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LUIZ FERNANDES DA COSTA
CURSO NORMAL MDIO: REPRESENTAES SOCIAIS DE
FORMAO POR PROFESSORES E ALUNOS
Rio de Janeiro
Setembro 2009
LUIZ FERNANDES DA COSTA
CURSO NORMAL MDIO: REPRESENTAES SOCIAIS DE
FORMAO POR PROFESSORES E ALUNOS
Dissertao apresentada Universidade Estcio
de S como requisito parcial para obteno do
grau de Mestre em Educao.
Orientadora: Prof. Dr. Helenice Maia
Rio de Janeiro
2009
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
C837
Costa, Luiz Fernandes da Curso normal mdio: representaes sociais de formao por professores e
alunos. / Luiz Fernandes da Costa. Rio de Janeiro, 2010.
102 f.
Dissertao (Mestrado em Educao) Universidade Estcio de S, 2009.
1. Representaes sociais. 2. Ensino mdio. 3. Formao
docente. I. Ttulo.
CDD 370
A minha querida neta Kethelen Pacheco da Silva.
O prenncio da sua chegada parecia oficializar
o incio de minha velhice. No entanto,
trouxe-me muito mais virilidade.
Pude voltar no tempo para conversar e brincar com voc
e assim resgatar uma grande lacuna que deixei na
criao dos filhos, por falta de colaborao do
prprio tempo. Agora perto de seus dois
anos de idade, reafirmo que voc
o maior presente que j recebi.
Espero que a lembrana de seu nome nessa produo
seja motivo de orgulho e fora para ousar vos
mais altos, onde minhas mos jamais
tocaro. No resumo desse verso
revelo o meu afeto por voc:
No amor de uma criana tem
tanta cano pra nascer,
carinho e confiana,
vontade e razo
de viver.
Cludio Nucci
AGRADECIMENTOS
O valor das coisas no est no tempo em que elas duram mais na
intensidade como acontecem. Por isso existem momentos
inesquecveis e pessoas incomparveis.
Fernando Pessoa, 2004.
Ao terminar essa escalada acadmica fao uma reflexo de minha trajetria. Pude perceber a
presena de antteses como solido e comunho, mas em todos os momentos, do outro lado
uma grande torcida alimentava minha confiana, de tal forma que pude alcanar o podium. A
todos os meus agradecimentos.
A Deus por ter me capacitado para crer que em qualquer circunstncia possvel vencer.
A minha esposa e meus filhos Elcenir, Lia, Daniel e Benjamim, a pacincia j estava por um
fio.
A minha me e irmos, Ana Maria, Vnia, Paulo e Cristina, que se realizam sempre com as
minhas conquistas.
Aos colegas do Mestrado, temo esquecer o nome de alguns, por isso registro o meu pedido de
desculpas: Adir, Amadeu, Antonio Eugnio, Ana Maria Verssimo, Ana Celeste, Ana Claudia,
Andrea, Cristina, Danilo, Dostoiewski, Edith, Filomena, Fabiana, Glaura, Gutenberg,
Jakeline, Jorge Reis, Kelly, Luiza, Maurizete, Marlucia Nri, Maria da Penha, Mrcia Gentile,
Maria Estela, Nelson, Norma, Perclia, Paulo, Patrcia, Rosangela, Regina, Ricardo, Renata,
Simone, Soraia, Silvia, Tatiana, Telma, Valria, Zelinda. Guardarei em memria,
principalmente os momentos de confraternizao, onde sobressaam nossas virtudes
solidariedade, amor e participao.
Edith pelo apoio irrestrito ao meu trabalho, cuidando do EVOC, sempre paciente e
solidria, uma amizade sincera.
Maria Nyrce, voc viajou para a Eternidade, porm seu carinho e sua juventude mesmo na
qualidade de anci, ainda exalam em minhas narinas o sabor da vida.
A todos os doutores da Universidade Estcio de S pela seriedade e competncia, fao
meno especialmente do nome daqueles, dos quais me aproximei na condio de aluno ou
por participao em atividades extras:
Prof. Helenice Maia, minha orientadora, pela ateno e zelo na apreciao de toda minha
produo. Aprendi muitas coisas, mas sinto a necessidade de manter-me por perto para
prosseguimento da aprendizagem. Fique certa de que sentirei saudades de voc.
Prof. Neise Deluiz, voc me ensinou a prtica do equilbrio, cobranas, dilogos e
experincias, numa doce explanao. A sonoridade da sua voz continua ecoando O tempo
urge!
Prof. Estrella Bohadana, simpatia e dinamismo. No curso Questes Filosficas
Contemporneas o impossvel aconteceu. Demos conta com aproveitamento de seis livros.
Registro minha admirao por sua competncia.
Prof. Rita Lima, ainda estou impressionado com o seu conhecimento e sua humildade. A
sua presena trar sempre energia e esperana.
Prof. Alda Mazzotti, uma lder extraordinria que tem o esprito jovem e sonhador. Um
exemplo a ser seguido.
Ao Prof. Tarso Mazzotti, um homem inquestionvel. A sua capacidade de anlise, ao
responder nossas perguntas, permitiu-me antever que jamais o alcanarei. Porm congratulo-
me com o senhor, por apontar uma trilha segura do conhecimento.
Prof. Lucelena Ferreira, sua presena no corpo docente, traz a minha memria a evocao
do binmio juventude-competncia.
Prof. Lcia Vilarinho, pelas saudaes nos corredores, sempre recheadas de bom humor.
Aos professores Marco Silva e Wnia Gonzalez, a presena de vocs transmitia cordialidade,
cumplicidade.
Prof. Alzira Ramalho de Assumpo (UERJ - Resende), desde a Ps Graduao Lato
Sensu voc me acompanha. Nas pginas da histria da minha vida o seu nome no se apagar.
Foi um prazer conhec-la.
equipe administrativa pelos cuidados, ateno e atendimento respeitoso. Sou grato a todas,
sentia-me amparado por ombros amigos.
Ana Paula, sua presena inspira harmonia e centralidade.
urea, voc incorpora bem a palavra determinao, o suficiente para derribar qualquer
muralha.
Margarida, voc transmite alegria enquanto atende ao pblico e seu dinamismo permite
perceber o bom aproveitamento do tempo.
Ivone, sua presena inspira a seriedade/responsabilidade. Quando nos achegamos, um vu
tirado e o seu rosto transmite simpatia.
Prof. Dayse Duque Estrada Leito, Diretora Geral do Instituto de Educao Sarah
Kubitschek (IESK) e equipe administrativa pelo apoio e permisso de pesquisa no espao do
instituto.
equipe de professores do IESK, pela colaborao na pesquisa e pela credibilidade na minha
atuao profissional ao longo desses anos.
Aos formandos do IESK (2009), pela participao na pesquisa e interesse em conhecer os
resultados.
Aos alunos iniciantes do IESK (2009), turmas: 1002/1006, vocs abriram os coraes e foram
transparentes em suas falas. A colaborao que deram no tem preo.
Aos professores do CIEP-BRIZOLO 311, pela convivncia harmoniosa e pela credibilidade
quanto ao meu trabalho. A todos, diretores e professores, o meu reconhecimento.
RESUMO
Este estudo procurou conhecer indcios das representaes sociais de formao para o
magistrio elaboradas por professores e alunos de Curso Normal Mdio. A coleta de dados foi
realizada em instituio localizada na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, inaugurada em
1959 e ainda hoje considerada referncia no ensino. A instituio desenvolve projeto poltico
pedaggico centrado na incluso e conta com colgio de aplicao onde os alunos realizam
seus estgios. A coleta de dados compreendeu atividades de observao nas salas de aula e
demais dependncias da escola, registradas em dirio de campo reflexivo, e a aplicao de um
teste de associao livre a 66 professores, 188 formandos e 67 alunos iniciantes de Curso
Normal no ano de 2009. A partir da expresso indutora formao para o magistrio os
participantes associaram trs palavras, expresses ou frases que lhes ocorriam quando aquela
foi mencionada. Solicitou-se tambm que justificassem as palavras escolhidas. As palavras
evocadas foram submetidas ao software EVOC que identifica os possveis elementos do
ncleo central considerando a freqncia (F) e a ordem mdia (OME). O Ncleo Central da
representao social de formao para o magistrio para os professores composto pelos
elementos compromisso, vocao e educao; para os formandos, os elementos so
educao, responsabilidade e vocao; para os alunos iniciantes, ensinar e professor.
Identificadas essas centralidades, buscou-se entender o contedo das representaes
recorrendo-se s justificativas elaboradas pelos participantes. Verificou-se que os professores
se sentem responsveis pelo desenvolvimento pessoal e profissional de seus alunos e
consideram que a vocao se refere possibilidade de transformar pessoas, a sociedade e o
mundo. A educao apontada como soluo para todos os problemas, inclusive os
internacionais. Para os formandos a responsabilidade se refere ao cuidado na formao do
outro, o que sugere a necessidade de vocao para exercer o magistrio. Para os alunos
iniciantes, a formao parece estar vinculada aprendizagem e ao desejo de se tornar
professor. A anlise comparativa das representaes sociais de formao para o magistrio
para professores e formandos mostra que essas so muito prximas e diferem daquelas
elaboradas pelos alunos iniciantes, o que revela a apropriao do discurso dos professores
sobre formao pelos alunos ao final de seu curso.
Palavras-chave: Representaes sociais. Curso Normal Mdio. Formao docente.
RESUM
Cette tude visait les lments de preuve des reprsentations sociales de la formation formelle
dans l'ducation, prepares pour les enseignants et les lves de Cours de Formation pour les
Enseignants. La collecte de donnes a t ralise dans un tablissement situ dans l'ouest de
Rio de Janeiro, inaugure en 1959 et est encore considr comme une rfrence pour
l'enseignement. Linstitution dveloppe un projet politique pdagogique ax sur l'inclusion.
Dans son espace phisyque,il y a un collge d'application o les lves realisent leurs stages.
