 1971). Por Chiquitos passava o divisor de águas das
duas maiores bacias hidrográficas da América do Sul: a do Amazonas e a do Prata. A
capital de Chiquitos era a missão de San José, situada próxima à antiga Santa Cruz de la
Sierra, que centralizava as atividades administrativas.
Até a chegada dos jesuítas, os Chiquito tiveram muito pouco contato com o
conquistador espanhol, se comparados aos Guarani. Povos do planalto foram assim
chamados devido à suposição de que se tratava de pessoas pequenas, devido à pouca
altura das portas das casas, que, na verdade, tinha o objetivo de evitar a entrada de
mosquitos. As principais fontes sobre esse povo vêm de Pedro Hernández, cronista da
expedição de Alvar Nuñez Cabeza de Vaca, de 1543, e do cronista alemão Ulrico Schmidel,
que compôs a expedição de Pedro de Mendoza, entre 1534 e 1554 (OLLERO, 1989). Para
Denise Maldi Meireles, a denominação “chiquitos” é genérica e imprópria, pois se tratava
de aglomerados de grupos muito diferentes entre si, o que torna hoje ainda mais difícil a
construção de um panorama etnográfico para a região (MEIRELES, 1989). De modo geral,
eram agricultores e cultivavam milho, dois tipos de mandioca, amendoim, abacaxi,
8 As cinco províncias atuais do Departamento de Santa Cruz de la Sierra são: a) província Nuflo de Chavez, à qual correspondem as antigas reduções de Concepción e de San Javier; b) provincia de Velasco, à qual correspondem as antigas reduções de San Ignacio, Santa Ana, San Rafael, San Miguel; c) província de Chiquitos, à qual correspondem as reduções de San José, San Juan, Santiago; d) província Angel Sandoval, à qual corresponde a redução de Santo Corazón; e) Província Germán Busch. Cf. MORENO, Alcides Parejas, p. 22-24.
8
abóbora e fumo; após a conquista, também arroz e cacau. Caçavam, pescavam, e estavam
divididos em aldeias com chefias independentes.
Em 1737, conforme registro do governador de Santa Cruz, Argomosa y Zeballos, a
província de Chiquitos se estendia pelo espaço de cem léguas a partir de San Javier, e
cento e quarenta léguas de norte a sul, desde San Javier até San Ignácio, “y se lleva la
mira de irse acercando por el rumbo sur com las conversiones hacia las dilatadísimas
provincias del Chaco” (FINOT, 1978, p. 341). A fundação de San Ignácio, no centro do
Chaco, deixava explícito o desejo dos jesuítas de atravessá-lo de norte a sul, até chegar ao
Pilcomayo, consolidando as possessões da Província de Chiquitos.
Foram onze as principais missões fundadas em Chiquitos: San Francisco Xavier
(1691); San Rafael (1696); San José (1698); San Juan Bautista (1699); Concepción (1699 e
1707); San Ignácio Zamucos (1716); San Miguel (1721); San Ignacio (1748); Santiago
(1754); Santa Ana (1755); Santo Corazón (1760). Todas as reduções estavam sob a
autoridade imediata de um superior, nomeado pelo Provincial do Paraguai, e eram
compostas por pueblos, administrados por dois missionários, responsáveis pela
organização local: um destinado a aspectos espirituais, como evangelização e práticas
religiosas, e outro dedicado às questões materiais, como o ensino de técnicas de
produção e atividades político-administrativas.
Os missionários contavam com o auxílio do cabildo, formado por oito índios,
encabeçados por um cacique, elemento fundamental na administração, embora seu
poder fosse limitado pelos padres, a quem deviam obediência. Um mayordomo era o
responsável pelo trato dos rebanhos, e cada atividade manufatureira era dirigida por um
capitán. A maioria dos habitantes dos pueblos missioneiros dedicava-se à agricultura,
base da economia. Cada família recebia uma parcela de terra para trabalhar, e o produto
obtido era repassado integralmente aos missionários, para fazer parte de um fundo
comum, composto por alimentos, roupas e remédios distribuídos quinzenalmente,
inclusive para as pessoas não produtivas como viúvas, idosos, crianças e auxiliares das
igrejas (MORENO, 2004, p. 28). Crianças menores de doze anos eram obrigadas a assistir à
missa todos os dias, e participar das orações e ensinamentos religiosos noturnos. Os
maiores assistiam à missa aos domingos, à qual se seguiam os ensinamentos religiosos.
Cada missão era composta por edifícios agrupados ao redor de uma praça, espaço
urbano dominante, “cuyas medidas oscilavan entre 139,70 y 140,70 metros y una
9
superfície promedio de 19.655,79 metros cuadrados” (MORENO, 2004, p. 38). O interior
dessa praça era mantido nivelado e gramado, e no centro se colocava uma cruz, de
madeira ou de pedra lavrada, ao redor da qual havia grupo de palmeiras, em geral quatro.
Em alguns casos, colocavam-se cruzes em cada ângulo da praça. Em frente ao eixo
principal da praça ficava a igreja, o colégio, o cemitério, o campanário e as oficinas,
compondo o núcleo urbano básico (MORENO & SALAS, 1992, p. 229).
As aldeias funcionavam como centro espiritual, agrícola e industrial. Com alguns
milhares de habitantes, esses pueblos seguiam os padrões das cidades da América
espanhola, de traçado ortogonal, cujas ruas, paralelas umas às outras, saiam todas de
uma praça:
A “igreja“ e o “colégio” eram as principais edificações. A primeira era resultante do
número de habitantes do “pueblo”. A obrigatoriedade da presença de toda a
população nas cerimônias religiosas, realizadas duas vezes por dia, exigia que o
templo tivesse capacidade necessária para acolher todos o fiéis. O repicar dos sinos
convocava a todos para os ofícios religiosos que davam início, ao raiar do dia, às
atividades da aldeia e no crepúsculo fixavam o término das mesmas. O colégio era o
centro de todas as atividades manufatureiras, como serralheria, carpintaria,
tecelagem, fundição e manufaturas várias. Era o núcleo fundamental de
aprendizagem de ofícios. Difundia culturas técnica e musical. Esta última inseparável
da própria liturgia. Neles eram armazenadas as safras agrícolas (BASTOS, 1971, p.
