Post on 22-Nov-2015
LIVRO BRANCO
DA INOVAO
TECNOLGICA
Oferecimento
Desenvolvimento e Inovao so indissociveis. A inovao o caminho
para a estabilidade econmica, a sobrevivncia das empresas e a melhoria
das condies de trabalho.
Por isso, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES)
oferece um conjunto de produtos, linhas de financiamento, fundos e
programas dedicados inovao, seja ela incremental ou radical, concebida
por centros de pesquisa e por grandes, mdias e pequenas empresas.
Em funo dos pertinentes registros histricos que traz e das reflexes para
o futuro que enseja, o Livro Branco da Inovao Tecnolgica ser valioso no
aprofundamento desses instrumentos.
O patrocnio do BNDES publicao uma oportunidade de investir numa
obra de referncia para os estudiosos do tema no Brasil. Uma iniciativa que
contribuir para que o Banco e outros agentes pblicos e privados possam
continuar avanando nas Polticas de Inovao no pas.
Patrocnio
O desafio de promover a inovao em
uma Regio em que so grandes as
disparidades tecnolgicas entre o semirido e
as grandes metrpoles localizadas na zona
costeira um desafio singular, pois as grandes
cidades, em consequncia de contar com
maior arcabouo tcnico-cientfico, detm
maior potencial inovador.
A promoo da inovao em regies
economicamente deprimidas s pode ser
realizada por instituies financeiras que
contem com instrumentos customizados, com
condies diferenciadas sobretudo para
pequenas e mdias empresas e produtores
agroindustriais localizados em regies
economicamente menos favorecidas. Justifica-
se por isso a importncia do Banco do
Nordeste como mais importante indutor do
desenvolvimento da Regio Nordeste.
A Agncia Brasileira de Desenvolvimento
Industrial (ABDI) foi criada com o objetivo de
promover a execuo da poltica industrial , em
consonncia com as polticas de cincia,
tecnologia, inovao e de comrcio exterior.
Ligada ao Ministrio do Desenvolvimento,
Indstria e Comrcio Exterior (MDIC), atua
como elo entre o setor pblico e privado,
contribuindo para o desenvolvimento
sustentvel do Pas por meio de aes que
ampliem a competitividade da indstria.
Atuando na articulao e gerenciamento da
nova poltica industrial (Plano Brasil Maior) e
com a oferta de estudos conjunturais,
estratgicos e tecnolgicos para diferentes
setores da indstria, a ABDI contribui para a
construo de agendas de ao setoriais e para
os avanos no ambiente institucional,
regulatrio e de inovao no Brasil.
EMBRAER S.A.
FEDERAO DAS INDSTRIAS DO ESTADO
DE SO PAULO
INDSTRIAS QUMICAS E FARMACUTICAS S.A.
KLABIN
NORTEC QUMICA S.A.
ULTRAPAR PARTICIPAES S.A
INDSTRIAS ROMI S.A.
WEG S.A.
ASSOCIAO BRASILEIRA DA INDSTRIA DE HIGIENE
PESSOAL, PERFUMARIA E COSMTICOS
ASSOCIAO DOS FABRICANTES DE PRODUTOS
MDICOS E ODONTOLGICOS
ASSOCIAO BRASILEIRA DA INDSTRIA ELTRICA E
ELETRNICA
LABORATRIOS FARMACUTICOS S.A.
SANUS FARMACUTICA LTDA.
BIOMEDICA IND COM REPRESENTAES LTDA.
PRODUTOS QUMICOS FARMACUTICOS LTDA.
Apoio
ASSOCIAO BRASILEIRA DA INDSTRIA DE
MQUINAS E EQUIPAMENTOS
ASSOCIAO BRASILEIRA DAS INDSTRIAS DE
QUMICA FINA, BIOTECNOLOGIA E SUAS ESPECIALIDADES
LIVRO BRANCO
DA INOVAO
TECNOLGICA
LIVRO BRANCO
DA INOVAO
TECNOLGICA
Este Livro Branco da Inovao Tecnolgica procura contar toda a
saga para se construir uma economia alavancada pela inovao
tecnolgica, a partir da conscincia da indispensabilidade de polticas
pblicas. Os vrios momentos da histria do Marco Legal revelam que o
Brasil comea a compreender um conceito mais simples, direto e
abrangente de inovao.
No so apenas as grandes indstrias de tecnologia de ponta que
tm direito s polticas pblicas para P&D. Um fabricante de telhas
tambm pode inovar e se diferenciar no mercado. Imagine a exploso
inovativa que o Brasil teria se fosse dado este direito de acesso s dezenas
de milhares de micro, pequenas e mdias empresas dos segmentos mais
heterogneos.
Deixaramos de sonhar em ser professor Pardal, com invenes
mirabolantes que terminam fechadas em laboratrio, para termos
profissionais produtivos em ao. Criaramos, cada vez mais, produtos e
processos teis para a sociedade, lucrativos, impulsionadores do
desenvolvimento econmico e da exportao pela conquista de mais e
mais mercados.
As prximas pginas refletem o esforo de reconstituir a jornada
percorrida, por meio de memrias, documentos e depoimentos de
pessoas de contriburam para que se alcanasse o objetivo proposto.
Considerando a mxima de compreender o passado para planejar o
futuro, esperamos que esta obra contribua para o Brasil adentrar um
segundo estgio, o de aplicar, plena e corretamente, as leis estabelecidas e
to caras ao setor produtivo.
