Post on 09-Jul-2020
Mega-eventos esportivos no Brasil: uma perspectiva sobre futuras transformações e conflitos
urbanos1
Erick Silva Omena de Melo2
Christopher Gaffney 3
Introdução
A escolha de uma cidade como sede de mega-eventos esportivos quase sempre significa o
aporte de grande quantidade de recursos, para além dos montantes habitualmente presentes nos
orçamentos municipais, estaduais e federais. Contudo, é fundamental elaborar duas questões neste
contexto: 1) de que forma as novas injeções de capital são socialmente utilizadas e distribuídas? e 2)
como as reestruturações urbanas, inevitavelmente necessárias para a adequação da cidade às novas
demandas, impactam nas desigualdades sócio-espaciais existentes?
Achar respostas para ambas as perguntas ganha relevância dentro do cenário que vem se
consolidando no Brasil, uma vez que o país registra grandes níveis de disparidades sociais e
receberá quatro eventos esportivos de porte internacional ao longo da próxima década, quais sejam,
os Jogos Mundiais Militares em 2011, a Copa das Confederações de Futebol em 2013, a Copa do
Mundo de Futebol em 2014, e os Jogos Olímpicos de Verão em 2016, além de já haver sediado os
Jogos Pan-americanos de 2007, no Rio de Janeiro. Todos esses acontecimentos, em conjunto, criam
um novo horizonte para o desenvolvimento metropolitano brasileiro, sobretudo, para a capital
fluminense, tendo em vista a previsão de profunda reestruturação urbana decorrente dos seus
impactos.
Talvez não seja possível responder as questões postas mais acima neste primeiro momento.
Porém, algumas evidências expressas tanto pelo histórico recente das políticas públicas correlatas
quanto pelo planejamento até então divulgado para ações futuras podem ser elucidativas. Neste
sentido, há três eixos a serem analisados: o do contexto no qual o fenômeno dos mega-eventos
esportivos no Brasil está situado, o das conseqüências de experiências similares anteriormente
articuladas nos âmbito nacional - internacional e, por último, o dos encaminhamentos indicados por
planos e projetos relacionados aos próximos acontecimentos esportivos programados.
Dessa maneira, a abordagem do presente documento está essencialmente focada no terceiro
eixo elencado, sem deixar de articulá-lo ao primeiro e ao segundo, tendo como objetivo analisar os
possíveis impactos do principal mega-evento previsto para a cidade do Rio de Janeiro, isto é, as
Olimpíadas de 2016, sobretudo no que tange à identificação das intervenções espaciais esperadas e
1 Este artigo é fruto de pesquisa desenvolvida pelos autores sobre o dossiê de candidatura RIO 2016 e finalizada em março de 2010.2 Mestre em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR - UFRJ3 Doutor em Geografia pela Universidade do Texas, EUA
dos prováveis conflitos daí resultantes4. Atenção especial será dada às possíveis violações do direito
à cidade, bem como às apropriações sociais dos recursos públicos investidos na infra-estrutura
urbana do Rio de Janeiro, de forma a identificar os prováveis agentes privilegiados e prejudicados
em função das futuras intervenções. Para tanto, servirão como base de análise não só o dossiê de
candidatura e outros documentos oficiais divulgados pelos órgãos governamentais, mas, ainda,
experiências relativas a Jogos Olímpicos anteriores em outras cidades do mundo.
1) Mega-eventos esportivos e empresariamento urbano
Numa primeira aproximação ao tema abordado, é interessante notar que os esforços
governamentais e empresariais engendrados para a captação desses eventos se tornaram rotineiros
na agenda política de muitas metrópoles nacionais e mundiais ao longo das últimas décadas. Basta
lembrar, para ficar apenas no caso brasileiro, das duas tentativas anteriores do governo carioca de
organizar as Olimpíadas de 2004 e de 2012, bem como da candidatura da cidade de Brasília para
sediar os Jogos Olímpicos de 2000 e da pré-candidatura nacional de São Paulo para os jogos de
2012. Este fenômeno global se insere numa lógica própria de atuação estatal que envolve as práticas
atualmente dominantes de planejamento, marcadas pelo chamado empresariamento urbano. O
termo, cunhado pelo geógrafo David Harvey (1996), objetiva caracterizar a adoção, a partir dos
anos 1970, de novas linhas de ação baseadas no ideário neoliberal e voltadas para a priorização das
parcerias público-privadas, para a inserção cada vez mais contundente dos municípios na disputa
inter-lugares por atração de capitais e consumidores e para a adoção de técnicas empresariais na
gestão das cidades, visando à expansão das fronteiras de acumulação estabelecidas em moldes
radicalmente diferentes daqueles praticados até então pelas políticas keynesianas de bem-estar
social.
Sabe-se, entretanto, que esta orientação tem resultado no recrudescimento da
fragmentação das cidades através de intervenções urbanas cada vez mais pontuais, que não
consideram o território em sua totalidade e tendem a direcionar os esforços para as áreas mais
nobres e melhor dotadas de infra-estrutura, privilegiando um suposto fortalecimento da
competitividade local em detrimento da resolução de problemas extremamente graves, como os
da habitação, saúde, educação, saneamento e transportes em áreas mais carentes e afastadas. Ou
seja, historicamente o empresariamento urbano tem incrementado as disparidades sócio-
espaciais intra e inter-urbanas, o que fica claro ao se analisar o processo de aumento das tensões
e desigualdades nas principais áreas metropolitanas brasileiras5.
4 Optou-se aqui pelo tratamento específico dos Jogos Olímpicos, já que as ações de preparação para a Copa do Mundo, para a Copa das Confederações e para os Jogos Mundiais Militares estão detalhadamente alinhadas com as propostas da candidatura do Rio de Janeiro para as Olimpíadas de 2016. 5 Indicadores sociais da cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, apontam para um aumento da pobreza extrema em várias áreas das zonas norte e oeste paralelamente a uma diminuição dos mesmos índices para todos os bairros da zona
Esta forma de atuação estatal começa a ganhar maior relevância na cidade do Rio de Janeiro
com o governo do prefeito César Maia a partir dos anos 1990. Suas diversas intervenções de
embelezamento urbano e de favorecimento do capital nas áreas mais nobres e centrais do município
(proposta de instalação do Museu Guggenheim na Zona Central, construção do Teleporto na Cidade
Nova, da Cidade da Música na Barra da Tijuca e de um grande obelisco em Ipanema, dentre vários
outros exemplos) demonstram as afinidades da elite política local com este ideário.
No mesmo sentido, a realização dos Jogos Pan-americanos de 2007 e a escolha da cidade
como sede da Copa do Mundo de Futebol de 2014 e dos Jogos Olímpicos de Verão de 2016
representam a continuidade desta lógica de atração de capitais e de consumidores para a cidade,
onde o fortalecimento da competitividade do município dentro da rede mundial de disputa inter-
lugares assume prioridade. Estas características ficam evidentes com as correlações estabelecidas
entre a otimização do aproveitamento turístico-imobiliário das regiões sujeitas às principais
intervenções urbanas viabilizadoras do evento, a dita “revitalização de áreas degradadas” voltada
para a criação de novos ambientes dedicados ao consumo, como está previsto para a Zona Portuária
e, principalmente, a opção de se concentrar o desenvolvimento de grande parte das atividades
ligadas aos jogos em uma das áreas mais valorizadas da cidade, isto é, o bairro da Barra da Tijuca,
fortemente caracterizado por um processo de expansão imobiliária de alto padrão.
Simultaneamente, áreas menos valorizadas como as zonas norte e oeste, salvo raras e pontuais
exceções, não serão objeto de projetos mais abrangentes, para além do entorno imediato dos
equipamentos esportivos utilizados.
Outro indício desta correlação é a tendência a um alto grau de apropriação privada da infra-
estrutura urbana criada com recursos públicos para o evento, fenômeno já constatado após os Jogos
Pan-americanos e reforçado pelo Dossiê de candidatura para os Jogos Olímpicos. Neste sentido, as
parcerias público-privadas, típicas do empresariamento urbano, surgem como as principais
viabilizadoras destes objetivos, configurando o que se convencionou chamar de “socialização dos
custos e privatização dos lucros”.
As tensões sociais oriundas deste planejamento urbano fragmentário e privatizante,
entretanto, precisam ser amenizadas, uma vez que suas ações, a princípio impopulares, necessitam,
paradoxalmente, de algum respaldo político frente à sociedade, isto é, da aprovação da população. É
aí que surge o chamado marketing de cidades, outra característica importante do empresariamento
sul ao longo da década de 1990, exatamente o período de fortalecimento do governo neoliberal (Vide dados IPP/IBGE: “Tabela 1178 - Indicadores de Renda – Pobreza” e “Tabela 1184 – acesso a serviços básicos” em http://www.armazemdedados.rio.rj.gov.br/). Na mesma direção apontam os índices de acesso a serviços básicos (água, esgoto, coleta de lixo), onde o percentual de famílias atendidas caiu muito mais em bairros populares do que em outros de perfil sócio-econômico mais elevado. Sem dúvida, todos estes fatos estão relacionados a um recrudescimento das desigualdades em termos de qualidade de vida entre os diferentes espaços intra-urbanos, o que fatalmente é também fruto do direcionamento indevido dos investimentos públicos para muitas das áreas já assistencialmente consolidadas em detrimento de outras mais carentes.
urbano, pois atende tanto às demandas de atração de capitais e consumidores externos, vendendo a
cidade-mercadoria através de imagens (VAINER, 2000), quanto à construção de consensos
internos. A publicidade governamental que ressalta um certo orgulho patriótico e enaltece a
identidade local, relacionando-os ao “sucesso” do evento no imaginário coletivo, se faz essencial
para garantir os objetivos traçados pelos organizadores (OLIVEIRA, 2009), criando terreno fértil
para escamotear ações violentas e de apropriação privada do patrimônio público. Esta característica
esteve claramente presente ao longo dos meses que antecederam os Jogos Pan-americanos e agora
volta à tona com a recente escolha do Rio de Janeiro para sediar os Jogos Olímpicos de 2016, como
pôde ser observado na divulgação de material promocional, na ampla difusão de propaganda nos
meios de comunicação, e até mesmo na realização de grande evento na praia de Copacabana para
acompanhar e comemorar a escolha da cidade-candidata vencedora, em outubro de 2009.
2) Rio 2016 e experiências anteriores
Com o intuito de se identificar tendências de conflitos e impactos territoriais relacionados às
Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro, será desenvolvido a seguir um breve histórico dos Jogos
Olímpicos anteriormente realizados em alguns países. Neste primeiro momento, o foco residirá nas
transformações econômicas e espaciais sofridas pelo evento esportivo ao longo do tempo, sobretudo
nos principais impactos sentidos pelas populações mais vulneráveis das cidades-sede nas últimas
décadas em função dos jogos. Em seguida, será realizado um balanço final do evento PAN 2007 no
que concerne à violação de direitos e à apropriação social de recursos públicos ocorridos na cidade
anfitriã, de maneira a fortalecer os subsídios necessários ao reconhecimento de tendências.
2.1) Jogos Olímpicos: transformações e impactos
Embora atualmente os Jogos Olímpicos estejam entre os maiores eventos esportivos do
planeta, movimentando grandes volumes de capital e causando consideráveis impactos territoriais
nas cidades onde ocorrem, tal característica nem sempre esteve presente em sua história. Surgido no
fim do século XIX, o chamado “movimento olímpico” objetivava criar uma re-edição das
olimpíadas gregas da antiguidade, tendo sido inicialmente elaborado e representado por um grupo
de aristocratas europeus, dentre eles o Barão de Coubertin, reconhecido como seu principal mentor.
Após um século marcado por diversas guerras e batalhas no velho continente, este movimento
apregoava ideais não-belicistas, atribuindo aos jogos o papel de promover a confraternização entre
as diferentes nações, cujas competições pacíficas proporcionariam uma contraposição às guerras
(RUBIO, 2005).
