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MÍDIAS AUDIOVISUAIS, EDUCAÇÃO AMBIENTAL E FORMAÇÃO DOCENTE
Marcia Cristina BACIC
Rosana Louro Ferreira SILVA
Instituto de Biociências/ Departamento de Zoologia
Universidade de São Paulo
Eixo temático 02: Formação continuada e desenvolvimento profissional de
Professores da Educação Básica
Agência Financiadora: CNPq
mcbacic@usp.br
1. Introdução
Na cultura ocidental a influência da mídia na formação ética, valorativa e como
fonte de informação é muito expressiva. “A sociedade contemporânea está permeada
pela mídia de tal maneira que ela não pode mais ser considerada como algo separado
das instituições culturais e sociais” Hjarvard (2012, p. 53). A partir da segunda metade do
século XX, a televisão começou a expandir seu domínio no Brasil através da inauguração
e aperfeiçoamento de emissoras, aumento da presença dos aparelhos de TV nas casas,
a massificação de sua programação, e a monetização de sua programação (Amorin,
2007).
Nesse contexto, o ensino e aprendizagem em sala de aula passou a ser
influenciado por essas mídias, mesmo quando elas não são utilizadas como recursos
didáticos pelo professor. Os discursos da mídia perpassam as relações sociais e, por
conseguinte, as relações educativas também. O advento do surgimento e da expansão
da internet aumentou ainda mais o acesso às mídias audiovisuais.
As mídias, de uma forma geral, estão inseridas no dia a dia da maioria das
pessoas independentemente do nível socioeconômico ou das suas práticas culturais.
Segundo Gregolin (2007, p.16): “[...] as mídias desempenham o papel de mediação entre
seus leitores e a realidade, [...] que permite ao leitor produzir formas simbólicas de
representação da sua relação com a realidade concreta.”
Embora as mídias se processem como mediadoras entre a realidade e seus
leitores e, talvez, principalmente por isso, há a necessidade de que haja uma
ressignificação crítica de seus conteúdos. A mídia traz uma série de discursos e esses
refletem e reproduzem as relações de poder da sociedade. Para que essa mediação seja
eficiente são demandados dos professores saberes que os habilitem a analisar, criticar,
ressignificar e intervir pedagogicamente.
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2. Objetivos
Neste trabalho nos propormos a discutir a importância do professor como
mediador das mídias; apresentar dados sobre a utilização e mediação de recursos
midiáticos pelo professor; e propor perspectivas de uma formação docente que enfrente
os desafios relacionados à necessária crítica das mídias (formato e conteúdos
veiculados), com foco na educação para a conservação da biodiversidade numa
perspectiva sociocultural.
3. Metodologia
Nossa investigação é de natureza qualitativa. De acordo com Bogdan & Biklen
(1994, p.70) “os investigadores qualitativos tentam compreender o processo mediante o
qual as pessoas constroem significados e descrever em que consistem estes mesmos
significados”. Em suma, a nossa metodologia de tomada, tratamento e análise dos dados
passou pelos seguintes momentos: aprofundamento dos referenciais teóricos; seleção da
mídia Florestas Vazias (triagem através de pesquisa na internet e da compatibilização
com nossos referenciais teóricos de vídeos com temática da biodiversidade); formulação,
aplicação do questionário e das entrevistas semiestruturadas; transcrição, análise e
discussão dos dados a partir de nossos referenciais teóricos.
O questionário, disponibilizado no Google Docs, contou com dois blocos de
questões, sendo um sobre educação ambiental e uso de mídias em geral e o outro sobre
o vídeo Florestas Vazias. As questões da entrevista semiestruturada versaram sobre o
uso da mídia Florestas Vazias como recurso didático pelos professores entrevistados. Os
questionários foram respondidos por 34 professores, e as entrevistas foram realizadas
com 3 professores. Todos os professores assinaram o termo de consentimento livre e
esclarecido e seus nomes foram trocados para preservar o sigilo da pesquisa.
4. Mediação pedagógica de mídias audiovisuais com temática ambiental da
biodiversidade
Embora as mídias se processem como mediadores entre a realidade e seus
leitores e, talvez, principalmente por isso, há a necessidade de que haja uma
ressignificação crítica de seus conteúdos. A mídia traz uma série de discursos e esses
refletem e reproduzem as relações de poder da sociedade Gregolin (2007).