La collecte de donnes a t initi par l'observation sur le terrain de l'cole et des classes et
ont t dment consignes dans le journal de champ de rflexion. Simultanment, un test
d'association libre a t appliqu 66 enseignants, 188 lves et 67 tudiants qui commencent
dans le cours de formations denseignants,en 2009. partir de l'induisant expression
formation formelle en matire d'ducation , les participants ont associ trois mots, des
expressions ou des phrases qu'elles ont eu lieu alors que ce n'tait pas mentionne. galement
demand de justifier les mots choisis. Les mots mentionns ont t soumis au logiciel EVOC
qui identifie les elements possibles centrales de base, em considrant la frquence (F) et
l'ordre en moyenne (OME). Le Cur des reprsentations sociales de la formation formelle
dans l'ducation est compos de l'engagement, la vocation et l'ducation; pour les tudiants,
les lments sont l'ducation, la vocation et la responsabilit; pour les tudiants dbutants,
l'enseigner et des enseignants. Identifi le rle central de chaque reprsentation, on a
cherch comprendre le contenu de ces reprsentations, l'aide aux motifs labors par les
participants. On a t constat que les enseignants se sentent responsables du dveloppement
personnel et professionnel de leurs tudiants et de croire que l'appel se rfre transformer de
manire crative les gens, la socit et le monde. L'ducation est identifie comme une
solution tous les problmes, de et mme les internationaux. Pour les stagiaires responsabilit
dans les soins la formation d'un autre, ce qui suggre la ncessit de poursuivre une vocation
l'enseignement.Pour les tudiants dbutants, le formation semble encore tre lie
l'apprentissage et le dsir de devenir un enseignant. L'analyse des justifications suggre que
les reprsentations sociales de la formation formelle en matire d'ducation pour les
enseignants et les tudiants sont trs proches, ce que l'tude de la gense de ces
reprsentations devraient rvler.
Mots-cls : Reprsentations sociales. Lenseignant normale mouenne. Formation du
professeur.
SUMRIO
APRESENTAO.......................................................................................................
11
INTRODUO.......................................................................................................... 12
1. FORMAO DE PROFESSORES EM NVEL
MDIO........................................................................................................................
18
2. O CURSO NORMAL MDIO E O INSTITUTO DE EDUCAO SARAH
KUBITSCHEK............................................................................................................. 34
2.1 UMA HISTRIA CONTADA............................................................................................ 48
3. TEORIA DAS REPRESENTAES SOCIAIS..................................................... 58
4. REPRESENTAES SOCIAIS DE FORMAO PARA O MAGISTRIO... 67
4.1 TESTE DE LIVRE EVOCAO....................................................................................... 68
4.2 PROFESSORES.................................................................................................................... 69
4.3 ALUNOS CONCLUINTES................................................................................................. 74
4.4 ALUNOS INICIANTES....................................................................................................... 77
4.5 OBSERVAO........................................................................................................... 82
CONCLUSO............................................................................................................ 85 REFERNCIAS......................................................................................................... 89 APNDICES............................................................................................................... 99
APNDICE A INSTRUMENTO PARA PROFESSORES........................................ 100 APNDICE B INSTRUMENTO PARA ALUNOS..................................................... 102 ANEXOS.................................................................................................................................... 103 ANEXO A CONTRATO DE PROFESSORA - 1923................................................... 104
APRESENTAO
O ano de 1998 foi um divisor de guas em minha vida profissional. Atendendo a um
convite, solicitei remoo para o Instituto de Educao Sarah Kubitschek (IESK), comeando
minhas atividades educacionais naquele espao no incio de 1999. Passei a ser destaque, por
trabalhar no nico espao que forma professores em nvel mdio da Zona Oeste da cidade do
Rio de Janeiro.
No princpio fiquei um pouco perdido com o tamanho do espao escolar e o mundo ali
configurado. Professores, alunos, inspetores, vendedores de livros, reunies da Metropolitana
IV (Secretaria do Estado da Educao) com os representantes de todas as escolas da regio,
alm dos alunos mirins e seus responsveis. Aquela agitao renovava minhas energias.
Porm a movimentao maior era reservada para o ms de outubro, o ms do normalista.
Nele sobressaiam principalmente os trabalhos de Programa de Sade, Educao
Artstica, Literatura Brasileira, Literatura Infantil. A produo parecia compensar a distncia
que o IESK se encontra do Corredor Cultural da cidade, cerca de 60 km de distncia.
Interessado em participar das atividades, integrei o grupo. Com o envolvimento ganhei
espao, voz e prestgio, de tal maneira que recebi algumas condecoraes.
Da parte dos alunos, fui escolhido muitas vezes como paraninfo. Da parte dos
professores cheguei a receber medalhas por eleies realizadas dentro do instituto. Em curto
espao de tempo, toda a movimentao cessou. O grupo de trabalho foi desfeito. Uns por
aposentadoria, outros porque foram convidados transferncia. Dentre os convidados,
estavam educadores de grande dedicao aos projetos escolares. Os que ficaram perderam o
nimo de produzir para alm das aulas.
Em 2007, ocorre uma mudana favorvel continuidade do Curso Normal. Voltamos
a crescer em nmero, professores e alunos, e estamos retornando aos projetos. desse lugar
que falo, com esperanas renovadas, retendo na memria as emoes e vivncias impregnadas
de valores, que me fizeram uma pessoa com as mesmas representaes deste grupo a qual
perteno, de forma que ir ao encontro dos anseios do grupo ir de encontro dos meus prprios
anseios.
desse lugar que eu falo.
12
INTRODUO
A dcada de 90 do Sculo XX inaugura um novo marco de organizao mundial. O
estreitamento das relaes entre pases que buscam mais competitividade impe novos
desafios. Os mais abastados ampliam sua influncia nas determinaes dos mais fracos,
ditando procedimentos de competncia interna. Beck (1997, apud SANTOS; ANDRIOLI,
2005) classifica a nova ordem que se instaura como globalizao e aponta como conseqncia
a subjugao e a ligao transversal dos estados nacionais e sua soberania atravs de atores
transnacionais, suas oportunidades de mercado, orientaes, identidades e redes.
O Brasil, pas emergente, em busca de espao no cenrio mundial, intensifica sua
participao nas discusses internacionais, aceitando orientaes advindas dos mais diferentes
organismos, sobretudo daqueles que financiam e definem diretrizes para novas polticas
educacionais (SANTOS, 2004). Dentre essas, segundo Torres (1996), ganham destaque a
elaborao de currculos ajustados s necessidades do mercado; a prioridade para a educao
bsica; a reduo de verbas para o ensino superior; e maior credibilidade para formao
docente em servio.
Assim, no ano de 1995, em ateno s determinaes internacionais, diversos rgos1
participaram no Estado de So Paulo do Programa Brasileiro de Produtividade e Qualidade.
Nesse encontro, por meio da divulgao da Carta Compromisso de Jomtien2, foi oficializada a
orientao para a revalidao da prtica de ensino, dentre outras metas a serem atingidas em
uma dcada.
Mas de que prtica de ensino se est falando?
Para Martins (1996), revalidar a prtica promover o ensino para alm da
superficialidade, contribuindo para que o aluno busque e selecione informaes com as quais
se atualizar. A autora entende que a Pedagogia verstil e se consolida pela troca de
informaes entre professores e alunos e por essa razo pode dar conta do atendimento a
diferentes alunos com resultados igualitrios. Pimenta e Anastasiou (2002, p. 28) parecem
partilhar do mesmo entendimento ao conceberem a ao docente como mediadora entre o
1 Ver em http://:www.dominiopublico.gov.br/pesquisa.
2 Conferncia Mundial de Jomtien (Tailndia), realizada em 1990 que teve como tema a Educao para Todos.
Ali foi apresentado um projeto internacional, onde 155 pases participantes assumiram o compromisso de prover
as Necessidades Bsicas de Aprendizagem (NEBA) de crianas, jovens e adultos tendo como principal meta a
universalizao do Ensino Fundamental.
http://:www.dominiopublico.gov.br/pesquisa
13
aluno e o conhecimento a ser sistematizado.
Depreende-se, portanto, que a prtica de ensino est diretamente relacionada ao
desempenho dos alunos, uma vez que sempre se traz para a discusso sobre a formao
docente os resultados das diversas avaliaes realizadas no pas. Um exemplo so os ndices
nada animadores do Sistema Nacional de Avaliao da Educao Bsica (SAEB)3 e do
Programa Internacional de Avaliao de Estudantes (PISA)4. Neste ltimo, o Brasil ocupa os
ltimos lugares entre os pases participantes.
Outra relao reducionista a que se estabelece entre formao e avaliao de
desempenho profissional. Segundo Nascimento (2008), a legislao educacional em vigor
contribuiu para o aligeiramento da formao docente, esvaziando-a da constituinte crtica, fato
tambm apontado por Scheibe (2003). Esta autora considera um paradoxo a exigncia
estabelecida pela Lei de Diretrizes e Bases n. 9394 (BRASIL, 1996) que impe o
aprimoramento e a qualificao do professor e sua aplicao flexvel que permite uma
profissionalizao acelerada e acrtica.
Na apreciao de Schmidt (1989 apud FREITAS, 1992), a formao do educador
brasileiro insatisfatria, pois no h articulao entre as agncias formadoras, que so as
escolas do Curso Normal, as licenciaturas em nvel superior e as licenciaturas em Pedagogia.
A autora aponta que do modo como esses cursos esto organizados por si s provocam
dicotomia entre teoria e prtica, uma vez que o aluno recebe primeiramente base terica e
muito depois desenvolve a prtica no estgio supervisionado. Para ele,
[...] enquanto o Estado no mediar uma ao conjunta entre escolas normais,
universidades (principais agncias formadoras) e secretarias de educao
(principal agncia contratante) no reverteremos esse quadro. Isto passa por
uma transformao global de toda legislao que regulamenta a formao e
atuao deste profissional, com objetivo de garantir formao de qualidade e
valorizao profissional (FREITAS, 1992, p. 10).
3 As avaliaes do SAEB produzem informaes a respeito da realidade educacional brasileira e,
especificamente, por regies, redes de ensino pblica e privada nos estados e no Distrito Federal, por meio de
exame bienal de proficincia em Matemtica e em Lngua Portuguesa (leitura), aplicado em amostra de alunos
de 4 e 8 sries do Ensino Fundamental e da 3 srie do Ensino Mdio (Disponvel em
http://www.inep.gov.br/basica/saeb. Acesso em 25/10/09). 4 O PISA um programa internacional de avaliao comparada, cuja principal finalidade produzir indicadores
sobre a efetividade dos sistemas educacionais, avaliando o desempenho de alunos na faixa dos 15 anos, idade em
que se pressupe o trmino da escolaridade bsica obrigatria na maioria dos pases (Disponvel em
http://www.inep.gov.br/internacional/pisa/. Acesso em 25/10/09).
http://www.inep.gov.br/basica/saebhttp://www.inep.gov.br/internacional/pisa/
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Essa discusso ganha flego, quando analisada por diferentes atores e de formas
multifacetadas. A formao docente pode ser um dos vetores do progresso social e
econmico, como afirma Demo (1992, p. 23), ao discutir a formao de formadores bsicos.
