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MECANISMOS NEURAIS DE AGRUPAMENTOS AUDITIVOS
IMPONDO REGRAS À PERCEPÇÃO MUSICAL:
Um estudo através das regras de “condução das vozes”
J. Zula de Oliveira ABCM – 2007
Email: jotazula@uol.com.br jotazula@neuromusic.com.br
1. Introdução
Achei que seria importante estudarmos como conseguimos ouvir música.
Geralmente não nos preocupamos com o como a ouvimos, ou seja: como a audição de
elementos (sons e células rítmicas) que são produzidos isoladamente assumem o papel de
estruturas, formando um discurso completo e cheio de significados.
Como percebemos música? Quais os mecanismos neurais que nos levam a agrupar
elementos em estruturas ou separar o que aparentemente está agrupado?
Ao ouvir música somos afetados por rápidas e complexas mudanças de espectros
acústicos, decorrentes da superposição de sons e movimentos rítmicos (ou não)
provenientes de diferentes fontes sonoras. O sistema auditivo tem a tarefa de analisar estes
espectros de forma a recompô-los, catalogá-los, julgar sua similaridade e diferenças, sua
pertinência, ou não, de agrupamentos de uns com os outros1.
A partir desta consideração pomos em evidência, sobretudo dois aspectos: a) O fato
de ao nosso sistema auditivo ser apresentada apenas uma série de “elementos isolados”
(elementos de primeira ordem, em música: elementos pré-musicais) e que através de
mecanismos especiais são combinados de forma a constituir agrupamentos ou estruturas; b)
Como são feitas abstrações a partir das combinações efetuadas de tal forma a permitir que o
sistema perceptivo da audição elabore equivalências e similaridades em música.
Para estudar os mecanismos que organizam estes dois aspectos temos que partir do
estudo, tanto das dimensões do som (altura, intensidade e timbre), como das dimensões
pertinentes ao ritmo (precisão, elasticidade continuidade), e determinar, para cada caso,
1 Uma idéia da forma como percebemos, constituindo um processo de inferência inconsciente, já foi proposto por Helmholtz (1909-1911/1925). A proposição de Helmholtz tem se desenvolvido até nossos dias sem que se tenha chegado ainda a um ponto final sobre o assunto.
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quais seriam os princípios que agem efetivando os agrupamentos. É sabido que tanto o som
como o ritmo apresenta padrões muito complexos, mas que seguem determinadas regras
para que ocorram tais agrupamentos.
Os psicólogos da Gestalt (Max Wertheimer, Christian von Ehrenfels, Felix Krüger,
Wolfgang Köhler e Kurt Koffka) propuseram que os agrupamentos dos elementos
primários em configurações têm base em várias regras (ou leis) simples sitiadas no cérebro
das pessoas: as leis gestálticas (vide Anexo 1). A Fig. 1 (copiada de D. Deutsch, 1999)
ilustra algumas destas leis para estímulos visuais.
Fig 1: Ilustrações de algumas leis da Gestalt (proximidade, similaridade e boa continuação) para estímulos
visuais
Na ilustração “a” o agrupamento é feito segundo a lei da proximidade:
os elementos se agrupam segundo a proximidade de sua configuração
espacial; neste exemplo os elementos são agrupados dois a dois. No
exemplo “b” está ilustrada a lei da semelhança: esta lei nos leva a
perceber de um lado, as filas verticais formadas pelos círculos vazios
e do outro as filas formadas pelos círculos cheios. O terceiro exemplo,
o “c”, ilustra a lei da boa continuação: a percepção segue a direção
em que os elementos são mais “convenientemente” distribuídos. A percepção do observador segue o caminho
da estrutura formada por tais elementos, no exemplo o caminho de A a B e C a D.
As ilustrações acima foram feitas para estímulos visuais, mas quando aplicadas à
percepção auditiva, podem explicar como percebemos “forma” na audição de música. (vide
Gregory, 1994; Deutsch, 1975; Bregman, 1978, 1990; Narmour, 1991 1992; Huron,
1993c). Os agrupamentos efetuados em conformidade com tais leis é que efetivamente nos
permitem interpretar nosso ambiente sonoro. As leis acima ilustradas para estímulos
visuais, quando aplicadas a estímulos musicais poderiam ser ilustradas com:
� Lei da proximidade: a proximidade dos sons em música pode efetuar-se tanto
quanto à coerência na sucessão dos sons (p. ex. proximidades de tonicidade ou de
diatonicidade), como na continuidade existente entre dois ou mais sons quanto à sua
temporalidade No caso da tonicidade e diatonicidade, a razão numérica entre as
freqüências dos intervalos (melódicos ou harmônicos) formados pelos sons é o
determinante básico do “parentesco” existente entre estes sons. Desta forma, os intervalos
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do uníssono, da 8ªe da 5ª (que têm razões intervalares muito simples) não favorecem à
percepção individual dos sons que formam os intervalos e sim, tende a fundi-los.
� Lei da semelhança: agrupamentos em música quanto à semelhança podem efetuar-
se a partir, por exemplo, de formação tímbricas (iguais ou diferentes), combinações de
instrumentos de corda com instrumentos de sopro ou percussão, de repetição de notas etc.
A lei da semelhança nos possibilita o reconhecimento das “semelhanças” que dão unidade a
uma obra musical. Temas, motivos etc. que se repetem proporcionam integração à música,
direcionam a atenção, despertam um certo ludismo e conseqüente prazer (ou fruição) na
audição da obra musical.
� Lei da boa continuação: de modo geral todas as leis gestálticas ditam a maneira de
os eventos musicais serem percebidos levando em consideração os universais da música
(Carterette and Kendall, 1999)2. Mas de todas as leis a que se propõe mais como função dos
princípios gestálticos é a da boa continuação. A “continuação” é “boa” quando atende às
nossas expectativas que por sua vez são estabelecidas a partir de experiências anteriores.
Desta forma são válidas as afirmativas: nota puxa nota, inciso puxa inciso, frase puxa frase,
tema puxa tema, ritmo puxa ritmo, movimento puxa movimento, coerência puxa coerência
em qualquer nível da composição musical. Alguns exemplos: eventos musicais semelhantes
(p. ex. quanto ao timbre) provavelmente serão originados e interpretados, sensorialmente ou
virtualmente, como provenientes de uma fonte comum; podem dar origem a agrupamentos
coerentes. Por outro lado, sons dessemelhantes podem ser interpretados como provenientes
de fontes diferentes, não dando ensejo à formação de estruturas, não se conseguindo
estabelecer através deles uma “boa continuação”. Uma sucessão que muda suavemente (p.
ex., em freqüência) pode ter origem em uma única fonte, e ao contrário, uma transição de
freqüência abrupta pode refletir a presença de uma fonte diferente. É provável que
componentes de espectros complexos semelhantes que surgem em sincronia, apresentem
características que permitam agrupamentos por sua semelhança prejudicando o princípio da
percepção independente das vozes, como veremos.
2 Carterette e Kendall (1999, pg. 780) admitem como universais da música para o ser humano: a) um forte senso de estruturação musical; b) estratégias de agrupamento dos elementos auditivos (p. ex. as leis gestálticas); c) o uso de um referencial estável de afinação que pode se efetivar com perfeição no “ouvido absoluto” que algumas pessoas possuem; d) a divisão de uma oitava em graus; e) o uso de um referencial para a pulsação; f) a indução de padrões rítmicos a partir de subdivisões simétricas/assimétricas de pulsos temporais.
