Post on 20-Dec-2014
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Memórias de um Sargento de Milícias
Manuel Antônio de Almeida
“As Memórias reportam-se a uma fase em que se esboçava uma estrutura não mais puramente colonial,
mas ainda longe do quadro industrial-burguês. E, como o autor conviveu com o povo, o espelhamento foi
distorcido apenas pelo ângulo da comicidade, que é, de longa data, o viés pelo qual o artista vê o típico,
sobretudo o típico popular.”
• O sentimentalismo exacerbado cede lugar ao romance popular de caráter humorístico.
• O retrato de costumes do Rio de Janeiro.
• As personagens: tipos sociais identificados pela profissão ou condição social.
• O registro social antecipa o episódio.
• Sociedade marginalizada e dividida por grupos.
As Características
"Tratava-se de uma cigana; o Leonardo a vira pouco tempo depois da fuga da Maria, e das cinzas ainda quentes de um amor
mal pago nascera outro que também não foi a este respeito melhor aquinhoado; mas o homem era romântico, como se diz hoje, e babão, como se dizia naquele tempo; não podia passar
sem uma paixãozinha."
“Apesar de tudo quanto havia já sofrido por amores, o Leonardo de modo algum queria emendar-se; enquanto se
lembrou da cadeia, dos granadeiros e do Vidigal, esqueceu-se da cigana, ou antes, só pensava nela para jurar esquecê-la; quando porém as caçoadas dos companheiros foram cessando, começou
a renovar-se a paixão.”
“O mestre de reza era tão acatado e venerado naquele tempo como o próprio mestre de escola. (...) O mestre de reza não tinha traje especial: vestia-se como
todos, e só o que o distinguia era ver-se-lhe constantemente fora de um dos bolsos o cabo de uma
tremenda palmatória, de que andava armado, compêndio único por onde ensinava seus discípulos.”
“Espiar a vida alheia, inquerir os escravos o que se passava no interior das casas, era naquele tempo coisa tão comum e enraizada nos costumes, que ainda hoje,
depois de passados tantos anos, restam grandes vestígios desse belo hábito.”
Obs: a figura do escravo surge como elemento decorativo.
• O resgate do passado social em caráter de fábula.
• A narrativa mais objetiva e o estilo jornalístico.
Obs: A 3ª pessoa tira o poder de conclusão do protagonista.
• Não há a idealização das personagens.
• Surge a figura do anti-herói, o malandro carioca, o vadio.
“Passemos por alto sobre os anos que decorreram desde o nascimento e batizado do nosso memorando, e vamos encontrá-lo já na idade de sete anos. Digamos que durante todo este tempo o garoto não desmentiu
aquilo que anunciara desde que nasceu.”
Obs: A malandragem em Leonardo é uma qualidade essencial e não circunstancial.
O universo da ORDEM X DESORDEM.
Romance Romântico X Romance Realista
o imaginoso a crítica social
Atenção: As reflexões morais do autor giram em torno do cinismo e do otimismo.
O personagem picaresco
• Narra a própria aventura > uma visão restrita da realidade.
• Origem ingênua X Choque áspero da realidade.
A condição servilmentira – dissimulação – roubo
O personagem picaresco
• A vida ao sabor da sorte.
• Aprende com a experiência > amadurecimento.
• Impassível – reage por reflexo de ataque e defesa.
Obs: em Leonardo não aparece o problema da subsistência.
• Agrada aos seus superiores.
• A misoginia acentuada.
• O vocabulário obsceno.
• O desfecho na resignada mediocridade ou na miséria.
Luisinha “Era a sobrinha de D. Maria já muito desenvolvida,
porém que, tendo perdido as graças de menina, ainda não tinha adquirido a beleza de moça: era alta,
magra, pálida: andava com o queixo enterrado no peito, trazia as pálpebras sempre baixas, e olhava a furto; tinha os braços finos e compridos; o cabelo, cortado, dava-lhe apenas até o pescoço, e como
andava mal penteada e trazia a cabeça sempre baixa, uma grande porção lhe caía sobre a testa e olhos,
como uma viseira.
