Post on 28-Sep-2018
Mapeamento de áreas susceptíveis a fluxos de detritos por meio de modelagem
computacional
Gean Paulo Michel1; Masato Kobiyama1
1 Instituto de Pesquisas Hidráulicas – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Av.
Bento Gonçalves 9500, Caixa Postal 15029, CEP 91501-970, Porto Alegre-RS.
gean.michel@ufrgs.br ; masato.kobiyama@ufrgs.br
Resumo
A Lei 12.608/12 (Política Nacional de Proteção de Defesa Civil) exige aos estados e
municípios brasileiros identificar e mapear as áreas de risco de desastres. A elaboração
de mapa de áreas de risco requer, em primeiro lugar, mapas de perigo e também de
vulnerabilidade. No Brasil, existe atualmente um aumento de ocorrências de desastres
relacionados a fluxos de detritos. Neste contexto, o presente trabalho propõe uma
metodologia para mapeamento de áreas suscetíveis a fluxos de detritos desencadeados
pela ocorrência de escorregamentos, baseado na aplicação de modelos computacionais.
Através de dados da área de estudo, o modelo de escorregamentos (SHALSTAB) é
aplicado e seus resultados são subsídio para aplicação do modelo de fluxos de detritos
(KANAKO-2D). Para demonstrar a aplicação desta metodologia, utilizou-se parte das
encostas do Morro Santana, localizado na divisa entre dois municípios: Porto Alegre e
Viamão/RS. Constatou-se que as áreas propensas a escorregamentos situam-se nas
encostas declivosas que são, em sua quase totalidade, inabitadas. Entretanto, o fluxo de
detritos manifesta um trajeto que passa por regiões habitadas da comunidade Santa
Isabel. O produto final (mapa de perigo) da metodologia proposta é de simplificada
obtenção pelos técnicos/pesquisadores e fácil interpretação e utilização pela população
local.
Palavras-chave: fluxo de detritos; escorregamento; mapeamento; SHALSTAB;
KANAKO-2D.
Title: Mapping of hazard area due to debris flow by computational modeling
Abstract
The National Policy of Protection and Civil Defense (Brazilian Law 12,608/12) requires
the Brazilian states and municipalities to identify and to map the disaster risk areas. The
development of risk areas map needs at first hazard and vulnerability maps. In Brazil,
the occurrence of disasters related to debris flows has been recently increased.
Therefore, the present work proposes a methodology for debris flow mapping based on
the computational model application. Using input data for the study area, the landslide
model (SHALSTAB) is applied and its results are used for applying the debris flow
model (KANAKO-2D). The Morro Santana hillslope sides at the division between two
municipalities of Porto Alegre and Viamão, Rio Grande do Sul state, were analyzed to
demonstrate the proposed methodology performance. It was found that areas prone to
landslides are on the steep hillslopes that are almost entirely uninhabited. However, the
debris flow makes a route that passes over some inhabited regions inside Santa Isabel’s
community. The final product (hazard map) shows its easy construction by
technicians/researchers and its easy interpretation and utilization by local population.
Keywords: debris flow; landslide; mapping; SHALSTAB; KANAKO-2D.
1. INTRODUÇÃO
Segundo os Artigos 7º e 8º da Lei 12.608/12, que institui a Política Nacional de
Proteção de Defesa Civil (PNPDEC), os Estados e Municípios brasileiros devem
identificar e mapear as áreas de risco de desastres (BRASIL, 2012). Isto indica que a
comunidade brasileira precisa saber o que é o risco, como identificar áreas de risco,
mapear tais áreas e aplicar algumas medidas estruturais e não-estruturais.
Segundo UNDP (2004), o risco é definido como a probabilidade de
consequências prejudiciais ou perdas (sociais, econômicas, e/ou ambientais) resultantes
da interação entre perigos naturais e os sistemas humanos. Convencionalmente, a
formulação que descreve o risco de um desastre natural expressa que o risco é uma
função de perigo e vulnerabilidade. Como Goerl et al. (2012) comentaram, existem
diversas definições sobre risco, perigo e vulnerabilidade. Consequentemente encontram-
se diversas formulações propostas para quantificar cada um destes elementos. Mas, em
geral, pode-se dizer que os perigos são considerados como fenômenos naturais
potencialmente prejudiciais que podem causar sérios danos sociais, econômicos e
ambientais às comunidades expostas, por exemplo UNDP (2004).