Assim, após a criação do Comitê Olímpico Internacional, em 1894, foram realizadas as
primeiras Olimpíadas da era moderna em Atenas, no ano de 1896. Ao contrário do que acontece nos
dias de hoje, aquela edição inaugural não contou com recursos do governo ou de empresas para a
construção de instalações, nem tampouco houve disputa entre cidades para sediá-la. Suas dimensões
eram, obviamente, muito mais reduzidas, já que apenas 295 atletas de 13 países participaram do
evento. As edições seguintes, ocorridas nas cidades de Paris(1900), Saint Louis(1904) e
Londres(1908), também não foram alvo de grande atenção internacional, nem exigiram uma
preparação específica para suas respectivas viabilizações, pois estavam atreladas a eventos então
considerados mais importantes, isto é, as Exposições Universais, que aconteceram nas mesmas
cidades e concomitantemente aos jogos. Isto deixa claro o papel secundário desempenhado pelas
competições esportivas internacionais naquele momento histórico.
Entretanto, a partir da segunda década do século passado, surge a tendência ao
reconhecimento dos Jogos Olímpicos como um evento relevante, atraindo definitivamente os
interesses do Estado e do setor privado. Tal valorização passou a se manifestar não só através das
primeiras iniciativas de exploração comercial, pioneiramente presentes, sobretudo, nos jogos de
Paris (1924) e de Los Angeles (1932), mas também a partir da utilização das Olimpíadas como
veículo de propaganda e auto-exaltação político-ideológica nos jogos de Berlim (1936), que
contaram com grande investimento do governo nazista neste sentido.
Após a segunda guerra mundial as tensões existentes entre os países, principalmente entre as
potências mundiais, assumiram maior influência sobre as competições, resultando em
acontecimentos como o assassinato de atletas israelenses durante a edição de Munique, em 1972, o
boicote de parte dos países capitalistas aos Jogos Olímpicos de Moscou, em 1980 e da mesma
atitude dos ditos países socialistas em relação aos jogos de Los Angeles, em 1984. Contudo, o
acontecimento mais impactante para as décadas posteriores àquele período de pós-guerra foi o
início das transmissões televisivas na edição de Roma, em 1960, uma vez que tal fato deu aos Jogos
Olímpicos a condição de mega-evento global. Sem dúvida, isto funcionou como mola propulsora,
transformando-os, definitivamente, em um grande negócio. A partir daí, os direitos de transmissão e
a publicidade envolvida se tornaram bens comerciais da maior magnitude para o Comitê Olímpico
Internacional e para as corporações multinacionais patrocinadoras, possibilitando o crescimento
exponencial da receita gerada para estes agentes ao longo das décadas seguintes6
Oito anos depois, nos jogos do México, o inevitável e flagrante contraste entre a quantidade
de capital movimentada e as condições de pobreza do país anfitrião gerou descontentamento e
conflitos diretamente relacionados ao evento. Naquela ocasião, manifestações populares foram
articuladas “contra os gastos excessivos e a corrupção no gerenciamento das verbas para a
realização do evento” (RUBIO, 2005, p. 06). O governo respondeu com dura repressão, resultando
na morte de mais de uma centena de pessoas. Se a edição de 1960 se notabilizou pelo início da
6 As receitas provenientes dos direitos de transmissão dos Jogos Olímpicos passaram de US$ 1.200.000,00 – Roma, 1960 para US$ 1.737.000.000,00 – Pequim, 2008 (IPEA, 2008).
difusão e comercialização global dos Jogos Olímpicos, as Olimpíadas de 1968 se constituíram como
a primeira exposição, na mesma escala, dos conflitos intrínsecos a esse fenômeno, sobretudo no que
concerne à violência praticada contra as camadas da população mais desfavorecidas, dentro do
contexto da construção de bases para os projetos e negócios envolvidos com o evento.
A trajetória da comercialização dos direitos de transmissão teve seu ponto de inflexão em
1984, nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, pois naquele momento o crescimento das receitas
obtidas em relação às edições anteriores aconteceu de forma muito mais agressiva do que a
tendência até então demonstrada. Isto se deu, sobretudo, devido à adoção de um novo modelo de
gestão de mega-eventos, caracterizado pela diminuição da participação do Estado e pela
maximização dos lucros dos agentes empresariais envolvidos, que chegaram a US$ 250 milhões,
embora sejam discutíveis os benefícios gerados para a população local. Desta forma, consolidava-se
o modelo neoliberal de administração, cujo ímpeto era mundialmente reforçado naquele momento e
representado pelas intervenções típicas do empresariamento urbano.
Pode-se afirmar que a experiência de Los Angeles abriu um novo período na história das
Olimpíadas denominado de “fase do profissionalismo”(RUBIO, 2005), o qual se estende até os dias
atuais. Na verdade, a partir daí consolidou-se, definitivamente, uma nova forma de se encarar o
esporte, através da criação de uma indissociabilidade dos interesses capitalistas em relação a tais
eventos. Durante as primeiras décadas dos Jogos Olímpicos da era moderna, a manutenção do
amadorismo em detrimento do profissionalismo era uma prioridade para o Comitê Olímpico
Internacional. “Ser acusado de profissional, principalmente em caso de vitória, significava para o
atleta ter os títulos cassados e o banimento do mundo olímpico” (RUBIO, 2005, p. 12). Com a
participação cada vez mais forte do capital na preparação, organização e execução dos jogos, esta
posição foi gradativamente enfraquecida. Neste sentido, as Olimpíadas de 1984 funcionaram como
um último golpe nesta espécie de romantismo desportivo, liquidando de vez qualquer tentativa de se
evitar estreitas relações entre o mundo dos negócios e o dos esportes e solidificando a posição
dominante do capital, já fortalecida nas décadas anteriores.
Com isso, as edições seguintes foram caracterizadas tanto pela agudização da exploração
econômica do chamado “movimento olímpico” sob diversas formas, (mercado da construção civil,
ramo imobiliário, serviços especializados, consultoria, marketing, mídia, dentre outros) quanto pela
intensificação dos impactos sociais e ambientais, sobretudo para as populações economicamente
mais vulneráveis dos países e cidades-sede. Particularmente nas últimas décadas, o incremento no
dispêndio com os Jogos Olímpicos alcançou níveis inimagináveis, passando de US$ 1.600.000,00
(Barcelona, 1992) para US$ 34.000.000,00 (Pequim, 2008)7.
Da mesma forma, os custos sociais também se apresentaram como jamais previsto:
7Ver IPEA, 2008 e GOLDEN GOAL, 2008.
Cidade-sede População Desalojada Diretamente(1) Outros problemas encontrados
Seul (1988) 720.000 (9 % da população total)
1)Elevação de preços nas áreas das obras. 2)Falta de transparência no processo decisório. 3)Forte repressão aos protestos de moradores.4) Mudança de leis para viabilizar obras.
Barcelona(1992)
2.500 (0,15% da população total)
1)Elevação de quase 150 % nos custos de moradia, causando o deslocamento de milhares de habitantes. 2)Falta de Transparência no processo decisório. 3)Participação limitada dos grupos mais impactados.4)Mudança de leis para viabilizar obras.
Atlanta(1996) 6.000 (1,50% da população total)
1)Em torno de 25000 famílias afetadas pela alta nos preços de moradia. 2)Criminalização dos sem-teto. 3)Falta de transparência no processo decisório.
Sidney(2000) Nd 1)Expulsão de famílias residentes. 2)População de baixa renda penalizada.
Atenas(2004) Nd
1)Centenas de famílias indiretamente desalojadas. 2)Falta de transparência no processo decisório. 3)Participação limitada das comunidades afetadas pelas obras.
Pequim(2008) 1.250.000 (9,60 % da população total)
1)Falta de transparência no processo decisório. 2)Violenta repressão aos protestos de moradores afetados. 3)Ausência de planos de realocação para 20 % dos moradores afetados.
Tabela 2: Impactos sociais adversos para a população residente nos últimos Jogos Olímpicos (COHRE,2007). Elaboração própria. (1) População deslocada para viabilizar obras. (nd) Dados não disponíveis.
As Olimpíadas de Seul, por exemplo, ao mesmo tempo em que foram relacionadas a uma
imagem de modernidade, devido à construção de instalações de última geração, foram também
conhecidas pela quantidade de pessoas removidas de suas residências em função das obras
relacionadas ao evento, totalizando algo em torno de 720.000 cidadãos desalojados (COHRE,
2007). Houve, ainda, processos de gentrificação, isto é, expulsão indireta da população mais pobre
ocasionada pela elevação dos preços nas áreas das intervenções urbanas correlatas ao evento, bem
como falta de transparência no processo decisório, forte repressão a protestos e mudanças na
legislação para viabilizar medidas urbanísticas de grande impacto. No mesmo sentido, percebe-se a
repetição destes problemas, ainda que com algumas variações, nas edições seguintes, conforme
demonstra a tabela acima.
É importante ressaltar que mesmo nos ditos casos “bem-sucedidos”, como o da cidade de
Barcelona, houve violentos desrespeitos ao direito à cidade de boa parte da população. Embora em
Barcelona (1992) e em Atlanta (1996), tenham sido registrados números bem menores de
desalojamentos diretos em relação àqueles de Seul (1988) e Pequim (2008), as remoções indiretas,
impulsionadas pelo aumento dos preços de moradia, tiveram como resultado a realocação de
trabalhadores pobres em distantes periferias, o que certamente também é uma forma, velada, de
desrespeito a direitos sociais. Na cidade espanhola, este processo se apresentou de maneira mais
agressiva, já que foram registrados incrementos de cerca de 150 % no custo do solo, tanto no que
concerne às antigas quanto às novas construções.
Assim, o histórico dos Jogos Olímpicos foi caracterizado pelo crescente interesse e
domínio do capital frente a outros interesses e pelo gradativo distanciamento de um certo idealismo
inicial de seus fundadores, o que causou severas alterações em sua organização, planejamento e
execução ao longo dos períodos citados. Cabe, então, questionar se a experiência brasileira tem sido
encaminhada de forma a reverter a tendência verificada de total desconsideração das demandas
populares.
3) As Olimpíadas no Rio de Janeiro
Após algumas tentativas de captação de eventos esportivos internacionais, os governos
municipal, estadual e federal finalmente conseguiram alcançar seus objetivos com a realização dos
XV Jogos Pan-americanos no Rio de Janeiro em 2007. É bastante provável que este fato tenha
influenciado na escolha da mesma cidade como sede das Olimpíadas de 2016 e da Copa do Mundo
de 2014, já que algumas instalações esportivas que serviram ao PAN 2007 serão reutilizadas.
Contudo, tal evento causou alguns impactos indesejados para parte da população local, embora os
organizadores tenham tentado construir consensos quanto aos efeitos positivos de sua realização,
através da publicidade oficial e de estudos encomendados que ressaltam a movimentação
econômica decorrente dos jogos8.
3.1) Aspectos territoriais: prováveis transformações, conflitos e legado
O projeto elaborado pelo Comitê de Candidatura Olímpica para a cidade do Rio de Janeiro
visando aos jogos de 2016 foi em grande parte construído com base na experiência dos Jogos Pan-
americanos de 2007, especialmente no que se refere à disposição territorial dos equipamentos
8 Vide estudo executado pela FIPE (2009) em função da demanda do Ministério dos Esportes, buscando enfatizar impactos econômicos positivos. Para verificar as violações do direito à cidade em função da realização do PAN na cidade do Rio de Janeiro em 2007, vide MELO;GAFFNEY,2010.
necessários e ao modelo de gestão do evento. Ao se analisar o Dossiê submetido ao Comitê
Olímpico Internacional, cujo conteúdo indica as principais linhas de ação para a viabilização das
Olimpíadas, não são encontrados quaisquer sinais de ruptura em relação às medidas adotadas em
2007. Ao contrário, pode-se afirmar que as intervenções urbanas previstas e os encaminhamentos
até então explicitados pelos entes governamentais tendem a funcionar como uma continuação dos
processos registrados anteriormente.
Assim, as zonas da cidade escolhidas para oferecer a infra-estrutura necessária às
competições olímpicas foram: 1) Barra da Tijuca/Jacarepaguá, 2) Zona Sul (Lagoa, Copacabana,
Flamengo e Glória), 3) Maracanã (Maracanã/São Cristóvão, Zona Portuária, Engenho de Dentro e
Cidade Nova) e 4) Deodoro. Mais uma vez, a maioria das modalidades disputadas estará
concentrada na Barra da Tijuca, o que levou à priorização daquela área no que tange à construção
de novas instalações. Do total de nove novos equipamentos esportivos previstos para servir ao
evento, seis estarão localizados no bairro. A região também abrigará quatro das sete novas
instalações destinadas a funcionar como suporte para atletas, delegações, imprensa e trabalhadores
do evento, isto é, as vilas olímpica e de mídia e os centros de transmissão e de imprensa (BRASIL,
2009). Em suma, a opção realizada por direcionar a maioria dos investimentos públicos para a Barra
da Tijuca aponta claramente para a manutenção do projeto de expansão do setor imobiliário e da
construção civil na região, voltada para um mercado consumidor de alto padrão em um dos bairros
mais valorizados do município.