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Mas isto não é tudo o que se deve saber a respeito da percepção de música. Existe
ainda outra questão de fundamental importância: será que tais agrupamentos resultam da
ação de um único mecanismo neural de decisão, ou será que múltiplos mecanismos estão
envolvidos nesta tarefa, cada um responsabilizando-se por critérios de agrupamentos
diferentes? Do que já foi pesquisado há evidências psicológicas de que os subsistemas
subjacentes aos processos da percepção auditiva são vários e atendem a características
específicas tanto do som (construto espacial), como do ritmo (construto temporal). Tais
evidências nos permitem formular a hipótese de que os agrupamentos auditivos não são
efetuados por um único mecanismo neural, mas por vários que agem separadamente em
estágios diferentes, mas que interagem entre si. Desta forma o mecanismo que agrupa as
informações da altura são diferentes dos que agem sobre o timbre ou sobre a intensidade,
sobre a localização da fonte sonora etc. (Oliveira, 2002), ou sobre o ritmo e suas características.
Há evidências também de que podem surgir ilusões resultantes da forma “incorreta” das ligações
entre os diferentes eventos musicais fenômeno que D. Deutsch chamou de ilusão auditiva
(Deutsch, 1974, 1975a, 1975b, 1980a, 1981, 1983a, 1983b, 1987, 1995). Diante de tais
descobertas podemos concluir que a organização perceptual na música envolve um
processo no qual os elementos são agrupados entre si, de forma a sinalizar valores para
diferentes atributos separadamente e isto é seguido por um processo de elaboração de
síntese na qual os significados de atributos diferentes são combinados correta ou
incorretamente.
2. Como surgiram as regras que compõem as gramáticas musicais que aprendemos
ao estudar música.
Nossa exposição será feita a partir da análise das regras prescritas para a
composição de um cantus firmus (o elemento básico para a realização de um contraponto
seiscentista) e da harmonia tradicional (séculos XVIII e XIX), procurando justificar tais
regras do ponto de vista das leis da acústica, da psicofísica, da cognição, da aculturação e,
sobretudo dos processos neurológicos, levando em conta em conta as leis gestálticas e os
universais da música. Estas regras foram estabelecidas pelos mestres, seja do contraponto
seiscentista, que tem como um dos expoentes G. Palestrina (Gauldin, 1985;
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Jeppesen,1939/1963; Fux, 1725/1971; Bertucci, 1947), seja do Barroco, brilhantemente
representado por J. S. Bach (Benjamin, 1986; Parks, 1984; Tryhall, 1993), seja da harmonia
clássica e romântica, praticada com maestria por A. W. Mozart, L. van Beethoven, P.
Tchaikoswki (Hindemith, 1944; Aldwell & Schachter, 1989; Piston, 1978; Schoenberg,
1911/1978; Schoenberg, 1954/1969; Grabner, 1962, Koellreutter, 1986; Oliveira e Oliveira,
1978; Salzer, 1952), seja do contraponto atonal3, cujos criadores e expoentes são A.
Scheonberg, A. Webern, A. Berg (Fortner, 1960; Krenec, 1940).
As regras que introduzem os alunos nas gramáticas da composição musical são
muitas e não trataremos de todas elas, mas apenas das que se evidenciam. Fazemos exceção
das regras que orientam para a composição pós-tonal (geralmente escritas a priori, ao
contrário das tonais, geralmente escritas depois de terem sido comprovadas na prática).
Portanto, depois de terem sido consideradas convenientes à percepção musical. (Vide
algumas dessas regras no Anexo 2 (Regras para a prática da harmonia clássica e romântica
Anexo 3 (Regras para a composição de um cantus firmus).
3. Princípios de agrupamentos auditivos que fazem da percepção de elementos
musicais estruturas.
Neste trabalho vamos estudar os princípios que levam a percepção musical de
elementos à construção de estruturas musicais, focando as regras para a condução das vozes
ou partes. Segundo Huron (2001)4 estes princípios se resumem a 10, sendo seis, os básicos
e quatro que contribuem para a identificação dos gêneros musicais:
� Princípios básicos para a percepção musical: 1. a afinação do som segundo
audibilidade de seus harmônicos (toneness) ou diatonicidade; 2. a continuidade temporal; 3.
um mínimo de mascaramento; 4. a fusão tonal; 5. a proximidade das freqüências (ou dos
sons segundo sua diatonicidade); 6. a co-modulação do som;
� Princípios que favorecem o reconhecimento dos gêneros musicais: 7. a
sincronicidade de ataque (onset); 8. o limite de densidade; 9. a diferenciação tímbrica; 10.
a localização da fonte sonora.
3 No contraponto atonal (p. ex. dodecafônico ) nem sempre as regras são determinadas após a comprovação na prática, mas antecipadamente. 4 De quem copiamos idéias importantes para escrever este trabalho.
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Vejamos em detalhes cada um destes princípios e o seu papel no processo de
agrupar/desagrupar os elementos musicais.
1. A afinação do som a partir da audibilidade de seus harmônicos (toneness, diatonicity)
Huron (2001) sugere que o som musical quando exibe um alto grau de afinação,
desperta em quem o ouve imagens auditivas, ou seja: quando porta uma boa audibilidade de
seus harmônicos (tonicidade ou diatonicidade). Uma medida usada para conferir o grau de
afinação é fornecida pelo peso virtual desta afinação. Os sons que têm alto peso virtual de
afinação a partir da forma como são percebidos pelo ouvintte são os sons complexos
centrados na região situada entre F2 e G5 . . Sons contendo parciais
inarmônicos produzem percepção musical de afinação competitiva, evocando em função
disto imagens auditivas confusas. Este item pode estar relacionado com as propriedades
acústicas da fonte sonora, entre outros fatores.
Na natureza um som, de modo especial um som musical, nunca ocorre sozinho.
Sempre vem acompanhado de harmônicos (ou parciais) ou inarmônicos. São estes parciais
que formam seu espectro e são eles também que nos possibilitam a fusão ou a separação de
tais sons (como veremos). Para estudar a relação entre os harmônicos e a afinação de um
som tem-se que estudar sua harmonicidade (a relação harmônica que eles mantêm com a
freqüência fundamental à qual estão ligados) e a relação que este som mantém com outros
sons, da qual decorre o nível de fusão/separação entre os sons.
Frente à harmonicidade o sistema auditivo interpreta o que ouve como uma
“combinação harmônica” da qual é gerada uma única imagem sonora. Ao tocar sons em
instrumentos musicais são-nos fornecidos exemplos de como a percepção agrupa os
harmônicos. Tanto instrumentos de corda, como de sopro e outros de “afinação definida”
produzem sons cujos parciais são harmônicos, tanto mais harmônicos para a percepção
quanto mais audíveis forem estes parciais, caracterizando-se cada som pelo nível de
audibilidade de cada parcial, o que determina o espectro (o timbre) do som. Esta
característica confere ao som seu grau de “musicalidade”, sendo tanto “mais musical”
quanto mais audíveis forem seus harmônicos. A harmonicidade proporciona uma forte
impressão de fusão. Sinos e gongos, no entanto, produzem parciais que não são harmônicos
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e que nos dão uma sensação de freqüências difusas.