Ele considera que esta uma questo estratgica, no sentido de condicionar decisivamente as
oportunidades de desenvolvimento da sociedade e da economia e enfatiza que a qualidade
da educao profundamente vinculada valorizao profissional de modo geral ocupa a
posio de estratgia primordial de desenvolvimento.
Frigotto (1996) entende que no produtivo pensar em formao docente omitindo o
processo de ajuste estrutural do Estado. Segundo ele, o pas foi submetido aos organismos
internacionais e lgica do mercado, o que trouxe consequencias desastrosas como o
enxugamento dos recursos destinados ao financiamento da educao para todos em
detrimento das privatizaes. O autor alerta que:
[...] a formao e qualificao do educador no pode ser tratada
adequadamente sem se referir trama das relaes sociais e aos embates que
se travam no plano estrutural e conjuntural da sociedade. Por isso para
entender a poltica de formao docente, atualmente, no Brasil, faz-se
necessrio compreender a poltica neoliberal enquanto filosofia que orienta,
que parte de uma viso economicista da educao, definindo a
profissionalizao do magistrio como estratgica para melhoria da
qualidade de ensino (FRIGOTTO, 1996, p. 75).
A partir de 1990 as orientaes internacionais foram utilizadas tambm como base
para os discursos ideolgicos de governantes e como apoio para realizao da reforma da
educao profissional e da formao de professores da educao bsica. Seus pilares foram
qualidade, produtividade, competitividade e empregabilidade, conforme registra Gomide
(2008). Para a autora, esses termos serviram para disseminar ideologias e justificar a
implantao de projetos neoliberais e promover a promulgao da LDB 9394 (BRASIL,
1996) em sintonia com o projeto de Governo.
Nesse panorama se insere a Escola Normal, detentora de menor prestgio entre as
agncias formadoras, uma vez que forma o professor em nvel mdio para atuar nas sries
iniciais da educao bsica e que tem merecido pouca, ou quase nenhuma considerao pelo
campo legislativo da educao nacional. Isso se transformou na principal causa das sucessivas
mudanas ocorridas nessa modalidade de ensino a partir de 1997. No entanto, essa
modalidade de formao deveria se constituir como uma das mais importantes dentre aquelas
agraciadas pelas polticas pblicas no meio educacional, j que o ensino que vem oferecendo
15
est aqum do que exigido ao professor das sries iniciais.
Valente (2005) reconhece o Curso Normal como uma agncia formadora fragilizada,
que no est formando professores que atendam ao novo modelo profissional, como est
posto. Tomando o ensino de Matemtica como ponto de partida, o autor considera que o fraco
desempenho nessas instituies passa pela matriz curricular e outros procedimentos, pois
entende que no h propostas consistentes para desenvolver os contedos desta disciplina nas
sries iniciais do Ensino Fundamental. Para ele, como o curso deve atender a formao geral e
formao especfica, isso contribui para a uma formao falha e que dificulta a formao para
o exerccio da docncia.
A Escola Normal desde que foi criada sobrevive a um sistema de descontinuidade, que
se agravou a partir das orientaes da LDB 9394 (BRASIL, 1996). Em 2002, a proposta de
reformulao do Ensino Normal endossou a provisoriedade que caracteriza este tipo de
formao posta pela LDB no artigo 62, reproduzido a seguir:
A formao de docentes para atuar na educao bsica far-se- em nvel
superior, em cursos de licenciatura, de graduao plena, em universidade e
institutos superiores de educao, admitida como formao mnima para o
exerccio do magistrio na educao infantil e nas quatro primeiras sries do
Ensino Fundamental, a oferecida em nvel mdio na modalidade normal.
(grifo nosso)
A Reorientao Curricular para as Escolas de Curso Normal (SEE/RJ, 2005) uma
referncia para a prtica dos professores. Nela, alm de serem apresentadas propostas e
sugestes ligadas atividade docente, que evidenciam preocupao com o conhecimento
didtico-pedaggico, delineado o perfil do professor formador em nvel mdio. Cabe a este
profissional, entre outras funes:
Criar e gerir situaes de aprendizagem para todos os alunos, considerando
abordagens condizentes com as identidades dos mesmos; e conceber,
realizar, analisar e avaliar as situaes didticas, mediando o processo de
aprendizagem dos alunos nas diferentes reas de conhecimento (R. C.,
SEE/RJ, 2005, p. 29).
Entretanto, segundo Bello (1993, p. 1) o professor no se sente compromissado em
fazer com que o aluno, objeto de seu trabalho, aprenda, pois ao depositar nas mos dos alunos
a responsabilidade pela aprendizagem, o professor no se apercebe de seu papel social. Em
16
se tratando de um curso de formao de professores, de se estranhar a falta de
comprometimento com a formao docente nessa modalidade.
Uma possvel explicao para isso pode estar no perfil do corpo discente das escolas
de Curso Normal, composto por alunos que no so selecionados por meio de concurso: basta
um simples telefonema para garantir a matrcula. H alunos que no desejam ser professores e
ocupam uma vaga para cumprir o desejo de seus responsveis. Outros chegam muito jovens
ao Ensino Mdio, o que sugere escolhas precipitadas. Outros ainda buscam uma formao
aligeirada para rpida insero no mercado de trabalho. Partindo dessa realidade, o professor
de Curso Normal procura administrar as diferenas percebidas no corpo discente e tambm
atender as exigncias da Secretaria de Estado de Educao, o que contribuiu para dificultar o
atingimento das metas estabelecidas para a aprendizagem.
O desinteresse dos alunos e a resistncia ao modelo de trabalho desenvolvido nessas
instituies, entre outros fatores, tm colaborado para a desvalorizao do Curso Normal. A
falta de reconhecimento da importncia desse espao de formao por parte das autoridades
educacionais tem ocasionado contratempos no seu enquadramento como nvel mdio, a
comear pela falta de material didtico adequado formao.
Os Parmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1999) trazem propostas de
contemporizao e procedimentos didticos, mas no conseguem contagiar boa parte dos
professores desse nvel de ensino, principalmente a partir da reduo da carga horria de
muitas disciplinas.
Como professor de Escola Normal, percebo que as muitas reorientaes curriculares
ocorridas na dcada de 90 originaram mudanas de contedos, reduziram a carga horria de
disciplinas nucleares e acrescentaram mais um ano ao curso para implementar 800 horas-aulas
de Prticas Pedaggicas, o que provocou novos posicionamentos dos professores frente ao
ensino das disciplinas. Some-se a estes fatores o prenncio do fim dessa modalidade de
ensino, o que j praticado por alguns estados brasileiros, como por exemplo, Cear, So
Paulo, Minas Gerais e Gois (MONTEIRO; NUNES, 2005).
O Curso Normal vem perdendo a sua identidade como agncia formadora de
professores. o que se constata no recebimento de futuros professores, que no se do conta
que apesar da escola ser um estabelecimento de nvel mdio, sua proposta de trabalho
especfica: formar professores. Nesse aspecto, se percebem diferentes vises sobre a formao
docente em nvel mdio, o que revela a necessidade de investigar as representaes sociais de
formao para o magistrio elaboradas por professores e alunos, iniciantes e concluintes, de
uma instituio formadora e compar-las.
17
Para dar conta desse objetivo, este trabalho foi assim elaborado: no Captulo 1,
intitulado FORMAO DE PROFESSORES EM NVEL MDIO, apresentada a trajetria
dessa formao, que viveu os anos dourados, transitou por perodos de glria e de desgaste,
estando por isso no cerne da desprofissionalizao e da precarizao do trabalho docente.
No Captulo 2, O CURSO NORMAL NO INSTITUTO SARAH KUBITSCHEK, o
foco se dirige a essa instituio de ensino, referncia na zona oeste na cidade do Rio de
Janeiro.
No Captulo 3, TEORIA DAS REPRESENTAES SOCIAIS, encontra-se o
referencial terico-metodolgico que orientou esta pesquisa.
No Captulo 4, REPRESENTAES SOCIAIS DE FORMAO PARA O
MAGISTRIO, descrita a pesquisa empreendida e so apresentados os resultados.
A CONCLUSO aponta a necessidade de dar continuidade ao estudo, buscando-se,
atravs da abordagem processual, conhecer a gnese dessas representaes.
18
CAPTULO 1
FORMAO DE PROFESSORES EM NVEL MDIO
Atualmente, a formao de professores assume papel de destaque no cenrio
educacional nacional. intrigante o fato de tantas vozes fomentarem discusses sobre essa
formao, at em nvel internacional, ao passo que seus principais atores, os professores,
parecem se quedar ao silncio. Esse procedimento coletivo incita a busca da trajetria da
formao docente desde o Brasil Colnia e sua gnese de formao a partir do ensino pblico
oferecido.
Em 1549, padres jesutas da Companhia de Jesus, desembarcaram em solo brasileiro
com a misso de catequizar os ndios. Esses sacerdotes, posteriormente embasados pelo Ratio
Studiorum5 introduziam valores culturais da metrpole. Nesse perodo, segundo Pinheiro e
Monteiro (2005), tem-se uma concepo de educao onde se objetiva a imposio do
catolicismo, complementada com o ensino das primeiras letras. Alm dos ndios, a populao
que aqui aportava tambm recebia instrues da Companhia de Jesus.
Ranghetti (2008) observa que a partir da educao jesutica, bispos e padres-mestres
nomearam os primeiros professores para atenderem a populao. A nomeao procurava
atender aos quesitos idade e atuao docente. Por isso, os selecionados deveriam ter idade
mnima de 30 anos e permitir que o controle de ensino fosse feito pelos jesutas, reproduzindo
principalmente conhecimentos de Filosofia e de Teologia, conforme registra Castro (2006).
Prevalecia a oralidade como instrumento de comunicao do professor e o aprendizado do
aluno era efetivado atravs da memorizao de conhecimentos.
