Miolo Léo Prudêncio 09-03-2016 · Aquarelas / Léo Prudêncio. - Guaratinguetá, SP: Penalux,...

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Editora PenaluxGuaratinguetá, 2016Editora PenaluxGuaratinguetá, 2016

EDITORA PENALUXRua Marechal Floriano, 39 – CentroGuaratinguetá, SP | CEP: 12500-260

penalux@editorapenalux.com.brwww.editorapenalux.com.br

EDIÇÃO França & Gorj

REVISÃOAlves de Aquino & Léo Prudêncio

CAPALéo Prudêncio

sobre aquarela de Chico Martins

DIREITOS DO DESENHO DA CAPAChico Martins

FINALIZAÇÃO E DIAGRAMAÇÃO Ricardo A. O. Paixão

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

P971a PRUDÊNCIO, Léo. 1990 -

Aquarelas / Léo Prudêncio. - Guaratinguetá, SP: Penalux, 2016. 80 p. : 21 cm.

ISBN 978-85-5833-025-1

1. Poesia I. Títulos.

CDD B869.1

Índices para catálogo sistemático:

1. Literatura Brasileira

Todos os direitos reservados.A reprodução de qualquer parte desta obra só é permitida

mediante autorização expressa do autor e da Editora Penalux.

EDITORA PENALUX

Prefácio

recebi o convite do poeta. de haicais era o assunto. um colorido de pensamentos sobrevoou minha imaginação. li os haicais enquanto si-pin-taram os versos: todos aquarelas, realmente. asas-verbo tracejadas na liberdade do pensar.

nas aquarelas, de léo prudêncio, as imagens dizem silenciosas: porque haicais comunicam pelo silêncio. a vida poética mistura-se à vida ordinária. qualquer ponte, apenas existia. não há mais fron-teiras. sentimos a solidão inenarrável do eu-lírico. a solidão cruzada em versos de muitas jornadas. a realidade é poética, simplesmente.

estará sozinho o poeta? não sei. ouço, entretanto, os sentimentos de seu personagem-criador e de suas criaturas-personagens; todas

elas: borboleta, noite, gato, lua, árvore, dia, mar, fogo, nuvens, céu, flores, chuva, serra da meruo-ca, fogo e outras mais. sussurros de manoel de barros. a grandeza está no metro das coisas? aqui, monte everest se vê num pé de seriguela, vice-versa. porque os haicais cumprem um olhar anímico sobre a vida: ser humano e natureza não se separam. vai-se assim construindo cada ver-so desse acervo poético. as jornadas caminham entre lembranças e ausências: toques suaves e cordiais.

nas aquarelas, por fim, há em cada página dois poemas que dançam de fazer poesia. ínterim em que o poeta empreende o desejo contínuo e pe-remptório de sonhar. e seu sonho torna-se palavra. realidade dita quase ao ouvido.

jo a-mi

à jocelia melo,haicais colhidos pela manhã:

em sol renascente

“imóvel sobre as águas dos verdes mares bravios”

- Gerardo Mello Mourão

15

léo prudêncio

1.

estou sóbrio depalavras amores e livrosfui regado a sol

2.

passarinho não saipor aí em busca de árvorepra alugar

16

aquarelas: haicais

3.

sua vida era maissinuosa que as curvas daserra da meruoca

4.

um pássaro pousouno galho do pé de manga:somos dois solitários

17

léo prudêncio

5.

meia vida, meio copo,meio triste, volta e meiaacordo meio pôr do sol

6.

a lagarta devorasozinha as folhas e fl oresdo quintal de casa

18

aquarelas: haicais

7.

vivo por um triz, voltae meia sorrio mesmo sabendoque por um triz vivo

8.

quando o sol despencapro chão tudo se amarelae queima no céu

19

léo prudêncio

9.

o som das gotas dechuva, que caem em meu telhado,me tranquiliza

10.

quando a últimabrasa da fogueira apagao dia ilumina

20

aquarelas: haicais

11.

três tímidas mariasse esconderam por de--trás das nuvens

12.

e ela é tão lindaque a lua toda se alumiaquando a vê passar

21

léo prudêncio

13.

choveu: e o pequenopardal se refugiou solitáriono galho de árvore

14.

minha alma caindona velocidade da luz:um corpo sem luz

22

aquarelas: haicais

15.

a carnaúba, na chuva,bem que se assemelha a umsamurai em vigília

16.

eu sou esses passoscansados e rasteiros quefi caram na praia

23

léo prudêncio

17.