117).
Havia dois tipos de uso do solo: “terras da aldeia”, que eram as melhores áreas, e
“chácaras de índios”, terras próximas às aldeias, trabalhadas por índios. O produto básico
era o algodão, mas o arroz e o milho também eram cultivados, além da coleta de riquezas
extrativas, como madeiras, baunilha, cochonilha, óleos vegetais, mel e cera de abelha, e
havia rebanhos de bois e cavalos. Produziam-se tecidos, sendo os mais grosseiros para
uso da população da aldeia e, os de qualidade superior, para serem comercializados fora
da missão. Móveis e instrumentos musicais haviam alcançado fama por sua perfeição.
Durante a administração dos jesuítas, todo o excedente da produção missioneira era
armazenada e levada a Santa Cruz de la Sierra, e os próprios religiosos faziam as
transações comerciais (BASTOS, 1971).
10
Contra a manutenção do sistema de propriedade do solo insurgiram-se os
seguidores do pensamento ilustrado, que passaram a ver o trabalho jesuítico como parte
de um plano para explorar intensamente o trabalho indígena com o objetivo de canalizar
para a Companhia os lucros que deveriam pertencer aos índios. A auto-suficiência das
missões jesuíticas permitiu as mais diversas interpretações, uma das quais contrária ao
isolamento social dos índios. A justificativa jesuítica era a da proteção ao catequizado
contra a mita e a encomienda, que provocaram efeitos devastadores sobre a população
andina. Os conquistadores, ao subjugarem uma região, dividiam entre si índios e terras.
Terras sem trabalhadores não tinham valor, daí a identificação entre as duas formas de
partilha, o repartimiento, que colocava a população indígena muito próxima à condição
de escravos que, por conta das críticas daqueles que se preocupavam com o destino do
índio, transformou-se em encomienda, acrescentada da obrigatoriedade dos
encomendeiros de cuidar da formação religiosa dos índios. O encomendero era o
responsável pelo tributo que os índios deveriam pagar à Coroa, e os retirava do trabalho
executado pelos índios sob sua responsabilidade e a do doctrinero. Na missão acreditava-
se que o índio escaparia tanto de uma como de outra (BASTOS, 1971).
A utilização de uma língua indígena para pregação auxiliava no processo de
propagação da fé; tentar impor o espanhol como idioma oficial dificultaria o trabalho,
com grandes chances de fracasso. Desse modo, os religiosos estabeleceram para as
missões situadas ao norte a língua de Moxos, e para as missões situadas ao sul a língua de
Chiquitos, por serem os idiomas mais falados em cada uma delas.
Havia dois tipos de escola para as crianças: uma para o ensino da escrita e leitura do
idioma nativo, e outra para o ensino da música e do canto. Era proibido o ensino da língua
espanhola, “para que la comunicación no corrompiesse su sencillez” (MORENO, 2004, p.
29). Em cada redução havia oficinas dedicadas a diferentes artes e ofícios, tais como
carpintaria, serralheria, curtume, correaria, fiação e tecelagem, olaria, escultura e pintura,
entre outras, voltadas às necessidades de cada local. Aos padres cabiam as operações
comerciais, como o escoamento da produção da missão, e aquisição de produtos
imprescindíveis ao abastecimento interno.
As artes ocuparam papel de destaque no trabalho de evangelização, e os jesuítas
lançavam mão, como elemento didático, da escultura, da pintura, da música e de
11
representações cênicas no trabalho de evangelização. O padre Martin Schmid, em uma de
suas cartas, escreveu que havia iniciado
... sin perder tiempo, a enseñar a cantar a los niños y muchachos indios que ya
sabían leer, y además me puse a fabricar toda clase de instrumentos, a pesar de que
no lo había aprendido en Europa y nunca se me había cruzado la idea. Por necesidad
y a causa de la falta de gente competente llegué a dominar estos artes. Hoy dia todos
nuestros pueblos tienen su órgano; tienen una cantidad de violines y violones,
hechos de madera de cedro; tienem clavicordios, espinetas, arpas, clarines, chirimías,
todos de mi fabricación, y he enseñado a los muchachos indios a usar y tocarlos.
(HUSEBY, 1996, p. 65)
O mesmo padre Martin Schmid, em carta a seus superiores, reforçava o aspecto
lúdico e o exemplo, para o bom andamento de suas atividades missionárias:
Vivo y gozo de una salud muy buena y estable; llevo una vida alegre y hasta
alborozada, pues canto ─ a veces a la tirolesa ─, toco los instrumentos que me
gustan, y bailo también en rueda, por ejemplo, la danza de espadas. Pero, que dicen
los superiores de esta moda? preguntará Vuestra Reverencia, y yo le respondo: si soy
misionero es porque canto, bailo y toco música. [... ] Y yo canto, toco órgano, la
cítara, la flauta, la trompeta, el saltério y la lira, tanto em tono mayor como menor.
Todas las artes musicales que antes desconocia en parte, ahora las practico y las
enseño a los hijos de los indígenas. (MORENO, 2004, p. 30)
Em 1785 a população de Chiquitos chegou a quase vinte mil habitantes. Era um
centro consumidor de produtos de Santa Cruz de la Sierra e produtor de artigos
exportáveis. Santa Cruz temia que, se fosse aberto um caminho até o rio Paraguai,
Chiquitos poderia passar a se abastecer em Assunção ou nas próprias missões guaranis.