Joo Carlos Basilio
Presidente da Protec
Apresentao
Sumrio
1. Introduo ........................................................................................................ 13
2. A conquista do incentivo fiscal automtico ........................................... 29
3. A polmica criao da subveno econmica ................................ 37
4. O uso do poder de compras do Poder Pblico ................................ 53
5. O financiamento subsidiado inovao tecnolgica ....................... 71
6. O incentivo inovao nas micro e pequenas empresas .................. 81
7. Consideraes finais .................................................................................... 89
1
segunda Guerra Mundial , ao
Aenfraquecer os pases centrais,
acelerou a desar t iculao de
praticamente todo o sistema colonial
poca, com exceo de alguns
pequenos pases que ainda tm esse
estado at os dias atuais. Tambm mudou
substancialmente as zonas de influncia e at
dependncias econmicas em diversas regies do
mundo. Pases, antes dominados, passaram a
empreender o caminho do desenvolvimento prprio,
geralmente baseados no processo da industrializao,
ainda que tardia.
Introduo
Introduo
13
A possibilidade de se inserir de maneira
autnoma no novo cenrio de comrcio mundial, que
passou a ser regulado pelo Acordo de Bretton Woods
( EUA em julho de 1944, em reunio com a firmado nos
presena de 45 pases), abriu um novo horizonte at
para os pases derrotados Alemanha, Itlia e Japo ,
cuja nsia por mercados prprios deflagrara a
Segunda Guerra Mundial. Para tanto, mobilizaram-se
para a conquista do mercado internacional e criaram
polticas pblicas objetivando a recuperao de suas
indstrias preexistentes e, especialmente o Japo,
uma forte expanso para setores produtivos que
antes no dominavam. E ainda mais para os pases
chamados de emergentes, alguns at colnias ou
economicamente dominados antes da guerra. Todos
os que tiveram xito na continuidade do crescimento
se basearam no prpr io desenvolv imento
tecnolgico, gerando e agregando inovaes
tecnolgicas, cujo montante pode ser bem avaliado
pelas patentes concedidas a esses pases pelo USPTO
(sigla em ingls do escritrio de patentes americano).
A nossa opo
O Brasil no fez a opo pelo desenvolvimento
tecnolgico sistmico nos anos de 50 a 70, e no criou
nas dcadas dos anos 80 e 90 um arcabouo de
polticas pblicas de fomento efetivo nossa indstria
inovadora, embora tenha havido iniciativas positivas
de financiamento a juros baixos. O nosso esforo de
competio ficou, principalmente, por conta daquelas
empresas que se dispuseram a assumir o prprio risco
tecnolgico do desenvolvimento das inovaes
necessrias para poder disputar o comrcio mundial.
Algumas, infelizmente poucas, tiveram
reconhecido xito e asseguraram a presena bem-
sucedida de seus produtos. A comparao com os
demais pases emergentes, porm, mostra que nos
faltavam as polticas pblicas indispensveis de
desenvolvimento tecnolgico e inovao. Era,
portanto, uma questo essencial criar essas polticas
pela construo de um Marco Legal de fomento e
estmulo notadamente a criao e a direcionado para
agregao de inovaes competitivas.
A incorporao s polticas pblicas dos anseios
da sociedade, ou de parte desta, um processo que
exige criatividade para mobilizar os interessados e
iniciativa para executar o procedimento formal em cada
caso, no havendo uma receita nica que possa ser
aplicada indiscriminadamente. Ainda h bem pouco
tempo, tivemos o exemplo bem-sucedido da petio
pblica que resultou no projeto de Lei da Ficha Limpa,
hoje implementada. Alm disso, h a necessidade de se
criar as condies ambientais apropriadas, como a
estabilidade da moeda, uma taxa de cmbio adequada,
um controle satisfatrio das contas pblicas e o
investimento pblico em infraestrutura.
IntroduoIntroduo
14
Em 1994 ocorreu a bem-sucedida implantao
do Plano Real e a consequente queda vertiginosa da
inflao, viabilizando a estabilizao econmica. O
panorama no Brasil mudou completamente. Era
possvel pensar-se em longo prazo, desde que se
acreditasse que o real daria certo. A questo do
crescimento econmico assumiu nova relevncia e os
seus baixos nveis desde o incio da dcada dos anos
80 passaram a incomodar alguns segmentos da
sociedade. Isso ensejou a oportunidade de se pleitear
uma mudana de atitude em relao inovao
tecnolgica e competitividade dos nossos
manufaturados no cenrio mundial.
A conscincia da necessidade de se criar
polticas pblicas para o fomento ao desenvolvimento
tecnolgico brasileiro veio, ento, com os exemplos
conhecidos dos acelerados crescimentos, pela via do
desenvolvimento tecnolgico, de alguns dos pases
emergentes de industrializao tardia que se
destacavam principalmente nas dcadas de 80 e 90.
Naqueles anos, as economias da Coreia do Sul, Taiwan
e China estavam alis, como ainda esto em plena
ascenso, em contraste com as nossas dcadas
perdidas, acompanhadas de intensa evoluo
tecnolgica a ndia ainda no estava nesse grupo.
No Brasil, inovao ainda era uma palavra rara.
Naquele mesmo ano, circulou a edio do
relatrio da Unesco World Science Report 1993,
mostrando um amplo panorama mundial do que,
internacionalmente, se chama de R&D (Research and
Development), explicitando com exemplos o papel
fundamental exercido pelas polticas pblicas de
fomento s atividades de pesquisa e desenvolvimento
(P&D) no mbito do setor produtivo desses pases
emergentes asiticos, especialmente a Coreia. Nada
do que ocorrera nesses pases fora fruto das
chamadas leis de mercado, que hbito cultuar em
certos crculos. Muito ao contrrio, prevaleceu a
determinao dessas sociedades em construir as suas
economias para competir com as economias
dominantes no mercado mundial. E venc-las
amplamente, como est evidenciado hoje pela
profunda e longa crise dos pases centrais que esto
perdendo a competitividade de seus produtos.