Huron (1991b), baseado em trabalhos anteriores seus e de outros autores, estudou a
relação entre harmonicidade e fusão espectral para música polifônica. Este gênero de
música tem como característica principal preservar a independência das vozes simultâneas
dentro da trama polifônica. Em análise de peças de J. S. Bach executadas ao teclado,
mostrou que os intervalos harmônicos eram evitados na proporção em que eles promoviam
a fusão tonal. A conclusão de Huron foi que Bach usou esta estratégia de composição com
a finalidade de otimizar a percepção das vozes individualmente. Isto parece ser mais
freqüente ainda na música polifônica seiscentista.
Na contramão do princípio da independência das vozes, compositores mais recentes,
sobretudo a partir do impressionismo musical, privilegiaram em suas composições os
elementos que favoreciam a fusão tonal. Em trabalho de experimentação com sons que
foram produzidos por instrumentos diferentes (inclusive sintetizadores e geradores de som)
tocando simultaneamente, tais instrumentos foram usados de forma a perderem sua
identidade e ao mesmo tempo produzir a impressão de um único som. Por exemplo,
Debussy e Ravel e outros representantes do impressionismo musical, em algumas peças
orquestrais fizeram bastante uso do que se poderia chamar de diluição das harmonias
(acordes quebrados, arpejos, uso de timbres semelhantes etc). Os compositores pós-tonais
como Schoenberg, Stravinsky, Webern e Varèse muitas vezes usaram estruturas altamente
individualizadas, ao que, segundo o termo de Varèse, foram chamadas de “massas sonoras”
(Erickson, 1975). Sob este ponto de vista as combinações de melodias que contêm relações
harmônicas simples oferecem uso preferencial, uma vez que não está mais sendo focada em
primeiro plano relações intervalares que favoreçam à percepção individualizada das partes
na composição de melodias, mas sim outras relações como a tímbrica ou de “massas
sonoras” (Klangfarbenmelodie).
Em estudo com a fala foi demonstrado em laboratórios que determinados padrões
no uso da fala (p. ex. quando muitas pessoas falam simultaneamente), são melhores
percebidos quando as vozes são produzidas sobre fundamentais diferentes (Rasch, 1978), o
que é fundamental para a compreensão do que se está falando. A diferença intervalar entre
as fundamentais, segundo Assmann e Summerfield (1990), Broks e Nootebohm (1982) e
Sheffers (1983) deve situar-se pelo menos em torno de um a três semitons. Além disto,
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formantes resultantes de uma mesma fundamental tendem a ser percebidos como uma
unidade perceptiva, portanto fundidos, como conseqüência de provável mascaramento,
enquanto que formantes constituídos a partir de fundamentais diferentes tendem a serem
percebidos como distintos uns dos outros (Darwin e Gardner 1986; Gardner., Gaskill, and
Darwin, 1989).
Existem ainda outros fatores que interferem nos processos de agrupamentos
(fusão/separação) na música. Por exemplo, as fontes sonoras e sua localização são um
deles. Outro: Moore, Glasberg e Peters (1986) referem-se ao fato de que quando um
componente de um complexo harmônico é desafinado em relação aos outros, ele é ouvido
como separado dos demais. Outros atributos do som também podem provocar
fusão/separação na percepção dos sons e Darwin e Carlyon (1995) sugerem serem
necessários para a realização da fusão/separação um processo de percepção grupal que
esteja envolvido com certo número de mecanismos neurais e que tais mecanismos não
usam necessariamente os mesmos critérios.
Imbricado com o princípio da “Afinação do som” poderiam estar: a) as “Leis
Gestálticas” (vide Anexo 1) de nºs 4 (Lei da Pregnância) e 6 (Lei da experiência passada ou
do fato comum); b) as “Regras para a condução das vozes na prática harmônica” (vide
Anexo 2) de nº 1 (que estabelece a tessitura de melhor audibilidade de harmônicos), nº 2
(que regula a formação dos acordes compondo-os com 3 ou 4 sons da série harmônica, bem
afinados, o que aumenta a possibilidade de audição dos harmônicos (tonicidade e
harmonicidade); nº 6 e 7 (que estabelecem sustentação dos sons comuns ou o uso de passos
pequenos diatônicos, o que facilita manter a afinação); c) as regras da composição de um
cantus firmus (vide Anexo 3) de nº 2 (que estabelece o uso dos modos litúrgicos e clássicos
como escalas a serem usadas, pois elas fazem parte de uma cultura secular e isto invoca a
afinação culturalmente definida), nº 4, 6 e 8 (que proíbem o uso de intervalos “artificiais” a
estes modos, o que poderia “facilitar” a desafinação ou mudança de campo harmônico).
2. A continuidade temporal.
A música acontece no tempo. É nele que as estruturas sonoras se formam através da
duração dos sons. Mas para que se formem é necessário que os sons sejam percebidos como
um contínuo. A partir desta continuidade é que a música é percebida e as imagens sonoras
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evocadas. São vários os fatores que interferem para que a percepção continuada seja
afetuada, sendo o principal deles a continuidade temporal, na qual a energia do som é
mantida por um certo período de tempo, estabelecendo-se um processo mental, uma espécie
de “memória ecóica” (Houtgast, 1972; Thurlow, 1957; Warren, Obusek & Ackroff, 1972),
com duração de aproximadamente 1 a 5 segundos. A “memória ecóica” desperta, a partir da
audição de sons específicos continuados, imagens auditivas, mesmo quando alguns destes
sons estão fisicamente ausentes. Para isto é necessário que os sons sejam mais contínuos,
repetitivos e suficientemente fortes.. O mascaramento5 dos sons neste particular age em
contrário à continuidade temporal. A continuidade e intermitência dos sons não devem ser
interrompidas por mais de aproximadamente 800 milesegundos (ms) de silêncio ou de outro
fato qualquer, para que a percepção do contínuo não seja quebrada. Conclui-se a partir das
pesquisas que imagens auditivas consistentes sejam evocadas a partir de sons que ou são
contínuos ou interrompidos apenas por curtos espaços de tempo (menor do que 800 ms).
A importância da relação temporal para a fusão ou separação da percepção já foi
estudada por Helmholtz em seu tratado On the Sensations of Tone (1859/1954), onde
escreve (citação de D.Deutsch, 1999 pg. 302).
Now there are many circunstances which assist us first in separating the musical tones
arising from different sources, and secondly, in keeping together the partial tones of each separate
source. Thus when one musical tone is heard for some time before being joined by the second, and
then the second continues after the first has ceased, the separation in sound. is facilitated by the
succession in time. We have a1ready heard the first musical tone by itself and hence know
immediately what we have to deduct from the compound effect for the effect of this first tone. Even
when several parts proceed in the same rhythm in polyphonic music, the mode in which the tones of
the different instruments and voices commence, the nature of their increase in force, the certainty
with which they are held and the manner which they die off, are generally slightly different for
each... When a compound tone commences to sound, alI its partial tones commence with the same
comparative stregth;. when it swells, alI of them generally swell uniformly; when it ceases, alI cease
5 A prática musical se vale de vários artifícios para evitar o mascaramento que prejudica a percepção do contínuo musical, interceptando o despertar de imagens auditivas. Alguns destes artifícios são a mescla de timbres, a forma como os sons são produzidos, ora por instrumentos de sopro, ora por instrumentos de corda, ora fortes, ora em piano etc. A invenção do pianoforte e outros instrumentos com diferentes formas de produzir os sons, os pedais de que fazem uso vários instrumentos, o uso de registros diferentes etc. colaboram para evitar o mascaramento.