Por outro lado, o bairro do Engenho de Dentro, que na ocasião do PAN 2007 foi escolhido
como área privilegiada para “revitalização” urbana, não será mais um foco de grandes
investimentos no contexto da preparação para os Jogos Olímpicos, pois será utilizado apenas por
uma modalidade, o atletismo, embora haja novas intervenções programadas para a ampliação de sua
estrutura. Entretanto, o dito projeto de “revitalização” de áreas degradadas não deixou de existir,
sendo desta vez direcionado para a Zona Portuária da cidade, onde se pretende instalar um
complexo de entretenimento, turismo e lazer em combinação com novos núcleos residenciais. Para
isso, estão programadas parcerias público-privadas e, até mesmo, substanciais alterações na
legislação urbanística vigente dos bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo, as quais permitirão
uma elevação dos limites de gabarito, alterando profundamente a paisagem atual e a vida cotidiana
da tradicional população da região, conforme será visto mais adiante. Assim, pode-se afirmar que as
áreas da Barra da Tijuca e da Zona Portuária se constituem como os principais locais de
intervenções programadas para as Olimpíadas de 2016. Sem dúvida, estas serão regiões sujeitas a
agudas transformações e impactos e, logo, os principais focos de conflitos territoriais.
3.1.1 Transformações infra-estruturais
As transformações infra-estruturais na cidade em função dos jogos ocorrerão em duas
frentes: 1) construção de novos equipamentos e 2) alterações, permanentes ou temporárias, naqueles
já existentes. Neste sentido, os setores que deverão gerar impactos territoriais mais expressivos e
que receberão a maior parte dos recursos são aqueles ligados às instalações esportivas, ao mercado
turístico-imobiliário, ao setor de transportes e ao de telecomunicações.
3.1.1.1 Equipamentos esportivos
No que tange às instalações esportivas permanentes, serão construídos quatro Centros
Olímpicos de Treinamento, um Estádio Olímpico de Desportos Aquáticos e um Centro Olímpico de
Tênis, todos no terreno do atual Autódromo de Jacarepaguá, além da Arena de Deodoro, do Estádio
Olímpico de Canoagem Slalom e do Centro Olímpico de BMX, nas proximidades da Vila Militar.
De acordo com o cronograma oficial, as obras de implementação destas estruturas deverão ocorrer
até 2015, sendo que as dos Centros de Treinamento e da Arena de Deodoro já deveriam ter
começado no final de 2009. No entanto, não há informações que confirmem o atual cumprimento
desta previsão.
Existem, ainda, intervenções de caráter permanente previstas para algumas instalações
esportivas já existentes, como é o caso do Velódromo Olímpico e do Parque Aquático Maria Lenk,
localizados na Barra da Tijuca; do Centro Nacional de Tiro e do Centro Nacional de Hipismo, em
Deodoro; do Estádio de Remo e da Marina da Glória, na Zona Sul; e do Estádio Olímpico João
Havelange, do Estádio do Maracanã9 e do Sambódromo (utilizado provisoriamente para
competições de atletismo) na região Maracanã. Além disso, há previsão de “renovações do domínio
urbano”, isto é, do entorno imediato tanto do Sambódromo quanto do “Engenhão” e do Maracanã,
bem como de “melhorias gerais” para os arredores das arenas em Deodoro (BRASIL, 2009, vol. 02,
p.20).
Dentre todas as ações previstas, destaca-se o evidente intuito do governo de se tentar,
novamente, a implementação de mudanças na Marina da Glória e no Estádio de Remo da Lagoa,
projetos que foram alvo de manifestações e de processos judiciais ao longo dos preparativos para os
Jogos Pan-americanos, inclusive inviabilizando suas respectivas execuções. Aparentemente, os
governos do Estado e do Município ignoram as oposições existentes aos objetivos de seus parceiros
da iniciativa privada, nestes casos a Glenn Entertainement e o grupo EBX.
Por último, há equipamentos esportivos já existentes que necessitam apenas de alterações de
caráter temporário, como o Ginásio do Maracanãzinho, a Arena Olímpica e alguns pavilhões do
9 O estádio do Maracanã será submetido a obras com maior antecedência, pois precisa estar reformado de acordo com os padrões exigidos pela FIFA, para a Copa do Mundo de Futebol de 2014. O mesmo ocorrerá com os estádios de outras capitais brasileiras, que também serão utilizados para ambos os eventos, como o Mané Garrincha (Brasília), o Mineirão (Belho Horizonte), o da Fonte Nova (Salvador) e o do Morumbi (São Paulo).
Riocentro. Evidentemente, tais mudanças serão bem menos impactantes para a cidade, sobretudo se
comparadas com aquelas resultantes das alterações permanentes.
3.1.1.2 Setor Turístico-imobiliário
Este setor será influenciado, primeiramente, pela construção de novas estruturas de
hospedagem e moradia, criadas tanto para acomodar atletas, membros de delegações, profissionais
de imprensa, turistas e trabalhadores quanto para, após os jogos, serem parcialmente absorvidas
pelo mercado imobiliário local. Além disso, os estímulos programados para serviços ligados ao
consumo turístico e ao entretenimento, sobretudo em função do projeto de revitalização da Zona
Portuária, também devem causar impactos relevantes. Nos dois casos, está claro que o setor público
financiará e/ou subsidiará boa parte destes projetos, além de fornecer diversas outras vantagens
como a isenção de impostos e a modificação de leis com o intuito de melhorar as condições para o
empresariado envolvido.
No que tange às estruturas de hospedagem para os jogos, as principais ações programadas
consistem na construção da Vila Olímpica e das chamadas “Vilas de Legado”, além da ampliação
do parque hoteleiro na orla da cidade. A primeira das vilas, situada na Barra da Tijuca, será
utilizada durante as competições para hospedar atletas e delegações. Já os demais empreendimentos
se resumem à Vila de Mídia, localizada no mesmo bairro, para acomodar profissionais de imprensa,
à Vila do Porto, voltada para a instalação provisória de parte da força de trabalho do evento, e às
Vilas do Maracanã e de Deodoro, utilizadas para hospedagem de parte da imprensa e técnicos10.
Conforme demonstra a tabela abaixo, os empreendimentos da Barra da Tijuca são de maior
expressão do que os dos demais bairros, considerando-se as diferenças apresentadas pelo número
total de quartos.
Tabela 03: Empreendimentos imobiliários previstos como “Vilas de Legado” e seus respectivos usos durante e após os jogos (BRASIL, 2009).10 Atualmente, há a possibilidade de transferência da Vila de Mídia para a Zona Portuária, ao contrário do que prevê o Dossiê de Candidatura. Esta questão ainda está sendo decidida pelo poder público em parceria com o COI e o COB.
Também é mencionada no dossiê, ainda que de forma muito breve, a possibilidade de
construção de outras acomodações nas áreas da Barra e do Maracanã, como forma de suprir a
necessidade provisória de alojamento para profissionais de segurança oriundos de outras cidades e
estados e que trabalharão no evento, sendo depois re-aproveitadas como “habitações populares”
(BRASIL, 2009, p. 92, vol. 03).
No que se refere ao parque hoteleiro, há a estimativa da ABIH (Associação Brasileira da
Indústria Hoteleira) de que mais de 7.000 quartos sejam criados até 2016, sobretudo na Barra da
Tijuca e na orla da Zona Sul. Consta no Dossiê de Candidatura a confirmação de que a rede
Windsor construirá pelo menos três novos hotéis nestes bairros. A mesma garantia foi dada por
redes internacionais de cruzeiros, isto é, de que disponibilizarão seus serviços no porto para a
hospedagem de turistas em suas dependências durante os Jogos Olímpicos, contabilizando um total
estimado de 8.500 cabines (BRASIL, 2009).
Tudo indica que a Zona Portuária abrigará boa parte dos investimentos do setor,
transformando radicalmente a paisagem e a estrutura dos bairros Gamboa, Saúde e Santo Cristo em
função do projeto Porto Maravilha. De acordo com o Dossiê de Candidatura Rio 2016, as principais
alterações agendadas para a área são:
Reforma dos ancoradouros de navios de cruzeiro, em número superior ao necessário
para os Jogos, com a expansão do terminal de passageiros e melhorias nas
instalações
Restauração dos armazéns já existentes, em frente à baía, para aluguel e opções de
entretenimento
Construção da Vila do Porto, um complexo residencial
Melhorias pontuais na infra-estrutura de transportes, facilitando a circulação dentro
da região portuária e ampliando os acessos no seu entorno
Reforma dos espaços públicos para a comunidade local e conexões com as principais
instalações.
Construção de um grande museu.
Construção de um aquário
Ao se analisar o pouco material disponibilizado pela prefeitura em relação a este projeto,
evidencia-se o intuito de realizar a “revitalização” do porto do Rio de Janeiro nos moldes de
experiências anteriores ocorridas em outros países, principalmente as de Porto Madero – Buenos
Aires, na Argentina, e a de Barcelona. Fica clara também a intenção de “desengavetar” antigos
projetos extremamente impopulares do governo municipal, como a construção de um grande
aquário naquela área. Isso indica, mais uma vez, a correlação existente entre processos anti-
democráticos e mega-eventos esportivos, pois estes acontecimentos parecem ser encarados pela
elite política como uma oportunidade para implementar intervenções urbanas que em um outro
momento não conseguiriam base política para sua efetivação.
Além da influência direta exercida por todos estes empreendimentos olímpicos sobre o setor
turístico-imobiliário, há que se considerar, por último, os impactos indiretos decorrentes das
alterações urbanísticas em curso nas áreas eleitas como prioritárias para intervenções, o que inclui
não só a Zona Portuária, mas a Barra da Tijuca. Estas mudanças visam, sobretudo, estimular o
mercado imobiliário nestas regiões através da concessão de vantagens resultantes da mudança de
leis regulatórias do uso do solo, fomentando práticas de especulação e de violências contra as
populações de baixa renda presentes nestes territórios, conforme será visto mais adiante.
3.1.1.3 Transportes
Este é, provavelmente, o setor que gera maior expectativa nos munícipes, pois as alterações
previstas para a rede de transportes, se de fato implementadas, influenciarão diretamente a
mobilidade urbana da população e, portanto, seu cotidiano. Os projetos listados prevêem
intervenções em quatro frentes básicas: construção de três linhas de BRTs (da sigla em inglês para
Bus Rapid Transport ou Ônibus de Transporte Rápido), ampliação da malha metroviária, renovação
da atual estrutura ferroviária que interliga o centro da cidade ao subúrbio carioca e
re-adaptação/ampliação da atual estrutura rodoviária.
O sistema de BRTs consiste na implementação de vias exclusivamente dedicadas a ônibus
urbanos de forma a agilizar a locomoção de seus usuários e costuma ser utilizado em metrópoles
com problemas viários críticos, como uma alternativa mais barata, em termos de investimento de
curto prazo, sobretudo em comparação com as opções metroviárias e ferroviárias. Mesmo assim,
esta opção é questionável, pois sabe-se que inversões maciças direcionadas ao modal rodoviário
resultam em maior poluição e parecem muito mais atender às necessidades de expansão do capital,
isto é, da indústria do petróleo, automobilística e da construção civil, do que propriamente os
anseios da população.
No caso do Rio de Janeiro, as ligações propostas pelo Dossiê de Candidatura tem por
principal objetivo realizar a conexão da Barra da Tijuca com as regiões da Penha/Aeroporto
Internacional (Zona Norte), através do corredor T5, de Deodoro e adjacências (Zona Oeste), por
meio da ligação “C”, e da Zona Sul, através do chamado “BRT Barra-Zona Sul”. Neste sentido,
parece clara a intenção dos planejadores, ao conjugar estes investimentos com os anteriormente
citados, de consolidar a centralidade do bairro da Barra da Tijuca não só no contexto dos jogos,
mas, ainda, após sua realização, numa escala intra-urbana mais ampla.