Esse tema passou a ser objeto das atenes de
um pequeno ncleo na Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ) e no Conselho Empresarial de
Tecnologia da Federao das Indstrias do Estado do
Rio de Janeiro (Firjan), de onde sairiam, mais tarde, as
concepes dos atos que deveriam ser executados
para termos uma resposta brasileira ao desafio da
competit ividade e crescimento pela via do
desenvolvimento tecnolgico.
Para iniciar esse posicionamento, o fsico
Roberto Nicolsky, ento coordenador do Laboratrio
de Aplicaes de Supercondutores (Lasup) da UFRJ,
Introduo
15
publicou um artigo na pgina 2 do caderno Mercado
da Folha de So Paulo, no dia 5 de janeiro de 1995,
quando comeava um novo governo. Nesse artigo,
cujo ttulo era O que faz falta cincia e tecnologia,
discutia-se, talvez pela primeira vez, com dados do
relatrio da Unesco sobre a Coreia, a necessidade de
polticas pblicas de fomento ao desenvolvimento
tecnolgico em seu lcus natural, a empresa. No
primeiro momento, esse artigo provocou forte reao
nos crculos acadmicos que atuavam na poltica
cientfica oficial.
Em sequncia a esse artigo, o professor
publicou outros, debatendo o tema atravs da
imprensa e de palestras em universidades, institutos
tecnolgicos, rgos pbl icos e entidades
empresariais. Nos anos que se seguiram, foram mais
de 20 artigos na imprensa, que hoje podem ser
encontrados na pgina especfica no site da Protec
(www.protec.org.br). Outros autores tambm o
fizeram, e o tema foi ganhando flego em meio
polmica sobre a questo crtica do papel das
polticas pblicas e do processo de mobilizao do
setor produtivo para esse tipo de competitividade. A
palavra inovao surgiu como um polo atrator,
abrindo novos espaos na mdia impressa e at
televisiva.
Nessa fase, Nicolsky encontrou a oportunidade
de expor essa nova preocupao a alguns gestores
pblicos especficos da rea, como presidentes e
diretores do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Cientfico e Tecnolgico (CNPq) e da Financiadora de
Estudos e Projetos (Finep), e tambm a dois ministros
de Cincia e Tecnologia, Israel Vargas e Ronaldo
Sardenberg. Duas constataes emergiram dessa
fase. Inicialmente, ficou evidenciada a necessidade de
leis especficas para dar base a polticas pblicas de
fomento tecnolgico. Em segundo, mostrou-se
necessrio que a atuao individual fosse substituda
por uma entidade do setor produtivo com
representatividade especfica para expressar esse
posicionamento.
Modelos internacionais
Em 1999, Nicolsky visitou a Coreia do Sul para
conhecer tanto as polticas pblicas de fomento
inovao, quanto a entidade Koita (sigla em ingls da
Associao Coreana de Tecnologia Industrial). A
viagem foi propiciada pela participao em uma
conferncia cientfica. Para melhor aproveitar essa
ocasio rara, solicitou a colaborao da embaixada
brasileira em Seul atravs do Itamaraty. O embaixador
Srgio Serra, que ento ocupava o cargo (ver
depoimento), agendou reunies no principal rgo de
gesto da poltica industrial e tecnolgica (Stepi),
assim como na entidade Koita.
Introduo
16
O professor coreano Linsu Kim, prematuramente falecido em fevereiro
de 2003, era um homem de grande viso que se destacava, no mundo
acadmico, por preconizar a inovao tecnolgica como propulsora do
desenvolvimento econmico. Seus livros e sua ao pessoal foram de
certa forma determinantes para o rumo tomado pela poltica sul-coreana de
apoio inovao tecnolgica.
Era tambm um grande amigo do Brasil, tendo chegado a integrar a
chamada Comisso Brasil-Coreia para o Sculo XXI, uma comisso de
sbios, reunindo personalidades dos meios governamentais, acadmicos e
empresariais dos dois pases, que elaborou, na virada do sculo, um mapa
do caminho para as relaes bilaterais - que ainda hoje consultado. Achei
que seria o interlocutor perfeito para o professor Roberto Nicolsky, e agendei
um almoo entre os dois.
Srgio Serra
Ex-embaixador do Brasil na Coreia do Sul
17
Tambm ofereceu um almoo na embaixada,
para o qual convidou o professor Linsu Kim, que por
12 anos esteve frente do Stepi, justamente durante
os anos 80 e parte dos anos 90, e que poca
presidia o rgo de planejamento estatal da
economia. Linsu Kim, certamente o principal
pensador sobre o desenvolvimento tecnolgico de
pases emergentes de industrializao tardia,
conhecia muito bem o Brasil, a Finep e a poltica
brasileira de desenvolvimento, pois aqui esteve
d iver sas vezes . O d i logo va leu por uma
aprendizagem intensiva sobre a poltica tecnolgica.
A visita Koita instituio formada em 1979
para dar suporte, capacitao e certificao ao
estabelecimento de centros de P&D corporativos foi
proveitosa para compreender a forma de atuao do
sistema coreano. A entidade edita regularmente um
livreto com todos os dados sobre o desenvolvimento
tecnolgico do pas, sempre se comparando aos
principais pases centrais, para ter uma ideia clara do
quanto ainda lhes falta para tornar-se um desses, em
termos de tecnologia. O esprito dominante medir
resultados e no se satisfazer com o que j se fizera
at ento.