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simultaneously. Hence no opportunity is genera1ly given for hearing them separately and indepen-
dently. (pp. 59—ó0) 6
.
Este item está relacionado com o tempo em música. Trata-se de um estudo diferente
do de quando os sons são produzidos ao mesmo tempo e se consideram em primeiro plano
seu aspecto espectral e a relação entre seus componentes que são o elemento fundamental
para a percepção como um todo, ou seja, de forma a constituir fusão. Na prática real ao se
executar uma música, fatores temporais entram em ação. Um destes fatores é a
sincronicidade/assincronicidade do ataque dos sons. A sincronicidade afetando a afinação
dos sons e a assincronicidade contribuindo para a percepção individual de cada som.
Quando componentes de um som complexo soam sincronizadamente, é provável que eles
tenham origem na mesma fonte sonora; ao contrário quando eles soam em dissintonia é
igualmente provável que tenham origem em fonte sonora diferente. Neste caso estamos
estudando a correspondência temporal na flutuação dos componentes. Helmholtz (1859 /
1954) afirma ser a temporalidade na ocorrência dos harmônicos que nos permite sua
separação em unidades discretas.
Imbricadas com o principio da “Continuidade temporal” poderiam estar: a) as “Leis
Gestálticas” de nº 1 (Lei da Semelhança); nº 2 (Lei da Proximidade), 3 (associada com a de
nº 1 e 2, Lei da Boa Continuação), nº 4 (Lei da Pregnância), entre outras; b) as “Regras para
6 Desta forma, há muitas circunstâncias que nos ajudam, em primeiro lugar a separar os sons musicais que
surgem de fontes diferentes e em segundo lugar a manter ao mesmo tempo os parciais dos sons de cada fonte.
Assim quando um som musical é ouvido durante algum tempo, antes de se unir a um segundo e o segundo a
continua depois de o primeiro se extinguir, a separação entre os sons é facilitada no tempo pela sucessão.
Uma vez que já temos ouvido o primeiro som musical em si e conseqüentemente sabemos o que temos a
deduzir do efeito da combinação para o efeito deste primeiro som imediatamente. Até mesmo quando várias
partes procedem no mesmo ritmo na música polifônica, o modo no qual os sons dos instrumentos diferentes e
vozes começam, a natureza do aumento deles em vigor, a certeza com que eles são segurados e a maneira fora
a qual eles se extinguem, é geralmente ligeiramente diferente para cada um... Quando um som composto
começa a soar, todos os seus tons parciais começam a soar com o mesmo em rumo comparativo. Quando
aumenta, todos eles geralmente aumentam uniformemente; quando se extinguem, todos se extinguem
simultaneamente. Conseqüentemente, nenhuma oportunidade é dada para ouvi-los separada e
independentemente. (pp. 59-ó0).
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a condução das vozes na prática harmônica” de nº 3 (que estabelece uma continuidade nos
espectros das vozes quanto às tessituras de baixo, tenor, contralto e soprano); nº 7 (que
regula a condução dos sons de forma a garantir continuidade, tanto linearmente (melodia)
como em profundidade (harmonia); nº 9 (que quebraria a continuidade do fluxo melódico,
uma vez que o cruzamento das vozes interrompe o fluxo da melodia ou harmonia
intencionada); c) as regras da composição de um cantus firmus de nº 1 (o cantus firmus é
um contínuo que é garantido pela limitação do número e duração isorítmica dos sons
usados); nº 9 (uma boa melodia tem continuidade que é definida por um ponto de partida,
um desenvolvimento, um clímax e um repouso. A regra 9 solicita isto); nº 10 (os
fechamentos criados estabelecidos na regra 10 sugerem à continuidade associada à
compensação no uso dos intervalos diatônicos).
3. Um mínimo de mascaramento
Békésy (1943/1949, 1960) e depois Skarstein (Kringlebotn, Gundersen, Krokstad, &
Skarstein, 1979) foram os precursores do que se chamou de mapa tonotópico da cóclea, ou
seja: cada freqüência tem seu ponto de ancoragem apropriado na membrana basilar, sendo
as freqüências agudas recebidas na base da cóclea e as freqüências graves no ápex. A partir
dos estudos de Békésy, outros pesquisadores (p. ex. Fletcher, 1940, 1953) têm demonstrado
que há relação entre a distância ao longo da membrana basilar e a região de mascaramento,
definindo o que se chamou de banda crítica, o limite para a ocorrência de mascaramento7.
O passo seguinte é dado por Zwicker, Flottorp e Steven, (1957) estabelecendo a largura da
banda crítica mais como algo real do que hipotético e sugerindo também a distância ao
longo da membrana basilar como uma função da totalidade da freqüência dispendida por
vários sons ou de uma banda de ruídos. Greenwood (1961b, 1990), partindo dos estudos de
Fletcher, estabeleceu que há uma relação linear que limita a banda crítica, sendo de cerca
de 1 mm a distância em que é capaz de receber as freqüências que se mascaram
mutuamente. Greenwood sugere também que os efeitos tonotópicos podem refletir-se em
aspectos da percepção de dissonâncias referenciadas como sensibilidade para dissonância,
7 Mascaramento é a diminuição da audibilidade de um som devido a presença de outro. Pode acontecer devido a presença de um som próximo em freqüência (mascaramento em freqüência ou simultâneo) sendo um deles mais forte do que o outro, ou no tempo (mascaramento temporal). O mascaramento pode ocorrer antes de um som mais forte (pré-mascaramento) ou depois (pós-mascaramento). Têm curta duração: o pré-mascaramento 20 ms e o pós- até 200 ms.
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levando-se em consideração que tanto a consonância como a dissonância podem sofrer
influencia cultural (fator de aprendizagem) e sensorial (fator inato). Vários outros
pesquisadores ainda se ocuparam com este assunto, a exemplo de Cazden (1945), Mayer
(1894), Pomp e Levelt (1965) que deram continuidade aos estudos de Greenwood quanto à
percepção de dissonância e banda crítica e a mecânica da membrana basilar. Note-se, no
entanto que muitos destes experimentos foram feitos com sons puros que em música não
são usados e que para sons complexos, os sons musicais, é fator decisivo para a sensação de
clareza da consonância ou dissonância, a região em que se situa o intervalo, lembrando que
as sonoridades mais usadas na prática musical, sobretudo harmônica, situam-se entre o F2 e
o G5, ao que se somam os efeitos da cultura e da sensibilidade humana.
Concluindo: o macaramento auditivo é um efeito acústico que limita a percepção
individualizada dos sons. A fim de minimizá-lo em algumas sonoridades verticais, as
somas de energia espectral dos sons não devem cair na banda crítica, e que para sons
complexos, determinados harmônicos devem ser dispostos mais espaçados na medida em
que o registro se torna mais grave (veja o uso da “harmonia larga” que exibe sonoridade
mais ampla do que a “harmonia estreita”).