Com a criao do Ratio Studiorum, em 1599, os professores incorporaram as novas
regras em seu fazer pedaggico, sob pena de retaliaes no descumprimento de qualquer
orientao, como se l na Regra 16 do Provencial: Os professores que tenham tendncia para
a novidade ou para uma inteligncia demasiado livre, devem sem dvida ser excludos do
5 O Ratio Studiorum foi promulgado em todas as escolas da Companhia de Jesus a partir da circular emitida em
08 de janeiro de 1599. Consiste em um plano de estudos que oferece orientaes de trabalho ao professor,
atravs de um currculo fixo e um conjunto de objetivos e mtodos, que deve ser seguido em todas as classes de
Gramtica at Teologia. Sua metodologia se baseia na repetio e na disciplina.
19
ensino (SOUSA, 2003, p. 17).
Fruto da prpria organizao, as exigncias so levadas a cabo, cerceando as liberdade
e interao dos professores, como determinava a Regra 5 do professor de Matemtica:
Esforai-vos com determinao para que os novos professores mantenham os mesmos
mtodos de ensino de seus antecessores para que os estudantes externos no se queixem da
mudana freqente de professores (idem, p. 18).
Esse modelo de ensino prevaleceu por 210 anos, no acompanhando o
desenvolvimento de Portugal e de suas demais colnias.
Com a ascenso de Sebastio Jos de Carvalho Melo, o Marqus de Pombal, em 1759,
ao cargo de Primeiro Ministro de Portugal, instaurada a primeira Reforma Pombalina. Essa
reforma procurou alinhar a poltica educacional portuguesa e suas colnias s relaes
econmicas anglo-portuguesas. O Estado assume o controle e a secularizao da educao e
impe um currculo padronizado. O modelo de educao da Companhia de Jesus foi ento
desfeito e os jesutas expulsos. O sistema de aulas rgias ocupou os novos espaos,
interferindo na organizao dos colgios catlicos e nas instituies militares.
Nesse sistema o professor era gestor e reparador financeiro, diretamente responsvel
por ministrar aulas. Todo esse empenho no era considerado suficiente para que ele pudesse
responder pelos seus prprios atos, ficando na dependncia de avaliadores externos, de
pessoas de influncia pblica e da comunidade escolar.
Em 1820, com o Brasil na posio de Vice Reino de Portugal e sob controle estatal,
surgiu a primeira forma de preparao de professores. Foi adotado o mtodo de ensino mtuo:
ao mesmo tempo em que ensinavam os alunos, tambm se formavam professores.
Segundo Castro (2006), embora a formao de professores nessas classes tenha sido
realizada por meio do ensino mtuo, foi determinado para atuao docente o mtodo
Lancaster. Esse mtodo, segundo Villela (2000, p. 31) procurava entre outras coisas,
desenvolver principalmente os hbitos disciplinares de hierarquia e ordem, exercendo um
controle pela suavidade, uma vigilncia sem punio fsica. Tais caractersticas se encaixavam
perfeitamente nos propsitos polticos do grupo conservador. Bastos (2003) considera que o
mtodo lancasteriano apequenava a funo do professor, que funcionava como um inspetor ou
impositor de ordem, cabendo aos monitores a administrao das aulas. O atendimento
continuou precrio e beneficiou apenas uma pequena parcela da populao.
A educao assumiu dimenso pblica no Brasil-Imprio. O Decreto-Lei Imperial de
20
15 de outubro de 18276, feito por D. Pedro I, enquanto Prncipe Regente oficializou o
atendimento escolar. Segundo este documento, em todos os lugares, quer nas vilas, quer nas
cidades, seriam construdas escolas de ensino de primeiras letras para o povo. Quanto aos
mestres, esses passariam por um exame de seleo, priorizando o mtodo Lancaster.
Segundo Frana (2006), os primeiros professores para atuarem no mtodo, foram
formados em curto prazo nas escolas da capital, sem que houvesse apoio do Governo, o que
implicou, posteriormente, no mau funcionamento das escolas de primeiras letras e no fracasso
do trabalho docente.
Ranghetti (2008) considera que a exigncia do domnio conteudstico e a ausncia da
formao pedaggica constituram um n do mtodo. O autor comenta que da forma como foi
organizado o exame, qualquer pessoa podia desempenhar o papel de professor.
Por pouco tempo a educao esteve atrelada ao Governo Central. Em 1834, por fora
do Ato Adicional7, a responsabilidade educacional foi transferida para as provncias. O Ato se
constituiu um entrave para as provncias menos favorecidas financeiramente e que no tinham
proviso suficiente para construir escolas e pagar salrios aos seus professores.
Com a necessidade crescente de formar professores para atender a demanda, foi criada
em 1835, a primeira Escola Normal pblica das Amricas, em Niteri, provncia do Rio de
Janeiro. Conforme observa Paiva (2006), o modelo francs implementado por meio do
mtodo Lancaster, influenciou o programa brasileiro de formao de professores. Outras
provncias tambm foram beneficiadas com a criao de escolas normais, mas nenhum desses
estabelecimentos foi poupado pela poltica ento vigente, vivendo um clima de instabilidade
atravs de um processo repetitivo de criao e extino. De acordo com Paiva (op. cit.), fazia
parte da preparao de professores, doutrin-los a transmitirem verdades incontestveis,
alimentando o pensamento ideolgico da poca.
Ribeiro (1998) considera que o funcionamento da Escola Normal era insatisfatrio e
aponta como uma de suas falhas o programa de ensino que priorizava alguns aspectos em
detrimento de outros. Destaca ainda que a organizao desse curso no horrio noturno
impossibilitava a participao dos alunos s aulas prticas, no garantindo a
profissionalizao e proporcionando formao deficitria.
Tambm deveriam lecionar em classes distintas quanto ao gnero. Os homens
atenderiam aos meninos para os quais o ensino da Matemtica assumia relevncia, pois
6 Ver em http://www.adur-rj.org.br/5com/pop-up/decreto-lei_imperial.htm.
7 A constituio de 1824 teve apenas uma nica emenda, conhecida como o Ato Adicional de 1834, aprovado
pela Lei n. 16 de 12 de agosto. a ela atribuda e a responsabilidade pelo fracasso e desorganizao da
educao nas provncias (COUTINHO, 2007).
21
segundo o pensamento ideolgico vigente, esse era um assunto para os homens. J as
professoras lecionariam para as meninas, preenchendo a ausncia dessa disciplina com o
ensino de prendas domsticas. Tambara (2008) observa na produo de autores como
Azevedo (1883) e Taunay (1921), que o ensino primrio ministrado por professores revelava
brutalidades, maus exemplos posturais e de higiene. As professoras, ao contrrio, possuam
qualidades que se harmonizavam com a ao educativa.
O atendimento escolar acabou com a diviso entre gneros a partir do momento em
que o pblico feminino superou o masculino em nmero, o mesmo ocorrendo na formao de
professores.
As mudanas sociais da poca deram credibilidade educao enquanto geradora de
progresso. Para isso foi institudo um novo modelo de formao de professores, onde os
valores morais assumiram mais importncia do que os valores intelectuais.
Tambara (op. cit.) aponta as caractersticas de um bom professor, segundo o
pensamento dos pedagogos ao final do sculo XIX. As caractersticas consensuais eram amor,
bondade e pacincia. Quanto postura, mediada pelas qualidades da profisso, o professor
precisava se afastar do convvio social e dedicar-se ao enlevo espiritual:
O modo de viver do professor deve estar em harmonia com as exigncias das
funes que exerce; e estas funes graves e santas impem-lhes
privaes, com as quais deve conformar-se, sob pena de incorrer em censura,
ou em menosprezo talvez. O que certo que bem pouca confiana nele
depositaro, se, apenas, findas as horas de aula, virem-no andar, vagando
ociosamente ora aqui, ora ali, se nos dias feriados dedicar-se a caadas,
freqentar os jogos pblicos, concorrer s reunies da aldeia, ou mesmo
tomar parte nas danas, que o uso locar parece s vezes autorizar, etc.
Algumas dessas distraes no so dignas de um homem srio, outros s
quadram a ociosos,e todas elas tem inconvenientes e podem ser ocasio de
funestos males (DALIGAULT, 1874 apud TAMBARA, 2008, p. 32).
A entrada e o aumento rpido das mulheres no Curso Normal fizeram aumentar o
nmero de professoras e gerar profcua discusso sobre a atuao profissional por gnero.
Cavalcante (1884 apud TAMBARA, 2008) considera necessria a educao da mulher para
melhor atendimento famlia, porm injusta se for para competir com o homem. Mas as
mulheres se sobressaram nas virtudes morais, evidenciando a posse natural desses atributos,
o que se tornou assunto de discusso no I Congresso da Instruo realizado no Rio de Janeiro,
em 1905. No cerne da discusso sobre a formao de professores por gnero, percebendo a
perda do espao masculino, o congressista Teodoro Augusto Ribeiro Magalhes defende que
22
ambos os sexos, por natureza, so dotados desses valores, quer no exemplo, quer no ensino.
Com destaque s qualidades e quantidades das aes educativas, peculiares s
mulheres, consolida-se a feminizao da educao, ao mesmo tempo em que vai sendo
construda a desprofissionalizao desse educador, que passou a buscar nas prprias
qualidades sua recompensa, tal qual um ministro religioso.
No Brasil-Repblica, sob a influncia do Positivismo, a Pedagogia do ensino pblico
foi renovada. O Estado Republicano passa a debater a questo da instruo pblica com o
objetivo de organizar um sistema nacional de ensino, colocando as escolas primrias nas mos
do Governo central. Pela primeira vez se consolida a idia de resgate da histria da educao
brasileira dentro do contexto econmico e da poltica de formao de professores. Tais
reflexes permitem considerar a educao como fundamental para a formao, produo e
integrao do homem na sociedade nacional. A formao de professores continua seguindo a
inspirao do modelo europeu, dual, ao fim dos estudos primrios, como evidencia Tanuri
(2000, p. 70):
O curso complementar, espcie de primrio superior, propedutico Escola
Normal, de durao, contedo e regime de ensino anterior ao secundrio, e
este ltimo, de carter elitizante, objeto de procura dos que se destinavam ao
ensino superior.
Pretendia-se com isso o que Sadalla (2002, p. 48) classificou como modelo tecnicista
com bases positivistas. Nesse modelo de ensino, o professor era visto como um tcnico que
aplica na prtica os seus conhecimentos cientficos pedaggicos. Saviani (1993) compartilha
dessa viso, ao concluir que o positivismo defende um ensino leigo e um currculo
multidisciplinar que prioriza as cincias exatas, o que o reduziu a aplicao de tcnicas.