Por outro lado, UNISDR (2009) definiu a vulnerabilidade como as
características e circunstâncias de uma comunidade, sistema ou ativo que a tornam mais
suscetíveis aos efeitos nocivos do perigo. Pode-se dizer que a vulnerabilidade consiste
em fatores sociais, econômicos, culturais, ambientais e físicos (infraestruturas).
Analisando conceitos, definições, fatores componentes e equações relacionadas à
vulnerabilidade, Goerl et al. (2012) propuseram uma metodologia para calcular o índice
de vulnerabilidade com base em informações disponíveis no senso do IBGE, a fim de
estudar o risco relacionado à inundação na bacia do rio Negrinho no estado de Santa
Catarina. Adequando a metodologia proposta por Goerl et al. (2012), Schenkel et al.
(2015) elaboraram o mapa de vulnerabilidade, a fim de gerar um mapa de risco
associado a escorregamento para a bacia do arroio Forromeco no estado do Rio Grande
do Sul. Existe uma urgente necessidade de estudar, ainda mais, metodologias adequadas
para elaborar mapas de vulnerabilidade. Sem estabelecer corretamente o mapa de
vulnerabilidade, é impossível obter mapas de risco para desastres naturais.
Os desastres hidrológicos, caracterizados principalmente pelas inundações e
movimentos de massa úmida, são aqueles desencadeados pela ocorrência,
movimentação e distribuição da água superficial e subsuperficial, segundo o banco de
dados internacional de desastres (EM-DAT) (BELOW et al., 2009). No Brasil, no
decorrer da última década, grandes desastres hidrológicos geraram impactos
econômicos e ambientais, além de muitas perdas de vida. Por exemplo, os desastres
ocorridos em 2008 em Santa Catarina (FRANK e SEVEGNANI, 2009), em 2011 na
região serrana do Rio de Janeiro (COELHO NETTO et al., 2011), e, mais recentemente,
em 2015 na Bahia (REDE BAHIA, 2015). Esta crescente ocorrência de desastres
relacionados aos movimentos de massa úmida (escorregamentos e fluxos de detritos)
tem motivado inúmeras ações no sentido de preveni-los ou reduzir seus impactos.
Embora existam diversas causas para o aumento da ocorrência de desastres no
Brasil, a ocupação de áreas propensas à ocorrência de fenômenos hidrológicos extremos
é uma das principais. Esta ocupação se dá tanto pela inexistência de percepção de
perigo/risco por parte da população, quanto pela escassez de ferramentas de
ordenamento de ocupação territorial por parte dos gestores. Assim, atualmente estão
sendo elaboradas ferramentas que podem servir de base para um adequado ordenamento
territorial, além de subsidiar sistemas de monitoramento e alerta de desastres. Como
exemplo de ferramenta, salienta-se a elaboração das cartas de suscetibilidade a
movimentos gravitacionais de massa e inundações elaboradas pelo CPRM (BITAR,
2014), que trazem informações relevantes acerca de áreas suscetíveis a
escorregamentos, fluxos de detritos e inundações.
Segurança hídrica é o foco da fase VIII do Programa Hidrológico Internacional
(International Hydrological Programme – IHP) da UNESCO (UNESCO-IHP, 2012).
Esta fase do programa traz 6 temas, sendo que o primeiro tema é: desastres relacionados
à água. Dentro deste tema, a primeira área focal refere-se ao gerenciamento de risco; a
segunda ao entendimento da associação entre processos humanos e naturais; e a quinta
ao aprimoramento da base científica para a hidrologia e ciências hídricas, visando à
preparação e a resposta a eventos hidrológicos extremos. A tônica trazida pela fase VIII
do IHP ressalta a importância do desenvolvimento de conceitos, técnicas e ferramentas
para serem utilizados no gerenciamento dos desastres hidrológicos.