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Fischer (2002, p.51) fundamentada numa perspectiva foucaultiana nos alerta
sobre como os significados que são compartilhados através das mídias funcionam como
“[...] dispositivos de poder, saber e produção de sujeitos” e “locus privilegiado de
veiculação, reforço e também produção de certas maneiras de ser e estar no mundo
hoje”
Autores como Moran (2006 e 2007); Lopes (2007) e Fischer (2002) deixam
evidentes as potencialidades educativas das mídias audiovisuais, mas também o perigo
que elas representam quando utilizadas acriticamente. Os conteúdos apresentados
sofrem uma série de interferências quem nem sempre são interessantes para a educação
com uma perspectiva libertadora.
Segundo Moran (2006, p. 34) “A força da linguagem audiovisual está no fato de
ela conseguir dizer muito mais do que captamos, de ela chegar simultaneamente por
muito mais caminhos do que conscientemente percebemos”. O autor apresenta o quão
complexa é a linguagem audiovisual. Sendo essa linguagem apta a transmitir mensagens
não apenas através do discurso, mas também da estética, da emoção e dos valores.
Se o aluno não for instigado a refletir sobre as mídias a que tem acesso não o
fará, e acabará aceitando acriticamente o que lhe for oferecido de conteúdo, o aluno
precisa construir um conhecimento que o habilite a ser um consumidor crítico e
positivamente seletivo das mídias. Meira e Pillotto (2010, p.41) acrescentam: “ [...] o
conhecimento construído é mais do que intelectual, é também intuitivo, é um
conhecimento global das coisas”.
A questão da importância do uso crítico das mídias e da instrumentação para a
avaliação da qualidade desses materiais pelos cidadãos é tão urgente que a Unesco
(2013) elaborou um documento no qual consta um currículo para a promoção da
alfabetização midiática e informacional para professores.
Sobre a convergência entre a educação ambiental e o uso de mídias numa
perspectiva sociocultural, destacamos que ambos demandam do docente saberes
relacionados à crítica. Essa crítica não pode ser exercida dentro de um paradigma
pedagógico conservador, antes é associada a uma pedagogia histórico-crítica ou
sociocultural. Uma educação ambiental com perspectiva crítica se diferencia de outras
vertentes, pois se “vincula às teorias sociais e pedagógicas críticas construídas
historicamente” Silva (2010, p. 223) e que venham a promover a criticidade em relação à
educação e à ciência, e “estimular processos de conhecimento que sejam imbuídos de
engajamento político” (idem, p. 226). Silva e Campina (2011, p.34) consideram essa
perspectiva crítica da educação ambiental mais adequada para o uso na escola: “[...]
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principalmente, pelo papel fundamental que essa concepção atribui à dimensão política e
à práxis educativa”.
Sauvé (2010) fala de um saber ambiental que provém do questionamento da
racionalidade dominante. Pensar criticamente sobre o que parece óbvio, mas que está
impregnado de valores, muitas vezes associados à cultura hegemônica e excludente, é
algo de grande relevância para a educação ambiental.
Foucault (1990) em sua palestra intitulada O que é a crítica? coloca: “[...] a crítica
é o movimento pelo qual o sujeito se dá o direito de interrogar a verdade sobre seus
efeitos de poder e o poder sobre seus discursos de verdade; pois bem, a crítica será a
arte da inservidão voluntária, aquela da indocilidade refletida”.
Considerando esse papel diferenciado do professor, como ser crítico e com o
papel de ensinar a crítica, motivar a criatividade, o inconformismo, a ética, exige-se desse
professor crítico, mediador, uma série de saberes importantes para a fundamentação das
práticas de mediação.
As atividades que permitem a discussão das mídias, a ressignificação, a reflexão
a partir de seu conteúdo, a produção de novos conteúdos a partir da mídia, possibilitam
uma aprendizagem que vai além da mera aquisição de informações. As informações
veiculadas são reelaboradas e passam a fazer parte dos conhecimentos dos envolvidos
nos processos de ensino e aprendizagem. Nesse processo aprende-se não apenas a se
informar, mas aprende-se a aprender e a analisar criticamente os recursos midiáticos e
os discursos ambientais.
5. Resultados e discussão
Apresentamos aqui e discutimos dados obtidos através dos questionários e das
entrevistas que fizemos com professores da educação básica de várias disciplinas do
currículo. Responderam o questionário professores de Ciências Físicas e Biológicas,
Biologia, Geografia, História, Geografia, Matemática, Física, Artes, Química, Filosofia,
Sociologia, Música, Português, Inglês, Espanhol, Práticas Experimentais. Cerca de
metade dos respondentes ministravam aulas de Ciências e/ou Biologia.