1.1. Bases Conceituais
O encontro com Linsu Kim, e a leitura dos
artigos fornecidos por ele e de seu livro Imitation to
innovation (traduzido e publicado em 2005 pela
Editora Unicamp), mostrou ao professor Nicolsky a
inadequao do modelo assumido pela poltica
brasileira de C&T nessa poca, o chamado Modelo
Linear (Figura 1), para um pas emergente.
Introduo
DESCOBERTA CIENTFICA
DESCOBERTA/PESQUISA TECNOLGICA (P)
DESENVOLVIMENTO TECNOLGICO (D)
PRODUTO INOVADO NO MERCADO
CONEXO IRREALISTA
RECURSOS
Figura 1:
Modelo Linear
Em seu artigo publicado em Industry and
Innovation, pgina 168, volume 4 (1997), Linsu Kim
d i z : Em pa se s desenvo l v idos , ap rende r
pesquisando (learning by research) por empresas,
universidades e institutos tem um papel dominante
na expanso da fronteira tecnolgica. Em pases em
18
desenvolvimento, ao contrrio, aprender fazendo
(learning by doing) e engenharia reversa por
empresas, com limitada assistncia de universidades
e institutos, o padro dominante de acumulao da
competncia tecnolgica.
No Modelo Linear, os recursos pblicos so
direcionados essencialmente para as universidades,
esperando-se que estas desenvolvam conhecimento
que depois seria transferido para o tecido produtivo.
o que est proposto nas leis que criaram os brasileiras
diversos fundos setoriais e que retiram recursos do
setor produtivo para esse fim. Segundo Linsu Kim, a
conexo com o setor produtivo s eficiente quando
as indstrias j se encontram na fronteira tecnolgica,
o que irreal em uma economia ainda em
desenvolvimento, como a nossa, salvo raros nichos de
excelncia. Havia, portanto, a necessidade de um
novo conceito de poltica pblica para a tecnologia.
Isso fica ainda mais claro quando examinamos o
resultado da tabulao realizada pelo economista
russo Guenrich Altshuller com mais de 200 mil
patentes, em sua teoria Innovatrix, como mostra a
Figura 2. Vemos que as descobertas de novos
conhecimentos respondem por menos de 1% das
patentes dos pases centrais. Ainda que um pas
emergente produza uma descoberta, a sua base
industrial provavelmente no estar apta a
transform-la em produto, salvo raros nichos de
Introduo
excelncia, pois se encontra em processo de
acumulao da competncia tecnolgica.
A ida Coreia mostrou, tambm, que o principal
indicador universalmente utilizado como medida da
eficcia das polticas pblicas de fomento inovao
o nmero de patentes outorgadas no prprio pas e
no USPTO, quando se deseja comparar o desempenho
de pases. bvio que o nmero de patentes no
explica, isoladamente, o domnio tecnolgico, mas
es t fo r temente co r re l ac ionado , po i s ao
desenvolvimento tecnolgico corresponde sempre
um crescimento da gerao de patentes.
Assim, a Coreia, um pas que obteve teve apenas
oito patentes nos EUA em 1980, quando iniciou o seu
processo de desenvolvimento, j alcanara 3.562 em
CONHECIMENTO
NA
TU
RE
ZA
DA
INO
VA
O
Problemas rotineiros de projeto (resolvidos
com o conhecimento da especialidade)
Pequenas melhorias em sistemas existentes
(usa o conhecimento de dentro da empresa)
Melhorias fundamentais no sistema existente
(usa o conhecimento de dentro e de fora da
empresa)
Novas invenes (usa o conhecimento
sobre uma dada tecnologia)
1%
Descobertas raras (usa o
conhecimento cientfico)
50%
25%
15%
9%
Figura 2:
Grfico de patentes de inveno de Guenrich Altshuller
(Elaborao: Marcelo de Matos)
19
1999, ano da visita. Em 2011, chegou s 12.262,
ultrapassando a Alemanha e, assim, tornando-se o
terceiro pas no ranking americano de patentes, atrs
apenas dos EUA e do Japo. E Taiwan, apenas uma ilha,
cresceu em proporo semelhante. Esse desempenho
pode ser visto na Figura 3, comparado ao do Brasil.
Introduo
Figura 3:
Coreia e Taiwan comparados ao Brasil
(Patentes nos EUA, 1980-2011)
1.2. Modelo de Entidade
O modelo da entidade coreana (Koita) exigia
uma integrao com os rgos pblicos executores
das polticas industriais e tecnolgicas. Isso no era
ainda vivel em nosso pas. Portanto, seria
interessante conhecer outro modelo de estruturao
do setor produtivo. Assim, foi identificada a Cotec,
uma fundao para inovao tecnolgica da Espanha
um pas que precisa ainda desenvolver a sua
tecnologia que parecia inspiradora. Foi ento
visitada por Roberto Nicolsky em 2001, na
oportunidade de outra conferncia cientfica
europeia. A visita mostrou que essa organizao,
ainda que tenha sido replicada posteriormente em
Portugal e na Itlia, no seria um modelo adequado,
pois seu foco eram a disseminao de informaes e a
capacitao de empreendedores e empresas, e no a
construo de polticas pblicas especficas.
Assim, ficou claro que a entidade deveria atuar
prioritariamente na construo de polticas pblicas
de fomento, pois a que o Brasil tinha Lei 8.661/1993
era inapropriada, uma vez que foi concebida com
carter acadmico. Ou seja, a lei exigia que o projeto
da empresa (PDTI) fosse submetido anlise e
aprovao da Finep para que lhe fosse autorizado o
uso de um pequeno incentivo fiscal do Imposto de
Renda, que frequentemente no chagava a 5% do
investimento. A empresa perdia, com isso, a iniciativa
e a confidencialidade, e os projetos levavam dois anos
ou mais para a contratao, perdendo-se todo o
sentido de oportunidade para a inovao.