Segundo Castro (2006), nos anos 20 do sculo passado, a atividade do magistrio
entrou em processo de profissionalizao, sendo publicada sua regulamentao em 1931. A
autora considera que a ascenso social dos professores como categoria nas dcadas de 30, 40
e 50, deveu-se aos avanos ocorridos na dcada anterior e complexificao da sociedade,
que saiu em busca de escolarizao. A ideologia da poca foi a de comparar a educao a uma
mola-mestra que impulsionava em direo ao progresso e promovia oportunidade para
todos.
Em 1932, conforme registra Castro (op. cit.), surge o Manifesto dos Pioneiros da
Educao, coordenado por Fernando de Azevedo e assinado por educadores que
23
reivindicavam autonomia para o exerccio da docncia. Esse manifesto tambm denunciou o
baixo padro da formao inicial dos professores no magistrio primrio.
Segundo Vieira e Gomide (2008), o Manifesto dos Pioneiros um projeto pedaggico
de natureza humanista que procurou organizar a educao e a formao de professores nos
moldes da Psicologia e das Cincias em curso no mundo. O grupo entendia que a educao
devia ser compreendida como um problema social e propunha mtodos cientficos para mudar
o paradigma em vigor, de maneira que a formao de futuros professores se realizasse
conjugando o binmio ensino-pesquisa. Esse novo modelo propunha uma formao mais
ampla, que atenderia o educando em seus objetivos e que passava a ser o foco do processo
educativo.
Em 1934, Ansio Teixeira, um dos pioneiros, expressa sua indignao quanto
formao advinda da Escola Normal. Apesar de seu esforo e de outros educadores, a
Constituio de 19378 no reconheceu o projeto dos Pioneiros e considerou que a
profissionalizao dos professores deveria continuar nos moldes do Curso Normal, conforme
exarado na Lei Orgnica do Ensino Normal e de acordo com o Decreto-Lei n. 8530, de 2 de
janeiro de 19469.
Romanelli (2003 apud CASTRO, 2006, p. 7) destaca que com a promulgao da Lei
Orgnica, o Curso Normal assume, oficialmente, sua funo que era de prover a formao de
pessoal docente necessrio s escolas primrias; habilitar administradores escolares
destinados s mesmas escolas; desenvolver e propagar os conhecimentos e tcnicas relativas
educao da infncia.
Para Durham (2001) o antigo Curso Normal tinha um currculo em sintonia com sua
poca. Mesmo assim a formao de professores no era considerada satisfatria, fato que
impedia sua aceitao no rol dos cursos secundrios. A partir do Decreto-Lei n 1821, de 12 de
maro de 195310
, segundo Saffioti (1979), houve a equiparao do Curso Normal com o nvel
secundrio, o que permitia ascenso aos estudos de nvel superior. Em meio a tantos embates
e atendimentos, a formao de professores parecia ter encontrado o seu espao, o que no se
configurou.
8 Ver http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao37.htm.
9 Lei Orgnica do Ensino Normal - Decreto-lei 8530, de 2 de janeiro de 1946 - estabeleceu as diretrizes gerais
para o funcionamento das escolas normais em todo o pas. Pretendia dar uniformidade formao de professores
em todo o territrio nacional, estabelecendo princpios e normas relativos a regime de estudos, contedos
programticos, mtodos e processos didticos. Essa lei criou os Institutos de Educao que, alm dos cursos
normais, ofereciam cursos de especializao para professores primrios e cursos de habilitao em
Administrao Escolar. De acordo com a Lei Orgnica, o Ensino Normal era considerado como um curso de
formao profissional, de nvel secundrio (CASTRO, 2006, p. 7). 10
Ver www.jusbrasil.com.br/legislacao/128789/lei-1821-53.
24
Ranghetti (2008) considera que o maior desgaste da imagem do professor aconteceu
durante a Ditadura Militar no perodo compreendido entre os anos 1964 e 1985. O crescente
processo de tecnologizao e de globalizao de conhecimentos colocou em xeque a
formao e as contribuies oriundas do saber constitudo desse profissional, frente
sociedade.
Nesse perodo, foi promulgada a Lei n. 5692 (BRASIL, 1971), que muda a natureza do
Curso Normal, passando para Habilitao Especfica para o Magistrio. Para se tornar
habilitao, foi necessrio desconsiderar a regulamentao da profisso concedida em 1931.
Ranghetti (op. cit.) observa que apesar do novo modelo habilitar professores para
atuarem no 1 Grau, o curso foi equiparado aos demais cursos tcnicos oferecidos. Nunes
(2002) considera que essa mudana contribuiu para descaracterizar o Curso Normal, cujo
objetivo era o de formar professores. Assim, com a aplicao da Lei, a formao de
professores em nvel mdio era como qualquer curso tcnico oferecido (CASTRO, 2006).
Alves (1988) ressalta que o curso de formao de professores foi pouco discutido
nacionalmente, sem qualquer pronunciamento do Conselho Federal de Educao (CFE) ou de
outras organizaes do Ministrio de Educao e Cultura (MEC). Entende que o Parecer n.
45/72 do MEC, que organizou um anexo com 130 habilitaes de Ensino Mdio e priorizou
as profisses das reas produtivas, desconsiderando a formao de professores, que no figura
nesse documento. Essa evidncia, segundo o autor, nos permite entender que a formao de
professores foi depreciada em relao aos demais cursos oferecidos.
A Lei 5692 (BRASIL, 1971) em seu artigo 30 conjugou dois modelos de formao de
professores. Um deles resultante da formao regular e o outro por meio da incorporao de
estudos adicionais. Essa medida, segundo Oliveira (2001, p. 160) gerou grande confuso no
seio educacional, impedindo uma definio clara entre o que e o que deve ser o profissional
da educao.
Esse artigo dividiu a formao em cinco nveis: (1) formao no nvel de 2 Grau, que
habilitava para as sries iniciais do 1 Grau; (2) formao no nvel de 2 Grau acrescido de um
ano de estudos adicionais, que habilitava os professores para lecionarem at a 6 srie do 1
Grau; (3) formao superior em licenciatura curta, que habilitava o professor para atuar em
uma das reas de estudo nas quatro sries finais do 1 Grau; (4) formao em licenciatura
curta mais estudos adicionais, que dava ao professor com especializao em uma rea de
estudo a possibilidade de lecionar at a 2 srie do 2 Grau; e (5) formao em nvel superior
em licenciatura plena, que habilitava o professor a lecionar uma disciplina em todas as sries
do 2 Grau.
25
A dcada de 80 do sculo XX traz baila a busca da qualidade escolar e
implementao de gesto democrtica. O engajamento de instituies educacionais e civis deu
novo flego luta pela reformulao dos cursos de formao de professores. Freitas (2002)
considera que nessa dcada o pensamento tecnicista foi depreciado. Tal considerao se deve
ao surgimento de uma nova viso sobre a formao de professores, que oficialmente se
consubstanciava como recursos humanos para a educao.
Essa crena se modifica a partir da atuao da Comisso Nacional pela Reformulao
dos Cursos de Formao do Educador (CONARCFE) junto com os educadores, da qual
emergem novas concepes sobre a formao de professores em direo ao carter scio-
histrico. O novo modelo exige um profissional com formao mais ampla, aproximando-o
das atividades dos especialistas e pedagogos.
Com essa medida, buscou-se colaborar com o avano escolar rumo democratizao
em suas relaes de poder e a construo de projetos inovadores. Ainda segundo Freitas (op.
cit.), os educadores defendiam a educao como dever do Estado e estabelecimentos
contratantes e direito dos professores. Tal viso no se manteve por muito tempo, pois novas
polticas inverteram essa lgica para direito do Estado e dever do professor. Isso no
emudeceu a CONARCFE que se estruturou melhor para o enfrentamento, se organizando
inicialmente como um comit.
Em 1980, segundo Oliveira (2001), foi criado o Comit pr-formao do educador,
que em 1983 passou a ser designada Comisso Nacional e, finalmente em 1990, sagrou-se
Associao Nacional para a Formao de Professores (ANFOPE). O autor observa que a
promulgao da Constituio Brasileira em 1988 propiciou a abertura para a criao da
ANFOPE. Entretanto, essa abertura teve incio com a Nova Repblica (1985 em diante), onde
a luta pelo ensino pblico e gratuito ganha fora ao lado da discusso e cooperao
internacional em favor da educao mundial, em busca de adequao globalizao,
procurando evitar o aumento de pobreza e excluso que pode gerar conflitos e levar guerra
(MIRANDA, 2005).
Ainda segundo Oliveira (op. cit.), a sociedade se organizou por meio de discusses em
favor da educao. Em decorrncia disso, surge o Frum Nacional em Defesa da Educao
que passa a dialogar com a Cmara dos Deputados sobre a elaborao de um documento que
traga mais equidade educao, contribuindo para a construo da prxima Lei de Diretrizes
e Bases. O movimento foi fortalecido pela IV Conferncia Brasileira de Educao (CBE)
realizada em Goinia em 1986.
Segundo Silva (2004), as discusses ali realizadas cuidaram mais da garantia dos
26
direitos dos professores, defendendo inclusive um plano nacional de carreira diante da
inexistncia do estatuto para o magistrio nas esferas estaduais e municipais, em muitas das
unidades federativas. Tais reivindicaes compuseram a Carta de Goinia. Nela, a
necessidade de significao da profisso professor era to urgente que no possibilitou a
discusso sobre qualificao docente.
Com um quadro ainda deficitrio de atendimento escolar populao, o Brasil
participou na dcada de 90 da Conferncia Mundial de Educao, em Jomtien, na Tailndia,
onde estavam presentes 155 pases. Cada um deles assumiu o compromisso de prover as
Necessidades Bsicas de Aprendizagem (NEBA) de crianas, jovens e adultos, tornando
prioridade a universalizao de acesso educao, prioridade aprendizagem, promoo da
equidade alm de criar meios de alcance Educao Bsica.
Os financiadores do encontro, Organizao das Naes Unidas para a Educao, a
Cincia e a Cultura (UNESCO), Fundo Nacional das Naes Unidas para a Infncia
(UNICEF), Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Banco
Mundial, subscreveram uma declarao com recomendaes para que os objetivos da
conferncia fossem alcanados pelos pases participantes.