Assim, as autoridades cruceñas pressionaram para que se fechasse, em 1717, o caminho
descoberto por padre Arce ligando Chiquitos ao Paraguai.
Aos poucos, nos territórios distantes dos principais núcleos urbanos da América
espanhola, os jesuítas iniciaram sua obra evangelizadora junto aos índios, e as missões
por eles criadas foram se transformando em verdadeiras instituições de fronteira, já que,
à medida que evangelizavam, os integrantes da Companhia de Jesus consolidavam a
ocupação do solo.
12
Missões e fronteira
Pelo que representavam em termos econômicos e políticos, os portugueses tinham
muito interesse nas missões, e frequentemente assaltavam seus pueblos, da mesma
maneira como faziam no sul, com as Guarani. No entanto, o interesse luso ia além da
preação de índios; por estarem localizadas em locais estratégicos, essas missões
barravam a entrada de portugueses nas áreas mineradoras do território espanhol.
Moxos e Chiquitos localizavam-se próximas a rios navegáveis, nos mesmos moldes
das missões Guarani, localizadas em trechos das bacias dos rios Uruguai, Paraná e
Paraguai. Geograficamente com grandes dificuldades de comunicação devido às chuvas,
enchentes de rios e pela interposição do Chaco, eram muito difíceis as ligações com
outras regiões.
As missões de Moxos, cuja capital era San Pedro, no tempo dos jesuítas chegaram a
abrigar aproximadamente trinta mil habitantes. Em fins do século XVIII restavam apenas
onze missões das quinze fundadas, e a população havia se resumido a cerca de vinte mil
índios. As missões de Chiquitos tinham por capital San José, situada próxima á antiga
Santa Cruz de la Sierra, que centralizava as atividades administrativas. Até a chegada dos
jesuítas, Chiquitos tiveram muito pouco contato com o conquistador espanhol, se
comparados aos Guarani. As principais fontes sobre esse povo vêm de Pedro Hernández,
cronista da expedição de Alvar Nuñez Cabeza de Vaca, de 1543, e do cronista alemão
Ulrico Schmidel, que compunha a expedição de Pedro de Mendoza, entre 1534 e 1554.
Para Denise Maldi Meireles, a denominação genérica de “chiquitos” é imprecisa, por não
dar conta da multiplicidade cultural dos grupos que passaram a conviver nas reduções, e
que eram muito diferentes entre si, tornando difícil a construção de um panorama
etnográfico para a região (MEIRELLES, 1989).
Em 1737, conforme registro do governador de Santa Cruz, Argomosa y Zeballos, a
Província de Chiquitos se estendia pelo espaço de cem léguas, a partir de San Javier, e
cento e quarenta léguas de norte a sul, desde San Javier até San Ignácio, “y se lleva la
mira de irse acercando por el rumbo sur com las conversiones hacia las dilatadísimas
provincias del Chaco” (FINOT, 1978, p. 341). Foram onze, as principais missões fundadas
em Chiquitos: San Francisco Xavier (1691); San Rafael (1696); San José (1698); San Juan
13
Bautista (1699); Concepción (1699 e 1707); San Ignácio Zamucos (1716); San Miguel
(1721); San Ignacio (1748); Santiago (1754); Santa Ana (1755); Santo Corazón (1760)
(MORENO, 2004).
Toda a missão se encontrava sob a autoridade imediata de um superior, nomeado
pelo Provincial do Paraguai, e em cada um dos pueblos havia dois missionários,
responsáveis pela organização local: um destinado a aspectos espirituais, como
evangelização e práticas religiosas, e outro dedicado às questões materiais, como o
ensino de técnicas de produção e atividades político-administrativas. Os missionários
contavam com o auxílio do cabildo, formado por oito índios, encabeçados por um
cacique, elemento fundamental na administração, embora seu poder fosse limitado pelos
padres, a quem deviam obediência. Um mayordomo era o responsável pelo trato dos
rebanhos, e cada atividade manufatureira era dirigida por um capitán.
Cada família recebia uma parcela de terra para trabalhar, e o produto obtido era
repassado integralmente aos missionários, para fazer parte de um fundo comum,
composto por alimentos, roupas e remédios, que era distribuído quinzenalmente,
inclusive para as pessoas não produtivas, como viúvas, idosos, crianças e auxiliares das
igrejas (MORENO, 2004, p. 28). Crianças menores de doze anos eram obrigadas a assistir
à missa todos os dias, e participar das orações e ensinamentos religiosos noturnos. Os
maiores assistiam à missa aos domingos, à qual se seguiam os ensinamentos religiosos.
Havia dois tipos de escola para as crianças: uma para o ensino da escrita e leitura do
idioma nativo, e outra para o ensino da música e do canto. Em cada redução havia
oficinas dedicadas a diferentes artes e ofícios, cujas principais foram carpintaria,
serralheria, curtume, correaria, fiação e tecelagem, olaria, escultura e pintura, entre
outras, voltadas às necessidades de cada local. Aos padres cabiam as operações
comerciais, como o escoamento da produção da missão, e aquisição de produtos
imprescindíveis ao abastecimento interno.
As artes ocuparam papel de destaque no trabalho de evangelização, e os jesuítas
faziam amplo uso de imagens, tanto na escultura quanto na pintura, da música e das
representações cênicas no trabalho de evangelização.
As aldeias funcionavam como centro espiritual, agrícola e industrial. Com alguns
milhares de habitantes, esses pueblos seguiam os padrões das cidades da América
14
espanhola, de traçado ortogonal, cujas ruas, paralelas umas às outras, saiam todas de
uma praça,
A utilização de uma língua indígena para pregação auxiliava no processo de
propagação da fé; tentar impor o espanhol como idioma oficial dificultaria o trabalho,
com grandes chances de fracasso (BASTOS, 1971). Desse modo, os religiosos
estabeleceram, para as missões situadas ao norte, a língua de Moxos, e para as missões
situadas ao sul, a língua de Chiquitos, por serem os idiomas mais falados em cada uma
das regiões. Os jesuítas aplicaram Em Chiquitos e em Moxos os jesuítas aplicaram o
mesmo método das missões do Paraguai (MEDRANO, 1997, 263).