Dos 34 professores que responderam às questões gerais do questionário, cerca
de 82% (28 professores) declarou já ter feito uso de mídia como recurso didático, dos
quais metade declarou fazer uso frequente desses recursos para trabalhar educação
ambiental na escola.
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A maioria dos professores relatou já ter utilizado algum recurso midiático
audiovisual com temática ambiental em suas aulas. Entre os recursos citados o formato
de documentário foi o mais frequente. Uma verdade inconveniente e Ilhas das Flores
foram os mais citados, com três citações cada. Foi relatado, também o uso de filmes de
ficção, embora numa proporção menor. Os filmes citados foram: filmes de ficção científica
(não especificados), filmes baseados em fatos reais (não especificados), Avatar, Um dia
depois do amanhã, O Lórax, Rio, Free Willy, Os Sem Floresta. Foi citado o trabalho com
músicas também. As músicas citadas foram: Planeta Água, Planeta Azul, Sal da Terra,
Herdeiros do Futuro. Os programas da TV aberta citados nas respostas foram: Globo
Repórter, Globo Ecologia, reportagens da TV Globo.
Através dessas respostas percebemos que os professores estão abertos ao uso
de recursos midiáticos audiovisuais em sala de aula e que já fazem uso desses com fins
de educação ambiental. A questão que se coloca então é a de como esses recursos são
selecionados e mediados pelos professores. É extremamente importante identificar quais
mensagens e valores são transmitidos por determinada mídia a fim de decidir se ela se
adequa ou não aos objetivos de aprendizagem e quais ações de mediação são
necessárias para que sejam reduzidos os “efeitos colaterais” decorrentes do uso desse
recurso. Como efeitos colaterais consideramos as informações duvidosas, os valores que
estão sendo transmitidos e outros elementos que possam competir com as
potencialidades pedagógicas.
Os critérios mais citados para a escolha de determinada mídia como recurso
didático por ordem decrescente foram: conteúdo (28), tempo (22), facilidade de acesso
(21), qualidade das imagens (19), indicações de colegas (11), sugestões de alunos(9),
interdisciplinaridade (1), objetivos (1), demonstração visual (1).Os enunciados trazidos
pelas mídias audiovisuais muitas vezes são assimilados e reproduzidos acriticamente, o
que acaba tornando a relação custo-benefício do acesso irrestrito à informação tender
para o lado negativo.
Percebe-se que, além do conteúdo, o tempo de duração da mídia é considerado
bem relevante para a escolha do material, preocupação justificável já que as aulas têm
em média 50 minutos, ficando difícil trabalhar com vídeos muito longos. Quanto aos
vídeos curtos, algumas vezes fica difícil deslocar os alunos para uma sala de vídeo ou
informática para assistir um vídeo muito curto e, depois, ter que se deslocar de volta para
a sala e retomar a aula.
Gomes (2008) realizou um estudo no qual propôs critérios para a seleção de
recursos didáticos audiovisuais. São eles: conteúdos; aspectos técnico-estéticos
(linguagens, roteiro, estrutura narrativa, formato e produção); proposta pedagógica;
material de acompanhamento e público a quem se destina. Comparando com os dados
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que obtivemos em nosso estudo, percebemos que, além dos tópicos sugeridos pelo
autor, as sugestões de colegas e alunos também podem ser acolhidas.
O processo de escolha do material é o passo inicial para que a mediação
efetuada pelo professor seja eficiente, pois o professor precisa conhecer as
potencialidades e as limitações de cada mídia a fim de fazer uma triagem das que
poderiam ser utilizadas para alcançar seus objetivos de ensino. Quando o professor
aceita sugestões dos pares, considera que alguns critérios já foram analisados pela
pessoa que sugeriu, e ele acolhe essa pré-análise, mas mesmo assim, é importante o
olhar pessoal, afinal a mediação será feita pelo professor que fizer uso da mídia.