Na interlocuo nacional da carta-compromisso de Jomtien, a partir de um evento
realizado em So Paulo em 1995, o Ministrio do Trabalho patrocinou o Programa Brasileiro
de Produtividade e Qualidade. Nesse encontro com representantes de vrios ministrios
(Ministrio da Educao e Cultura; Ministrio do Trabalho e Emprego; Ministrio da Cincia
e Tecnologia; Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico) e segmentos
da sociedade civil (organizao de empresrios, Centrais Sindicais, Conselho de Reitores da
Universidade Brasileira; Conselho Nacional de Secretrios de Educao; Unio Nacional dos
Dirigentes Municipais de Educao; Federao Interestadual das Escolas Particulares), foi
aprovada uma carta-educao recomendando a revalorizao da prtica de ensino.
Embora a prtica de ensino tenha sido colocada em foco, o pronto atendimento s
orientaes internacionais em troca de financiamentos, desestruturou o modelo escolar
brasileiro, contribuindo para que os alunos avanassem nas sries do Ensino Fundamental sem
avanos significativos no conhecimento (SHIROMA et al., 2004).
O Governo cumpriu as exigncias do acordo internacional firmado de forma perversa:
cortou verbas, no investiu na construo/manuteno de infra-estrutura das instituies de
ensino e congelou os salrios dos professores. Shiroma (idem, p. 112) comenta que o
discurso prt--porter fornecido pelas agncias internacionais e seus noveaux economistes
parece no se ajustar realidade brasileira, pois a reformulao do sistema no proporcionou
27
melhoria no quadro educacional.
Isso pode ser exemplificado por meio dos resultados do Sistema Nacional de
Avaliao da Educao Bsica (SAEB), que avalia a educao bsica a cada dois anos e que
tem constatado o declnio do desempenho dos alunos em Matemtica e Portugus, ano aps
ano. Essa avaliao busca disponibilizar subsdios para a realimentao de polticas pblicas,
tornando possvel a universalizao e a ampliao com justia e qualidade da educao
brasileira. O declnio evidencia, tambm, a dificuldade de utilizao de conhecimentos da
Lngua Portuguesa e de Matemtica no cotidiano, o que preocupante. Informaes do MEC
divulgadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira,
INEP, (BRASIL, 2007) permitem antever o estado da educao brasileira, o que acaba por
remeter a formao de professores.
Outra medida de atendimento aos organismos internacionais se d em 1993 com a
criao do Plano Decenal de Educao para Todos (PDE). O plano reformulado a cada 10
anos, mobilizando toda a sociedade brasileira em torno do objetivo que o de um padro
mnimo de formao educacional. Alm disso, o PDE propicia a organizao de projetos
pedaggicos mais afinados com a realidade e consequente modificao da atuao do
professor, sendo indicado como condio necessria para melhoria do Ensino Fundamental.
De posse de orientaes internacionais, o ento senador Darcy Ribeiro organizou um
Projeto-lei para a educao brasileira, que passou a concorrer com o documento organizado
pelo Frum Nacional em Defesa da Educao. Venceu o projeto organizado pelo senador em
detrimento daquele que foi construdo durante oito anos e que representava a realidade
brasileira. Dessa forma surgiu a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, Lei n. 9394
(BRASIL, 1996).
Campos (2004) destaca que a promulgao dessa lei provocou uma avalanche de
legislaes e formulao de documentos que procuraram dar uma nova roupagem
formao. Mello (2000) afirma que as universidades primavam pela forma conteudstica, j
que a prxis pedaggica dessas instituies se limitavam a associao de teorias e prticas
sem necessariamente uma reflexo sobre elas.
Em nvel mdio, segundo Saviani (1991), medidas como a departamentalizao do 2
Grau e detalhamento curricular, permitiram antever a preocupao com o aprimoramento
tcnico, em busca de eficincia e competitividade.
A nova legislao, buscando atender principalmente o artigo 87, pargrafo 4, ampliou
as agncias de formao do professor, fazendo nascer um novo lcus de formao de
professores para atuar na educao infantil e sries iniciais do Ensino Fundamental: o Curso
28
Normal Superior, que a partir do Decreto n 3276/99, passa a concorrer com a Escola Normal
em nvel mdio e com o curso de Pedagogia. Esse ltimo, dada as diferentes habilitaes que
proporciona, contribuiu para a mudana da intitulao educador para profissional de
educao.
Nesse momento, alguns questionamentos sociais sobre a formao ganharam
relevncia, tais como: o que se deseja, formar ou especializar? A quem caber, de fato, essa
responsabilidade?
Segundo Paiva (2006), a formalizao dessas modalidades foi assunto do Conselho
Nacional de Educao (CNE) em 1999, que se deu por instrumentalidade dos Pareceres n.
53/99 e n. 115/99 e da Resoluo n. 1/99.
A Escola Normal e o curso de Pedagogia foram ento golpeados pelo Decreto n
3276/99, que tornou exclusivo o Curso Normal Superior na formao de professores da
Educao Infantil e Sries Iniciais do Ensino Fundamental, como se l no pargrafo 2 do
artigo 3: A formao em nvel superior de professores para atuao multidisciplinar,
destinada ao magistrio na educao infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, far-
se- exclusivamente em cursos normais superiores.
Uma crise se instaura a partir do termo exclusivamente. A Escola Normal em nvel
mdio com estrutura secular na rea de formao de docentes e o curso de Pedagogia, que
alm de formar pedagogos tambm preparava professores para atuar nas sries iniciais do
Ensino Fundamental, perderam seus espaos privilegiados de atuao na educao.
Em busca do espao perdido, a Escola Normal em nvel mdio se fortalece a partir da
Resoluo CNE/CEB n. 02/99 que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Formao de Docentes da Educao Infantil e Sries Iniciais do Ensino Fundamental, em
nvel mdio, modalidade normal. importante destacarmos dois artigos, dos quais se
resgatam aspectos fundamentais dessa resoluo:
Artigo 1 - O Curso Normal em nvel Mdio, previsto no artigo 62 da Lei
9394/96 aberto aos concluintes do Ensino Fundamental, deve prover, em
atendimento ao disposto na Carta Magna e na Lei de diretrizes e Bases da
Educao Nacional, LDBN, a formao de professores para atuar como
docentes na Educao Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental,
acrescendo-se s especificidades de cada um desses grupos as exigncias que
so prprias das comunidades indgenas e dos portadores de necessidades
educativas especiais. 1 O Curso, em funo de sua natureza profissional,
requer ambiente institucional prprio com organizao adequada
identidade da sua proposta pedaggica. 2 A proposta pedaggica de cada
escola deve assegurar a constituio de valores, conhecimentos e
competncias gerais e especficas necessrias ao exerccio da atividade
29
docente que, sob a tica do direito, possibilite o compromisso dos sistemas
de ensino com a educao escolar de qualidade para as crianas, os jovens e
adultos (Resoluo n 2, 1999).
Artigo 5 - A formao bsica, geral e comum, direito inalienvel e condio
necessria ao exerccio da cidadania plena, dever assegurar no Curso
Normal, as competncias gerais e os conhecimentos que so previstos para a
terceira etapa da educao bsica, nos termos do que estabelecem a Lei
9394/96 LDBN, nos artigos 35 e 36, e o Parecer CEB/CNE 15/98. 1
Enquanto dimenso do processo integrado de formao de professores, os
contedos curriculares dessa rea sero remetidos a ambientes de
aprendizagem planejados e desenvolvidos na escola campo de estudo. 2
Os contedos curriculares destinados educao infantil e aos anos iniciais
do Ensino Fundamental sero tratados em nvel de abrangncia e
complexidade necessrias (re) significao de conhecimentos e valores,
nas situaes em que so (ds) construdos/ (re) construdos por crianas,
jovens e adultos. (RESOLUO CNE/CEB n.02/99).
Outros documentos emitidos pelo Governo Federal do garantia continuidade do
curso e direitos aos formados pelo Curso Normal, entre eles a Resoluo da educao com
formao na modalidade mdio normal do CNE/CEB n. 01/03, de 20 de agosto de 2003, que
assegura o direito constitucional de permanncia no quadro de professores em nvel mdio
como rege o artigo 62 da LDB.
Quanto ao curso de Pedagogia, de incio, este perdeu o seu espao na formao de
professores para as sries iniciais do 1 segmento do Ensino Fundamental.
Paiva (2006) registra que houve um esforo para privilegiar o Instituto Superior de
Educao (ISE) e o Curso Normal Superior (CNS) como espao formador e que inclusive o
CNE em 2001, atravs da Cmara de Ensino Superior (CES), baixou o Parecer n. 133/01,
facultando s universidades e centro universitrios a oferta do Curso Normal Superior.
Em 2000, atravs do Parecer CP n. 10/2000 foi proposta a reviso daquele decreto
com vistas a substituir o termo exclusivamente para preferencialmente. Tal medida
provocou reao incondicional de organismos educacionais e educadores, a comear por
conselheiros membros do CNE que contriburam com argumentos e justificativas pela no
aceitao da mudana. Em linhas gerais consideraram que o decreto foi estudado
superficialmente, sob presso, e, portanto, em clima emocional desfavorvel. Yugo Okida
considerou insatisfatrio o estudo das Diretrizes Curriculares para a formao de professores
em busca de um perfil para o Curso Normal Superior, no que concordou Lauro Ribas Zimmer,
ao se posicionar que no era possvel efetuar a mudana, uma vez que as Diretrizes
Curriculares no haviam sido concludas. Eunice Ribeiro Durham responsabilizou os Cursos
30
de Pedagogia pela celeuma criada, pois segundo ela, esses cursos desejavam manter a
habilitao para o magistrio, mesmo ferindo a especificidade da formao j aceita para
preparao em nvel superior dos docentes, para o Ensino Mdio e demais nveis.
Do outro lado, membros do Conselho Pleno do CNE cooperaram para que fosse
solicitado ao ento Ministro da Educao, Paulo Renato Souza, a substituio da palavra
exclusivamente por preferencialmente, o que prontamente se deu. A nova conotao
transformou o Curso Normal Superior em opcional. Dessa forma, o curso de Pedagogia que
teria um prazo para se transformar em Curso Normal Superior permaneceu com o seu leque
de formao, ao mesmo tempo em que o outro curso perdia sua especificidade, prenunciando
o seu fim.
Assim, em agosto de 2006, o MEC decreta o fim do curso e orienta que para lecionar
em classes de pr-escola e de sries iniciais, os futuros professores precisaro cursar
Pedagogia. Para atender as novas exigncias do MEC, o curso de Pedagogia ampliou a carga
horria para 3200h/trabalho acadmico, distribudos da seguinte forma: 2800h em atividades
formativas tais como seminrios, pesquisas, visitas a instituies de ensino e consultas a
bibliotecas; 300h de estgio supervisionado; e 100h de atividades complementares como
iniciao cientfica ou monitoria. (CNE/CP n. 2/2002).