Sem dúvida, esta frente de intervenções se constitui como a principal promessa para o setor
de transportes. Não só pelos seus efeitos benéficos esperados por parcela da população, mas
também pelos impactos físicos gerados, principalmente a imensa quantidade de desapropriações
necessárias para realizá-las. Apenas para a construção do corredor T5, que terá a extensão total de
28 km, estão previstas mais de 3.600 desapropriações, sendo a sua maioria representada por
residências nos bairros populares de Curicica, Tanque, Taquara, Campinho, Madureira, Vaz Lobo,
Penha, Vicente de Carvalho, Vila Cosmos, Praça Seca, Jacarepaguá, Madureira, Cavalcanti,
Cascadura e Vila da Penha, conforme sinaliza o decreto municipal de nº 31.567 de 11 de dezembro
de 2009 (DIAS, 2009).
As ações específicas referentes ao modal metroviário se resumem à interligação direta entre
as linhas 1 e 2 e à extensão da linha 1 em direção aos bairros da Gávea e do Leblon. Ao contrário do
ocorrido na ocasião dos preparativos para o PAN, não consta no Dossiê de Candidatura o
prolongamento da rede de metrô até a Barra da Tijuca, projeto que jamais saiu do papel. Mesmo
assim, o governo municipal afirma que realizará esta empreitada a tempo, independentemente das
Olimpíadas de 2016.
Já no que concerne ao modal ferroviário, a previsão dos entes governamentais é a de
implementação de melhorias nos trens e nas estações, substituindo os atuais vagões por outros mais
confortáveis, com ar-condicionado, e re-equipando os terminais com infra-estrutura mais adequada.
Resta saber se esta não será apenas mais uma promessa esquecida, conforme ocorreu com uma série
de metas estipuladas para os Jogos Pan-americanos de 2007.
As intervenções programadas para o sistema rodoviário estão baseadas na ampliação de
alguns dos principais eixos de interligação entre os locais de competição e na construção de
pequenos trechos complementares. Dentre elas, estão as duplicações de parte da Avenida Salvador
Allende, da Avenida das Américas (Barra da Tijuca) e da Avenida Brasil (Deodoro); o alargamento
de trechos das Avenidas Ayrton Senna, Abelardo Bueno (Barra da Tijuca) e 24 de maio (Engenho
de Dentro-Maracanã); e a implementação de novos acessos ao porto da cidade. Há, ainda, previsão
de ações de menor porte para vias de fluxo mais reduzido tanto nestas áreas quanto nos bairros de
São Cristóvão e Cidade Nova11.
3.1.1.4 Mídia e telecomunicações
O setor de mídia e telecomunicações será contemplado com duas estruturas localizadas na
Barra da Tijuca: o Centro de Imprensa (MPC) e o Centro de Transmissão dos Jogos (IBC), ambos
próximos do Complexo Esportivo que será montado para a região. Suas dependências serão
utilizadas pelos profissionais de imprensa de todo o mundo, por técnicos e equipamentos 11 Para maiores detalhes ver o Dossiê de candidatura Rio 2016 e o Plano de Legado Urbano e Ambiental Olimpíadas Rio 2016.
necessários para viabilizar a transmissão dos jogos em nível global. Este é mais um indicador da
relevância dos direitos de transmissão e do marketing quando se trata de mega-eventos esportivos,
representando um dos principais interesses do COI e de capitais multinacionais na competição. Para
se ter uma idéia, as últimas Olimpíadas, em 2008, registraram o público de 4,4 bilhões de tele-
espectadores em todo o mundo, o que significa para algumas empresas a oportunidade única de
acesso simultâneo à grande parte do mercado consumidor do planeta.
Após o evento, pretende-se transformar as duas estruturas em um empreendimento que
abrigará instalações comerciais, institucionais, de escritórios e hoteleiras, chamado de “Centro
Metropolitano da Barra da Tijuca”. Sua viabilização se efetivará através de parcerias público-
privadas, além de contar com a garantia de recursos do Governo Federal para sua construção. É
interessante notar a reafirmação, pela própria denominação dada ao projeto, do intuito de se
consolidar a centralidade do bairro no município, idéia que já estava presente no “Plano Piloto para
Urbanização da Barra da Tijuca, Pontal de Sernambetiba e de Jacarepaguá”, de Lúcio Costa,
elaborado para a região na década de 1960.
Por fim, todas as regiões citadas serão alvo de intervenções nestes quatro grandes setores
(equipamentos esportivos, turístico-imobiliário, transportes e telecomunicações). Conjugadas com
as medidas até aqui relatadas, estão previstas ações de reurbanização e de adequação do tecido
urbano impactado, envolvendo especialmente o entorno imediato de tais projetos. Isto significa que
as áreas próximas ao Autódromo e ao Riocentro, ao Porto, ao Maracanã, ao Sambódromo, à Vila
Militar e ao Estádio João Havelange, passarão por alterações, em maior ou menor grau, de sua
estrutura urbana. Tal fato inclui algumas desapropriações já programadas no Plano de Legado
Urbano e Ambiental para as Olimpíadas de 2016 (2008). Sem dúvida, serão estas as ações que
desencadearão os principais conflitos envolvendo a luta pelo direito à cidade.
3.1.2 Conflitos territoriais
Basicamente, os agentes envolvidos nos conflitos que vem se conformando em função dos
Jogos Olímpicos de 2016 são os mesmos verificados na época dos Jogos Pan-americanos,
dividindo-se em três grupos principais: o setor público (governos municipal, estadual, federal e
comitês olímpicos) em parceria com empresas do setor turístico-imobiliário e da construção civil; as
comunidades carentes ameaçadas de remoção nas áreas próximas aos empreendimentos ligados aos
projetos olímpicos, aliadas a diversos movimentos sociais; e os usuários das instalações geradas ou
alteradas em função do mega-evento. Observa-se, contudo, que a amplitude destes conflitos tende a
ser maior do que aquela identificada no PAN 2007, já que as intervenções urbanas previstas serão
ainda mais profundas.
O primeiro e principal indício neste sentido foi a recente divulgação de uma lista de 119
favelas que deverão ser removidas pela Prefeitura até o ano de 2012. Ressalte-se que este
pronunciamento ocorreu apenas três meses após a escolha do Rio de Janeiro como cidade-sede das
Olimpíadas de 2016 pelo COI. Segundo o Governo Municipal, foram selecionadas aquelas
comunidades que “estão em locais de risco de deslizamento ou inundação, de proteção ambiental ou
destinados a logradouros públicos”, totalizando mais de 12.000 domicílios sujeitos à demolição.
Desta forma, a intenção de remover comunidades carentes explicitada pelo governo anterior,
baseada nos mesmos argumentos e posta em prática durante a preparação para os Jogos Pan-
americanos, volta à tona com muito mais força, lembrando até mesmo a política de “limpeza social”
executada pelo governo conservador de Carlos Lacerda na década de 1960. Um elemento agravante
que também demonstra a conexão desta medida com a programação para os Jogos Olímpicos é o
fato de mais de um terço das favelas escolhidas estarem localizadas nas áreas de maior expansão e
especulação imobiliária, isto é, a Barra da Tijuca e Jacarepaguá, bairros que formam também a
região que será a mais beneficiada na cidade pelos investimentos públicos ligados ao evento.
Outro indício relevante de recrudescimento dos conflitos e da manutenção de alianças
verificados no PAN 2007 são as várias menções, presentes no Dossiê de Candidatura, a acordos
prévios realizados pelo poder público com mega-empreendedores privados nos muitos negócios que
envolvem as Olimpíadas, sem qualquer processo licitatório, como a construção da Vila Olímpica
pela construtora Carvalho Hosken, o fornecimento de hospedagem durante o evento por parte de
cadeias internacionais de cruzeiros e hotéis, e o financiamento de parte da candidatura da cidade
pelo megaempresário Eike Batista, dono do grupo EBX, que já reforçou seu interesse nos jogos
através da aquisição da empresa concessionária da Marina da Glória, do Hotel Glória e da
divulgação de investimentos na Zona Portuária. Tudo isto aponta para a continuidade do
beneficiamento de entes privados específicos engendrado por representantes governamentais nas
diferentes esferas, fato constatado no evento de 2007.
3.1.2.1 Barra da Tijuca/Jacarepaguá
Nesta região estará localizado o principal complexo esportivo dos Jogos Olímpicos do Rio
de Janeiro, mais precisamente nas áreas do Autódromo, do Riocentro, da antiga Cidade do Rock e
adjacências, o que requer um suporte especial de infra-estrutura e de investimentos para o local.
Chama a atenção a vinculação feita pelos organizadores entre a construção de instalações como a
Vila Olímpica, a Vila de Mídia e o Centro de Imprensa e o seu aproveitamento posterior por um
mercado imobiliário de alto padrão, nos mesmos moldes do destino dado à Vila Pan-americana,
cuja localização é bem próxima do complexo olímpico da Barra da Tijuca.
É particularmente notável a presença da construtora e incorporadora Carvalho Hosken nesta
empreitada, pois, além de ser uma das principais proprietárias de terra na região, possuindo cerca de
1,3 milhão de metros quadrados (ADEMI-RJ, 2009), e de realizar sucessivos lançamentos
imobiliários de luxo que sempre contam com a parceria da prefeitura para expulsar favelas
próximas de seus empreendimentos (como nos casos do condomínio Península, quando foi
removida a comunidade Via Parque e, mais recentemente, do condomínio Rio 2, quando a
comunidade Arroio Pavuna foi desalojada), a empresa será responsável pela construção da Vila
Olímpica e do Centro de Imprensa. Ressalte-se que os terrenos onde ocorrerão estes investimentos
também pertencem à construtora e que ambos os empreendimentos provavelmente contarão com
financiamentos caracterizados por taxas de juros abaixo do valor de mercado e fornecidos pelo
poder público.
Não por acaso, a Barra da Tijuca possui 28 favelas escolhidas para remoção dentre aquelas
listadas pelo governo municipal, sendo o bairro com o maior número de comunidades afetadas pela
medida. Isso está de acordo com o processo de valorização do solo na região através da expulsão da
população de baixa renda articulado pela prefeitura e que vem beneficiando agentes privados nos
últimos anos, como a Carvalho Hosken e a Agenco, responsável pela construção da Vila do PAN.
Mas, seria possível esperar um cenário diferente, já que somente os ramos da construção civil e
imobiliário financiaram um terço da campanha eleitoral do atual prefeito? É evidente que não.
Dentre as comunidades atualmente ameaçadas, destaca-se a Vila Autódromo, em especial
pelo seu histórico de resistência em conflitos do gênero. Após vencerem heroicamente a luta
travada com o governo municipal durante as preparações para os Jogos Pan-americanos no sentido
de permanecerem no local que residem há décadas, os moradores se vêem diante de mais uma
tentativa da aliança público-privada de removê-los. Desta vez, a justificativa oficial se resume ao
fato de que a favela estaria situada no local onde será construído o Centro de Imprensa, além da
necessidade de remoção em função do alargamento das avenidas Salvador Allende e Abelardo
Bueno. Sabe-se, entretanto, que os agentes privados promotores do crescimento imobiliário pelo
qual a região vem passando serão os principais beneficiados pela expulsão da população de baixa
renda para locais distantes dos empreendimentos, já que esta ação de “limpeza social da paisagem”
tende a valorizar seus produtos.
Caso a justificativa fornecida pelo Governo Municipal fosse procedente, buscar-se-ia, ao
menos, o diálogo com a comunidade e a tentativa de re-adaptação do projeto inicial, no sentido de
se conciliar a desejada permanência dos moradores em suas residências com a execução das
medidas previstas para viabilizar os Jogos Olímpicos, atitude muito distante da atual postura da
prefeitura. Além disso, vale salientar que o poder público está obviamente ciente da situação
jurídica das residências dos moradores da Vila Autódromo, que possuem uma concessão de uso
daquelas terras onde estão situados, valida por 99 anos. Este direito legitimamente concedido na
década de 1990 pelo governo Leonel Brizola e reconhecido pela justiça na ocasião do PAN, assim
como o próprio direito à cidade, continuam sendo ignorados pela Prefeitura em seu intento de
conceder vantagens para empreiteiras aliadas. Acrescente-se que a comunidade da Vila Autódromo
tem solicitado, ao longo dos últimos anos, ações governamentais de urbanização e de provimento de
serviços básicos, pedido jamais atendido. Ao invés disso, o governo retirou a Vila Autódromo da
lista de Áreas de Especial Interesse Social, o que significa estar fora das prioridades para projetos
de urbanização.