Com essas constataes, restava, portanto,
encontrar o nosso prprio caminho para alcanar o
objetivo de dotar o pas de um Marco Legal de
fomento ao seu desenvolvimento tecnolgico. Para
20
Introduo
L pelos anos 2000, o professor Roberto Nicolsky foi convidado por mim
para participar do Conselho de Tecnologia da Firjan, e eu percebi que embora
fosse um fsico da universidade, ele tinha uma experincia pregressa na indstria
e o discurso de que a inovao se faz na indstria. Foi uma conquista muito boa
para o nosso Conselho, porque no era gente da indstria que falava aquilo, era
gente da universidade. E destoava, porque a universidade estava preocupada
consigo mesma, basicamente. Depois o Roberto veio me procurar para discutir o
esquema funcional que hoje a Protec. Ento, em 2002, com as coisas j
mudando, fundada a Protec. Fundamos a Protec com grande entusiasmo. Eu
achava que cabia muito bem uma entidade de carter nacional, que falasse
sobre inovao num mesmo discurso que o nosso, era mais uma instituio a
fazer este tipo de pregao no Brasil. E para isso, a gente achou que o professor
Nicolsky iria dar conta de alar voo.
Era necessrio que no fosse uma coisa da Federao, mesmo porque ns
achvamos que tinha que ter uma conotao nacional, e a partir desse ponto o
Roberto lutou por isso e conseguiu apoio da Abimaq. A Firjan uma instituio
de carter regional, enquanto a Abimaq uma instituio de carter nacional,
uma associao de indstria de mquinas e equipamentos. A voc j tinha
duas coisas: Federao de um lado e Abimaq do outro. Foram essas duas que
deram o primeiro apoio decisivo neste sentido e logo depois foi fundada a
Protec. Nesse movimento de fazer, mais algumas Federaes entraram, e logo
outras entidades aderiram.
Fernando Sandroni
Presidente do Conselho de Tecnologia da Firjan
21
Conheci o Roberto Nicolsky no Conselho Empresarial de Tecnologia da
Firjan, onde ele era conselheiro e eu tambm. Essas ideias sobre inovao
tecnolgica - de que necessariamente tinha que ser conduzida pela empresa,
pela indstria - ns dois tnhamos bem. Quando se cristalizou ento a ideia
de criar a Protec, naquele momento j ofereci espao na nossa sede. Acho
muito importante o trabalho conduzido pela Protec. Um trabalho srio de
convencimento de autoridades, com a sistemtica e consistente repetio
conceitual, contribuindo decisivamente para a implementao das polticas
de interesse da indstria nacional.
Nelson Brasil
1 vice-presidente da Associao Brasileira das Indstrias
de Qumica Fina, Biotecnologia e suas Especialidades (Abifina)
22
Introduo
tanto, era indispensvel procurarem-se as entidades
empresariais da indstria. E assim, por indicaes de
uma entidade a outras, foi possvel criar uma rede de
discusso sobre a forma de organizao.
1.3. Criando uma entidade com fins especficos
A proposta de criar uma sociedade reunindo
entidades do setor industrial ganhou logo, ainda em
2001, a adeso de duas entidades sediadas no Rio de
Janeiro, a Federao das Indstrias do Estado do Rio
de Janeiro (Firjan) e a Associao Brasileira das
Indstrias de Qumica Fina, Biotecnologia e suas
Especialidades (Abifina), que cedeu um espao para o
incio das atividades de captao, a partir de
articulao promovida por Roberto Nicolsky. Alguns
conhecidos do tempo em que o professor trabalhara
em P&D na indstria de So Paulo e um artigo-
manifesto publicado com forte impacto em 4 de
junho de 2001 ocupando todo o espao da pgina
A3, de Opinio, da Folha de So Paulo
imediatamente resultaram na adeso da Associao
Brasileira da Indstria de Mquinas e Equipamentos
(Abimaq). Seu ento presidente, Luiz Carlos Delben
Leite, tornou-se o articulador da base operacional em
So Paulo, catalisando a adeso de outras entidades.
Diversas entidades foram, ento, convidadas
para integrar o ncleo para ampla discusso do
Entidades fundadoras da Protec
Associao Brasileira da Indstria de Mquinas e Equipamentos
(Abimaq)
Associao Brasileira da Indstria Eltrica e Eletrnica (Abinee)
Associao Brasileira da Infraestrutura e Indstrias de Base (ABDIB)
Associao Brasileira das Indstrias de Qumica Fina, Biotecnologia
e suas Especialidades (Abifina)
Associao dos Laboratrios Farmacuticos Nacionais (Alanac)
Associao Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas
Inovadoras (Anpei)
Centro das Indstrias do Estado de So Paulo (Ciesp)
Centro de Integrao de Tecnologia do Paran (Citpar)
Centro Industrial do Rio de Janeiro (Cirj)
Federao das Indstrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg)
Federao das Indstrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc)
Federao das Indstrias do Estado de So Paulo (Fiesp)
Federao das Indstrias do Estado do Paran (Fiep)
Federao das Indstrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan)
Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas
(Sebrae - Nacional)
1 presidente: Luiz Carlos Delben Leite
23
Nunca tive dvida da importncia de se constituir uma entidade para
a defesa de polticas pblicas de fomento inovao tecnolgica. Primeiro,
pela importncia do tema. Faz muito tempo que o Brasil tem dado menos
ateno do que devia ao contedo de sua produo, e, consequentemente,
de sua pauta de comrcio. Tambm via - e vejo - o tema com uma dinmica
pblico-privada, de maneira que algum precisava, com iseno, fazer essa
costura. A Protec exerceu esse papel. Trouxe o tema para a superfcie, criou
desequilbrios para que avanssemos. Teria sido muito difcil a construo
do marco legal da inovao diretamente pelas entidades fundadoras da
Protec, sem uma organizao transversal a todos os setores. da natureza
humana e corporativa a busca por melhores resultados, e o risco de
assimetria entre os setores seria muito grande. No estando todos no mesmo
patamar, seja tecnolgico, seja financeiro, adensaramos as diferenas. Este
assunto necessita de uma embaixada tcnica e poltica, que faa ajustes e
dedique-se. Este tem sido o papel da Protec.