quando anoiteceo véu negro cobre o céufi m do dia. lua nua: crua

18.

entre galhos e amorescoberta por fl ores brancasela se despetala

24

aquarelas: haicais

19.

a lua brilhandoacima de mim me deixamais perto de deus

20.

mesmo após o pontofi nal. germinou no poemagirassóis maduros

25

léo prudêncio

21.

a carnaubeirasolitária na paisagemdança com o vento

22.

ao contemplar o céunegro e chuvoso o homemagradece a deus

26

aquarelas: haicais

23.

diante do universoo homem é apenas merogrito silencioso

24.

do mirante fi coa observar: a eterna pancadasurda do mar

27

léo prudêncio

25.

solitário, no galhode árvore, o passarinhoadmira o fi m do dia

26.

não é o monte everesté um pé de seriguelacom formigas nele

28

aquarelas: haicais

27.

poderia ser muitosem um. mas. quis o destino.ser eu: metade do nada

28.

à luz de um lampiãoeles se amaram a noite todaaté o dia clarear

29

léo prudêncio

29.

há um imenso mara me invadir e deixo--me ser mar adentro

30.

ao contemplar a luano céu, e em tom menor, me invado de silêncio

30

aquarelas: haicais

31.

o mar, visto daquido mirante, não tem fi m. mase eu? que fi m terei?

32.

o sol dura menosde um dia. quando ele se vaivou-me junto com ele

31

léo prudêncio

33.

seu olhar diz-me quehá almas navegáveis abarquinhos de papel

34.

folia, carnavalna avenida e eu naalameda vazia

32

aquarelas: haicais

35.

temos 365 almas. umapra cada dia do ano. foraos anos bissextos.

36.

um dia devolverei àterra o que dela deustomou emprestado

33

léo prudêncio

37.(para nydia bonneti)

após a chuvao olhar atento à fl orque desabrocha (em mim)

38.

moça, apascentaminh’alma como quem há deapascentar ovelhas

34

aquarelas: haicais

39. (para rosália castro)

o sertão arde em mimcomo uma pequenafogueira de são joão

40.

sozinho na praiajunto ao mar de pés descalçosestou comigo mesmo

35

léo prudêncio

41.

galos que cantam demanhã louvores ao nascimentodo deus-sol: cocoricóóóóóó

42.

o meu silêncio éfuga e encontro de mim mesmo:paz revoada em mim

36

aquarelas: haicais

43.

sou aquela sombradesiluminada de sol quese vai no fi m do dia

44.

o silêncio da noiterompeu-se com o toque suavede lábios sedosos

37

léo prudêncio

45.

quando o sol sentana nuvem repara quejá se foi metade do dia

46.

a palavra escritana folha em branco levaum pouco de mim

38

aquarelas: haicais

47.

a calmaria decontemplar o vai e vem eternodas ondas do mar

48.

o gato mia e ronronaenquanto passa por minhaspernas de vara pau

39

léo prudêncio

49.

acordei no exatomomento do primeiro raiode sol no sertão

50.

o cinza que dominaa paisagem me atingeme desnorteia

40

aquarelas: haicais

51.

é que às vezeseu me escuto melhor quandofi co de frente pro mar

52.

um pássaro voandoriscou de cores o que antesera branco e azul

41

léo prudêncio

53.

sobre mim? acreditoque devo ser uma batidade vodka com rock’n’roll

54.

carros que buzinam:encontro explosivo apóso sinal vermelho

42

aquarelas: haicais

55.

ao pousar na pétalaa borboleta medita sobrea sua curta vida

56.

me comove as folhasdas árvores que envelhecem e caem durante a seca

43

léo prudêncio

57.

fl utuando no ar:borboletas dançam alegresuma valsa curta

58.

o mar é morada eaconchego dos que labutamem terra (des) fi rme

44

aquarelas: haicais

59.

a noite estavatão fria que a lua se encobriutoda com nuvens

60.

extrair do mormaçoresquícios de um solitárioverão no ceará

45

léo prudêncio

61.

o capote, à beirada morte, gritava pra nós:“tô fraco, tô fraco...”

62.

as Auroras do sertãoaparecem apenas em festas.Auroras. não: auroras

46

aquarelas: haicais

63.

mesmo a janela aberta, sol adentro, eu continuo noturno

64.

meu gato, em silênciona janela, espreitae namora a lua

47

léo prudêncio

65.

envergonhada, coma multidão de estrelas,a lua fi cou vermelha

66.

as rugas expostasnos caules dos pés de cajume subtraem

48

aquarelas: haicais

67.

hoje os pássarosnão voaram, enlutados asasas abaixaram

68.