Outra favela que volta a ser ameaçada é a do Arroio Pavuna, também próxima ao Complexo
Olímpico. Ao contrário da Vila Autódromo, esta comunidade já havia sido parcialmente demolida
na época dos Jogos Pan-americanos. Naquela ocasião, as famílias foram indenizadas com valores
irrisórios, sendo que alguns destes pagamentos foram realizados através de cheques da construtora
Carvalho Hosken, que por sua vez preparava um lançamento imobiliário em terreno vizinho ao da
comunidade. Desta vez, a previsão é de que 57 domicílios sejam destruídos até 2012.
Das demais favelas escolhidas para remoção na área, destacam-se as do Rio Morto, da Beira
do Canal e da Vila Taboinha, que juntas somam mais de 800 residências sujeitas à ação da
Prefeitura, todas em função de supostamente estarem em áreas de risco ou de proteção ambiental.
Há, ainda, comunidades que podem vir a ser parcial ou integralmente demolidas devido à
construção do corredor T5, a ligação por BRT entre a Barra da Tijuca e a Penha, como é o caso da
favela Asa Branca, situada próxima do traçado da nova via e que possui cerca de 6.000 moradores.
Embora parte destas ameaças esteja fundada na ilegalidade de algumas ocupações do solo e
nos riscos que oferecem ao meio-ambiente, é alarmante a discrepância de tratamento quando são
consideradas as construções ilegais utilizadas pela classe média-alta nas mesmas áreas. Como se
não bastasse a constatação de que muitos dos condomínios da região, ainda que tenham
desrespeitado a lei urbanística vigente para o local, como os parâmetros de taxas de aproveitamento
e de tamanho mínimo do lote, jamais tenham sido incomodados pela Prefeitura, verifica-se também
a realização de consideráveis alterações na legislação de forma a viabilizar grandes
empreendimentos de alto padrão potencialmente depredadores do sistema lagunar da bacia de
Jacarepaguá, como é o caso da chamada “Veneza Carioca”. Este antigo projeto do governo
municipal, que agora volta à tona, contempla basicamente construções de alto padrão a serem
executadas em terrenos alagadiços, os quais seriam aterrados para possibilitar sua implementação,
causando graves danos ambientais.
Para dar sustentação jurídica a estes e outros projetos, como a construção da nova sede da
CBF, do Museu do Futebol e da própria Vila Olímpica na região, foram alterados diversos pontos
do Projeto de Estruturação Urbana (PEU) das Vargens (Vargem Grande, Vargem Pequena,
Camorim e parte de Jacarepaguá e Recreio), parte integrante do Plano Diretor Municipal. Estas
mudanças se realizaram através de uma “votação-relâmpago” e inesperada na Câmara dos
Vereadores, que aprovou a referida emenda legislativa em moldes totalmente anti-democráticos,
excluindo qualquer possibilidade de participação popular, prevista no próprio Plano Diretor da
cidade, e anulando qualquer chance de adequada apreciação por parte de todos os vereadores
votantes.
Sua principal alteração se constitui na criação da outorga onerosa para empreendimentos em
algumas áreas, o que passou a permitir construções que ultrapassem os atuais limites impostos pela
lei, desde que haja uma contrapartida, isto é, um pagamento do particular interessado em favor da
Prefeitura. Assim, a arrecadação obtida a partir destas cobranças seria utilizada para investimentos
públicos nas obras infra-estruturais necessárias para adequar a região às exigências dos Jogos
Olímpicos, como a construção do corredor T5, a duplicação de parte da Avenida das Américas e o
alargamento de outras ruas e avenidas (JORNAL OGLOBO, 2009b). Mais uma vez, a viabilização
do mega-evento fica subordinada ao desrespeito às leis até então existentes.
Outra mudança importante foi a exclusão de algumas favelas da lista de Áreas de Especial
Interesse Social, já que este status as indicaria como passíveis de serem atendidas por projetos de
urbanização. Com isso, estas comunidades se tornaram muito mais vulneráveis a ações de remoção.
Não por coincidência, boa parte daquelas excluídas da lista de AEIS em novembro de 2009 (Vila
Autódromo, Beira do Canal, Canal do Cortado, dentre outras) passaram a compor a relação das
favelas escolhidas para desalojamento em janeiro de 2010.
Como se pode perceber, o tratamento das ditas ilegalidades fundiárias dado pelo poder
público parece se basear em critérios de distinção meramente social, onde uns de maior poder
aquisitivo pagam para regularizarem seus desrespeitos à lei enquanto outros, os moradores de
favelas, são ameaçados de remoção, mesmo aqueles que já possuem suas posses juridicamente
reconhecidas, como é o caso da Vila Autódromo.
3.1.2.2 Zona Portuária
Esta região da cidade possui menor extensão territotial, sobretudo se comparada com outros
bairros como a Barra da Tijuca. Uma das primeiras áreas ocupadas no município, a Zona Portuária é
de grande importância simbólica, especialmente por ser abrigo de um patrimônio histórico de
reconhecida relevância para o país, sendo representada pelos tradicionais bairros da Gamboa,
Saúde, Santo Cristo e Cajú. Nestes também estão situadas tradicionais comunidades carentes como
as do Morro do Pinto, da Pedra Lisa, da Pedra do Sal, do Morro da Conceição e do Morro da
Providência, sendo que esta foi a primeira favela formada na cidade, ainda no fim do século XIX.
Em função destas características, fica claro que a região possui uma ocupação e uso do solo já
consolidados, diferentemente de outras áreas também sujeitas a intervenções urbanas relacionadas
aos Jogos Olímpicos, como a Barra da Tijuca e Jacarepaguá.
A Zona Portuária foi escolhida pelo poder público como área a ser “revitalizada”, através de
alterações radicais nas suas atividades econômicas predominantes, de maneira a transformá-la em
um pólo de turismo, lazer, negócios e entretenimento combinado com novos investimentos
imobiliários. É importante frisar que mega empresários, como o senhor Eike Batista, um dos
financiadores da candidatura Rio 2016, já anunciaram o interesse em aplicar seus capitais na área. A
opção de realizar esta operação urbana no local se justifica pelo seu potencial turístico e pelo tipo de
estrutura fundiária existente, uma vez que 75 % dos seus terrenos pertencem ao Estado, sobretudo à
União que, sozinha, detém mais de 60 % do total. Nesta peculiaridade, seus planejadores
enxergaram, principalmente, a maior facilidade de negociações relacionadas a desapropriações
necessárias e à conseqüente diminuição das resistências.
Fica claro que a execução deste ambicioso projeto está relacionada a interesses empresariais
privados de variados ramos, como os setores da construção civil, turístico-imobiliário e da indústria
do entretenimento. Na base de sua viabilização está a criação de artifício semelhante àquele
utilizado para possibilitar a otimização dos ganhos capitalistas na expansão imobiliária da região da
Barra da Tijuca, isto é, a flexibilização de parâmetros urbanísticos. Neste sentido, um instrumento
posto como essencial para o cumprimento das metas estabelecidas pelo projeto denominado “Porto
Maravilha” é a criação de cobrança de outorga para a construção acima do atual índice de
aproveitamento básico, através da emissão de Certificados de Potencial Adicional Construtivo
(CEPACS) para a Zona Portuária, isto é, títulos mobiliários que poderão ser negociados até a sua
vinculação a um determinado lote no local.
Em outras palavras, isto irá significar a possibilidade de se construir edificações com até 50
andares em alguns setores que hoje possuem construções com alturas bem menores, mediante a
aquisição das CEPACS, ou seja, da compra do “direito de se desrespeitar as leis urbanísticas” até
então estipuladas para a região. Este artifício será crucial para levar a cabo as radicais
transformações territoriais programadas. Embora não haja qualquer previsão de remoção para a
região, existe uma tendência ao deslocamento indireto de boa parte da população local de baixa
renda para outros lugares na cidade após a execução das medidas planejadas em decorrência de um
aumento de custo de vida e da modificação do perfil dos estabelecimentos comerciais e da paisagem
local, caracterizando o que se convencionou chamar de processo de gentrificação. Mesmo assim,
espera-se um considerável incremento populacional, já que, segundo as previsões da Prefeitura, o
número de residentes saltaria das atuais 22.000 pessoas para algo em torno de 100.000.
Outras experiências similares ocorridas em diversas partes do mundo demonstraram uma
grande mudança do perfil sócio-econômico de boa parte da população residente e freqüentadora de
bairros submetidos a este tipo de intervenção urbana12. Ou seja, mais uma vez pode-se identificar
uma tendência dos planos governamentais em privilegiar tanto agentes privados específicos
responsáveis por empreendimentos imobiliários e correlatos quanto os usuários das novas
instalações e ambientes construídos, em detrimento da classe trabalhadora anteriormente fixada nas
áreas escolhidas para os grandes projetos urbanos.
Contudo, deve-se estar atento para algumas promessas do Plano de Legado Urbano e
Ambiental - Olimpíadas 2016 (2008), que indicam a possibilidade de reaproveitamento de parte do
patrimônio histórico local para projetos habitacionais voltados à população de menor poder
aquisitivo. Ainda que o poder público não possua credibilidade suficiente, já que boa parte da
agenda social divulgada para o PAN 2007 não foi executada, a concretização deste tipo de promessa
não pode deixar de estar na pauta de reivindicações dos movimentos sociais.
3.1.2.3 Maracanã, Engenho de Dentro, Cidade Nova e São Cristóvão
As áreas escolhidas para intervenções nesta grande região se resumem a alguns bairros da
Zona Norte caracterizados por uma ocupação do solo já largamente consolidada. Assim, os planos
do poder público para estes locais podem ser denominados como “microrevitalizações” urbanas no
entorno de seus respectivos equipamentos esportivos, ou seja, operações bem mais pontuais do que
aquela prevista para a Zona Portuária, mas com o mesmo intuito de criar uma nova dinâmica sócio-
econômica nestes lugares. Embora os impactos territoriais para esta região tendam a ser menores,
não deixa de existir considerável possibilidade de que conflitos ligados ao direito à cidade se
intensifiquem a partir das referidas intervenções.
Esta expectativa é reforçada pela divulgação de certas ações futuras a cargo do Governo
Municipal. Dentre as mais impactantes medidas propostas para os bairros Maracanã e São Cristóvão
estão o alargamento do corredor viário Maracanã-Engenhão, formado pelas Avenidas Radial Oeste
e 24 de maio, e o Projeto de Revitalização da Quinta da Boa Vista, que tem por objetivo a
ampliação do Jardim Zoológico e a criação do Parque Zoobotânico. Enquanto a primeira
intervenção tem no seu escopo a remoção da comunidade Metrô-mangueira, situada ao lado da
estação de trem próxima ao Morro da Mangueira, a segunda poderá acarretar na demolição de
quaisquer “moradias instaladas irregularmente na Quinta da Boa Vista” (RIO DE JANEIRO, 2008,
p. 79), parque vizinho das favelas do Morro do Telégrafo, da Mangueira e do Tuiuti. Além destas
possíveis desapropriações, há a intenção de remover a comunidade CCPL situada em Benfica,
bairro próximo de São Cristóvão, cujo nome consta na lista de 119 favelas condenadas pela
Prefeitura. Estão previstas também medidas de “reurbanização e controle do crescimento” para o
12 Para maiores detalhes sobre o fenômeno da gentrificação, ou seja, da expulsão indireta de populações carentes por meio de intervenções urbanas, ver SMITH, 1996.
Morro do Telégrafo e de reaproveitamento de imóveis inutilizados ou abandonados em São
Cristóvão para projetos habitacionais.
Certamente os vários investimentos imobiliários ultimamente realizados na região de São
Cristóvão possuem um papel relevante nesta dinâmica, pois seus interesses apontam para a tentativa
de erradicação de favelas, moradores de rua e prostitutas presentes nas proximidades destes
empreendimentos. Este tipo de suspeita é reforçado com base nas origens do financiamento de
campanha do atual prefeito, pois diversas doações foram realizadas por empresas da construção
civil e por incorporadores imobiliários.