Levando-se em consideração que a música é composta por partes (ou vozes) que
devem ser ouvidas individualmente, imbricadas com o principio do “Mascaramento”
poderiam estar: a) as “Leis Gestálticas” de nºs 1 e 4 (Lei da Semelhança, e da Pregnância
de um lado atuando como catalisadoras de agrupamentos e de outro atuando como
dispositivos de fusão dos sons que impedem a audição individual das partes); b) as “Regras
para a condução das vozes na prática harmônica” de nº 2, 3 e 4 (que estabelecem o número
e a tessitura das vozes a serem usadas na composição musical e a maneira como elas devem
ser usadas de forma a evitar o quanto possível os mascaramentos); nº 4 e 10 (que regulam o
uso de intervalos que poderiam favorecer o mascaramento: uníssonos, 8ªs e 5ªs justas); c) as
regras da composição de um cantus firmus não estão diretamente imbricadas com o efeito
do mascaramento por se tratar de desenvolvimento linear (melódico) em que o
mascaramento pode ocorrer apenas com relação a cada som em particular. No entanto
mascaramentos podem ocorrer na composição de um contraponto.
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4. A fusão tonal
A fusão tonal é a tendência a fundir em um som combinações de sons de acordo
com sua coerência. Esta fusão ocorre quando o sistema auditivo interpreta certas
combinações de freqüências como compondo parciais de um único som.(DeWitt &
Crowder, 1987). A fusão tonal é afetada, sobretudo por dois fatores: a) a razão existente
entre as freqüências dos sons componentes e b) seu conteúdo espectral. A fusão tonal
acontece com maior probabilidade quando o conteúdo espectral está em conformidade com
uma série harmônica mesmo que hipotética. E ainda com maior probabilidade quando as
freqüências dos tons componentes são compostas por razões de números inteiros e simples.
Neste caso incluem-se os uníssonos, as 8ªs e as 5ªs. Há discussões entre os pesquisadores,
no entanto, se fusão tonal e consonância tonal são o mesmo fenômeno (Bregman, 1990), ao
que parece tratar-se de uma confusão dos conceitos: “smooth sounding” e “sounding as
one” (“som que se extingue” e “sonoridade que soa como um som”). No entanto os estudos
vistos anteriormente (Greenwood, Plomp e Levelt e outros) sugerem as distâncias na banda
crítica como determinante de consonâncias e dissonâncias e que a sensibilidade está mais
afeta a esta distância do que à harmonicidade ou à fusão tonal.
Se a fusão tonal é ou não é um fenômeno desejado para a composição musical
depende da percepção musical e das intenções do compositor. Os compositores dos
períodos renascentista, barroco, clássico e romântico a evitaram não usando uníssonos, 8ªs
e 5ªs e se isto ocorre são bem menos freqüentes do que o uso de outros intervalos.
Naturalmente estes intervalos se tornam bem mais “fundíveis” num contexto musical
quando aparecem em paralelo, servindo como justificativa da proibição do uso das 5ªs, 8ªs
e uníssonos paralelos.
Tendo como base os conceitos de fusão tonal e sensação à dissonância é que os
intervalos das escalas diatônicas têm sido classificados pelos teóricos da música em
consonâncias perfeitas (uníssonos, 8ªs e 5ªs) que apresentam baixa taxa de sensação à
dissonância e alta taxa de fusão tonal, e consonâncias imperfeitas (3ªs e 6ªs maiores e
menores) que exibem baixa taxa de sensação à dissonância e também baixa taxa de fusão
tonal, e finalmente dissonâncias (2ªs e 7ªs maiores e menores, bem como os trítonos) que
exibem alta taxa de sensação à dissonância e baixa taxa de fusão tonal.
14
Resumindo; a percepção de independência de tons concorrentes é enfraquecida
quando a relação de suas freqüências induz à fusão tonal. Os intervalos que mais
promovem a fusão tonal são (em ordem decrescente): o uníssono, a 8ª e a 5ª (justas).
Quando se tem o objetivo da percepção independente dos sons concorrentes, devem ser
evitados os intervalos que promovem tal fusão, a exemplo dos acima citados.
De todos os princípios da percepção musical quanto às teorias de
agrupamento/separação dos elementos musicais, o princípio da Fusão Tonal parece ser um
dos que mais se impõem. Com este princípio poderiam estar imbricadas: a) as “Leis
Gestálticas” de nºs 1, 4 e até certo ponto 5 e 6 (Lei da Semelhança, da Pregnância, do
Fechamento e do Fato Comum. De um lado atuando como catalisadoras de
agrupamentos/separações e de outro atuando como dispositivos de fusão dos sons que
impedem a audição individual das partes); b) as “Regras para a condução das vozes na
prática harmônica” de nº 1 (que delimita a tessitura onde a fusão tonal é mais susceptível e
prestando-se mais à prática da harmonia); 2 e 3 (que estabelecem o número e a tessitura das
vozes a serem usadas na composição musical e a maneira como elas devem ser usadas de
forma a favorecer/dificultar a fusão tonal); nº 4 e 10 (que regulam o uso de intervalos que
poderiam favorecer/dificultar a fusão tonal: uníssonos, 8ªs e 5ªs justas paralelas); c) as
Regras da composição de um cantus firmus de nºs 2, 4, 5, 6 e 8 (que estabelecem proibições
ao uso de intervalos que levariam à desestruturação da ambientação tonal (modal) favorável
à integração e coerência do fluxo melódico); nº 9 (um “pico culminante” - e um só –
exigido pela regra de nº 9 é um dos elementos mais integradores de uma estrutura
melódica).
.
5. A proximidade das freqüências (ou dos sons segundo sua diatonicidade e temporalidade)
Quanto à proximidade das freqüências ou dos sons podem ser considerados como
exemplo de proximidade das freqüências os trinados, dos quais distinguimos dois: a) os
que são feitos em intervalos pequenos e com muita velocidade, que provocam a sensação
de ondulação sonora e b) os que são feitos em intervalos grandes e pouca velocidade, que
provocam a sensação de uma forma específica de execução de uma melodia. Estas
formações intervalares associadas ao tempo em que são executadas têm sido assunto de
15
muitos estudos, sendo os mais significativos os de Dowling (1967) e os de van Noorden
(1975).
Van Noorden mapeou a relação entre tempo e som na fusão e separação do fluxo
sonoro, sugerindo que quando o tempo é lento e/ou os sons estão próximos, a seqüência
resultante é sempre percebida como uma estrutura sonora única (o que recebeu o nome de
fission boundery - fusão de fronteira). Enquanto que se a distância entre os sons é grande
e/ou o tempo é rápido, duas estruturas sonoras são percebidas (o que ele chamou de
temporal coherence boundery - coerência temporal de fusão). E van Noorden identifica
ainda uma área fronteiriça em que o ouvinte pode perceber uma ou duas estruturas sonoras,
dependendo de sua disposição. A percepção que se tem no primeiro caso, fusão de fronteira
(fission boundery), é bem menos intensa do que a percepção que se tem no segundo caso,
coerência temporal de fusão (temporal coherence boundery).
A proximidade dos sons é também um fator que insinua o fluxo da percepção.
Estudos feitos por Dowling (1973) usando duas melodias conhecidas que se cruzavam e por
Deutsch (1975) e por van Noorden (1975) demonstraram que melodias ascendentes e
descendentes, que têm o mesmo timbre, e que se cruzam, são percebidas segundo o fluxo
induzido pela proximidade de seus intervalos. A Fig. 2 mostra esta lei da percepção.