é que quando o solrenasce de manhã eurenasço junto com ele

49

léo prudêncio

69.

o silêncio deu vidaao verbo. seria o silênciotambém um deus?

70.

na vitrola: stoneseu: em estado transcendente.gimme shelter: 1973

50

aquarelas: haicais

71.

na copa do chapéude palha o gatinho ronronae dorme sossegado

72.

fotografi as nãorevelam o som perdidodas risadas sem fi m

51

léo prudêncio

73.

fi m de tarde observopássaros em revoada:rumo ao infi nito

74.

para além do céuo olhar interrogativo:estaremos a sós?

52

aquarelas: haicais

75.

nuvens, que ao olharatento, tornam-se pinturas:aquarelas em fuga

76.

sob a garoa que caio poeta caminha sozinhode volta pra casa

53

léo prudêncio

77.

uma casa de taipase silencia na paisagem -sobral é hoje miragem

78.

sob o tronco de árvore,arrancado e velho, o pássaroreconstrói seu ninho

54

aquarelas: haicais

79.

desapercebido, ovento tropeçou nas páginasdo livro aberto

80.

a vida passa por nós.e é passageira em nós.diluída no nada.

55

léo prudêncio

81.

noite adentro eupasso navegando o marimenso que há em mim

82.

o pássaro pousouno galho da árvore. secae solitária

56

aquarelas: haicais

83.

ao fi m do dia estãopássaros/pessoas voando de volta pro ninho

84.

tomei emprestadoa cor do sol. agora meu coraçãome ilumina por dentro

57

léo prudêncio

85.

aos poucos compreendoa calvície prematurados pés de caju

86.

o avião, ave de ferro, não é tão preciso e seguroquanto uma gaivota

58

aquarelas: haicais

87.

sou um velho mongeà beira da morte. semear haicaisé a minha sina

88.

ao longe, acima de mim, a solidão das estrelasme toca

59

léo prudêncio

89.

o sol rabiscou nochão o desenho perfeitode minha janela

90.

o cheiro de chãomolhado invadiu toda acasa – jardim das horas

60

aquarelas: haicais

91.

do alto da serrada meruoca o sol acena,de longe, para mim

92.

eu sou o estrangeiroe passageiro soturno nestevagão só de ida

61

léo prudêncio

93.

avessa a apariçõesela saiu de seu casuloe nunca mais foi vista

94.

o mar fi cou todopreso nas conchas que colhemosno fi nal do dia

62

aquarelas: haicais

95.

sentado no bancoda praça, avisto pássarosem revoada: (fi m do expediente)

96.

após a chuvao sol se naufragou dentroda casinha

63

léo prudêncio

97.

as gotas de chuvacaem lentamente das folhase se confundem com o chão

98.

no tronco de uma árvorepassarinhos batem paposobre o dia a dia

64

aquarelas: haicais

99.

sorrio de volta probotãozinho de fl or quevai desabrochando

67

léo prudêncio

haicai para léo prudêncioou me segura senão haicaio

1.

1. o haicai é uma centelha. fulguração pe-queno satori iluminação. é a poesia pega no voo ou antes no salto. mas o haicai não é rápido: é bre-ve. de uma brevidade com vagar devagar porque contemplativa 2. derivado do tanka mantém deste os versos iniciais e abdica dos dois fi nais; por isso o imediato da apreensão do haicai e sua expressi-vidade cintilante: deve condensar uma impressão súbita um lampejo um luzir uma intuição que ao se vocalizar reverbere distenda-se espraie-se en-languesça enlargueça-se — permaneça 3. vê-se que ao haicai acontece o que a todo poema: a inspira-ção — se a há —como despertar do poeta à visão

68

aquarelas: haicais

repentina que se lhe apresenta e o traduzir aquele reluzir (com o adendo de que a tradução devida é a da concentração para maior fulgor não cabendo expansão que não a de sentidos) 4. o sintético do poema resulta no haicai como estaticidade: se a lei-tura é rápida — três versos de escansão 5-7-5 — a fruição da imagem sugerida é duradoura perfi cante remanescente. o haicai é um fl agrante o 3 x 4 (3 x 3?) de um evento um pensentimento e ao mesmo tempo imobilidade do poema que capta que rapta e perpetua o movimentar-se do acontecer. breve e duradouro fi xo e movedouro o haicai é a quin-tessência o sumo do que se chama poesia 5. vem bashô por uma trilha estreita e o mergulho da rã no lago o surpreende: essa surpresa é o haicai: ins-tantâneo mas também ondulante como os círculos centrífugos na água