No bairro do Engenho de Dentro, os arredores do Estádio Olímpico João Havelange também
serão submetidos a intervenções de preparação para os Jogos Olímpicos. Além de alterações no
sistema viário e de drenagens, está programada a remoção de cerca de 600 famílias da favela
Belém-belém, que já havia sido ameaçada durante o período que antecedeu os Jogos Pan-
americanos. Outra medida prevista é a criação do “Galpão Sociocultural do Engenhão” e o
reaproveitamento de áreas ociosas do estádio, como a pista de atletismo. Está claro que o objetivo
deste anúncio é dar alguma resposta, ainda que somente retórica, às várias críticas e reivindicações
formuladas após o PAN quanto à subutilização das instalações do “Engenhão” e à total ausência de
projetos sociais para a população, cujos benefícios provenientes do evento foram bastante
reduzidos, causando certa insatisfação. O mesmo vale para a intenção declarada de se fomentar a
preservação do patrimônio histórico-cultural no local, já que houve grande resistência de parte da
classe média à tentativa anterior de se destruir o Museu do Trem.
Já na Cidade Nova estão previstas a abertura e a urbanização de vias próximas ao
Sambódromo, a reurbanização de equipamentos coletivos de lazer, como o Terreirão do Samba, a
restauração de edificações pertencentes ao patrimônio histórico, como a Vila Operária, o
aperfeiçoamento do sistema de drenagem, o aproveitamento de parte do Sambódromo para projetos
sócio-culturais após os jogos e, ainda, a implementação de projetos habitacionais para a região.
Também consta na pauta de atividades programadas a execução de remoções para viabilizar o
alargamento de algumas ruas.
É particularmente notável a idéia presente no Plano de Legado Urbano e Ambiental Rio
2016 de “revitalização” e “qualificação” do tecido urbano do bairro da cidade Nova, do Engenho de
Dentro e da Zona Portuária, termos muito utilizados na definição de operações “socialmente
higienizadoras”, ou seja, com o real intuito de expulsão dos pobres. Por outro lado, merece destaque
a expectativa de reurbanização das favelas de São Carlos, através do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) do governo federal, e do Morro da Mineira, por meio do programa Favela-
bairro do governo municipal, além do reaproveitamento de imóveis abandonados para novos
projetos habitacionais.
Assim, a partir da análise das intervenções programadas para estas áreas da Zona Norte da
cidade, pode-se concluir que o objetivo principal do Estado é fomentar uma reconfiguração das
atividades econômicas e da composição social do território, em graus diferentes, de acordo com o
local considerado. Percebe-se que existe espaço para a contemplação de demandas da população
carente da região, sobretudo no que tange à utilização de edificações abandonadas para habitação
popular, mas isto dependerá de pressões políticas da própria população neste sentido, ou seja, do
resultado dos conflitos em potencial sinalizados acima.
3.1.2.4 Deodoro
A Região de Deodoro além de já ter sido utilizada para competições em 2007, possui a
peculiaridade de abrigar a Vila Militar, escolhida como sede dos V Jogos Mundiais Militares de
2011, competição que envolverá 4.900 atletas representantes de mais de 100 países e de proporções
análogas a dos Jogos Pan-americanos. Por este motivo, algumas das instalações necessárias para as
Olimpíadas de 2016 já deverão estar concluídas e prontas para o evento militar. Visando abrigar
atletas e delegações no próprio local em 2011, está prevista a construção de três vilas em áreas da
União e subsidiadas pelo Governo Federal, num total de 408 unidades habitacionais que poderão ser
reaproveitadas em 2016.
Especificamente para os Jogos Olímpicos, a previsão é de que o espaço urbano ao redor das
instalações seja modificado através da abertura e adaptação de vias, como ocorrerá com um trecho
da Avenida Brasil, da readequação do tecido urbano impactado pela construção da ligação C (BRT
entre Barra da Tijuca e Deodoro), de melhorias nos sistemas de drenagem e saneamento locais e de
reformas na estação de trem local. Estão programadas também a remoção de famílias atualmente
residentes no trajeto da ligação C e a regularização fundiária de alguns loteamentos e favelas
próximas. Contudo, não há especificações quanto às comunidades afetadas.
Há, ainda, outras medidas propostas para o setor de habitação. O Plano de Legado Urbano e
Ambiental Rio 2016 abre a possibilidade de reaproveitamento de vazios urbanos, mais precisamente
daquele situado entre a Avenida Brasil e a Avenida Duque de Caxias - área pertencente à União e
que possui mais de 1.000 hectares - para investimentos imobiliários voltados para as classes média e
média-baixa. Nesse sentido, foi declarada a intenção de se alterar os parâmetros urbanísticos do
local no sentido de viabilizar tais empreendimentos. No entanto, a expectativa não é a de que haja
uma grande operação ligada ao mercado imobiliário, pelo menos não nas mesmas proporções
daquelas que se desenham para os bairros da Barra da Tijuca, Jacarepaguá e Zona Portuária,
sobretudo em função da menor valorização do solo na região de Deodoro e adjacências. Existe, por
último, a previsão de que sete favelas do bairro de Realengo sejam removidas até 2012, embora
estas ações não estejam diretamente ligadas às Olimpíadas e sim a supostas situações de risco e de
degradação ambiental.
3.1.2.5 Zona Sul
Esta região tende a apresentar conflitos de outra natureza, pois não serão construídas novas
instalações especialmente voltadas aos Jogos Olímpicos. Na verdade, os principais embates
diretamente relacionados ao evento deverão ser os mesmos constatados durante o PAN 2007, isto é,
aqueles que envolvem as alterações permanentes programadas para a Marina da Glória e para o
Estádio de Remo da Lagoa. Por outro lado, conflitos indiretamente ligados às Olimpíadas vêm se
conformando, como as operações de “pacificação” articuladas pela polícia nas favelas da região e
algumas remoções previstas em função de situações de risco e de degradação ambiental.
No primeiro caso, após batalhas judiciais travadas entre os usuários dos equipamentos
esportivos do Estádio de Remo e da Marina da Glória e a prefeitura, aliada às empresas Glenn
Entertainment e EBTE, durante o período que precedeu os Jogos Pan-americanos, os mesmos
conflitos voltam à tona. Isto porque o poder público insiste em retomar os projetos de privatização e
desfiguração destas instalações esportivas por parte de seus respectivos concessionários, através da
transformação destes espaços em locais privilegiados para o consumo e o entretenimento, deixando
em segundo plano suas funções sócio-culturais ligadas à prática de esportes. Da mesma forma, a
descaracterização arquitetônica prevista também foi alvo de variadas contestações tanto na Lagoa
quanto na Glória.
Novamente, os problemas relacionados ao Estádio de Remo são alvo de insatisfações. Logo
após a confirmação do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016, a Federação Nacional de
Remo enviou uma carta aberta ao governador do Estado, onde seu representante reafirma as
reivindicações contra as reformas previstas para o equipamento esportivo, as quais criarão mais um
Shopping Center na cidade, beneficiando apenas a empresa concessionária e prejudicarão atletas e
adeptos da prática do remo (FRERJ, 2009). Na Marina da Glória, o processo é semelhante, pois,
após sua concessão ter passado à responsabilidade da empresa EBX, o projeto de “revitalização” do
local foi retomado, cujo intuito de construção de um centro de convenções, de restaurantes e de um
pólo de serviços turísticos torna a ser anunciado.
Já no segundo caso, referente às ações previstas para as favelas da Zona Sul e indiretamente
ligadas aos jogos, estão programadas remoções de duas comunidades: a Matinha da Rocinha, na
Gávea, e a do Horto, no Jardim Botânico, devido a suas localizações em área de risco ou próximas a
áreas de preservação ambiental. Além disso, existe um processo mais amplo de ocupação de favelas
situadas em áreas nobres, através da implantação das chamadas Unidades de Polícia Pacificadora
(UPP) em alguns morros, como os da Dona Marta e Cabritos, em Botafogo, do Cantagalo e do
Pavão-pavãozinho, em Copacabana, e da Babilônia e Chapéu-mangueira, no Leme. Segundo o
governo estadual, as ditas UPPs tem como objetivo maior retomar o controle destes territórios por
parte do Estado, inibindo o tráfico de drogas pela repressão armada. O fato concreto, contudo, é que
a tal “pacificação repressiva” funciona como importante fator de valorização das áreas no entorno
direto destas favelas, que até então estavam sub-valorizadas devido à sua associação com a
violência relacionada ao tráfico de drogas. Ou seja, estas ações viabilizam uma nova frente para
expansão e reprodução do capital especulativo imobiliário na Zona Sul. Da mesma forma, tais
medidas procuram construir uma nova imagem para a “vitrine” da cidade, baseada na aparente
ausência de conflitos e contradições e na suposta garantia de segurança para a realização dos mega-
eventos programados para o município.
Assim, estão previstas intervenções urbanas de diferentes naturezas e profundidades para as
áreas a serem utilizadas nos Jogos Olímpicos. Embora as quatro grandes zonas escolhidas tendam a
apresentar conflitos, sem dúvida há uma maior probabilidade de que aqueles com maior intensidade
ocorram na Barra da Tijuca e na Zona Portuária, já que para a primeira está programado o maior
número de remoções e na segunda intenciona-se realizar uma completa reformulação do tecido
urbano e de seu perfil sócio-econômico. Neste sentido, as idéias de “revitalização” e
“requalificação” urbana, bem como todo o ideário que normalmente acompanha a utilização destes
termos, e, em especial, a promoção das remoções de favelas que permeiam os documentos oficiais
relacionados às Olimpíadas devem servir como alertas para moradores e demais agentes sociais
preocupados com a garantia de respeito aos seus direitos.
3.1.3 Legado
Uma característica marcante dos Jogos Pan-americanos de 2007 foi o completo abandono e
subutilização de alguns equipamentos esportivos, como o Parque Aquático Maria Lenk, e a
privatização de outros subsidiados com dinheiro público, como a Arena Olímpica, que se
transformou em Arena HSBC e o Estádio Olímpico João Havelange. Assim, enquanto a maioria das
escolas públicas não possui espaços adequados para a prática de esportes e parte das praças carece
de estrutura mínima para a prática de exercícios físicos, as novas instalações geradas pelo PAN
foram fechadas ao acesso da população.
Mas, o que será que indicam as ações previstas para a utilização posterior às Olimpíadas de
2016? Há evidências que apontem para uma ruptura deste modelo, baseado no financiamento de
equipamentos esportivos com dinheiro público e subseqüente apropriação privada?
Analisando-se a tabela abaixo, fica evidente a intenção do governo de prosseguir com as
iniciativas de privatização dos equipamentos esportivos da cidade utilizados nos mega-eventos
esportivos. Se por um lado os planos são de manter as atuais concessões do Riocentro, do Estádio
de Remo, da Marina da Glória, do Estádio João Havelange, do Velódromo e do Parque Maria Lenk,
as quais restringiram o acesso público às suas respectivas dependências, beneficiando tão somente
seus concessionários, por outro, aqueles poucos equipamentos que abrigaram competições em 2007
e ainda se mantiveram públicos, como o Estádio do Maracanã e o Ginásio do Maracanãzinho,
passarão para o domínio da iniciativa privada, também se valendo do regime de concessão. Da
mesma forma, as instalações construídas especialmente para as Olimpíadas, como os Centros de
Treinamento, o Estádio Olímpico de Desportos Aquáticos, o Centro Olímpico de Tênis, os Centros
de Hipismo e de Tiro, a Arena de Deodoro, o Estádio de Canoagem Slalom e o Centro de BMX,
serão parcialmente concedidas para a exploração comercial, apesar de continuarem em sua maioria
contando com recursos federais.
Tabela 04: Agentes públicos e privados envolvidos na construção da infra-estrutura de esportes. (BRASIL, 2009).