As reduções de Chiquitos não possuíam uma pecuária forte, mas era suficiente para
suprir suas necessidades de carne e transporte. No momento da expulsão dos jesuítas, os
dez pueblos “contaban com 45.749 cabezas de vacunos y 5.749 de caballar” (MORENO &
SALAS, 1992, p. 155).
Missionários, índios, capitães generais e colonos
Quando em 1734, os irmãos Paes de Barros subiram até as nascentes dos rios
Paraguai, Jaurú e Juruena, e encontraram ouro na faixa de terras entre os rios Sararé e
Galera, e em seus afluentes, conhecia-se ainda muito pouco do Guaporé. Mas, à medida
que adentravam os sertões em busca de ouro perceberam que estavam muito próximos
às missões jesuíticas espanholas. Na década de 1740, na busca por novas rotas comerciais
que pudessem abastecer as minas, houve tentativas de aproximação com os jesuítas das
províncias de Chiquitos e de Moxos, as “missões das Índias de Espanha” (CANAVARROS,
1998, p. 188). Foram feitas diversas tentativas de estabelecimento de contatos com os
moradores das missões de Moxos, com o intuito de comprar delas gado bovino, muares e
cavalares. No entanto, os jesuítas recusaram, pois haviam recebido ordens de se
manterem distantes dos portugueses.
Mas, as proibições metropolitanas não conseguiam o alcance que pretendiam, e há
registro de que em 1743 quatro homens desceram o Mamoré e o Madeira, atravessando
cachoeiras e saltos, “e alcançaram as missões dos jesuítas portugueses do baixo Madeira”
(CANAVARROS, 1998, p. 203). Considerando que o argumento principal que definia o
direito de uma nação sobre um determinado território era o da comprovação da posse,
15
durante a segunda metade do século XVIII, ao mesmo tempo que os portugueses
tentavam entrar nas missões espanholas, estiveram muito empenhados em ocupar
pontos estratégicos da margem ocidental do rio Guaporé. Um passo importante nesse
sentido foi a fundação de Vila Bela da Santíssima Trindade para sede do governo da
Capitania de Mato Grosso, às margens do rio Guaporé. Do ponto de vista estratégico,
Rolim de Moura orientou-se pelo Tratado de Madrid, firmado em 1750, para escolher o
local de fundação de Vila Bela:
Como ela [a Vila] está ao poente das minas, e dos seus arraiais, fica cobrindo uma e
outra coisa pela situação que é capaz de fortificar-se com toda regularidade, sendo
preciso, e sem que se contravenha o tratado, pelo qual esse rio é privativamente
nosso até a barra do Sararé, que como já se disse dista seis léguas desta vila, e da dita
barra é que começa ser comum, e também pedindo-o a ocasião dá facilidade a
penetrarmos para a parte de Castela, não havendo coisa que no-lo embarace até as
Missões dos Chiquitos, que nos ficam diretamente a oeste, e em menos distância que
do Jauru (PAIVA, 1982, p. 67).
Em carta de 1752 a Diogo de Mendonça Corte Real, Rolim de Moura fazia
comentários sobre as distâncias que existiam entre a nova vila e as missões:
... até a missão de San Rafael, pertencente aos Chiquitos, são vinte e cinco dias de
jornada, e daí a Santa Cruz de la Sierra, outros vinte e cinco, e o primeiro caminho se
acha aberto pelo terreno freqüentado por alguns moradores destas minas, com o
intuito de comprarem gados à dita missão, de que é muito abundante, saindo-lhe
porém baldada a sua diligência, porque o superior dela não quis admitir prática
alguma sobre a matéria. (PAIVA, 1982)
E continuava o primeiro governador, informando que às margens do rio Jauru, na
parte portuguesa, havia três aldeias de missões castelhanas, em distância que levavam
entre oito e quinze dias, a partir de Vila Bela:
A primeira é de São Simão, situada dois dias de viagem por um rio adentro, que faz
barra no Guaporé. A segunda é de São Miguel, em que, creio, há perto de três mil
almas, e a terceira de Santa Rosa, ambas à borda do barranco. Há também muitas no
rio Mamoré, que faz barra no Guaporé, quase de frente de Santa Rosa, uma das quais
é São Pedro, cabeça de todas, onde reside o superior, que me asseguram ser uma
16
cidade em que há até fábrica de sinos. Estas com as que estão no rio Baures, que faz
barra mais chegada a nós, da mesma parte do poente, nos dizem fazem por todas
vinte e cinco, e têm muitos milhares de índios. Porém, estes nem são guerreiros, nem
usam mais que o arco e flecha, ainda que ouvi que de Santa Cruz de la Sierra tinha
vindo um oficial à aldeia da Exaltação da Cruz, que está no rio Mamoré, junto à barra,
para ensinar os índios a servirem-se das armas de fogo (PAIVA, 1982)
Havia grande interesse dos portugueses em povoar a fronteira, e para tanto
distribuíam sesmarias e fundavam povoações. Acreditavam que, caso fossem atacados
por forças espanholas, os donos das terras lutariam para defender seu patrimônio e sua
família, ao mesmo tempo que protegiam territórios de Portugal. A colonização espanhola,
com suas bases estabelecidas em cidades, as mais importantes delas localizadas a oeste
das fronteiras luso-espanholas, fazia uma ocupação mais lenta e atingia uma área
geográfica menor. Desse modo, implantar missões religiosas em áreas de fronteiras era
considerada ação eficiente, pois os missionários povoariam a região e a defenderiam de
ataques, juntamente com os índios. Quando os paulistas e portugueses descobriram ouro
no vale do Cuiabá (1719) e do Guaporé (1734), os espanhóis já ocupavam áreas próximas
a esses locais.