Fig. 2 : Esquema ilustrando as duas possibilidades de percepção de trajetórias de sons que se cruzam.
Percepção “cruzada” (à direita) são mais comuns para estímulos formados por seqüências discretas de sons,
quando os timbres são idênticos.
Resumindo: pelo menos quatro fenômenos são importantes na definição da
proximidade das freqüências dos sons que determinam a fusão ou a separação do fluxo
auditivo para a percepção: a) a fusão de seqüências de sons monofônicos em perceptos
pseudopolifônicos (Miller e Heise, 1950); b) a descoberta de “degradações” do processo de
informação em tarefas temporais de fluxos cruzados (Schouten, Norman, Bregman e
Campbell e Fitzgibbons, Pollatsek e Thomas); c) a dificuldade de a percepção detectar o
fluxo auditivo quando há cruzamento de sons (Dowling, Deutsch, van Noorden); d) a
16
proeminência da proximidade do som sobre a trajetória do som na continuação do fluxo
auditivo (Bregman e outros). A separação do fluxo é ainda fortemente dependente da
proximidade de sons sucessivos. Então a coerência do fluxo auditivo é mantida pela
proximidade dos sons com sons sucessivos no fluxo. O fluxo de um som básico é
assegurado quando o movimento do som está de acordo como limite de fusão (van
Noorden), (normalmente em torno de dois semitons ou menos) que têm a duração de pelo
menos 700 ms. Quando a distância entre os sons ultrapassa estes limites, mesmo assim
ainda é possível manter a percepção de um único fluxo reduzindo o tempo de duração dos
sons.
Imbricado com o princípio da Proximidade das freqüências (ou dos sons segundo
sua diatonicidade e temporalidade) poderiam estar: a) as “Leis Gestálticas” de nºs 2, 3 e 6
(Lei da Proximidade, Lei da Boa continuação e lei do Fato Comum, atuando como
“solicitadores” da boa continuação e atendimento de expectativas criadas pela experiência e
pela cultura favorecendo agrupamentos/separações no tempo e no espaço e dando (ou não)
ensejo à formação de estruturas); b) as “Regras para a condução das vozes na prática
harmônica” de nº 4, 8, 9e 10 (que delimitam o uso de intervalos que andam na contramão
da percepção individualizada das partes que favorecem o contínuo exigido pela forma
musical); c) as regras da composição de um catus firmus de nº 1 (que estabelece o uso de
valores isoritmicos favorecendo a continuidade sugerida); nºs 5, 7 e 10 (que estabelecem o
uso de intervalos que favoreçam à continuidade decorrente da proximidade das freqüências,
sem que isto implique em mascaramento).
6. A co-modulação tonal
Em 1863 Helmholtz já sugeriu que a movimentação concomitante de sons contribui
para a percepção de forma fundida dos sons que comparecem ao mesmo tempo.
Recentemente este tema foi retomado por Chowing (1980) e Bregman e Doehring (1984),
que, além de confirmarem a indicação de Helmholtz, acrescentaram novas indicações, por
exemplo, Bregman e Doehring (1984) que demonstraram experimentalmente que a fusão
tonal aumenta significativamente quando dois sons são modulados em mudanças
correlacionadas do logaritmo das freqüências e que a intensidade da fusão tonal é maior
17
para os sons que mudam a freqüência, do que para os sons que permanecem na mesma
afinação.
Na prática musical este princípio se verifica. D. Huron mostrou que os compositores
da polifonia evitaram usar sons que tinham uma correlação positiva, sobretudo correlação
que implicava em movimento paralelo. Do que concluiu como princípio para a co-
modulação: a fusão perceptual de sons concomitantes e concorrentes é aumentada quando
os sons estão correlacionados positivamente e é ainda mais aumentada quando a correlação
é precisa com respeito ao logaritmo das freqüências.
Com o princípio da Co-modulação tonal, ou seja, da movimentação concomitante
de estruturas tonais, poderiam estar imbricados: a) praticamente todas as “Leis Gestálticas”
quando a relação entre as freqüências dos sons concomitantes favorecem à semelhança
entre os sons, a proximidade quanto às freqüências, à boa continuação de cada elemento em
relação ao todo, à pregnância que sintetiza a resultante das freqüências, ao fechamento
da(s) estrutura(s) formada(s) pelos intervalos, à experiência comum que induz a um
determinado paradigma da percepção; b) as “Regras para a condução das vozes na prática
harmônica” de nº 1 (que favorece à fusão das vozes quando usadas de acordo com os
determinantes que induzem à fusão); nº 4, 5, 6, 7, 9 e 10 (que regulam o uso dos intervalos
que favorecem/contrariam a fusão tonal dos sons, incentivando/restringindo a percepção
individual das partes; c) as regras da composição de um cantus firmus não estão
diretamente imbricadas com os efeitos decorrentes da co-modulação tonal por se tratar de
desenvolvimento linear (melódico), ou seja, da ocorrência de um som apenas a cada tempo.
A não ser que se pense nos efeitos lineares decorrentes do uso de sons sucessivos.
Concluímos os comentários a respeito dos seis princípios básicos para a composição
musical, tendo efetuado após cada um deles, algumas ligações entre as regras estabelecidas
para esta atividade e os princípios exigidos para que se obtenha uma audição clara e
individualizada das partes componentes da música. O propósito destes comentários foi
sinalizar o porquê de determinadas indicações e proibições nas gramáticas da composição
musical. Assim sendo o principal objetivo para a condução das vozes é criar duas ou mais
vozes (ou partes) que sejam percebidas distintamente. Uma boa condução das vozes deve
otimizar a audição das estruturas sonoras para que se ouça cada voz individualmente. Do
18
que se conclui que uma boa condução das vozes requer a integração de uma audição clara
das partes individualmente e que haja uma separação clara da audição das estruturas entre
cada parte concorrente. Isto é comprovado, sobretudo por axiomas como: a audição de
estruturas coerentes é melhor quando se usa sons que evoquem imagens auditivas claras, e
que são indubitavelmente os sons complexos que evocam imagens auditivas mais claras. É
então que surgem as regras da condução das vozes que devem usar sons que evoquem
fortemente e de maneira única, sensações sonoras. Isto é conseguido de maneira eficiente
quando se usam sons harmonicamente complexos e é menos eficiente quando se usa, por
exemplo, ruídos. Em outras palavras, a tonicidade e harmonicidade são os princípios
básicos para que se consiga a integração individual das partes. Os sons que são mais
condizentes com estas exigências são os contidos próximos de 300 Hz ou mais amplamente
entre 80 e 800 Hz. Na gama do som musical a melhor tessitura para uma boa condução das
vozes está situada entre F2 e G5, região centrada no D4. A partir das imposições para uma
boa condução das vozes (ou partes) foram surgindo as regras retro indicadas e outras.
Quanto à continuidade temporal é mais eficaz usar sons continuados do que fontes com
sons interrompidos.
Na prática musical, praticamente em todo mundo, a base da produção dos sons que
são usados na música são os instrumentos musicais que produzem sons com alto nível de
audibilidade de harmônicos. Instrumentos que produzem inarmônicos (p. ex. instrumentos
de percussão) são menos usados, sobretudo na formação das vozes ou melodias.