Dentre todas as instalações esportivas, novas e antigas, utilizadas para os Jogos Olímpicos,
apenas o Sambódromo continuará sendo integralmente administrado pelo setor público. Tendo-se
em vista que após o PAN 2007 restaram apenas dois equipamentos nesta condição, isto é, o
Maracanã e o Maracanãzinho, e que após as Olimpíadas de 2016, os mesmos serão concedidos,
ficando apenas o Sambódromo como patrimônio de livre acesso da população, pode-se concluir que
a tendência apresentada é de intensificação do processo de privatização pelo qual os equipamentos
coletivos no Rio de Janeiro e no Brasil têm passado.
As demais obras de infra-estrutura previstas em função do evento também parecem seguir o
mesmo critério. O exemplo das diversas vilas a serem criadas é emblemático, já que estarão quase
todas destinadas a posterior absorção pelo mercado imobiliário que atende a parcela da população
com poder aquisitivo mais elevado. Assim, mais uma vez são reafirmados os estreitos laços entre o
ideário neoliberal, hegemônico ao longo das duas últimas décadas na cidade, e o acontecimento de
mega-eventos esportivos.
Novamente, o nível de pressão política exercida pelos movimentos sociais e pela população
em geral no sentido de se reivindicar maior acessibilidade ao patrimônio público desempenha papel
primordial para a desaceleração e/ou estancamento deste processo. Esta mobilização também deve
estar focada na luta pela concretização de promessas como os projetos sociais e educacionais
previstos nos documentos oficiais, sobretudo aqueles ligados às melhorias de mobilidade urbana e
ao direito à moradia, isto é, às melhorias do sistema de transportes e o aproveitamento de imóveis
públicos abandonados para a diminuição do déficit habitacional. Caso estas ações sejam
implementadas de forma a priorizar as demandas populares, podem se constituir em importante
legado do evento para o município.
3.2 Aspectos políticos e orçamentários
Após a nada transparente experiência dos Jogos Pan-americanos, que tiveram seu orçamento
estourado em quase 1.000%, levantando sérias suspeitas de corrupção, os gastos realizados para
viabilizar os Jogos Olímpicos de 2016 passaram a ser a principal preocupação da opinião pública
em relação ao evento. Neste sentido, é importante acompanhar e analisar as primeiras iniciativas
dos organizadores relacionadas à elaboração orçamentária e à divulgação dos dispêndios
programados.
De acordo com as previsões encontradas no Dossiê de Candidatura, as Olimpíadas de 2016
demandarão um total de R$ 28,8 bilhões, sendo que grande parte destes recursos virá dos cofres
públicos. Tendo por base a tendência constada na seção anterior de privatização da infra-estrutura
gerada, notabiliza-se, mais uma vez, a utilização de dinheiro da população para o beneficiamento de
pequenos grupos capitalistas e políticos.
Dentre os gastos com instalações esportivas, que totalizam mais de R$ 980 milhões,
destacam-se os programados para a construção dos Centros Olímpicos de Treinamento na Barra da
Tijuca, que irão custar quase R$ 400 milhões, ultrapassando o valor da obra mais dispendiosa do
PAN, isto é, o Estádio do Engenhão. Já no que se refere à construção de instalações de apoio para o
evento, a Vila de Mídia da Barra será a mais cara, com o valor total de R$ 1,6 bilhão.
Os valores apresentados causam certa preocupação, não só em função de sua grandeza, mas
principalmente devido ao custo de oportunidade atrelado a tais dispêndios, isto é, ao fato de que
estas quantias poderiam ser melhor aplicadas em setores prioritários e carentes de investimentos
estatais, como a saúde, a educação, o saneamento e a habitação popular. Agrava esta situação a
previsão de que todos estes valores tendem a ser multiplicados ao longo das obras, já que o mesmo
aconteceu tanto nos Jogos Pan-americanos de 2007 quanto nas últimas edições das Olimpíadas.
Instalações Custo em R$ (2008) x
1.000
Novos equipamentos esportivos 733.374
Renovação equipamentos
esportivos existentes
247.125
Vila Olímpica 854.115
Vila de Mídia 1.624.752
Outras Vilas (Maracanã,
Zona Portuária, Deodoro)
111.625
Centro de Imprensa (IBC/MPC) 405.864
TOTAL 3.976.855
Tabela 05: Dispêndios previstos para construção e reforma das instalações olímpicas (BRASIL,2009). Elaboração Própria.
Uma das criticas mais frequentes aos mega-eventos esportivos é a falta de transparência,
comumente expressa por tomadas de decisões autocráticas e pela ausência de participação popular.
Helen Lenskyj, em seu livro “Inside the Olympic Industry” já sinalizava que “a maioria dos
aspectos dos Jogos Olímpicos são organizados para maximizar poder e lucro e não promover o bem
estar dos indivíduos e grupos que praticam esporte para saúde e prazer” (LENSKYJ, 2000, p.3).
Tudo indica que os Jogos Olímpicos de 2016 se desenharão de forma semelhante. Uma das razões
para isso é a manutenção da mesma estrutura e dos gestores que estiveram à frente do PAN 2007,
além do fortalecimento de certos instrumentos inibidores de direitos da população já constituídos.
Durante a preparação para os Jogos Pan-americanos, foram gastos mais de R$3 bilhões de recursos
públicos. Naquela ocasião, nem o orçamento, nem os processos de licitação foram fiscalizados por órgãos
estatais ou privados. Além disso, todas as decisões da prefeitura, do governo estadual e do governo federal
aconteceram sem audiências públicas, ou seja, sem consultar, por exemplo, as comunidades atingidas
violentamente pelos projetos correlatos. Também não foi criada qualquer estrutura institucional de
monitoramento do orçamento.
Gastos da União com organização e execução de mega-eventos no Rio de Janeiro
Ano Favorecido R$ Ano Favorecido R$
2004 COB 25.000.000 2007 COB 4.137.285,79
COB 11.444.318,33
COMORG 135.383.534,3
COB 264.267,2 COB 72.594,43
Total 36.708.585,53
COMORG 46.786.962,52
2005 COB 308.823,6 COB 2.556.870,8
COB 1.336.962,5 COMORG 5.687.631,28
COB 1.058.905,92 RIO 39.743.860,02
Total 2.704.692,02 COB 863.481,32
Total 235.232.220,5
2006 COB 625.978,29 2008 COB 672.066
COMORG 1.134.770,37 COB 28.276.211
COB 4.613.784,39 Total 28.948.277
RIO 5.000.000
RIO 45.000.000 2009 RIO 200.000
Total 56.374.533,05
COB 20.853.456,74
Total 21.053.456,74
2004 -2009
Total 381.021.764,8
COB= Comitê Olímpico Brasileiro / COMORG = Comitê Organizador Pan 2007 / RIO = Prefeitura do Rio
Tabela 06: Despesas federais com entidades públicas e privadas do Rio de Janeiro associadas aos mega-eventos esportivos. Disponível em http://www.portaltransparencia.gov.br/
Da mesma forma, atualmente não existe a possibilidade de se fiscalizar, detalhadamente,
entidades como o COB ou demais federações esportivas do país. Conforme observado na tabela
acima, a informação fornecida pela página eletrônica oficial do governo federal trata tão somente da
quantidade de dinheiro gasto e de sua respectiva instituição favorecida. Ou seja, não há como saber
maiores detalhes quanto à natureza destes dispêndios. Poderia ser perguntado, por exemplo: por que
em 2008 o COB recebeu R$ 28.948.277,00? Para os Jogos Pan-americanos de 2007?
Após a experiência do PAN, com seus gastos exorbitantes e nada transparentes, a opinião
pública percebeu que era preciso criar órgãos de fiscalização independentes para acompanhar o
comportamento dos comitês organizadores dos futuros mega-eventos. Com o intuito de mitigar os
possíveis desgastes políticos que estas cobranças poderiam ter para a organização dos Jogos
Olímpicos de 2016, a Prefeitura do Rio de Janeiro resolveu criar uma página na internet chamada
Transparência Olímpica Rio 201613, disponibilizada alguns dias depois da escolha da cidade como
sede das Olimpíadas pelo COI.
Na verdade, a promessa de maior transparência em relação aos dispêndios públicos já
constava no Dossiê de Candidatura: “O Comitê Organizador Rio 2016 irá alienar os seus ativos de
forma responsável e transparente, garantindo os benefícios para a população do Rio de Janeiro e do
Brasil.” (BRASIL, 2009, vol. 1, p. 120). Contudo, até o momento, ainda não existe a real
possibilidade de se fiscalizar os gastos com os jogos através deste site. Uma rápida exploração de
seu conteúdo é suficiente para que se evidencie a falta de transparência que parece continuar sendo
uma das principais características dos mega-eventos esportivos no país.
Primeiramente, embora alguns projetos olímpicos já estejam em andamento, na página
principal do site ainda se encontra o seguinte aviso: “site em fase de construção”, o que, por si só, já
demonstra que este instrumento de participação ainda está longe das condições ideais. Outra
característica que aponta no mesmo sentido é a forma como as informações estão sendo
disponibilizadas. Por exemplo, na página “monitoramento dos projetos”, de grande interesse para a
população, constam os seguintes dados:
Projeto Descrição Valor Início Término Status
Rio Escritório de Negócios
Equipe destinada a articular oportunidades de investimentos
A definir
05/10/2009
Ligação C Corredor de ônibus que
A definir
07/10/2009
13 www.transparenciaolimpica.com.br
ligará Bangu a Jacarepaguá
Corredor T5 Criação de corredor de ônibus expresso
A definir
08/10/2009
Porto Maravilha Construção do Pier da Praça Mauá - área de Lazer e Entretenimento de 30mil m² com quiosques, restaurantes, anfiteatro, espaço multiuso, entre outros.
R$ 26.8 milhões
16/10/2009 16/10/2010 Em andamento
Rio Capital Verde
Projeto de reflorestamento e de recuperação de áreas verdes
A definir
01/01/2010
Rio Criança Global
Ensino de inglês nas escolas municipais
A definir
01/02/2010 01/02/2016 Em andamento
Macrodrenagem Programa de recuperação ambiental da Bacia de Jacarepaguá
A definir
01/03/2010
Tabela 07: Descrição de projetos relacionados aos Jogos Olímpicos Rio 2016, disponível em www.transparenciaolimpica.com.br. Acesso em fev 2010.
Todos os projetos listados acima possuem uma opção para consulta supostamente mais
detalhada sobre cada um deles, através da ferramenta hyperlink, bastando clicar sobre o nome de
um deles para que outra página com maiores informações seja aberta. Contudo, ao fazê-lo, no lugar
de dados mais específicos sobre o orçamento, encontra-se apenas uma descrição ufanista dos itens
relacionados. O projeto “Porto Maravilha”, uma das intervenções previstas que mais tem gerado
expectativa, é assim descrito:
Esta iniciativa incluirá projetos inovadores de infra-estrutura urbana, grandes ações habitacionais (que multiplicarão por quatro a atual população local de 25 mil moradores, com grande melhoria de sua qualidade de vida), desenvolvimento de um novo pólo cultural e de entretenimento (compatível com a forte demanda turística esperada), além do desenvolvimento de novos negócios que atrairão empresas, gerarão 40 mil novos empregos e R$ 200 milhões em impostos adicionais (www.transparenciaolimpica.com.br).
Observa-se a ausência das fontes que geraram estas informações, de referências aos estudos
que produziram os números citados, o que com certeza não é condizente com um site dedicado à
transparência. Além disso, até então, o único projeto efetivamente olímpico que possui orçamento
divulgado na página eletrônica é o de revitalização da Zona Portuária. Todos os demais não
apresentam dados orçamentários.
O risco de possíveis ações autocráticas realizadas pelos entes governamentais e não-
governamentais envolvidos também é evidenciado na mesma página, mais precisamente na seção
que abriga a legislação relacionada à preparação para o evento. Em alguns destes decretos e leis, são
expostas as contradições inerentes às promessas de um processo decisório mais democrático e
transparente. Um bom exemplo é o Decreto n° 30.379 de 01 de Janeiro de 2009, com alguns de seus
trechos mais polêmicos descritos abaixo:
Art. 2º – O Poder Executivo envidará todos os esforços necessários no sentido de possibilitar a utilização de bens pertencentes à administração pública municipal, ainda que ocupados por terceiros, indispensáveis à realização dos Jogos Rio 2016.
Art. 2º, § 2º - Independente da estimativa de público a que alude o parágrafo anterior, não serão concedidas autorizações para realização de eventos que possam apresentar qualquer inconveniente ao planejamento, operação, logística, serviços ou segurança dos Jogos Rio 2016.