1. guilherme de almeida: O POETA. Caçador de estrelas./ Chorou: seu olhar voltou/ com tantas! Vem vê-las! (Encantamento, Acaso, Você, seguidos dos haicais completos)

69

léo prudêncio

2. sânzio de azevedo: NOITE. A lua, já bai-xa,/ se esconde por trás da fronde./ Uma rã coaxa. (Lanternas Cor de Aurora)

3. francisco carvalho: O espírito de Bashô/ te visita no limiar/ da água sem umbral. (Romance da Nuvem Pássaro, in: Memórias do Espantalho)

4. luciano bonfi m: Livro: longa liberdade/ prosseguir paisagens, pensamentos/ pairar pelas palavras (Aliterar Versos 20/60 + alguns instantâ-neos)

5. millôr fernandes: O hai-kai,/ descobri noutro dia,/ é o orvalho da poesia. (Hai-kais)

6. alice ruiz: mosquito morto/ sobre poe-mas/ asas e penas (Desorientais)

7. bashô: a caminho do interior/ canções do plantio de arroz/ meu primeiro contato poético (Trilha Estreita ao Confi m, tradução de Kimi Take-naka/ Alberto Marsicano)

70

aquarelas: haicais

8. léo prudêncio: estou sóbrio de/ palavras amores e livros/ fui regado a sol (aquarelas)

2.

1. nuvens que ao olharatento tornam-se pinturas:

aquarelas em fuga

(haicai 75)

2. foi guilherme de almeida quem implan-tou e difundiu no brasil de 1936 o haicai acrescido de título e rimas segundo a fórmula - - - - x/ - o - - - - o/ - - - - x. mas como esclarece léo prudêncio as aquarelas não pretendem seguir sempre o esquema métrico tampouco o rimático. e penso que não seja indevida tal escolha: se em sua origem há mais de quinhentos anos os versos japoneses prescindiam da consonância da simétrica eufonia por que não prescindir agora? as aquarelas inscrevem-se numa

71

léo prudêncio

perspectiva contemporânea do haicaiar (a do jiu-ritsu) ao abdicarem de aterem-se à contagem do metro e disposição rímica; ao declinarem dos títu-los e ao insistirem no uso mínimo de pontuação e utilização exclusiva das minúsculas [nota de con-texto: conferir o poema 62, em que a palavra “Au-roras” é corrigida para “auroras”, mais condizente com o alvorecer do sertão] assumem-se como liris-mo contemporão e enquanto tal isentam-se da pré-fi xação de formas excetuando-se a manutenção dos três versos [nota de contexto: às vezes mesmo esse preceito normativo mínimo aparece suplanta-do: leiam-se os poemas 37 (para nydia bonetti) e 95, desdobrados em quatro versos; por outro lado a tessitura triádica é tão distinguida que o mon-tante de poemas não é outro senão o de noventa e nove a saber três ao quadrado três ao quadrado ou três ve-zes trinta e três] 3. a “pegada” pós-moderninha do aquarelas mostra-se também nalguns dos poemas que apelam para a temática expressivamente urba-na: vejam-se os de número 39 (a bateria de sam-ba) 53 (a batida de vodka e rock’n’roll, conducente

72

aquarelas: haicais

a outra batida a de) 54 (carros que buzinam) 70 (stones na vitrola) 86 (o avião) [nota de contexto: o samba e o rock’n’roll no aquarelas: resquícios de baladas para violão de cinco cordas, livro anterior de léo prudêncio?] 4. considerada a urbanidade de certos haicais e a acentuada liberdade formal do livro inteiro parece que o distanciamos de sua an-cestralidade: mas não é para tanto. é de se notar que a despeito do predominante versilibrismo estes po-emas prudencianos mantêm — visualmente — o alongamento do segundo verso sugerindo-nos ao menos e sempre visualmente um não tão demarca-do afastamento em relação aos haicaístas nipôni-cos dos séculos xvii-xviii: bashô-sora-buson-issa, por exemplo. quanto à urbanidade do aquarelas vale lembrar que os poemas acima citados cons-tituem exceções neste volume sem dúvidas muito mais próximo de um panorama interiorano e ser-tanejo que da cidade grande (cada vez menor por-que maior). o próprio distanciamento do cenário oriental mais conclama que repele o espírito ori-ginal do haicai: como fazer soarem sinceros versos