A Escola Normal em nvel mdio a partir de 2001, tambm atravessou o seu vale de
dificuldades quanto a sua vitalidade no incio do terceiro milnio, principalmente por conta
do artigo 87 pargrafo 4 da LDB 9394 (BRASIL, 1996) onde se l que At o fim da dcada
da Educao somente sero admitidos professores habilitados com nvel superior ou formados
por treinamento em servio. Entendia-se que os alunos formados pela Escola Normal em
nvel mdio no poderiam prestar concurso, o que invalidaria o curso.
Seguindo orientaes da Secretaria Estadual de Educao
(SEE/SUPERINTENDNCIA DO CURSO NORMAL, 2001), buscou-se ressignificar o
Curso Normal em nvel mdio atravs de um currculo mais atualizado, sem desconhecer a
provisoriedade dessa instncia educacional, enquanto se aguardava outros esclarecimentos
daquele artigo e seus desdobramentos.
Foram eleitos dois professores por escola com a misso de represent-las na SEE, ao
mesmo tempo em que se ampliavam as discusses iniciadas naquela secretaria com os
docentes nas instituies. Posteriormente, foram criados plos para dinamizar a discusso do
currculo da Escola Normal em todo o estado do Rio de Janeiro. Todo o empenho dos
professores desta modalidade de ensino resultou em uma matriz curricular que se esperava ser
oficializada a partir de 2001. Ao receber a nova distribuio de horas/aula por disciplina em
31
2002, ficou transparente que a matriz inaugurada no foi aquela construda pelos educadores
ao longo de 2001 (Ver Dirio Oficial./RJ, 2001).
As mudanas ganharam visibilidade a partir da durao do curso que passou de trs
para quatro anos. Esse acrscimo buscou priorizar a formao profissionalizante dessa
modalidade de ensino, dando-lhe um carter eminentemente prtico. Essa ampliao
prejudicou as disciplinas do ncleo comum, pois algumas sofreram reduo e carga horria,
como Matemtica, Portugus, Biologia e a Literatura, que foi banida do currculo. Buscando
adequao matriz, os planejamentos nem atendem formao profissionalizante nem
tampouco preparam para o ensino superior.
Percebe-se que a falta de entendimento do artigo em discusso, que permitiu outras
leituras, atingiu em cheio as escolas do Curso Normal, o que apressou a gnese de sua
extino em vrios estados brasileiros como So Paulo, Minas Gerais, Cear e Gois
conforme assinalam Monteiro e Nunes (2005). Dessa forma, os anos dourados dessa
modalidade de ensino cederam espao a uma queda vertiginosa de estabelecimentos de ensino
e nmero de matriculas no Brasil.
Para estas autoras, interpretaes equivocadas geraram outros problemas,
principalmente para as regies mais desprovidas de educao como Norte e Nordeste. Sem a
presena da Escola Normal perde-se a formao mnima, o que pior. O Censo Escolar de
2001 do MEC d conta de que h 89.070 professores leigos lecionando em escolas pblicas e
mais da metade deles se concentram nessas regies, onde o atendimento em nvel superior
ainda deficitrio.
Segundo Monteiro e Nunes (2005), em 1996 o nmero de matriculados em Curso
Normal em todo o Brasil era de 839.487 alunos e a partir de 1997, o quantitativo segue em
queda at a extino do curso em parte do Pas. Os autores registram ainda que em 1997 o
curso fosse oferecido em 5370 escolas ao passo que em 2002, em 2641.
O atendimento exigncia em nvel superior foi classificado por Monteiro e Nunes
(op. cit.), como universitarizao porque se estabeleceu uma nova instituio formadora de
professores atravs do Instituto Superior de Educao (ISE), de credibilidade duvidosa,
desconsiderando os cursos de formao de professores em nvel superior de qualidade
reconhecida. Tais cursos foram celebrados por convnios, com sobrecarga de disciplinas,
aulas nas frias, enfim, realizados em tempo mnimo, aligeirados, onde se priorizou a
certificao.
Em 2007, um novo golpe contra o Curso Normal no Estado do Rio de Janeiro foi
desferido por meio da ausncia dessa modalidade de ensino entre as temticas discutidas em
32
Niteri, no Instituto de Educao Professor Ismael Coutinho (IEPIC), objetivando
contribuio para o PDE 2008-2017. Nesse evento os professores delegados presentes, no
conseguiram aprovao para ementa de incluso do Curso Normal no projeto (SEE/RJ, 2007).
Segundo Oliveira (2004), para atender o compromisso internacional, os pases menos
desenvolvidos tiveram que criar estratgias de atendimento Educao Bsica, sem que o
oramento as acompanhasse na mesma proporo. Nessa nova estrutura, sob interveno dos
organismos internacionais, o professor passou a responder a exigncias para as quais no
recebeu formao, fugindo ao controle do seu trabalho, colaborando para o sentimento de
desprofissionalizao.
Para Enguita (1991), desde as ltimas dcadas do sculo XX o professor vem sofrendo
o processo de desprofissionalizao. Este autor aponta algumas de suas caractersticas:
modificao do papel do professor, falta de prestgio diante da sociedade, presena de outras
fontes de conhecimentos, falta de recursos materiais e condies para desenvolver o seu
trabalho.
A sala de aula deixou de ser o nico lcus de atividade do professor, sendo necessria
a sua atuao na gesto escolar, elaborao de projetos e discusso sobre currculo e
avaliao. Oliveira (2004) reitera que tais mudanas no trabalho docente podem afetar a
natureza e a definio do que seja a docncia.
Para Bottega (2007), o processo atual de formao de professor est ligado questo
poltica, na qual a validao quantitativa tem prioridade sobre os resultados obtidos. Para ela,
a formao em servio no se constitui de fato em formao, uma vez que os professores
participantes destes cursos buscam respostas prontas, como se a educao fosse feita de
receitas. E ainda acreditam que priorizar o saber-fazer suficiente para o sucesso, como se
formao de professor fosse sinnima de treinamento, constituindo-se em iluso de
formao.
Dias e Lopes (2003) reconhecem a singularidade do trabalho do professor, mas
afirmam que os documentos organizados a partir da LDB n. 9394 (BRASIL, 1996) voltam a
direcionar a formao como processo de treinamento. Na percepo de Oliveira (2001), essa
Lei, no que tange formao de professores da Educao Bsica, procurou recuperar a funo
tecnicista da legislao anterior, a LDB 5692 (BRASIL, 1971). A legislao em vigor um
campo que enseja novos estudos e deveria ser prioridade do Governo quando se trata da
formao de educadores.
Para Cuplillo (2004), refletir sobre a formao de professores tambm refletir sobre
os sistemas e processos pedaggicos que se consolidam dentro da escola. O autor considera
33
que os processos pedaggicos escolares foram construdos sobre teorias que priorizaram, em
boa parte, os sentidos auditivos e visuais, na organizao estrutural do conhecimento dos
educandos. Entende ser necessria uma discusso sobre a construo do conhecimento, como
observava Bachelard (1985, p. 39) ao defender que o pensamento cientfico um
pensamento comprometido. Nessa direo, Nvoa (2007) considera que a formao do
professor deva incluir novas reas cientficas para dar mais estmulos do que as que
fundamentaram a Pedagogia moderna. A ampla produo, no entanto, no tem sido
considerada de forma a orientar novos rumos educacionais.
Enquanto isso a poltica de educao permanece atrelada a orientaes advindas de
organismos internacionais e os resultados de formao docente no tm sido satisfatrios, o
que revela a necessidade de lanar um olhar aguado sobre a formao de professores em
nvel mdio, instncia que ainda forma professores para atuar na Educao Infantil e nas
sries iniciais do Ensino Fundamental.
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CAPTULO 2
O CURSO NORMAL MDIO E O INSTITUTO DE EDUCAO SARAH
KUBITSCHEK
Um Instituto com tamanho de universidade, com cinco prdios e sendo dois deles
escolas-laboratrio que cuidam da formao em Educao Infantil e sries iniciais do 1
segmento do Ensino Fundamental. A vida pulsa com mais intensidade nesse espao onde
crianas e jovens desfilam de azul e branco, com destaque para gravatas, estrelinhas e o
uniforme de gala. Esse gigante alcana o pice de matrculas no ano de 2000, quando atende a
7841 alunos distribudos em trs turnos com 42 turmas em cada um. Mas esse vulto nasceu
pequeno e tmido.
Seu nascimento se d em 3 de maio de 1959 com o nome de Escola Normal Sarah
Kubitschek (ENSK) e oferece a modalidade de formao de professores, tendo apenas cinco
turmas. Os primeiros alunos guardam na memria a disputa por uma vaga, quando eram
peneirados 90% dos concorrentes.
A falta de espao prprio no impediu que a Escola brotasse: foi como um rebento que
devido a sua vitalidade ningum segurou. Assim, com o apoio da Escola Municipal
Venezuela, que lhe serviu de bero por um ano, pde principiar alguns passos.
Duas reformas influenciaram sua organizao, sendo que a segunda lhe serviu de
parmetro por dois anos.
A Reforma Francisco Campos a primeira legislao nacional de educao que
contempla todos os nveis de ensino, tendo sido promulgada em 1931. Interferiu na forma de
trabalho, na articulao de saberes, na organizao de livros-texto, incidiu na abordagem
pedaggica que deveria ir alm de uma lista de contedos. Seu objetivo geral era preparar os
estudantes brasileiros para a vida social, adequando-os ao desenvolvimento econmico
brasileiro.
Em 1942, outra reforma promulgada, a Reforma Gustavo Capanema, que buscou
alinhar a educao com a Carta Constitucional de 1937. Uma nova organizao foi
estabelecida no ensino, dividindo-o em formao geral e formao profissionalizante. O
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secundrio passou a ser ministrado por Ciclos e o primeiro recebeu o nome de Curso Ginasial
com durao de quatro anos e o segundo foi designado Curso Cientfico com durao de trs
anos. As duas reformas, que foram organizadas para atender as ideologias polticas vigentes,
modificaram o currculo do Curso Normal11
.