Na tentativa de ampliar o número de ferramentas disponíveis para serem
empregadas na prevenção e redução de desastres hidrológicos, o presente trabalho
propõe uma metodologia de elaboração de mapas de áreas propensas a escorregamentos
e fluxos de detritos baseada em modelos computacionais. Aqui, prepõe-se que a
iniciação do fluxo de detritos é a ocorrência de escorregamento. Para exemplificar a
aplicação da metodologia, utilizou-se uma área situada nas imediações do Campus do
Vale da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
2. PROPOSTA METODOLÓGICA
A metodologia proposta pelo presente trabalho tem por base a combinação de
modelos de escorregamentos e de fluxos de detritos. A aplicação destes modelos se dá
de maneira subsequente, visto que normalmente, em condições naturais, a ocorrência de
escorregamentos em encostas pode levar a formação e ocorrência de fluxos de detritos.
Assim, primeiramente propõe-se a utilização de um modelo de escorregamentos para
detecção de áreas propensas a sua ocorrência. Neste trabalho, buscou-se a utilização de
um modelo de escorregamentos fisicamente embasado, gratuito e de aplicação simples,
que poderia ser aplicado por equipes técnicas de prefeituras municipais. Ressalta-se que
a metodologia proposta pode ser conduzida com a utilização de outros tipos de modelo
de escorregamentos, bastando para isto que estes consigam descrever de maneira
satisfatória a localização das áreas propensas a escorregamentos. Assim, modelos de
base estatística ou empírica também podem ser adotados, contanto que devidamente
calibrados e validados para a área de estudo.
Os modelos de escorregamentos fisicamente embasados necessitam de dados de
entrada para sua aplicação. Estes dados são caracterizados principalmente por: (i) dados
topográficos (modelo digital de terreno – MDT), de onde serão extraídas informações
como declividade, área de contribuição a montante, curvatura da encosta, entre outros;
(ii) dados pedológicos, tais como resistência ao cisalhamento, propriedades hidráulicas
do solo, profundidade do solo, entre outros; e (iii) dados hidrológicos, caracterizados
principalmente por séries de chuvas. Os dados hidrológicos são extremamente
importantes quando se pretende realizar uma análise temporal, determinando, além do
local, também o momento de provável ocorrência do escorregamento. Assim, é possível
progredir de um mapa de áreas suscetíveis para um mapa de perigo de escorregamento
(FELL et al., 2008).
Além disso, para realizar a calibração e validação do modelo de
escorregamentos, é necessário que se construa um inventário de escorregamentos. O
inventário de escorregamentos é caracterizado por um mapa que contêm informações
referentes à localização e extensão de escorregamentos ocorridos no passado. A
coincidência espacial entre os escorregamentos inventariados e as áreas assinaladas
como instáveis pelo modelo determinará se o modelo de escorregamentos está
calibrado. Caso se opte por realizar a validação do modelo, parte dos escorregamentos
do inventário deve ser usada para calibração e o restante para validação. Caso estejam
sendo consideradas variáveis transientes (séries de chuva), é necessário que o inventário
seja discretizado conforme a data (e horário) de ocorrência do escorregamento, podendo
assim associar a ocorrência de um determinado grupo de escorregamentos a uma
estação chuvosa específica. A partir dos resultados do modelo de escorregamentos
calibrado e validado, é possível estabelecer diferentes cenários. No caso de elaboração
de mapas de suscetibilidade, podem ser estabelecidas diferentes classes de propensão à
ocorrência de escorregamentos. No caso de elaboração de mapas de perigo, as classes
podem estar relacionadas ao período de retorno (probabilidade de ocorrência) do evento
chuvoso capaz de deflagrar os escorregamentos.
A partir dos resultados obtidos com o modelo de escorregamentos, é
estabelecida a abrangência de cada uma das áreas instáveis nas encostas. Para isso, é
necessário que se estabeleça um valor ou uma classe que defina o limiar de estabilidade,
a partir do qual a encosta será considerada instável. Este procedimento se faz necessário
pois gerará dados de entrada para o modelo de fluxo de detritos. Neste trabalho optou-se
pela aplicação de um modelo de fluxo de detritos, fisicamente embasado, de
distribuição gratuita e de interface amigável com o usuário. Entretanto, existem muitos
modelos empíricos de estimativa de alcance de fluxos de detritos que também podem
ser aplicados na tentativa de delimitar a abrangência do fenômeno. A aplicação do
modelo de fluxo de detritos se dá em uma etapa posterior ao modelo de
escorregamentos. Para aplicação do modelo de fluxo de detritos é necessário que sejam
estabelecidos: (i) dados topográficos, tais como o MDT e características da calha do
canal; (ii) dados hidráulicos, tais como hidrogramas de entrada, coeficientes de atrito,
entre outros; e (iii) dados reológicos, tais como viscosidade, concentração do material,
massa específica do fluído/partícula, tamanho das partículas (no caso de fluxos de
detritos pedregosos), taxas de erosão/deposição, entre outros.