As missões sem os jesuítas
Logo que tomaram conhecimento da auto-suficiência das missões religiosas de
Castela que os colonos de Cuiabá, tentando fugir às dificuldades de abastecimento,
tentavam três rumos de comunicação: um terrestre para Goiás, um para noroeste,
pretendendo chegar ao Pará, e outro para o oeste, abrindo caminho para Chiquitos,
reduções mais próximas, que poderia prover as minas com gado vacum e cavalar e
tecidos. Além do mais, por Chiquitos se poderia chegar até Santa Cruz de la Sierra, onde
se abasteceriam de instrumentos de mineração, de lavoura, sal e gêneros alimentícios.
Considere-se que Chiquitos estava mais próximo de Cuiabá do que São Paulo, Pará ou
mesmo Goiás (LOBO, 1960, 427). Com a criação da Capitania de Mato Grosso e
posteriormente da fundação de Vila Bela da Santíssima Trindade, esse relacionamento
tornou-se mais viável, devido a uma maior proximidade entre a vila capital e as missões.
Uma fonte privilegiada de informações sobre essas relações fronteiriças são os
“Anais de Vila Bela”, conjunto de textos escritos anualmente por vereadores da Câmara
17
de Vila Bela, entre os anos de 1734 e 1789, desde o início da mineração até o final do
governo de Luiz de Albuquerque (1772-1789)9. Nesses manuscritos há registros sobre o
quanto interessava aos portugueses obter informações sobre a localização de missões
castelhanas, como o do ano de 1759, sobre as distâncias existentes entre as vilas da
Capitania de Mato Grosso e as missões jesuíticas localizadas na região do rio Mamoré. A
prosperidade dessas missões jesuíticas incomodava os portugueses: “Em todas estas
missões são os padres senhores absolutos, dominando muitos mil índios que, como
escravos, lhes trabalhavam e fabricavam muitos haveres, com que fazem grande negócio”
(AMADO & ANZAI, p. 144).
Ao contrário do esperado, a expulsão dos inacianos dos territórios castelhanos em
1767 não desorganizou os pueblos missioneiros do oriente boliviano, conforme ocorreu
no Paraguai. Embora tenha havido decadência, em Chiquitos a administração colonial
tentou manter a mesma organização jesuítica nos pueblos e estâncias. No entanto, houve
diminuição no controle espanhol sobre a fronteira oriental, e aproveitando os caminhos
existentes, as missões de Moxos e de Chiquitos passaram a ser visitadas por
contrabandistas do lado português, o que contribuiu para a destruição completa da
capacidade produtiva organizada pelos jesuítas nas missões. Também aproveitando-se da
desorganização do território das missões, os portugueses se apoderaram da margem
direita do rio Paraguai, e em pouco tempo consolidaram sua presença sobre território
castelhano. A partir de então, houve um lento e inexorável processo de deterioração das
reduções (MORENO & SALAS, 1992, p. 317-321).
Diante das ameaças portuguesas, o rei Carlos III criou o Vice-reinado do Rio da
Prata, em 1776. Logo depois, em 1777, criaram-se os Governos Militares de Moxos e
Chiquitos, e foi nomeado para governar Chiquitos o capitão Barthelemi Verdugo. Esse
governo militar, no tocante a questões político-administrativas dependia diretamente da
Audiência de Charcas, mas no aspecto militar estava sujeito ao governador de Santa Cruz
de la Sierra. Verdugo havia recebido a recomendação de promover comunicação
comercial com o Paraguai, mas
...cuidando que no se desvie ni poco ni mucho hacia el estabelecimiento portugués
de Cuyabá, puesto que una de las funciones específicas de esta gobernación militar
9 AMADO, Janaína; ANZAI, Leny Caselli (orgs.) Anais de Vila Bela: 1734-1789. Cuiabá: EdUFMT/Carlini & Caniato, 2006.
18
es enfrentarse al “peligro” portugués. Para conjurarlo, asimismo se ordena “proceder
a establecer dos pueblos de españoles para hacer frente al portugués; que situe
estos vecindarios en terrenos separados de las misiones, adecuadas a las industrias
europeas, fáciles de fortificar y uno de ellos como para servir de escala en el
comercio con el Paraguay. (MORENO & SALAS, 1992, 320)
Uma prática comum aos portugueses em relação às missões era o incentivo à fuga
para o lado luso da fronteira, de preferência famílias inteiras. Após a expulsão dos
inacianos essa foi uma prática comum, como se pode observar pelo termo de fundação
de Vila Maria do Paraguai, em 1778, sob governo de Luís de Albuquerque de Melo Pereira
e Cáceres, no qual consta que a povoação da vila começou com casais de índios
castelhanos desertados da Província de Chiquitos, “... que fazem o número de 78
indivíduos de ambos os sexos, a que se juntam todo o outro número das mais pessoas
congregadas para o dito fim, faz o total de 161 indivíduos de ambos os sexos” (NDIHR,
micr. 273). Em novembro do mesmo ano, o capitão general enviava carta ao secretário
de Estado Martinho de Melo e Castro confirmando a presença chiquitana:
Faço a Sua Majestade presente o termo da nova fundação denominada Vila Maria do
Paraguai, a que ultimamente dei princípio na margem esquerda do rio Paraguai,
junto do lugar por onde de presente se dirige o caminho desta capital para a vila do
Cuiabá, que distará 5 léguas do antigo marco do Jaurú; tendo-me valido assim de
povoá-la, além de outros casais dispersos que pude congregar, de mais de sessenta
índios castelhanos de ambos os sexos que havera três meses desertaram da missão
de São João de Chiquitos, persuadidos de pessoas que neste mesmo objeto fiz
penetrar ao dito estabelecimento. (NDIHR, micr. 273)
A nova povoação ficava a meio do caminho entre Vila Bela e Cuiabá, “de muito
cômodo para o comércio e correspondência de ambas as vilas” (AMADO & ANZAI, 2006,
p. 217). Além do mais, estava próxima dos rios Paraguai e Prata, posição geográfica
privilegiada que lhe conferia importância militar e econômica em uma fronteira litigiosa
com as possessões espanholas.