Instrumentos de percussão de afinação definida (glokenspiels, marimbas, xilofones etc.) são
mais apropriados para produzir sons de base para as harmonias. Exemplos típicos deste
caso são os carrilhões. Sons sustentados têm melhor uso quando intercalados com pequenas
pausas ou interrupções. É preciso também evitar os mascaramentos que são prejudiciais à
audição individualizada das partes. Isto acontece quando os parciais localizam-se no âmbito
da banda crítica. A partir desta exigência formam-se regras como: em geral os sons que
compõem os acordes tonais (excluídos os clusters) devem situar-se o mais separadamente
possível, usando-se intervalos mais largos (harmonia larga) entre as vozes mais graves,
sendo isto ainda mais solicitado quando se trata de sonoridades mais graves no contexto
geral.
19
Por outro lado uma boa condução das vozes é violada quando se usam sons que
induzem à fusão tonal, o que acontece quando se usam uníssonos, seguidos pelas 8ªs e 5ªs
justas que em uso paralelo são inaceitáveis.
No geral estes princípios foram respeitados pelos mestres da música desde G.
Palestrina, passando por J. S. Bach até o romantismo (fase madura de Beethoven,
Tchaikowsky etc.).
Visando a audição clara e individualizada das partes, muitas outras regras juntam-se
para conseguir este objetivo. E sintetizando o anteriormente exposto: a) usar notas
próximas priorizando os passos de segunda ou sons sustentando (vides Regras para a
composição de um cantus firmus, nºs 5 e 6 e da Prática harmônica nºs 5, 6 e 7) b) evitar
grandes saltos (Regras nºs 6, 8 do cantus firmus e nºs 8 da Prática Harmônica). Intervalos
grandes ameaçam a coesão da linha melódica, quando não forçam a abandonar o campo
harmônico (vide Regras nºs 6 e 8 do cantus firmus). Quando for inevitável o uso de
intervalos grandes, cuide-se de usar notas longas em uma ou ambas as partes que compõem
o intervalo. Esta regra se completa com uma outra que diz: c) quando existem sons comuns
em dois acordes seguidos deve-se manter a nota comum na mesma voz; d) o cruzamento
das vozes deve ser evitado, pois é um obstáculo à percepção continuada e individualizada
das vozes (vide nº 9 das Regras para a prática harmônica); e) evite-se a condução paralela
das vozes, sobretudo em uníssonos, 8ªs e 5ªs.
Quanto ao desenvolvimento das vozes ou partes instrumentais há uma
recomendação importante: faça-se uso preferencial da tessitura da voz ou instrumento que
mais os caracteriza, pois cada voz ou instrumento é mais bem caracterizado em
determinadas regiões.
7. A sincronicidade de ataque (onset)
O sétimo princípio que induz à percepção da música como estrutura refere-se ao
tempo em que ocorrem os ataques de cada voz, ou seja, o momento em que cada voz
começa. Se um compositor ao escrever para várias vozes deseja que cada voz seja ouvida
independentemente, tem que obedecer a regras estabelecidas, (mais heurística do que
formalmente), sendo uma delas evitar o ataque simultâneo das vozes. O ataque de cada voz
deve ocorrer pelo menos com 100 ms de diferença ou um pouco mais. Ou seja, a entrada
20
(onset) de cada voz não deve ocorrer no mesmo instante. Como para todos os princípios a
observância deste princípio nem sempre é seguida pelos compositores. Por uma e por outra,
o que mais caracteriza a polifonia é a assincronia das entradas de cada voz. Pois, quando da
ocorrência de um intervalo que favorece a fusão tonal, a assincronia dos ataques alivia o
efeito da fusão tonal. Isto vale como uma regra que sugere usar este expediente, sobretudo
quando se usam uníssonos, 8ªs e 5ªs. Há, no entanto casos em que a sincronia é desejada
pelo compositor. Um destes casos é quando se trata de música vocal com texto, deixando-se
claro que o efeito polifônico perde em parte sua força.
Não pode ser esquecido também o papel do ritmo na composição das partes. Alguns
gêneros como danças, marchas, hinos etc. até exigem sincronia no ataque das partes (do
que resultam composições “homofônicas”), exatamente o contrário de outros gêneros como
as invenções, fugas e fugatos que por sua própria constituição estrutural exigem assincronia
de ataque na entrada das vozes.
Imbricado com o princípio da Sincronicidade de ataque (onset) das vozes podem ser
lembrados que: a) praticamente todas as “Leis Gestálticas” têm seu papel na percepção da
música a mais vozes, exigindo a assincronia na entrada delas, uma vez que isto é relevante
para estabelecer semelhanças, proximidade, boa continuação etc. favorecendo à percepção
individualizada das partes e coerência das partes para com o todo. b) as “Regras para a
condução das vozes na prática harmônica”, à maneira do contraponto, exigem para a
elaboração de uma harmonização, o preenchimento da função de cada som dentro do
acorde e do acorde dentro das cadências que pontuam o discurso musical. A sincronicidade
favorece o desempenho deste papel. As regras de nºs 5, 6, 7 e 9 podem ser associadas a este
tema; c) conquanto as regras da composição de um cantus firmus não estejam diretamente
envolvidas com a sincronicidade do ataque dos sons (o cantus firmus é uma sucessão de
sons) a realização de um contraponto polifônico (que tem como base a combinação dos
cantos firmes - canti firmi) está profundamente compromissada com a observância das
entradas assincrônicas das vozes.
8. O limite de densidade ou número de vozes ou de partes na composição.
21
Na polifonia renascentista são freqüentes as peças compostas para um número
grande de vozes (são encontradas peças compostas para até 32 vozes, 8 coros mistos). Mas
será que temos um aparato neuropsicológico que seja capaz de perceber todas elas?
A “lenda popular” diz que fulano ou sicrano consegue ouvir até 6 ou 7 vozes. No
entanto, o comum “entre os mortais” é ouvir no máximo 3 ou 4 vozes, e de preferência
quando são assincronicamente distribuídas. Para as demais pessoas o resto é resto.
Fatores como ritmo e timbre diferenciados em cada voz são importantes
sinalizadores para a percepção individualizada das vozes. Em todo caso, o compositor que
deseja que cada parte de sua composição seja ouvida individualmente, terá que compô-la
preferencialmente para 3 ou 4 vozes e, no caso da orquestração dividir estas vozes em uma
instrumentação condizente que facilite a percepção de cada uma delas. Não é a toa que a
harmonia clássica é praticada de preferência a 4 vozes (tetrafonia). Todavia a composição
romântica e pós-romântica, com freqüência, desobedeceu a este princípio. Nela são
freqüentes acordes 5, 6 e mais sons diferentes, por exemplo com acordes de 9ª, 12ª
aumentada e 13ª8.
Princípio da densidade ou número de vozes ou de partes na composição é exigido,
entre outros motivos, pelas limitações do sistema auditivo humano. Constatados estes
limites, na prática, estabeleceram regras como: a) a “Lei Gestáltica” de nº 6 que afirma que
a forma como estamos acostumados a ouvir é a que predomina na audição de estruturas.