Moran (1995, p.29 e 30) nos alerta sobre usos inadequados dos vídeos: como
tapa-buraco (quando há algum problema inesperado); vídeo-enrolação (sem muita
ligação com a matéria); vídeo-deslumbramento (uso exagerado do vídeo); vídeo-
perfeição (critérios muito rigorosos de escolha) e só vídeo (deixar de utilizar outros
recursos). Quanto às sugestões dos alunos, o acolhimento delas geralmente tem relação
com a motivação prévia para o uso da mídia, mas há o perigo de os alunos verem o
vídeo apenas como entretenimento, daí entra mais uma vez a necessidade de uma
mediação consistente desse recurso. É preciso tomar cuidado para não cair em uma
dessas armadilhas do uso inadequado do vídeo. O professor sempre deve assistir
previamente o material que utiliza em sala de aula e planejar suas intervenções.
E é preciso ter em mente que o professor não é apenas um mediador de
conteúdos científicos, ele também media afetos, consciente ou inconscientemente, que
podem promover ou dificultar a aprendizagem. A motivação, tão importante para a
aprendizagem, e, por que não, para o ensino, tem um forte componente afetivo (Meira e
Pillotto, 2010).
Cabe ao professor encontrar meios para conciliar a motivação aos objetivos de
aprendizagem, e os vídeos podem contribuir muito nesse sentido, desde que sejam
cuidadosamente escolhidos e mediados.
A fim de exemplificar as mediações propostas pelos professores a partir de uma
mídia audiovisual, utilizamos as respostas dos professores ao questionário e às
entrevistas sobre o filme Florestas Vazias. Esse documentário foi apresentado na
televisão aberta no programa Globo Ecologia e está disponível na internet.
Em síntese, a mídia Florestas Vazias tem como tema central o fenômeno
homônimo que é representado por uma perda da biodiversidade da floresta devido ao
decréscimo na população de grandes mamíferos. O filme foi gravado no Parque Estadual
Carlos Botelho, que fica na região do Vale do Ribeira, no estado de São Paulo. Foi
selecionado por abordar uma temática próxima da realidade dos professores
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entrevistados e de seus alunos proporcionando oportunidades de contextualização do
conteúdo veiculado.
O vídeo tem duração de 20 minutos. Perguntamos aos professores se a duração
do vídeo era adequada para o uso em sala de aula. Apenas um professor não considerou
o tempo adequado, alegando que os adolescentes não conseguem prestar atenção por
tanto tempo, declaração interessante pois remete à preocupação de que o vídeo fosse
adequado às características do público-alvo.
Quanto às potencialidades em relação ao uso desse recurso os professores
apontaram: o tempo “sobraria metade da aula para debate ”; a conscientização “quanto a
caça ilegal e o uso inadequado das florestas ”; a reflexão “importância de utilizar esses
recursos de forma sustentável”; a clareza das explicações “bem explicados”, “linguagem
de fácil compreensão”.
Os fatores limitantes apresentados foram: a duração do vídeo “é um pouco
extenso” e o formato televisivo “perder tempo com imagens do apresentador, da
tecnologia que emissora dispõe”. Um professor destacou a importância da mediação:
“com uma intervenção do professor, pode ser um bom documentário”.
Quando questionados sobre como utilizariam esse vídeo sem sala de aula, os
professores se dividiram entre os que descreveram o momento em que apresentariam o
vídeo e outros que sugeriram atividades. Quanto ao momento em que o vídeo seria
apresentado temos: antes da abordagem do tema pelo professor: sensibilização ou
introdução ao tema (15%); concomitante ou após a discussão do tema: aprofundamento
ou complemento da aula, contextualização, demonstração (25%). As atividades propostas
a partir do uso dessa mídia foram: saída a campo, relatório, elaboração de notícias em
um telejornal, pesquisa, projeto. Foram sugeridos também debates e rodas de discussão,
que foram as propostas mais frequentes, por 20% dos professores. Apenas um professor
disse que incluiria o vídeo em um projeto e que esse seria desenvolvido ao longo de um
bimestre. Um professor sugeriu a apresentação apenas da segunda parte do vídeo, o que
o deixaria mais curto (no site do programa há a opção de ver o vídeo inteiro ou dividido
em 3 partes).
As propostas citadas pelos professores convergem com aquelas sugeridas por
Moran (1995) para utilização das mídias como recurso didático, o que revela que o
professor consegue vislumbrar atividades interessantes para o uso adequado dos
recursos midiáticos.