Horcio Lafer Piva
Ex-presidente da Federao das Indstrias do Estado de So Paulo (Fiesp) e do
Centro das Indstrias do Estado de So Paulo (Ciesp), entidades fundadoras da Protec
24
Sempre fui bastante sensvel questo da inovao tecnolgica no
setor industrial, prevendo que esta realmente a chave do futuro para o pas.
O discurso do Roberto, ento um homem da universidade ou seja, com
menor contato com o setor industrial , era tambm muito sensvel a isso.
Ento as propostas se somaram e surgiu a Protec. Uma entidade que pudesse
representar o setor industrial e fazer com que houvesse uma convergncia
em torno dessa ideia. Um lugar onde pudssemos estabelecer as bases
necessrias para criarmos os instrumentos que estimulassem o setor
industrial a se voltar de forma mais consistente para a questo da inovao
tecnolgica. Levamos a proposta de criao da Protec a vrias entidades
setoriais, e a receptividade foi muito boa. A Abimaq recebeu a proposta de
braos abertos e procurou dar fora a esse projeto para que ele se tornasse
realidade, e me lembro tambm da Abinee (associao de fabricantes de
eletroeletrnicos), Abifina (farmacutica), e Federaes como a Firjan, Fiesp,
e Fiemg (MG).
Luiz Carlos Delben Leite
Ex-presidente da Associao Brasileira da Indstria de
Mquinas e Equipamentos (Abimaq)
25
Introduo
formato da nova entidade e da sua misso e valores,
em sucessivas reunies na sede da Abimaq e da
Federao das Indstrias do Estado de So Paulo
(Fiesp). A adeso foi crescendo e as discusses
finalmente levaram a uma convergncia final,
resultando um modelo prprio, baseado na
associao apenas de entidades industriais, vedada a
rgos pblicos e empresas.
Com o texto dos Estatutos em mos, partiu-se
para a convocao da assembleia de fundao, com
editais publicados em trs jornais de grande
circulao. A reunio aconteceu no dia 20 de fevereiro
de 2002 na Abimaq, com a presena de 15 entidades,
quando foi fundada a Sociedade Brasileira Pr-
Inovao Tecnolgica - Protec.
Em sua misso institucional, est estabelecido
que como associao civil voltada para a atuao em
prol da inovao tecnolgica nacional, ter como
objetivo e finalidade estimular, fomentar e mobilizar
os diversos segmentos da sociedade e dos poderes
pblicos em toda e qualquer atividade que promova a
pesquisa e o desenvolvimento de inovaes
tecnolgicas realizadas no pas, tendo em vista elevar
a competitividade e a eficincia das empresas em
geral na produo de bens, processos e servios,
buscando satisfazer as demandas de seus usurios e
consumidores.
Imediatamente aps sua fundao, a Protec
solicitou uma audincia com o presidente da
Repblica, Fernando Henrique Cardoso, que ocorreu
no dia 4 de maro de 2002. Ento, o Conselho
Deliberativo da Protec, recm eleito, foi recebido no
Palcio do Planalto com a participao dos ministros
Ronaldo Sardenberg, da Cincia e Tecnologia, e Pedro
Parente, da Casa Civil, alm de outras autoridades,
para uma importante audincia (Figura 4). Nessa
oportunidade, Luiz Carlos Delben Leite, o presidente
do Conselho Deliberativo, exps ao presidente da
Repblica a misso e os valores da nova entidade,
alm da importncia e oportunidade de se construir
um Marco Legal para a promoo do fomento
Figura 4:
Audincia com Fernando Henrique Cardoso
Foto
: Folh
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e S
o
Pa
ulo
26
Introduo
inovao tecnolgica, agora que esta se tornara o
modo de competio no cenrio mundial.
Aps a audincia, os membros do Conselho
concederam uma entrevista coletiva imprensa no
Palcio do Planalto, quando a Protec e o seu iderio de
contribuir para a construo de um arcabouo legal
de fomento ao desenvolvimento de inovaes
tecnolgicas como via para o crescimento foram
apresentados sociedade.
Um importante passo para a mudana foi dado
com a articulao das entidades industriais com os
rgos pblicos geradores e executores de polticas
um movimento viabilizado pela Protec, juntamente
com os seus associados. A mobilizao iniciada pela
indstria se desdobrou na construo do Marco
Legal brasileiro da inovao tecnolgica, que teve
como primeiro instrumento o incentivo fiscal
automtico.
27
2
inovao tecnolgica deve ser a base
Ada estratgia competitiva das
empresas. Isso deve ser levado em
c o n t a p o r q u a l q u e r n a o
emergente que pretenda, pelo
menos, acompanhar a indstria dos
demais pases, sem ter de amargar seu confinamento
condio de produtor e exportador de matrias-
primas naturais ou outros itens de baixo valor
agregado. Portanto, essencial que a empresa seja
estimulada por polticas pblicas como, por exemplo,
os incentivos fiscais para os seus investimentos de
A conquista do
incentivo fiscal
automtico
A conquista do incentivo fiscal automtico
29
risco tecnolgico. Dessa forma, a empresa desejar
conhecer as regras do fomento e aplic-las sempre
que tiver de atender a demandas do seu mercado,
principalmente sob presso da concorrncia
internacional. Mais ainda se pensar em exportar.