Art. 12 - O Município do Rio de Janeiro adotará as medidas para garantir a aquisição de imóveis necessários à construção de instalações esportivas e não-esportivas, conforme as exigências do Caderno de Encargos do Comitê Olímpico Internacional.
Fica clara, em primeiro lugar, a tendência do poder executivo municipal de adotar medidas
irrestritas de desapropriação de imóveis, o que tem funcionado como base para ações violentas de
desrespeito ao direito à cidade, justificadas pela necessidade prioritária de realização do mega-
evento em detrimento de quaisquer outras demandas. Complementarmente no segundo trecho
reside a restrição a qualquer atividade que possa ser considerada inconveniente aos jogos, ou seja,
abre-se com esta legislação um importante precedente para a criminalização de qualquer
descontentamento externado através de protestos pelos agentes prejudicados e seus aliados em
relação ao andamento de projetos olímpicos.
Assim, até hoje os diversos grupos da sociedade civil não tem sido convocados para
participar das decisões relacionadas às Olimpíadas de 2016, assim como não foram na ocasião do
PAN 2007. Deveria existir uma secretaria de relações sociais e de transparência dentro da estrutura
institucional voltada à organização dos próximos eventos. Da mesma forma, os cidadãos deveriam
ter seus direitos de fiscalização independente e confiável, através da abertura dos orçamentos para
plena averiguação e divulgação, e de moradia digna preservados. No entanto, este não parece ser o
rumo tomado pelas primeiras atitudes dos órgãos governamentais, pois até agora a transparência e
participação exaltada pela Prefeitura se apresenta muito mais como uma frágil fachada retórica,
tendo-se em vista os variados problemas e contradições até aqui identificados.
Conclusão
A partir do que tem sido exposto até aqui, pode-se concluir, primeiramente, que os
preparativos para os próximos mega-eventos esportivos, em especial para as Olimpíadas de 2016,
tendem a causar profundos impactos na cidade do Rio de Janeiro, sobretudo nas áreas escolhidas
para abrigar a infra-estrutura necessária à sua realização. Sem dúvida, as classes menos favorecidas
correm sérios riscos de virem a ser a parcela da população mais negativamente afetada pelos
projetos relacionados aos jogos, uma vez que são vislumbradas remoções diretas ou indiretas de
comunidades carentes presentes nas quatro zonas olímpicas, isto é, a Barra da Tijuca/Jacarepaguá, a
Zona Portuária/parte da Zona Norte (Maracanã, São Cristóvão, Cidade Nova, Engenho de Dentro),
Deodoro e na Zona Sul.
Enquanto a maioria dos desalojamentos forçados já anunciados pela Prefeitura se concentra
na primeira zona, para boa parcela da segunda são esperados em especial deslocamentos
indiretamente causados por processos de gentrificação, pois o poder público deixou clara a intenção
de se alterar radicalmente o perfil das atividades econômicas lá predominantes e do perfil social de
seus freqüentadores e habitantes. Neste sentido, a Zona Portuária deverá passar por uma
“revitalização”, nos termos postos pelo próprio Dossiê de Candidatura da cidade, o que literalmente
significa “dar uma nova vida” ao local. Práticas semelhantes, porém em menor intensidade e
alcance, são previstas também para as demais áreas.
Por outro lado, foram identificados os potenciais agentes beneficiados com as obras
relacionadas às Olimpíadas, ou seja, os usuários das novas instalações e, principalmente, os
membros componentes da aliança entre um restrito círculo de empresas imobiliárias, da construção
civil e do ramo do turismo e do entretenimento e os representantes governamentais nas três esferas.
As principais evidências que indicam a forte tendência à concessão de privilégios a grupos
empresariais por parte do poder público são: financiamento de campanhas eleitorais dos atuais
governantes realizado por corporações assumidamente interessadas nos negócios que envolvem os
Jogos Olímpicos, acordos prévios entre construtoras, empresas de turismo e o Estado para a
efetivação dos projetos necessários, descritos no próprio documento de candidatura da cidade do
Rio de Janeiro à sede das Olimpíadas de 2016, sem qualquer menção a processos licitatórios ou
afins; financiamento e apoio dado à campanha olímpica carioca por mega-empresários; alterações
de legislação urbanística nas áreas onde serão construídos os novos empreendimentos direta ou
indiretamente relacionados aos jogos; divulgação de futuras desapropriações que tem como alvo
favelas próximas aos empreendimentos citados, dentre outros. Pode-se somar a tais indícios, os
projetos voltados à construção e adaptação de instalações e infra-estrutura para a realização das
Olimpíadas e da Copa do Mundo no Brasil, que, analisados em seu conjunto, visam aprofundar o
modelo privatizante do patrimônio público, uma vez que quase todos serão cedidos para a
exploração econômica da iniciativa privada após terem sido viabilizados, majoritariamente, com
recursos públicos.
Estas características estão de acordo com os problemas identificados em mega-eventos
anteriores realizados tanto na própria cidade, como os Jogos Pan-americanos, quanto nas últimas
edições dos Jogos Olímpicos. Em todos os casos foram registrados desrespeitos aos direitos
humanos e sociais da população mais carente, em especial violências ligadas à total
desconsideração do direito à cidade de tais classes. Tais experiências foram marcadas por um
grande número de remoções, criminalização da pobreza e de grupos excluídos, repressão a
manifestações, falta de transparência e de procedimentos democráticos, descumprimento do
orçamento inicial, altos lucros de pequenos grupos empresarias, etc. Portanto, as tendências
verificadas para as Olimpíadas brasileiras são apenas parte de um fenômeno bem mais amplo que já
vem acontecendo há algumas décadas em várias cidades-sede de mega-eventos esportivos no
mundo.
Ainda que de forma incipiente, movimentos sociais e grupos afetados tem buscado se
articular com o intuito de construírem contraposições a tais tendências. Parte destas mobilizações
iniciais possuem origem nas estruturas criadas como forma de resistência aos projetos dos Jogos
Pan-americanos de 2007, como o Comitê Social do Pan e Associações de Moradores, sobretudo da
Vila Autódromo e de comunidades vizinhas. Atualmente, está em construção a REME – Rede de
Mega-Eventos Esportivos visando articular uma agenda de disputa do sentido dos Jogos na
perspectiva do direito à cidade. Além disso, o Conselho Popular e a Pastoral de Favelas tem sido
importantes espaços de articulação das comunidades ameaçadas de remoção.
As primeiras mobilizações neste sentido começaram a ocorrer nos meses que sucederam ao
anúncio do Rio de Janeiro como cidade-sede, através de reuniões entre comunidades carentes que
serão afetadas, principalmente nas proximidades da Barra da Tijuca, e posterior encontro de seus
representantes com o Secretário Municipal de Habitação a fim de levar ao mesmo suas demandas.
Contudo, o principal evento reivindicatório realizado até o momento foi a manifestação ocorrida em
frente à sede da Prefeitura no dia 10 de fevereiro de 2010 pelo movimento de comunidades
recentemente denominado de “Olimpíadas Não Justifica Remoção”, quando cerca de 200 pessoas
protestaram contra as intervenções excludentes do Governo Municipal.
Nesta oportunidade, uma comissão com 16 representantes de favelas, dentre elas “Vila
Autódromo, Arroio Pavuna, Camorim, Canal do Anil, Taboinhas de Vargem Grande, Horto, Pau da
Fome, além do Movimento Nacional de Luta pela Moradia e da Federação das Associações de
Moradores de Favelas do Rio (FAFERJ)”, conseguiu ser recebida pelo prefeito, após algumas horas
de manifestação na entrada da Prefeitura. O principal resultado deste protesto organizado foi o
agendamento de uma nova reunião para tratar especificamente do caso da Vila Autódromo, que
demanda sua permanência, mais uma vez, no local onde está situada, embora a Prefeitura tenha
intenções de desalojá-la.
Para as demais comunidades, ficou apenas a promessa de que nenhuma decisão será tomada
sem a consulta prévia aos moradores, embora a lista de favelas que sofreriam remoção tenha sido
divulgada no início de 2010 sem qualquer diálogo ou comunicação direta aos seus habitantes. É
evidente, contudo, a intenção do poder executivo em fragmentar as negociações, o que enfraquece o
movimento como um todo e dá maior margem de manobra para a Prefeitura e os interesses a ela
associados.
Portanto, a partir do quadro que vem se formando e do histórico das experiências anteriores,
conclui-se que há um aumento das desigualdades sociais em conseqüência da reestruturação urbana
normalmente promovida pelos mega-eventos esportivos, pois a utilização dos recursos públicos
envolvidos tende a ser direcionada para o atendimento das demandas de empresários, políticos e
mercados consumidores de alto poder aquisitivo, enquanto os demais grupos são submetidos a tais
projetos, muitas vezes através da força e do desrespeito aos seus direitos constituídos. Com isso, o
principal desafio para construir resistências frente aos casos de violação do direito à cidade é
desenvolver órgãos da sociedade civil que possam 1) ser incluídos nos processos de elaboração de
candidaturas, 2) demandar os direitos à cidade através da justiça 3) e abrir espaço midiático, tanto
nacional como internacional, para dar visibilidade às exigências dos movimentos sociais
envolvidos. Estas frentes de atuação estão entrelaçadas e não podem ser pensadas isoladamente.
Dessa maneira, somente a pressão política engendrada pelos diferentes segmentos sociais,
sobretudo aqueles mais prejudicados, pode dar novos contornos ao quadro que se forma para a
próxima década. Para isso, é importante que estes agentes utilizem as redes sociais de resistência
consolidadas na época dos jogos pan-americanos e estejam cada vez melhor munidos de
instrumentos que lhes permitam ampliar o alcance e a repercussão de suas reivindicações. Neste
sentido, a utilização de canais alternativos de mídia e a construção de novos indicadores que possam
tanto subsidiar um olhar diferenciado das políticas públicas, voltado para o atendimento da
população mais carente das cidades impactadas e menos para as exigências dos grandes grupos
empresariais, quanto servir de base para a legitimação das demandas populares, são caminhos
necessários para se atingir os objetivos levantados.
Esta última ação, em particular, exige um esforço de completa revisão dos atuais modelos
utilizados para avaliação de mega-eventos esportivos. Há uma carência de estudos que busquem
uma verificação mais apurada do legado deixado para cidades-sede, pois muitos destes tem se
prendido a aspectos meramente econômicos (reflexos no PIB, na geração de renda e emprego,
investimentos públicos e privados, vide IPEA, 2008 e FIPE, 2009). Assim, ampliar o espectro
analítico, abarcando as transformações físico-territoriais, sócio-econômicas, ambientais e
simbólicas, bem como suas interpenetrações, inevitavelmente atreladas aos mega-eventos
esportivos e ao tipo específico de urbanização deles decorrente, tornou-se um imperativo frente à
nova realidade trazida pelos Jogos Pan-americanos de 2007 e pela expectativa dos próximos
eventos. Neste âmbito, a distribuição dos benefícios e dos custos nas diversas esferas que envolvem
o processo de adequação da cidade às exigências infra-estruturais para a realização dos referidos
projetos deve ser o eixo norteador para tal avaliação. O monitoramento constante dos processos de
planejamento, a partir destas bases e da espacialização dos conflitos, é fator essencial para se
reverter o quadro de exclusão e violência evidenciado nos XV Jogos Pan-americanos.
Conclui-se que o grande objetivo concernente aos mega-eventos será o de garantir a
transparência, tanto no que tange aos estágios de planejamento quanto ao legado. Somente a
mobilização dos movimentos sociais, de forma planejada, organizada e objetivando não só a ampla
divulgação de suas demandas via meios alternativos de comunicação, mas principalmente a
inserção de seus representantes nas estruturas institucionais responsáveis pelos próximos eventos,
poderá levar à frente tamanha tarefa. Os recursos financeiros e as transformações espaciais
relacionados à Copa do Mundo de 2014 e às Olimpíadas de 2016 já fazem parte da atual pauta
política do Brasil e do Rio de Janeiro, constituindo um novo objeto de disputa. Cabe à sociedade
brasileira, democraticamente, através da articulação dos seus diversos segmentos, decidir sobre sua
real destinação.
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