Nas entrevistas percebeu -se uma identificação dos professores em relação ao
tema desenvolvido no vídeo, pois atuam em escolas de uma região cercada por áreas de
proteção ambiental, e porque o parque citado no vídeo Parque Estadual Carlos Botelho
fica em uma cidade próxima, dentro da mesma bacia hidrográfica do rio Ribeira de
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Iguape (Vale do Ribeira). Quando questionado sobre a adequação do vídeo como recurso
didático um entrevistado responde e um outro concorda com movimentos afirmativos da
cabeça:
É interessante porque é a realidade deles, né? Muitos alunos que
vem para a nossa escola aqui, eles vêm de comunidades que
estão muito próximas da mata, então eles têm essa vivência da
caça, do palmito, têm uma vivência muito grande (Lucas*)
Os entrevistados propuseram para a mediação das mídias debates, pesquisas na
internet sobre biomas, um projeto que envolvesse a criação de um viveiro de mudas
nativas, excursão ao Parque Estadual Carlos Botelho, entrevistas com avós para saber
quais animais eram vistos com frequência na região e agora não são vistos mais. A
identificação com a problemática relatada também trouxe diferenciação nas mediações
propostas. As propostas não se restringiam a aproveitar as informações disponibilizadas
pelo vídeo, mas buscar uma transformação na cultural local através das reflexões e
atividades práticas. Percebemos a importância do conteúdo da mídia ser significativo não
só para o aluno, mas também para o professor, pois isso gera motivação de ambas as
partes e pode enriquecer muito as discussões. Marcos* discorrendo sobre a viabilidade
do uso e de como utilizar o Florestas Vazias em sala de aula ressalta:
[...] preservação da ecocultura local, porque a gente não está
falando de algo tão distante, estamos falando de uma parte
remanescente que é próxima ao município deles, o que torna a
coisa um tanto quanto mais sentimental. (Marcos*)
Destacamos que essa identificação só foi possível porque escolhemos para o
estudo um vídeo-documentário que apresenta uma realidade próxima aos alunos. Apesar
das limitações da linguagem televisiva, esse documentário por ser nacional e os
produtores compartilharem com o público uma cultura comum, torna-se mais interessante
do que os documentários internacionais, que são tão utilizados em contextos educativos.
Do ponto de vista da educação ambiental crítica, trazemos as palavras de Sauvé (2005,
p.319) “A relação com o meio ambiente é eminentemente contextual e culturalmente
determinada”. Focar em um tema próximo à realidade dos alunos, torna as discussões
muito mais produtivas.
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No contexto de uma nova dinâmica sociocultural na qual as mídias se inserem
com um poder que deve ser reconhecido, criticado e transformado, o professor deve
aprender fazendo, aprender criando conhecimento, aprender no interior da cultura,
refletindo sobre ela e produzindo cultura. O desenvolvimento cognitivo é mediado por
signos na construção de significados, tarefa embasada culturalmente que se dá através
da negociação entre indivíduos dessa mesma cultura Silva (2012).
Freire (2013, p.137) falando sobre a televisão (que estendemos a todas as mídias
audiovisuais: ”para enfrentar o ardil ideológico de que se acha envolvida a sua
mensagem na mídia [...] nossa mente ou nossa curiosidade teria de funcionar
epistemologicamente todo o tempo”. Para o autor ensinar não se reduz a fórmulas
prontas, a memorizações, ele concebe o professor como um ser pensante e que faz
pensar, que forma e é formado na sua relação com o educando e com o conhecimento.
Para o autor “ensinar não é transferir conhecimento” (id., p.47). Utilizar a mídia como
material para trazer informações aos alunos, dispensando a ação crítica do professor,
também não é ensinar. Se o vídeo não for ressignificado e discutido, o uso desse recurso
não mudará a perspectiva tradicional da aula.
Voltando aos dados de nosso estudo alguns professores sugeriram debates e
pesquisas (que bem conduzidos poderiam enriquecer bastante os conteúdos veiculados,
caso a mediação fosse adequada), a inclusão do vídeo em um projeto mais amplo
(também pode ser muito enriquecedor), mas também houve sugestão de fazer relatório
(atividade tradicional que muitas vezes apenas reproduz acriticamente o que foi
transmitido pelo vídeo). As saídas a campo têm a vantagem da contextualização do tema,
mas os resultados dependerão da abordagem do professor. Há sugestões que exploram
o vídeo de forma tradicional e outras que trazem uma abordagem mais crítica. O mesmo
documentário surtiria resultados diferentes em cada contexto educativo proposto. A
questão não é a atividade em si, mas como essa atividade será conduzida pelo docente.