At se poderia dizer que o incentivo fiscal j
existia anteriormente no Brasil, ainda que em pequena
dose, porm no na forma conveniente para as o
empresas. Desde 1993, a Lei n 8.691 proporcionava
uma pequena renncia fiscal do Imposto de Renda
caso a empresa apresentasse previamente um
complexo projeto (PDTI) Financiadora de Estudos e
Projetos (Finep) para avaliao e aprovao, revelando
as suas entranhas e estratgias. Alm disso, o
processo de aprovao levava um longo tempo para
ser finalizado e sufocava a oportunidade da inovao.
Uma lei eficiente tinha de ter o conceito de
automatismo no acesso ao benefcio fiscal, deixando
empresa a oportunidade do uso.
A importante questo do automatismo no uso
do incentivo ao desenvolvimento e agregao de
inovaes tecnolgicas, como o modo de assegurar a
competitividade da indstria, comeou a mudar em
2002, em presena da Protec. Mas como ser
mostrado, essa no foi uma tarefa fcil, pois
encontrou muita resistncia nos setores ligados
receita tributria federal.
poca, o governo federal, os empresrios e a
sociedade discutiam a chamada minirreforma
tributria para eliminar, ou pelo menos reduzir, a
cascata do Pis/Pasep que elevava o custo dos
produtos para os consumidores. A proposta foi
materializada na Medida Provisria (MP) n 66, de 29
de agosto de 2002, no intuito de aliviar a acumulao
de impostos na cadeia produtiva e elevar a
competitividade, incentivando as exportaes.
Um pouco antes da publicao da MP, em 4 e 5
de julho de 2002, a Protec organizou o I Encontro
Nacional da Inovao Tecnolgica para Exportao e
Competitividade (Enitec), para debater estratgias
que levassem criao de polticas pblicas de
fomento inovao na empresa. Durante o encontro,
o presidente da Protec, Luiz Carlos Delben Leite,
defendeu que o mais eficaz para aquele momento
seria criar um sistema de automatismo para incentivar
os investimentos em inovao tecnolgica. Por meio
dele, qualquer empresa que investisse em P&D de
inovaes poderia abater os seus dispndios do
Imposto de Renda, sem solicitar prvia autorizao
como est exigido na Lei 8.691.
A proposta foi redigida pela Protec, com
contribuies da Abimaq, Abifina, Firjan e Abinee, e
apresentada em incio de agosto de 2002, na forma de
quatro artigos, ao titular da Secretaria da Receita
Federal, Everardo Maciel, que aprovou o conceito do
automatismo e os introduziu na MP 66. Meses depois,
A conquista do incentivo fiscal automtico
30
oessa medida provisria foi convertida na Lei n 10.637,
sancionada em 30 de dezembro de 2002, e a proposta
foi transformada nos artigos 39, 40, 42 e 43 do que
ficou chamado de Lei da Minirreforma Tributria (ver o
texto da lei no anexo).
Os quatro artigos representaram o primeiro
fomento inovao tecnolgica dentro do essencial
conceito do automatismo, disposio da indstria
brasileira. Essencialmente, os incentivos eram o
abatimento adicional, como custo, de 100% dos
dispndios em P&D e, ainda, outros 100% se a
empresa depositasse uma patente no INPI ou pelo
Patent Cooperation Treaty (PCT).
O aspecto mais relevante e inovador na criao
dessa nova lei foi o fato de que as empresas no
precisavam de autorizao prvia de qualquer rgo
governamental para solicitarem, como incentivo
fiscal, a restituio de parte do seu investimento em
P&D atravs do abatimento no Imposto de Renda e na
Contribuio Social sobre o Lucro Lquido (CSLL). O
mecanismo semelhante ao sistema de restituio de
Imposto de Renda para pessoa fsica no que se refere,
por exemplo, aos gastos com educao.
A lei, porm, veio com uma forte restrio,
introduzida pela Receita Federal na redao desses
artigos. Ou seja, a sua aplicabilidade foi limitada a
empresas que estivessem no regime fiscal de
apurao de lucro real, ou seja, menos de 8% das
empresas brasileiras, apenas as de grande porte, que
em geral j desenvolvem inovaes. E entre essas
esto as empresas transnacionais, quase todas
geradoras de inovaes em suas matrizes.
Os artigos, porm, no foram aplicados de
imediato por falta de regulamentao. A nova gesto
da Secretaria da Receita Federal, que assumira em 1
de janeiro de 2003, demorou quase um ano para
produzir a regulamentao dos quatro artigos,
mesmo com a insistncia direta da Protec atravs de
audincia. Afinal, em 23 de dezembro de 2003, foi o
emitido o Decreto n 4.928 (ver anexo) que,
surpreendentemente, conseguiu interpretar os quatro
artigos de uma tal maneira que anulava o incentivo
recm criado.
Fora encontrada uma maneira de dizer que a o
nova lei repetia o que j era praxe desde o Decreto n
3.000, de 26 de maro de 1999 que, em seu artigo o
349, regulamentava o artigo 53 da velha Lei n 4.506,
de 1964, a Lei do Imposto de Renda, autorizando
contabilizar os dispndios correntes em P&D como
simples despesa, dispensando trat-los como
investimento a ser amortizado. Ou seja, tudo ficou
como dantes, na casa de Abrantes, desaparecendo o
incentivo que acabara de ser criado.