Tanuri (1979) observa que por ocasio da Reforma Francisco Campos, o currculo do
Curso Normal com durao de cinco anos, praticado em 1929 foi oficializado, apresentando a
seguinte estrutura:
QUADRO 1 - CURRCULO DA ESCOLA NORMAL EM 1929
1 ano
Portugus
Francs
Aritmtica
Geografia
Desenho
2 ano
Portugus
Francs
Aritmtica
Noes de
Geometria e de
lgebra
Geografia
Desenho
3 ano
Portugus
Noes de Qumica, Fsica
e Cincias Naturais
Histria da civilizao
Trabalhos manuais
Prendas domsticas
Msica e canto coral
4 ano
Portugus
Higiene
Histria da
civilizao
Pedagogia e noes
de Pedologia
Trabalhos manuais
Prendas domsticas
Msica e canto
coral
5 ano
Pedagogia e
Pedologia
Didtica do ensino
primrio
Fonte: Kulesza, 2006.
Esse currculo foi organizado em um perodo de profcuos debates sobre o ensino de
Matemtica. Nele, a disciplina apresentada na forma compartimentar, gerando as
Matemticas, como aparece no Quadro 1: Geometria, lgebra e Aritmtica.
Nota-se que os dois primeiros anos cuidam da formao geral e nos dois anos
seguintes dado destaque aos dotes femininos caractersticos da maternidade por meio das
disciplinas Prendas Domsticas e Trabalhos Manuais. Na srie final, apenas duas disciplinas
compem a grade curricular do curso, sendo insuficientes para garantir a formao
profissionalizante relativa ao magistrio e o prosseguimento aos estudos em nvel superior.
11 Petraglia e Morin (2001) buscam os sentidos da palavra normal no campo poltico e concluem que ela pode se entendida como normalizao ou determinismo cultural que se apia no conhecimento, que se instaura na
famlia em direo escola at a universidade.
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Como observa Zotti (2004), durante a Reforma Capanema, a elite continuou com o
privilgio de cursar o secundrio em direo ao ensino superior, ao passo que os cursos
profissionalizantes no permitiam esse acesso, o que provocou dicotomia dentro do mesmo
nvel de ensino, distribuindo-os em dois grupos, formao para pensar e formao para
produzir.
Com a promulgao da Lei Orgnica de n 8530, de 2 de janeiro de 1946, conforme
registra Sally (2006 apud Martins 1996), os estados brasileiros deixam de ter liberdade para
promoverem reformas, cabendo ao Governo Federal centralizar as diretrizes da formao de
professores, como tambm habilitar administradores escolares e desenvolver conhecimentos e
tcnicas da Educao Infantil. Essa Lei legaliza o curso. Arajo (2006) comenta que o Curso
Normal apesar de ter natureza profissionalizante, no um curso tcnico j que possui
legislao prpria.
Surgem ento dois modelos de currculo para as Escolas de Curso Normal, sendo
necessria adequao a um deles. O de 1 Ciclo oferecido em quatro anos e o de 2 Ciclo
oferecido em trs anos.
QUADRO 2 - CURRCULO DA ESCOLA NORMAL 1 CICLO/1946
1 ano
Portugus
Matemtica
Geografia Geral
Geografia do Brasil
Canto Orfenico
Educao Fsica
Desenho e Caligrafia
Trabalhos Manuais
2 ano
Portugus
Matemtica
Geografia do Brasil
Canto Orfenico
Educao Fsica
Desenho e Caligrafia
Trabalhos Manuais
3 ano
Portugus
Matemtica
Histria Geral
Cincias Naturais
Canto Orfenico
Anatomia e Fisiologia
Humana
Educao Fsica
Desenho e Caligrafia
Trabalhos Manuais
4 ano
Portugus
Histria do Brasil
Canto Orfenico
Higiene
Educao Fsica
Desenho e Caligrafia
Psicologia e Pedagogia
Didtica e Prtica de
Ensino
Fonte: Romanelli, 1989
37
O curso de 1 Ciclo era destinado habilitao de professores leigos, j atuantes no
magistrio. Note-se na grade curricular a predominncia de disciplinas especficas, como
Desenho e Caligrafia, Canto Orfenico e Educao Fsica ministradas durante os quatro anos
do curso, e Trabalho Manuais, nos trs anos iniciais, geravam certa lacuna na formao
profissionalizante dos novos educadores quanto sua atuao no antigo primrio, pois apenas
no final do curso que os alunos aprendem Didtica e Prtica de Ensino.
Romanelli (1989) considera que o currculo de 2 Ciclo do Curso Normal organizado a
partir da Lei 8530/46, trata de forma mais consistente os contedos da formao geral do que
o currculo do 1 Ciclo, mas enfatiza que os contedos da formao profissionalizante ainda
so desenvolvidos nos anos finais do curso, conforme exposto no Quadro 3. Nota-se que a
disciplina Metodologia do Ensino Primrio desenvolvida nas duas sries finais e Prtica de
Ensino apenas na ltima.
QUADRO 3 - CURRCULO DA ESCOLA NORMAL 2 CICLO/1946
1 ano
Portugus
Matemtica
Fsica/Qumica
Anatomia e fisiologia Humana
Msica e Canto Orfenico
Desenho e Artes Aplicadas
Educao Fsica, Recreaes e
Jogos
2 ano
Msica e Canto Orfenico
Desenho e Artes Aplicadas
Educao Fsica, recreaes e
Jogos
Biologia Ocupacional
Psicologia Educacional
Metodologia do Ensino Primrio
Higiene, Educao Sanitria e
Puericultura
3 ano
Prtica de Ensino
Msica e Canto Orfenico
Desenho e Artes Aplicadas
Educao Fsica, Recreao e
Jogos
Psicologia Educacional
Metodologia do Ensino Primrio
Sociologia Educacional
Histria e Filosofia da Educao
Higiene, Educao Sanitria e
Puericultura
Fonte: Romanelli, 1989.
O Curso Normal de 2 Ciclo se destinava a alunos concluintes do Curso Ginasial. Esse
modelo foi adotado pela ENSK no ano de sua inaugurao. Nele, a relevncia a formao
pedaggica, que se d por meio da atribuio de maior peso s disciplinas especficas, como
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Psicologia Educacional e Higiene, Educao Sanitria e Puericultura, desenvolvidas nas duas
ltimas sries do curso. Essa uma das razes pelas quais o curso no se compatibilizou com
os currculos do secundrio, o que no contribua para o prosseguimento dos estudos em nvel
superior. Salvo se a opo fosse a Faculdade de Filosofia.
Por ocasio da organizao da ENSK, muitas escolas normais foram construdas em
vrias partes do territrio nacional. Para os cariocas, alm do Instituto de Educao do Rio de
Janeiro (IERJ) e da Escola Normal Carmela Dutra (ENCD) que j existiam, surgiram mais
quatro escolas que ofereciam essa modalidade de ensino. Martins (1996) observa que no
perodo de 1960-1969 o nmero de alunos matriculados no Curso Normal aumentou na taxa
de 262%. Campos (1999) entende que esse crescimento se consolida no momento em que a
tnica no Brasil era a propagao do desenvolvimento econmico.
Apesar do crescimento em unidades, o desenvolvimento do Curso Normal foi tolhido.
A poltica educacional vigente no era compatvel com a proposta do curso. Estava em voga
um acordo de cooperao e apoio ao ensino elementar patrocinado pelos Estados Unidos da
Amrica (EUA) atravs do Programa da Assistncia Brasileiro-Americana de Apoio ao
Ensino Elementar (PABAEE).
Esse programa foi administrado pelo MEC e pelo United States Agency of
International Development (USAID) no perodo de 1957 a 1965 com o objetivo de rever a
metodologia de ensino aplicado ao Curso Normal, pautando-a em direo Psicologia.
No entanto, essa empreitada no trouxe benefcios para o Brasil uma vez que se
apresentava como modelo tecnicista, excludente e descompromissado com a educao bsica
pblica. Haidar e Tanuri (2001) explicam que as teorias importadas eram de dupla face: ao
serem disseminadas em nosso territrio incorporavam o esboo de uma sociedade capitalista.
Com a promulgao da LDB n. 4024 em 20 de dezembro de 1961, o currculo da
Escola Normal ganha maior flexibilidade sem com isso aproximar o oferecido da real
necessidade. A mudana na poltica no traz benefcios para a Escola Normal, mas d incio
ao seu retrocesso.
A partir do golpe militar de 1964, a educao comea a retroceder atravs do
cerceamento da colaborao de educadores e intelectuais que buscavam qualidade para o
ensino brasileiro. As questes educacionais foram centralizadas pela Presidncia da Repblica
atravs da sua Secretaria de Planejamento. A educao bsica mais uma vez ignorada e em
seu lugar priorizada a educao para o trabalho, o que se consolida com a Lei de n. 5540/68.
Essa Lei promove uma reforma universitria (ROTHEN, 2008) e aponta a formao
do professor para o nvel superior, por meio das licenciaturas plenas a se realizar nas
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Faculdades de Educao. Com o seu advento so incorporadas as disciplinas Metodologia de
Ensino do 1 Grau e Prtica de Ensino da Escola de 1 Grau ao currculo da Escola Normal,
com estgio supervisionado. Tais medidas, no entanto, no promovem melhoria no ensino. O
modelo burocratizado dessas mudanas esvaziou a autonomia do professor transformando-o
em mero transmissor de conhecimentos.
Quanto ao ensino superior, este passa a ser a menina dos olhos do Governo, foco de
investimentos para aplicao da Teoria do Capital Humano (TCH), que cumpre os objetivos
do princpio da racionalidade, eficincia e produtividade. O Curso Normal foi, ento, excludo
das prioridades do Governo.
Sob a gide do capital humano emerge a LDB n. 5692, de 11 de agosto de 1971, que
impulsionou o ensino para o tecnicismo, impedindo o cumprimento do papel da educao
como agente de transformao. Esse fato se deve ao controle rgido do Governo atravs de
atos institucionais e currculos escolares previamente determinados.
Nos anos 70, surgem os Cursos de Habilitao Profissional de 2 Grau e, na apreciao
de Pimenta (1988), a referida Lei descaracterizou o Curso Normal, provocando uma ruptura
entre a formao geral e a formao especfica enquanto habilitao para o magistrio,
provocando retrocesso nos seguintes tpicos: (1) transformou-se em uma habilitao a mais;
(2) esvaziou-se de contedo, apresentando um modelo que no d conta da formao geral
nem da formao especfica com consistncia; (3) uma habilitao de 2 categoria para qual
concorrem alunos com menor possibilidade de abraar cursos com maior status; (4) o
ensino superficial da disciplina Fundament