O acolhimento de índios desertados das missões castelhanas devia-se à
necessidade de gente para povoar a fronteira. O governador Luiz de Albuquerque já havia
solicitado o envio de famílias brancas, que demoravam a chegar, “pois que a uma tão
19
remota parte do mundo como esta e tão pouco sadia, são com efeito raríssimas as
pessoas que voluntariamente se transportam, e ainda essas mesmas sem desígnio algum
de existir e permanecer como se fazia necessário”. O governador solicitava que essas
famílias fossem transportadas pelo Rio de Janeiro, “em direitura aos rios de São Paulo”, e
argumentava que, embora pudesse ficar caro, seria uma providência proveitosa para o
serviço real. Na mesma correspondência, o capitão general expressava sua opinião a
respeito dos índios da capitania:
...quase sempre inconstantíssimos, ferozes e indomáveis ou duma indolência e
preguiça sem exemplo, que vagando pelos matos por efeitos da própria inclinação e
natureza, com total desprezo de honras e fazendas, ainda no difícil caso de se
atraírem e ajuntarem, não obstante a mais cuidadosa diligência, se internam
novamente sempre que podem consegui-lo por estes imensos desertos que a tudo
preferem, depois de executarem as suas costumadas rapinas, mortes e outros danos,
deixando, além disso, infrutíferas, pela maior parte, todas as fadigas e grossas
despesas a que sempre primeiro não deixam de dar ocasião (NDIHR, micr. 273).
Famílias brancas, além de consideradas ideais para povoar, contribuiriam com seu
exemplo para a “domesticação” dos índios “indomáveis e preguiçosos” da Capitania.
Enquanto não chegavam os brancos, o governador cooptava e abrigava índios das
missões de Castela, já habituados ao trabalho em moldes europeus, como os quarenta
que haviam chegado, montados em cavalos, éguas e mulas das missões de Coração de
Jesus e São João, da Província de Chiquitos. Os recém chegados traziam notícias
... de que estas [as missões] se achavam quase solitárias, pelo crescido número de
seus habitantes desertados, os quais no destino de também buscarem o asilo desta
capitania sem saberem o verdadeiro caminho ou rumo, se achavam dispersos e como
extraviados pelos bosques imediatos ao mesmo Jaurú e Paraguai, de onde fico
esperando que efetivamente se desembaraçarão, em conseqüência de ter expedido
gente que os descubra e lhes mostre o caminho destes domínios, lisonjeando-me,
talvez, de poder ainda mais consideravelmente povoar com gente castelhana a nova
povoação de Vila Maria (NDIHR, micr. 274).
20
Luiz de Albuquerque informou também, ao ministro português, que havia
comprado uma fazenda de gado para alimentar os índios fugidos das missões espanholas
pois,
... sendo criados em países de imenso gado vacum, como são todas estas adjacentes
províncias de Moxos e Chiquitos, estranhariam infinito a falta de semelhante socorro
ou continuariam a obrigar a Real Fazenda à grossa despesa de lhe estar comprando
freqüentes vezes (como por necessidade já tinha principiado a executar-se) alguns
bois ou carne seca, o que atendido o maior excesso dos preços, seria na verdade bem
difícil de tolerar (NDIHR, micr. 264).
O contrabando marcou a vida econômica das missões, principalmente no governo
dos curas, sucessores dos jesuítas. O bispo de Santa Cruz organizou um sistema de
administração no qual dois curas centralizavam todos os poderes que antes pertenciam
aos padres da Companhia, sendo um encarregado de todas as atividades econômicas e
outro das religiosas. Mas o despreparo dos curas levou a toda sorte de desmandos,
dentre os quais o desvio de produtos das comunidades indígenas para Santa Cruz de la
Sierra e Cochabamba, e o contrabando com Mato Grosso, prática bastante registrada nos
Anais da Câmara de Vila Bela:
Em dezessete desse mês [maio de 1775] entraram pela via de Chiquitos, em direitura
ao porto de Jauru, distante desta vila 35 léguas, a leste, e pouco mais de duas
[léguas] do marco que plantaram, na futura demarcação do sul, cinco
contrabandistas castelhanos com uma partida de cento e tantas mulas suficientes,
que foram de bem raridade neste país. Quando se recolheram, foram acompanhados
de alguns portugueses que vieram a comunicar com os índios da missão de São João,
para a qual se faz viagem em seis ou sete dias por caminho que, sendo muito cheio
de águas no inverno, na seca tem muita falta delas. Alcançaram, dos mesmos índios,
duzentas cabeças de gado vacum. Por mimo lhes compraram mais de 400, por preço
muito módico, e a troco de fazendas e quinquilharias. (AMADO & ANZAI, 2006, p.
198).
No mesmo ano de 1775, o vereador Francisco Xavier Antam registrou novamente
nos Anais da Câmara, que nos fins do mês de novembro haviam entrado na Capitania,
pelo Registro do Jauru, doze índios fugidos da missão de São João de Chiquitos:
21
Foram eles os primeiros que entraram por aquela parte. Pouco depois vieram outros
índios. Sendo uns e outros recebidos com agasalho, foram mandados por sábia
providência de Sua Excelência para a aldeia da Chapada do Cuiabá, em que há índios
portugueses e também castelhanos vindos da missão de Exaltação e de outras, a fim
de que não dêem tão facilmente execução a variedade de sentimentos que faz o seu
caráter. (AMADO & ANZAI, 2006, p. 201).