Com base no mapa de suscetibilidade/perigo a escorregamentos, são
selecionadas as encostas de interesse nas quais será aplicado o modelo de fluxo de
detritos. Na metodologia proposta, cada encosta instável deverá ser analisada
separadamente como um fluxo de detritos independente. No caso de ocorrência de
diversas áreas instáveis dentro de uma mesma concavidade na encosta, poderá ser
realizada uma única simulação com o modelo de fluxo de detritos considerando que
toda a massa instável será movimentada concomitantemente. Para aplicação do modelo
de fluxo de detritos fisicamente embasado, é necessário que seja determinado um
hidrograma de entrada, que representa o comportamento do fluxo no momento em que
este adentra o canal. A determinação do hidrograma está condicionada ao volume total
de material deslocado pelos escorregamentos que originarão o fluxo de detritos.
Assumindo o pressuposto de que o escorregamento se dará na interface entre solo/rocha,
o volume total é calculado pelo produto entre área instável (determinada pelo modelo de
escorregamentos) e profundidade do solo.
Considerando as diferentes possibilidades de combinações de características
hidráulicas e reológicas, o ideal é que ao menos uma das simulações de fluxos de
detritos tenha seus parâmetros calibrados através de dados observados. Geralmente os
dados utilizados para calibração dos modelos de fluxos de detritos são: alcance, área de
abrangência e tempo de percurso. Os parâmetros calibrados podem então ser aplicados
às simulações para as demais áreas ou até validados a partir de outro fluxo de detritos
mapeado anteriormente. Por fim, têm-se uma área de abrangência do fluxo de detritos,
constituída por zona de transporte e deposição. A partir da velocidade e altura do fluxo
na zona de transporte e deposição, é possível estabelecer as áreas propensas a serem
atingidas. Igualmente, como no caso do modelo de escorregamentos, é possível
estabelecer diferentes classes conforme a propensão de cada local a ser atingido. A
metodologia proposta pelo presente trabalho está sucintamente demonstrada na Figura
1.
Figura 1 – Fluxograma de metodologia para elaboração de mapa de
susceptibilidade/perigo a escorregamentos e fluxos de detritos.
3. ESTUDO DE CASO
3.1. Área de estudo
Para demonstrar a aplicação da metodologia proposta, foi escolhida uma região
próxima ao Campus do Vale da UFRGS, situada na divisa entre os municípios de Porto
Alegre e Viamão. As encostas avaliadas situam-se na face sul do Morro Santana e
estendem-se, na direção leste-oeste, desde o município de Viamão até o município de
Porto Alegre. O solo da região é o Podzólico Vermelho-Amarelo Distrófico, e sua
profundidade é maior que 150 cm (VIERO e SILVA, 2010). A região situa-se na Suíte
Intrusiva Dom Feliciano, Litofáceis Serra do Herval, com geologia caracterizada pela
presença do Sienogranito grosseiramente alinhado na direção NE-SW para Granito
Santana. A localização da área de estudo, bem como a altimetria (escala 1:1.000) e
localização de alguns pontos de referência estão apresentados na Figura 2.
Figura 2 – Localização, altimetria e pontos de referência da área de estudo.