Vidinha"Era uma mulatinha de dezoito anos a vinte anos, de altura regular, ombros largos, peito alteado, cintura
fina e pés pequeninos; tinha os olhos muitos pretos e muito vivos, os lábios grossos e úmidos, os dentes
claríssimos, a fala era um pouco descansada, doce e afinada. “
Luisinha e Vidinha (um par simétrico)
Luisinha, no plano da ordem, é a mocinha burguesa com quem não há relação viável fora do casamento, pois ela traz herança,
parentela, posição e deveres.
Vidinha, no plano da desordem, é a mulher que se pode apenas amar, sem casamento
nem deveres, porque ela não tem nada além de sua graça e de sua curiosa família.
O sentimentalismo romântico
“(...)chegamos por nossas investigações à conclusão de que o verdadeiro amor, ou são todos ou é um só, e neste caso não
é o primeiro, é o último. O último é que é o verdadeiro, porque é o único que não muda. As leitoras que não concordarem com esta doutrina convençam-me do
contrário, se são disso capazes.”
“ (...) as‘Memórias de um sargento de milícias’ criam um universo que parece liberto do erro e do pecado. Um universo sem culpabilidade e mesmo sem repressão, a não ser a repressão que pesa o tempo todo por meio do Vidigal e cujo desfecho já vimos. O sentimento do homem aparece nele como uma espécie de curiosidade superficial, que põe em movimento o interesse dos personagens uns pelos outros e do autor pelos personagens, formando a trama de relações vividas e descritas.
A esta curiosidade corresponde uma visão muito tolerante, quase amena. As pessoas fazem coisas que poderiam ser qualificadas como reprováveis, mas também fazem outras dignas de louvor, que as compensam. E como todos têm defeitos, ninguém merece censura.”
(Antônio Cândido – Dialética da Malandragem)
“(...) a malandragem é uma variante do ‘jeitinho’ (...), constituindo-se como uma outra forma de navegação social. O malandro, portanto, seria um agente profissional do ‘jeitinho’ e da arte de sobreviver nas situações mais difíceis: aquelas nas quais ele está claramente fora ou longe da lei. Na malandragem também temos esse relacionamento complexo e criativo entre o talento pessoal e as leis que engendram o uso de ‘expedientes’, de ‘histórias’ e de ‘contos-do-vigário’, artifícios com um alto apelo pessoal que nada mais são que modos engenhosos de tirar partido de certas situações (...)”
O que é o Brasil?, Roberto DaMatta
O Malandro – Chico Buarque
O malandro na durezaSenta à mesa do café
Bebe um gole de cachaçaAcha graça e dá no pé
O garçom no prejuízoSem sorriso sem freguêsDe passagem pela caixa
Dá uma baixa no português
O galego acha estranhoQue o seu ganho tá um horror
Pega o lápis soma os canosPassa os danos pro distribuidor
Mas o frete vê que ao todoHá engodo nos papéis
E pra cima do alambiqueDá um trambique de cem mil réis
O usineiro nessa lutaGrita ponte que partiu
Não é idiota trunca a notaLesa o Banco do Brasil
Nosso banco tá cotadoNo mercado exteriorEntão taxa a cachaça
A um preço assustador
Mas os ianques com seus tanquesTêm bem mais o que fazer
E proíbem os soldadosAliados de beber
A cachaça tá paradaRejeitada no barril
O alambique tem chiliqueContra o Banco do Brasil
O usineiro faz barulhoCom orgulho de produtor
Mas a sua raiva cegaDescarrega no carregador
Este chega pro galegoNega arrego cobra maisA cachaça tá de graça
Mas o frete como é que faz?
O galego tá apertadoPro seu lado não tá bomEntão deixa congeladaA mesada do garçom
O garçom vê um malandroSai gritando pega ladrão!
E o malandro autuadoÉ julgado e condenado culpado
Pela situação
Homenagem ao Malandro(Chico Buarque)
Eu fui fazerUm samba em homenagem
À nata da malandragemQue conheço de outros carnavais
Eu fui à Lapa e perdi a viagemQue aquela tal malandragem
Não existe maisAgora já não é normalO que dá de malandroRegular, profissional
Malandro com aparatoDe malandro oficialMalandro candidatoA malandro federal
Malandro com retratoNa coluna social
Malandro com contratoCom gravata e capitalQue nunca se dá mal
Mas o malandro pra valerNão espalha
Aposentou a navalhaTem mulher e filho
E tralha e talDizem as más línguasQue ele até trabalha
Mora lá longe e chacoalhaNum trem da Central