Evitar que não houvesse manifestação de “sentimentos que faz seu caráter”
significava alojá-los rapidamente em locais onde fossem vigiados, para que não houvesse
o risco de fugas. Essas entradas de índios pelo Registro do Jauru levantou suspeitas da
administração da Capitania, pois no ano seguinte foi preso e enviado “para a cidade do
Pará um Teotônio José da Costa, que era fiel do Registro do Jauru”, acusado de manter
“correspondências secretas com os curas das missões da Província de Chiquitos, sendo
espião deles sobre as disposições que via obrar neste Governo e Capitania”. (AMADO &
ANZAI, 2006, p. 204).
Os registros nos Anais de Vila Bela demonstram o quanto eram comuns as
relações estabelecidas entre a Capitania e as missões, e isso nos auxilia na verificação das
mudanças sofridas após a saída dos jesuítas. Em 1778 há o registro elaborado pelo
vereador João de Souza Pinto informando que no dia 15 de julho o cabo-de-esquadra José
de Santiago havia partido de Vila Bela, juntamente com “uma escolta de auxiliares e
pedestres para a aldeia de Santa Ana, da província de Chiquitos, com uma carta de Sua
Excelência para o seu cura, e com um índio que com mais três, que depois fugiram”,
embora tenham sido presos em seguida. Informou o cabo-de-esquadra que a aldeia de
Santa Ana distava de Vila Bela cerca de 35 léguas, “sem mais incômodo de passagem que
a dos rios Alegre e Barbados”, e que “a dita aldeia terá duas mil almas”. (AMADO &
ANZAI, 2006, p. 216).
Nos “Anais de Vila Bela”, no ano de 1779, entre os meses de junho a agosto, há
cinco registros de entradas de índios vindos da Aldeia de Santa Ana de Chuiquitos para a
Vila capital, tendo sido todos, segundo o vereador Francisco de Bastos Ferreira
“benignamente tratados por sua excelência, mandando repartir por eles algumas
camisas, lenços, facas e outras quinquilharias”. (AMADO & ANZAI, 2006, p. 220-221).
No entanto, das missões castelhanas não chegavam apenas índios, como bem nos
informa o vereador Manoel Rodrigues da Silva, que registrou a entrada, em Casalvasco,
22
no dia 5 de setembro de 1784, de três espanhóis, um dos quais tenente, e mais trinta
pessoas “de serviço”, além de “700 bestas e cavalos”, que se juntaram às cem que haviam
sido trazidas “com um D. José Soares”. O vereador registrou também que “Sua Excelência
os recebeu com muito agasalho e afabilidade, a fim também de facilitar o comércio sobre
a prata do Peru” (AMADO & ANZAI, 2006, p. 247).
Os registros feitos pelos vereadores da Câmara de Vila Bela nos oferecem
informações privilegiadas sobre a vida na fronteira luso-espanhola setecentista. Os
intercâmbios eram freqüentes, neles incluídas práticas diplomáticas necessárias entre
vizinhos, como o registro de que no dia 14 de setembro de 1784, havia retornado a Vila
Bela o ajudante das ordens Manoel José da Rocha, vindo de “cumprimentar o governador
de Chiquitos”. Dessa viagem trouxe a informação de que era de 28 léguas a distância
entre Casalvasco e a missão de Santa Ana, e de que de Santa Ana até Santo Inácio eram
mais 8, sendo todas as missões “de índios pobres, e ainda mais, indigentes e brutais”.
Com o ajudante das ordens havia chegado também “um espanhol catalão, D. José da
Costa, que tinha vindo das missões de Moxos”, dizendo-se doente, e que trazia consigo
“para cima de 18 arrobas de prata em pinha e barra” (AMADO & ANZAI, 2006, p. 249). No
ano seguinte, 1785, no início de julho, partiu de Vila Bela “o espanhol e contrabandista
Dr. José de Pereira para as missões de Chiquitos, de onde tinha vindo o ano passado com
mais de 700 bestas, deixando muitas por vender, pela sua carestia e demasiada braveza”
(AMADO & ANZAI, 2006, p. 252).
Concluindo
A expulsão dos jesuítas dos territórios espanhóis na América, em 1767, exigiu novas
formas de relação entre índios das missões e os brancos. De 1767 a 1830 continuou a
mesma organização sócio-econômica, caracterizada pela ausência de propriedade privada
do solo e pela apática participação de uma população vitimada pela colonização.
Administrativamente, as missões passaram de um governo dos jesuítas para um dos
“curas” e outro “secular”. No entanto, as milícias indígenas, organizadas pelos jesuítas,
salvaram extensos territórios para a coroa espanhola. Desse modo, não se pode
compreender o processo de colonização sem levar em conta o papel representado pelas
23
missões jesuíticas que, ao firmar sua missão evangelizadora, acabaram assumindo
também papel defensivo do território espanhol.
Como se observou, havia intenso relacionamento entre as possessões luso-
espanholas na fronteira oeste americana, incluindo cooptação e acolhimento de índios
das missões religiosas. Esses contatos, conflitantes ou não, dependiam do jogo de
interesse do momento. Dos dois lados da fronteira, às questões de política internacional
juntavam-se aquelas resultantes das idiossincrasias próprias da necessidade de
convivência entre as múltiplas etnias e diferentes culturas que a habitavam.
Essas informações sobre mobilidade na fronteira luso-espanhola possibilitam
diversas interpretações. Espaço transcultural, a fronteira setecentista apresentava-se
enquanto locus privilegiado de dinâmicas singulares, nas quais não apenas os conflitos
existiam; inventavam-se também práticas que implicavam em alianças, cumplicidades e
troca de saberes, necessários à sobrevivência comum.