3.2. Modelo de escorregamentos (SHALSTAB)
A elaboração do mapa de suscetibilidade a escorregamentos foi realizada a partir
do modelo SHALSTAB (DIETRICH e MONTGOMERY, 1998). O SHALSTAB é um
modelo determinístico, fisicamente embasado, utilizado para cálculo da propensão a
escorregamentos translacionais rasos. Este modelo combina a teoria de estabilidade de
encosta infinita a um modelo hidrológico uniforme de estado permanente. O modelo
SHALSTAB vem sendo vastamente utilizado no Brasil (LISTO e VIEIRA, 2012;
MICHEL et al., 2015). A Equação (1) descreve como o SHALSTAB classifica a
estabilidade das encostas:
⋅⋅⋅⋅+
−⋅⋅⋅=
zgc
ab
Tq
ww
s
ρφθφθ
ρρθ
tancostantan1sin 2
(1)
onde q é a taxa de recarga uniforme; T é a transmissividade do solo; b é o comprimento
de contorno; a é a área de contribuição a montante; θ é a declividade da encosta; ρs é a
massa específica do solo; ρw é a massa específica da água; ϕ é o ângulo de atrito interno
do solo; c é a coesão do solo; z é a profundidade do solo; e g é a aceleração
gravitacional.
O resultado final do modelo é dado em função do parâmetro livre q/T. Assim, a
calibração do modelo é realizada ajustando o valor de q/T para o qual as áreas
determinadas instáveis pelo modelo coincidam com o inventário de cicatrizes. Para este
estudo de caso, o inventário de cicatrizes não foi elaborado. Por isso, adotou-se um
valor para o limiar de estabilidade de log q/T = -3,1, visto que, segundo Dietrich et al.
(2001), este valor é comum para inúmeras áreas de estudo. Para a aplicação do
SHALSTAB, foram utilizadas as médias dos valores de c e ϕ medidos por Conte
(2012), que equivalem a 8,65 kPa e 30,15°, respectivamente. O valor utilizado para ρs
foi de 1700 kg/m³. Para z, foram adotados dois cenários distintos, conforme
informações do CPRM (2010), onde no primeiro cenário se considerou z = 2,0 m e no
segundo cenário z = 2,5 m. A Figura 3 mostra o resultado da aplicação do modelo
SHALSTAB. O retângulo vermelho tracejado refere-se à área na qual o modelo de
fluxo de detritos foi aplicado. Neste trabalho, o SHALSTAB não foi calibrado/validado.
Figura 3 – Mapa de susceptibilidade a escorregamentos: a) Cenário 1; e b) Cenário 2.
3.3. Modelo de fluxo de detritos (KANAKO-2D)
A determinação do alcance do fluxo de detritos gerado pela movimentação da
parcela instável da área de estudo foi realizada com o modelo KANAKO-2D, proposto
por Nakatani et al. (2008). Este modelo aborda o fluxo de detritos a partir de sua entrada
no canal, com equações unidimensionais, e sua propagação e deposição na planície
aluvial, a partir de equações bidimensionais. A modelagem é governada por equações
de continuidade, momento, deformação do leito do canal, erosão/deposição e tensões de
cisalhamento no leito baseadas no modelo de fluxo dilatante proposto por Takahashi e
Nakagawa (1991).
As equações utilizadas pelo KANAKO 2D são: a equação da continuidade para
o volume total do fluxo de detritos:
rY
vhX
uht
h fff =∂
∂+
∂
∂+
∂
∂
(2)
A equação da continuidade para determinar o fluxo da parcela detrítica na partícula j:
*CrYvhC
XuhC
thC
jfjfjfj =
∂
∂+
∂
∂+
∂
∂
(3)
A conservação do momento na direção X (principal direção do fluxo) e Y é dada por:
( ) ( ) ( )( )
( )
ffYX h
gY
vuvX
vuutvu YX
ρ
τθ ,
,sin,,,−=
∂∂
+∂
∂+
∂∂
(4)
onde hf é a altura do fluxo; u é a velocidade na direção X; v é a velocidade na direção Y;
Cj é a concentração de sedimento por volume do fluxo na célula j; r é a taxa de
erosão/deposição; ρf é a massa específica do fluido intersticial; θX e θY são as
declividades do leito nas direções X e Y, respectivamente; C* é a concentração de
sedimentos no leito móvel; e τX e τY são as tensões de cisalhamento no leito nas direções
X e Y, respectivamente.