Até mesmo um debate pode perder seu componente crítico se o professor tiver uma
postura autoritária e intimidadora. Notamos que os professores quando questionados
sobre como utilizariam o vídeo em sala de aula comumente se referiam às atividades,
falando pouco ou nada sobre as mediações e intervenções por parte de professor que
seriam necessárias para que o público-alvo fosse atingido.
Saviani (1996) apresenta os saberes que configuram o processo educativo, ou
seja, os saberes que os professores precisam dominar e que devem fazer parte do
processo formativo: atitudinal, crítico-contextual, específicos, pedagógico e didático-
curricular. Todos eles estão envolvidos, de uma maneira ou de outra, na mediação das
mídias audiovisuais ambientais, mas chamamos atenção para o saber crítico-contextual
que é essencial para a mediação crítica da forma e do conteúdo da mídia. Segundo o
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autor (id., p.149) “Espera-se, assim, que o educador saiba compreender o movimento da
sociedade identificando suas características básicas e as tendências de sua
transformação” e a formação dos professores deve dar conta de atender essa demanda.
A mediação pedagógica, executada pelo professor, é algo de extrema relevância
para a aprendizagem. A mídia, por si só, pode ser de pouca valia para a aprendizagem
sem uma mediação pedagógica, principalmente devido aos perigos da doutrinação
midiática quando o uso não é acompanhado de reflexão e crítica. Aprendemos a
aprender, extraindo os pontos positivos e tendo consciência dos negativos através da
interação com os signos e os indivíduos mais experientes da cultura, no caso, o
professor.
Aprender sobre o meio ambiente, suas interações ecológicas, sua biodiversidade,
bem como entender como as culturas se apropriam desse meio ambiente, quais relações
estabelecem, quais fatores econômicos e sociais interferem em seu equilíbrio, quais
ações são necessárias para diminuir as desigualdades, entre outros temas
indispensáveis à compreensão dos dilemas atuais é algo essencial tanto para a
educação ambiental como para a educação para a cidadania.
Considerações finais
A sinergia entre os pressupostos teóricos que fundamentam a construção pelo
docente de seus saberes possibilitaria uma formação docente mais consistente. Uma vez
que a crítica é essencial à mediação dos conteúdos de um modo geral, faz-se necessário
que a formação docente se baseie em referenciais histórico-críticos a fim de que seja
possível a construção de saberes que possibilitem ao professor uma mediação dos
recursos midiáticos ambientais sob a perspectiva da educação ambiental crítica.
Os resultados parciais de nossa pesquisa indicaram que os professores
costumam fazer uso de mídias audiovisuais para fins de educação ambiental, mas
quando questionados a respeito de como trabalhariam esses recursos em sala de aula
abordam as atividades, deixando de discutir as mediações que seriam necessárias.
Embora as atividades mais frequentemente citadas tenham sido os debates e as rodas
de discussões, não houve descrição de como seria a mediação do professor nessas
dinâmicas, com isso não sabemos se as atividades teriam uma perspectiva crítica e
libertadora ou se seriam apresentadas dentro de uma perspectiva conservadora.
Segundo Napolitano (2010) é comum considerar o documentário como uma expressão
da verdade, sem questionar o conteúdo veiculado. O que não ficou elucidado e pode ser
motivador de outras investigações é se os professores estão utilizando os recursos
audiovisuais com ou sem uma mediação crítica dos conteúdos veiculados.
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Ressaltamos a necessidade de desenvolvimento de um saber crítico-contextual
(Saviani, 1996) para promover uma posição crítica do professor em relação às questões
socioambientais e à abordagem midiática das mesmas. Freire (2011 p.137), discorrendo
sobre os saberes docentes e a mediação da televisão coloca: “postura crítica e desperta
nos momentos necessários não pode faltar”.
Constatamos a importância da identificação com o tema desenvolvido que cria um
ambiente motivador e propício à aprendizagem, além de permitir que tanto o professor
quanto os alunos possam utilizar seus conhecimentos socioculturais locais em contexto
de escolar, valorizando, mediando e enriquecendo os conhecimentos de ambos.
O estudo efetuado trouxe novas questões que serão alvo de investigações
futuras. Temos a ideia de realizar grupos focais com professores com o fim de verificar as
ressignificações e quais mediações os professores sugerem dentro de um contexto de
trocas de opiniões com seus pares.
Notas:
O asterisco após o Nome* indica que se trata de um nome fictício.
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