No entanto, esta é uma temática ainda muito pouco explorada pela historiografia
brasileira e mato-grossense, apesar da documentação abundante. O centro oeste sul
americano, a Amazônia e suas áreas fronteiriças esperam por mais estudos que reflitam
sobre essas diferentes dinâmicas culturais.
BIBLIOGRAFIA
AMADO, Janaína; ANZAI, Leny Caselli. Anais de Vila Bela: 1734-1789. Cuiabá: EdUFMT/ Carlini & Caniato, 2006.
BASTOS, Uacury Ribeiro de Assis. Os jesuítas e seus sucessores (II). (Moxos e Chiquitos – 1767-1830). In: Revista de História. Ano XXIII, Vol. XLIV. São Paulo, 1971.
CANAVARROS, Otávio. O poder metropolitano em Cuiabá (1727-1752). Cuiabá: EdUFMT, 2004.
CHARUPÁ, Roberto Tomichá. La Iglesia em Santa Cruz: 400 años de história 1605-2005. Cochabamba: Editorial Verbo Divino, 2005.
CHARUPÁ, Roberto Tomichá. La primera evangelización en las reducciones de Chiquitos: Bolívia (1691-1767). Cochabamba: Editorial Verbo Divino, 2002.
CORRÊA FILHO, Virgílio. História de Mato Grosso. Várzea Grande: Fundação Júlio Campos, 1994.
FINOT, Enrique. Historia de la conquista del oriente boliviano. La Paz: Libreria Editorial Juventud, 1978.
FLECK, Eliane Cristina D. A morte no centro da vida: reflexões sobre a cura e a não cura nas reduções jesuítico-guaranis (1609–75). História, Ciências, Saúde – Manguinhos. Vol.11, nº. 3. Rio de Janeiro, set./dez. 2004.
GÓES FILHO, Synesio. Navegantes, bandeirantes, diplomatas: um ensaio sobre a formação das fronteiras do Brasil. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
24
HUSEBY, Gerardo. Los instrumentos y orquestras en las misiones de Chiquitos. In: KÜHNE, Eckart. Las misiones jesuiticas de Bolivia. Martin Schmid 1694-1772. Misionero, músico y arquitecto entre los Chiquitanos. Santa Cruz de la Sierra: Imprenta Sirena, 1996.
KONETZKE, Richard. América Latina: la época colonial. México: Siglo Veintiuno Editores, 1984.
LOBO, Eulália. Caminho de Chiquitos às Missões Guaranis de 1690 a 1718. In: Revista de História, n 40. P. 411. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1959-1960.
MEDRANO, Lilia I. Zanotti de. “Moxos: uma missão de fronteira”. p. 261-274. In: AZEVEDO, Francisca L. Nogueira de; MONTEIRO, John Manuel (orgs.) América 500 Anos: Confronto de culturas:conquista, resistência, transformação. Rio de Janeiro:Expressão e Cultura; São Paulo:EDUSP, 1997.
MEIRELES, Denise Maldi. Guardiães da fronteira: Rio Guaporé, século XVIII. Petrópolis: Vozes, 1989.
MESA, José de; GISBERT, Teresa. História de Bolívia. La Paz: Editorial Gisbert y Cia. S.A., 2003.
MORENO, Alcides Parejas. Chiquitos: um paseo por su historia. Santa Cruz de la Sierra: APAC, 2004.
MORENO, Alcides Parejas; SALAS, Virgilio Suárez. Chiquitos: historia de una utopia. Santa Cruz de la Sierra: CORDECRUZ/Universidad Privada de Santa Cruz de la Sierra, 1992.
PAIVA, Ana Mesquita Martins de; SOUSA, Maria Cecília Guerreiro de; GEREMIAS, Nyl-Iza Valadão Freitas. D. Antonio Rolim de Moura, primeiro Conde de Azambuja (correspondências). Compilação, transcrição e indexação. (Coleção Documentos Ibéricos – Série: Capitães-Generais,4).vol. 3. Cuiabá: NDIHR, Imprensa Universitária, 1982.
RADDING, Cynthia. Paisajes de poder e identidad: fronteras imperiales em el desierto de Sonora y bosques de la Amazônia. Sucre: Fundación Cultural del Banco Central de Bolívia/ Archivo y Biblioteca Nacionales de Bolívia, 2005.
SEVERAL, Rejane da Silveira. Jesuítas e Guaranis face aos impérios coloniais ibéricos no Rio da Prata”. In: Revista de História Regional 3(1) :Verão 1998.
TREVIÑO, Rigoberto Gerardo Ortiz. El tercer Concilio Provincial Mexicano, o como los obispos evadieron al Real Patronato Indiano. Anuário Mexicano de História del Derecho. Volumen XV 2003.
VILLAMIL, Antonio Diaz. Historia general de Bolivia. La Paz: Libreria Editorial “Popular”, 1980.
FONTES MANUSCRITAS
AHU – 1743, abril, 1 – Vila de Cuiabá – “Carta do Provedor e intendente da Fazenda preso Manoel Rodrigues Torres ao rei [D. João V], sobre a notícia de que algumas pessoas das minas de Mato Grosso, tinham passado para as povoações espanholas, e trazido cargas de açúcar, sabão, pano de algodão e aguardente”.
Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional – NDIHR / UFMT
Correspondências de Antonio Rolim de Moura. Carta a Diogo de Mendonça Corte Real. 28 de maio de1752. Vol.I. Cuiabá, UFMT, 1983.
Correspondências de Antonio Rolim de Moura. Carta a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. 14 de fevereiro de 1755. Vol.II. Cuiabá, UFMT, 1983.
Microficha 264 - Fundo: Documentos Avulsos sobre Mato Grosso – Caixa 18, n. 1164; Caixa 19, n. 1205
Microficha 273 - Fundo: Documentos Avulsos sobre Mato Grosso – Caixa 18, n. 1162.