73

léo prudêncio

brasileiros-nordestais que tratassem de “cerejeiras” “neves” “rouxinóis” “montes fujis”? somente a geo-grafi a cearense — sertão serra e litoral — pode tor-nar-se verdadeira imagem: “pés de manga” “brasas de fogueiras” “rolinhas” e “meruocas”: como bem diz o poema 26, “não é o monte everest/ é um pé de seriguela/ com formigas nele”. pois é o conhesenti-mento direto da paisagem sertaneja que permite a léo prudêncio alcançar em tantos de seus haicais o lirismo subitâneo-surprêsico do haicai oriental 5. o lirismo oriental como expressão da ligação do poeta com a natureza ao redor: faz-se profunda-mente presente no aquarelas o saber-se natureza e seguramente a maior parte dos poemas tem como tema a contemplação desta: “lagarta devoradora” (6) “passarinho admirador” (25) “mar invasor” (29) “galos cantadores” (41) “borboleta meditado-ra” (55) “sol renascedor” (68) “vento tropeçador” (79) “botão de fl or desabrochador” (99) — tudo é admiração de um fora só perceptível porque eco-ante e ecoante porque condizente com o dentro do bardo. por estar aberto pronto receptivo para

74

aquarelas: haicais

o fora o fora se adentra e o que era fora e adentro torna-se um no poeta torna-o um com o derredor devolve-o ao entorno natural naturaliza-o ao passo que humaniza — poetiza — a natureza já poética. correndo o risco de um esquematismo por demais simplista (como soem ser os esquematismos) di-rei que boa parte de aquarelas (quase metade) compõe-se desse olhar contemplativo para o fora: “choveu e o pequeno/ pardal se refugiou, solitário,/ no galho de árvore” (13) ou “envergonhada com/ a multidão de estrelas/ a lua fi cou vermelha” (65); uma quantia diz respeito à contemplação do si: o de abertura (1) supramencionado e “o meu si-lêncio é/ fuga e encontro de mim mesmo/ paz re-voada em mim” (42) ou “noite adentro eu/ passo navegando o mar/ imenso que há em mim” (81). [nota de contexto: é certo que “revoada” e “mar” comportam elementos da natureza exterior mas o acento recai na observação de si na intro mais que na extro pecção] o encontro explícito do “in-” e do “ex-” dá-se em poemas como “a lua brilhando/ aci-ma de mim me deixa/ mais perto de Deus” (19) ou

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léo prudêncio

no belíssimo blaisepascaliano “ao longe, acima/ de mim, a solidão das estrelas/ me toca” (88) 6. são a meu ler as abordagens predominantes embora ocorra intercalada e espaçadamente a presença da percepção a partir do fora do si-outro como aqui amorosamente “e ela é tão linda/ que a lua toda se alumia/ quando a vê passar” (12) ou aqui perplexa e de novo pascalmünchianamente “diante do uni-verso/ o homem é apenas mero/ grito silencioso” (23). por fi m a ligação entre o si e o outro em raros poemas a partir da identidade bem delineada pela transição à primeira pessoa do plural “para além do céu/ o olhar interrogativo:/ estaremos sós?” (74) ou “a vida passa por nós/ e é passageira em nós/ di-luída no nada” (80) 7. mas talvez esteja na procura da vinculação à poesia mesma a realização máxi-ma do aquarelas. o haicai fugidio em sua brevida-de e permanente em sua reverberação cristalizado assim

a palavra escritana folha em branco levaum pouco de mim (46)

76

aquarelas: haicais

3.

1. perdão léo os haicais tigelíricos a seguir ainda são de estro guilhermino

2.

vejo da marquise a lua mostrar-se nua

cheia: estripetise

3.

velho o samuraidepõe armas e se põea empunhar haicais

4.

vem bashô na trilhaestreita: olha acima e “eita”

um haicai lhe brilha

77

léo prudêncio

5.

versos e silêncio:singelas-te. o aquarelas

lês, de léo prudêncio

o poeta de meia-tigela

www.editorapenalux.com.brhttps://prudencioleo.wordpress.com/

prudencioleo@hotmail.com

/leoprudencio

@LoPrudencio

Composto em Electra LT Regular e impresso em Pólen Soft 80g/m²

em São Paulo para Editora Penalux, em Março de 2016.