O volume total do fluxo de detritos foi determinado pelo produto entre a área
instável, detectada pelo SHALSTAB, e a profundidade do solo. O hidrograma de
entrada do modelo foi determinado a partir do método de Whipple (1992), que adota um
formato triangular, com o tempo de ascensão menor que o tempo de recessão. Foi
adotado um tempo de recessão igual ao dobro do tempo de ascensão. A vazão de pico
(Qp) do hidrograma foi determinada pela equação empírica de Rickenmann (1999): 833,01,0 FDp VQ ⋅= (5)
onde VFD é o volume total do fluxo. Assim, ajustou-se o hidrograma para que o volume
final propagado fosse igual ao volume total calculado pela área instável. Para o Cenário
1, VFD = 4.360 m³ e Qp = 105,57 m³/s. Para o Cenário 2, VFD = 12.290 m³ e Qp = 255,03
m³/s. Os demais parâmetros do modelo utilizados para ambos os cenários são: massa
específica do material do leito = 2.650 kg/m³; massa específica da fase fluída = 1.200
kg/m³; concentração do leito móvel = 0,65; coeficiente de rugosidade de Manning =
0,03; coeficiente de erosão = 0,0007; coeficiente de acumulação = 0,03; diâmetro médio
das partículas = 0,2 m; concentração das partículas no fluxo = 0,5. A Figura 4 mostra a
espessura final da deposição do fluxo de detritos para os Cenários 1 e 2. Neste trabalho,
o KANAKO-2D não foi calibrado/validado.
Figura 4 – Mapa de propagação do fluxo de detritos: a) Cenário 1; e b) Cenário 2.
3.4. Mapa de escorregamentos e fluxos de detritos
Para elaboração de um único produto, os mapas de escorregamentos e fluxos de
detritos devem ser unificados em um único mapa. Neste mapa, a área suscetível, ou de
perigo, será a união das áreas classificadas como instáveis pelo modelo de
escorregamentos e das áreas de propagação e deposição dos fluxos de detritos. O mapa
final, que reúne informações acerca dos escorregamentos e fluxos de detritos para a área
analisada está demonstrado na Figura 5. Este mapa demonstra que a metodologia
proposta é aplicável. Os modelos utilizados são de distribuição gratuita e os dados de
entrada podem ser facilmente medidos ou estimados a partir da bibliografia de maneira
a representar adequadamente a área de estudo. Além disso, a informação sobre área de
perigo pode ser facilmente interpretada pela população local.
Figura 5 – Mapa de susceptibilidade a escorregamentos e fluxos de detritos do Cenário
2.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O aumento da ocorrência de desastres hidrológicos no Brasil tem incentivado
medidas que visam prevenir ou reduzir os impactos dos mesmos. O presente trabalho
propôs uma metodologia para mapeamento de suscetibilidade/perigo a escorregamentos
e fluxos de detritos baseada em modelos computacionais. Através de dados obtidos na
área de estudo, faz-se a aplicação de um modelo de escorregamentos. A partir do
resultado do modelo de escorregamentos e com outros dados da área de estudo aplica-se
o modelo de fluxo de detritos. O mapeamento final compreende o resultado da
aplicação dos dois modelos.
No estudo de caso, o SHALSTAB indicou as áreas instáveis situadas nas
encostas do Morro Santana. Estas áreas instáveis situam-se, em sua quase totalidade, em
regiões inabitadas. Entretanto, com a desestabilização destas áreas, há a possibilidade de
formação de um fluxo de detritos, o qual foi modelado com o KANAKO-2D. Percebeu-
se que em caso de ocorrência, embora o fluxo não adentre na área da UFRGS, teria em
seu trajeto algumas casas da comunidade Santa Isabel. Esta constatação levanta uma
deficiência recorrente nos mapas de suscetibilidade/perigo a movimentos de massa
elaborados no Brasil: a não consideração ou a subestimativa da abrangência de fluxos
de detritos que podem ser formados a partir da ocorrência de escorregamentos.
Enfim, é necessário que as metodologias utilizadas para mapeamento de áreas de
suscetibilidade/perigo/risco levem em consideração a possibilidade de ocorrência de
fluxos de detritos. Este fenômeno, embora ocorra em menor frequência, tem um grande
potencial destrutivo (Kobiyama e Michel, 2014). Considerando que este fenômeno não
é de fácil entendimento ou previsão, devem ser empregadas técnicas específicas para
elaboração destes mapas.
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