Então se trata uma lei decorrente da experiência que sugere o que podemos e o que não
podemos ouvir. b) as “Regras para a condução das vozes na prática harmônica” de nº 1, 2,
3, 4, 9 e 10 (e talvez as demais também) ditam os procedimentos que limitam a densidade
(profundidade) da música e advertem que da desobediência às limitações da percepção
surgem desperdício de material sonoro ou ambigüidades na percepção do todo; c) quanto à
aplicação das regras da composição de um cantus firmus ao princípio da densidade da
composição, a regra nº 1 (limita o número de sons) estabelece a dimensão linear da
estrutura sonora (aproximadamente 10 semibreves) e a nº 7 (que estabelece o âmbito de
uma 8ª como o intervalo favorável à percepção da estrutura melódica.
9. A diferenciação tímbrica
8 Deixando à parte os “clusters” da música pós tonal que não tem limite preestabelecido para sua abrangência.
22
Depois da altura, o timbre é a propriedade do som que mais caracteriza uma linha
melódica. Na composição pós-tonal até se teve a idéia de compor melodias de timbre
(Klangenfarbenmelodie). Uma das principais características da composição dodecafônica é
a valorização do timbre. Sua diferenciação é fundamental para que ao ouvinte seja mais
fácil distinguir cada voz. Portanto se cada voz é escrita em um único timbre e sendo cada
voz escrita em um timbre diferente, a percepção das diferentes linhas melódicas é
facilitada.
Vários pesquisadores estudaram os efeitos do timbre (espectro do som) na
percepção das estruturas sonoras. Dentre eles D.Huron cita: van Noorden (1975), Wessel
(1979), Mc Adams e Bregman (1979), Bregman, Liao e Levitin (1990), Hartmann e
Johnson (1991) e Gregory (1994) ao que acrescentamos as conclusões obtidas em nossa
tese de doutorado (Oliveira 2002).
A recomendação final (que vale como um princípio) é que se um compositor
pretende escrever música na qual tem a intenção que os ouvintes ouçam cada parte
individualmente pode valer-se do princípio da caracterização de cada melodia com timbre
diferente.
Este princípio também é freqüentemente contrariado. Haja vista as composições
para instrumentos que têm timbres semelhantes, como por exemplo, os quartetos de corda
ou de sopro etc. Justificando esta contravenção outro princípio se contrapõe: o de que a
homogeneidade facilita a percepção do resultado final que gostamos de observar. Coerência
puxa coerência, semelhança puxa semelhança, uma característica puxa a outra, como
palavra puxa palavra assim também timbre puxa timbre. A razão desta homogeneidade
parece estar mais nas leis da percepção (aparato neurológico?). Já no caso da música vocal,
cada voz tem seu timbre próprio o que a torna perfeitamente diferenciada das demais vozes.
Infelizmente esta característica nem sempre é cobrada dos coralistas por alguns regentes de
coro.
Um timbre diferente é algo que chama a atenção do ouvinte direcionando-a para
este timbre. E se não tiver outro evento que seja mais importante para o fluxo da atenção é
ele que predomina no direcionamento da atenção.
Princípio da diferenciação tímbrica confere individualidade às melodias ou aos
acordes. Praticamente todas as leis getálticas, regras para a condução das vozes na prática
23
harmônica” e as regras da composição de um cantus firmus concretizado na elaboração de
uma peça polifônica voltam-se para este princípio que confere sabor e especificação às
melodias. A mudança de timbre chama a atenção, direcionando-a para um determinado
fluxo, criando expectativas. Procedimentos que favorecem à percepção individualizada das
partes da música que geralmente são desejadas pelo compositor.
10. A localização da fonte sonora
Também ajuda na percepção individual de cada voz a localização das vozes,
separando-as no espaço bi- e tri-dimensional disponível.
A separação das fontes sonoras na execução das partes de uma música favorece a
percepção independente de cada parte. A origem diferente das vozes direciona a atenção de
forma que ainda é possível mantê-la em outros eventos de uma forma menos intensa ou até
encoberta, mas permanecendo todas presentes no campo da percepção.
A audição dicótica das fontes sonoras confere à música profundidade e
independência à seleção do que se ouve. Neste particular a intensidade e o timbre de cada
voz são fatores sinalizadores para a direção em que a atenção deve movimentar-se. Neste
caso o evento sonoro pode perder sua característica musical e se tornar apenas um efeito
acústico (Divenvi e Oliver, 1989), com pouca capacidade de fusão.
A aplicação do princípio de distanciamento espacial das partes é discutida por
alguns (principalmente pelos músicos atuantes). Em todo caso ela é praticada por muitos,
principalmente no caso da música atonal (Y. Xenakis, K. Stockhausen, J. Kage, M. Kagel e
vários outros compositores do século XX), em que o compositor pode intencionar juntar
efeitos sonoros (música) com efeitos sociais e de comunicação (quadridimensionalismo).
A distância entre as fontes é relativa ao efeito que se quer obter e ao espaço
disponível para isto. Geralmente os maestros diferem quanto à distância entre as partes: 5
metros é um referencial muito adotado. Há peças modernas para coral ou para orquestra
para cuja execução os maestros distribuem os músicos entre os ouvintes, mesmo com
prejuízo da audição do efeito musical total em benefício da integração social dos
assistentes, e neste caso a comunicação é feita mais pela presença do músico do que pela
música em si.
24
Ao que foi dito a respeito do princípio da diferenciação tímbrica podem ser
acrescentados os efeitos da localização da fonte sonora. A localização diferente das fontes
sonoras, quando não provocam eventos extramusicais, é bem-vinda para a caracterização
das melodias através da dissociação da audição em canais distribuídos em espaços
diferentes. Praticamente todas as leis gestálticas, regras para a condução das vozes na
prática harmônica” e as regras da composição de um cantus firmus concretizado na
elaboração de uma peça polifônica, voltam-se para este princípio que confere
independência à percepção das melodias e da música como um todo. A mudança de timbre
chama a atenção, direcionando-a para um determinado fluxo; o mesmo ocorre quando
ouvimos sons provenientes de localizações diferentes. A atenção é direcionada, surgem
expectativas que podem ser atendidas ou não.
Naturalmente esta tentativa de associação das leis gestálticas e regras da harmonia e
da composição do cantus firmus com os princípios da percepção musical é empírica,
superficial e incompleta, deixando margem para discordâncias. Trata-se de uma área que
ainda exige estudos e pesquisas mais aprofundadas.
Conclusão:
Neste trabalho procuramos apresentar princípios que determinam a percepção
musical. Tais princípios geralmente estão compromissados com a organização musical da
música ocidental. Tivemos também a intenção de salientar que as regras para a composição
musical, geralmente estabelecidas empiricamente, inclusive a posteriori, têm um
fundamento neuropsicológico e/ou psicoacústico, que condizem com a prática musical.
Todavia sabe-se que nem todas estas regras são seguidas por todos, havendo transgressões
propositais ou não (sendo estas transgressões as principais responsáveis pelas inovações no
campo da criação musical, não só das gramaticais, mas também dos estilos ou estéticas).
Naturalmente trata-se de um trabalho incompleto e que deixa muitas questões sem
respostas. A música tem seus segredos que ainda não foram revelados pelos estudiosos da
acústica ou da psicoacústica, da cognição ou da psicologia, ou da sociologia cultural dos
25
povos. Procuramos juntar a música como evento empírico com as justificativas que
impulsionam o ser humano a percebê-la como de fato a percebem ou a criam.
Fica ainda em aberto à discussão a questão referente aos universais da música: a
quem conferir o peso maior, se ao potencial neuropsicológico da percepção humana, ou se
ao fator sócio cultural.
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