MANIA DE EXPLICAÇÃO -...

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CIRCUITOMATOGROSSO

CUIABÁ, 29 DE SEMTEMBRO A 5 DEOUTUBRO DE 2011CULTURA EM CIRCUITO PG 5www.circuitomt.com.br

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Elma é professora de francês,apaixonada por panelas e sapatos

gosto@circuitomt.com.br

MANIA DE EXPLICAÇÃO

MIMOS

Rosemar Coenga édoutor em Teoria Literária e

apaixonado pela literatura deMonteiro Lobato

cultura@circuitomt.com.br

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Minha amiga Gigi foi passear noCanadá. Já voltou e me trouxe umbocado de mimos. Minos que possocomer, claro. Ela me conhece. Ganheiuma pequena coleção de mélanges pourtrempettes que são, basicamente, ervas ehortaliças finamente picadas edesidratadas que misturadas com azeite,ou iogurte natural, ou creme de leitefresco batido, ou a uma boa maioneseou com a melhor manteiga que vocêpuder achar, viram cremes espessos e

macios, molhos aveludados,cheios de cor e sabor ondepodemos mergulhar bastonetesde pepino, de pimentão (evite overde), ou de cenoura crua;pedacinhos de pão torrado,rodelas de rabanete fresco ou oque você bem quiser... Tudo,assim, levado à boca com asmãos, o que nos permite lamber,discretamente (ou não), osdedos, só pra aumentar oprazer. Por puro prazer... Dedossão pinças naturais. O côncavo

da palma da mão vira tigelinha quandonecessário for. Mãos falam, fazem,castigam, afagam... Elas podem tudo (ouquase). É o pedaço mais sexy do corpo,pode apostar! Voltemos para os mimosque é de onde meu pensamento nãodeveria ter saído. No pacote veio tambémum incenso pra lá de original (mas isso éoutra história); e mais uma latinha desirop d’érable, que em inglês é maplesyrup e que depois descobri ser emportuguês, o ‘xarope de bordo’, uma

espécie de seiva da árvore do gêneroAcer, típica do Canadá. A seiva, extraídadas árvores do mesmo jeitinho que o látexé extraído da seringueira, é fervida paraque ‘concentre’, antes de ser consumida.No início da primavera canadense, asCabanes à sucre, que são casasespecializadas em receitas com odelicioso sirop, são abertas ao público.Posso imaginar... O xarope de bordo éum produto naturalíssimo, rico e,sobretudo único, pois sua cor e seu saborvariam com o caminhar da estação. Seugosto doce e suave, ligeiramentedefumado, nos remete ao ‘melaço decana’, porém menos denso, maisdourado e brilhante. Seu uso na culináriaé vastíssimo e ele enriquece pratos docese salgados; ajuda na caramelização decarnes e legumes; com frutas, crepes,bolos e sorvetes fica divino... Jáexperimentei de um monte de maneiras eaté fiz uma manteiga com ele. Vou teensinar: use 120gr de manteiga (usei aBridel); bata com um batedor manualpara que adquira a consistência de

pomada e misture com 2 colheres (sopa)bem cheias de xarope de bordo. Junteum bocadinho de alecrim bem picado eleve à geladeira. Sirva sobre torradas edelicie-se! Bon appétit!

A carioca Adriana Falcãoaparece no cenário da produçãoliterária infanto-juvenil, após oreconhecimento como roteirista,cronista e romancista, com AMáquina, primeiro livro publicado eadaptado para o teatro. Já em seuterceiro livro, Adriana produz textossingelos e profundos, capazes dedespertar no leitor não apenassensações diversas, mas tambémnovos perfis de sensações que jáconhecemos.

A estreia na literatura infantilaconteceu com Mania de explicação,texto inicialmente publicado narevista Veja Rio e reestruturado sobum ponto de vista mais lúdico epoético. Assim como as crianças têm“mania de perguntar”, AdrianaFalcão apresenta uma meninafilósofa com “mania de explicação”

que, considerando o mundo muitocomplicado e buscando explicaçõesque o tornem mais bonito, definepoeticamente algumas palavras quepodem ser de difícil compreensão:“Simplificar é quando em vez depensar em 4/8 a pessoa pensa logoem 1/2”. Conectando uma palavra àpróxima a partir da explicação dada(“1/2, quando é escrito em números,sempre quer dizer ‘metade’. Masquando é escrito em letras podetambém querer dizer ‘um jeito’.”), osverbetes formam um dicionário dascoisas inexplicáveis que, mesmo sendosob a perspectiva infantil, atingemqualquer leitor, pois transformam oabstrato em elementos mais próximosdo contexto em que a criança estáinserida: “Solidão é uma ilha comsaudade de barco”.

Adriana Falcão aproveita algumas

lembranças da infância (“Lembrança équando, mesmo sem autorização, o seupensamento reapresenta um capítulo”) ereproduz emoções dignas de alguémextremamente sensível e romântica:“Acho que está tudo tão ruim, que euquero passar uma coisa legal paratodas as pessoas que me leem. Botei naminha cabeça que tenho essa missão.”Além da clareza verbal, Mania deexplicação envolve o leitor – criança ouadulto – com as belíssimas ilustraçõesde Mariana Massarani, que refletem,complementam e exemplificam asimplicidade do texto (“Exemplo équando a explicação não vai direto aoassunto”). A fusão texto-ilustração, nestecaso, transcende a função estética paraalcançar um valor muito maisexpressivo: a interpretação lúdico-poética da própria personagem, amenina-filósofa.