Quando o decreto foi publicado, diversas
empresas, que se estimularam com o advento dos
incentivos, no aceitaram a ideia passivamente, pois
A conquista do incentivo fiscal automtico
31
oaquele no era o esprito da Lei n 10.637/2002.
I n c o n f o r m a d a s , pa s s a r a m e n t o a f a z e r
questionamentos formais Receita Federal, no
aceitando a sua interpretao. Graas a essas presses
em vrias frentes, aqueles quatro artigos mal
regulamentados foram desdobrados e incorporados
MP 255 como Captulo III. A Medida Provisria foi
enviada pelo Governo ao Congresso Nacional no ano
de 2005.
A MP 255 reproduzia em seu artigo 19
praticamente o mesmo texto do artigo 39 da lei
anterior, porm com uma grande diferena: o
incentivo que era de 100% dos dispndios em P&D
havia sido reduzido para 60%. O pargrafo 1 desse
artigo ampliava a deduo para 80%, se houvesse
contratao adicional de pessoal para as atividades de
P&D. Entretanto, o incentivo de 100% para
patenteamento, da lei anterior, fora reduzido para
20% e somente aps a sua concesso, gerando um
forte estmulo para o patenteamento externo, de
custos muito elevados e sem validade . Havia no Brasil
ainda outros artigos de menor interesse.
Na Cmara Federal, a MP 255 teve por relator o
deputado Custdio Mattos, de Minas Gerais. Ao
procurar o relator, a Protec recebeu a informao de
que os ndices de incentivo fiscal, substancialmente o
reduzidos em relao Lei n 10.637/2002, eram
clusulas ptreas, no aceitando a SRF nenhuma
discusso a respeito. Ante esse fato, a Protec solicitou
ao relator que marcasse uma audincia na SRF para
discutir a limitao do benefcio a empresas que
apuram lucro real. O secretrio adjunto recebeu a
Protec, ouviu, mas no discutiu a posio, tornando
esse quesito em outra clusula inamovvel, assim
como a limitao de s aceitar as despesas incorridas
no ano fiscal.
No entanto , a Le i do Bem apresenta
insegurana jurdica. A SRF tem contestado alguns
usos do benefcio, praticamente s aceitando
pesquisa de bancada. Por exemplo, se uma empresa
investe no desenvolvimento de um produto que no
fabrica, criando competncias e ganhando espao no
mercado, ainda assim ela corre o risco de no
conseguir o benefcio fiscal. O problema resultado
da falta de um entendimento mais amplo do que
P&D e uma viso menos ortodoxa do conceito de
inovao, que no consiste apenas em invenes
radicais, mas tambm e sobretudo em melhorias
de produtos e processos.
O benefcio final depende das condies de sua
aplicao, representando uma recuperao at o
limite mximo de 27,2% das despesas correntes
incorridas no ano fiscal. lcanarem o valor Isto se elas a
integral do lucro apurado e, ainda, houver aumento
de recursos humanos contratados, atendendo
complexa regulamentao do Captulo III da Lei do
A conquista do incentivo fiscal automtico
32
oBem, conforme o Decreto n 5.798 de 7 de julho de
2006 (ver anexo). Outros 6,8% dos dispndios podem
ser recuperados se for concedida uma patente,
porm apenas no exerccio fiscal em que esta for
outorgada, o que no Brasil pode significar numa
empresa de muitos anos.
Apesar das limitaes, o incentivo da Lei do Bem
hoje o que melhor funciona no Brasil. O Quadro 2.1
mostra o nmero de empresas que recorreram ao
benefcio, o valor total recuperado e o percentual
deste valor em relao aos investimentos realizados
pelas empresas beneficirias, desde o ano de 2006,
quando comeou a ser aplicada.
Em 2011, informa-se extraoficialmente que o
nmero de empresas chegou a mais de 800, com
valores de investimento e incentivo. Nota-se que h
uma saturao dos valores de investimento e renncia
fiscal. O valor desta renncia ainda insignificante por
representar menos de 0,05%, ou seja, menos de cinco
centsimos de por cento, ainda sem impacto na
competitividade da economia.
Quadro 2.1: Lei do Bem
Fonte: Ministrio da Cincia, Tecnologia e Inovao
A conquista do incentivo fiscal automtico
Ano
2006 130 2.190 229
2007 300 5.130 884
2008 460 8.800 1.583
2009 542 8.330 1.383
2010 639 8.620 1.727
Empresas
Investimento
em P,D&I
(R$ milhes)
Renncia
fiscal
(R$ milhes)
(%) Sobre
investimento
10,5%
17,2%
18%
16,6%
20%
33
Os instrumentos de incentivo inovao representam um avano,
mas so claramente insuficientes. O nmero de empresas que usam os
incentivos fiscais da Lei do Bem cerca de 800 por ano. um nmero ridculo,
dado o tamanho do parque industrial brasileiro. A Lei do Bem no se aplica a
empresas que contribuem para o Imposto de Renda pelo lucro presumido.
Elas esto automaticamente excludas dos benefcios. No entanto, elas
constituem a grande maioria das empresas industriais brasileiras.
Existem obstculos que j esto razoavelmente mapeados. A Protec, a
Mobilizao Empresarial pela Inovao da CNI e a Associao Nacional de
Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei) so trs orga-
nizaes que encaminharam diversas vezes para o governo propostas para a
maioria dos instrumentos legais. E o governo tem pelo menos em alguns
casos adotado parte dessas sugestes.
Pedro Wongtschowski
Diretor-presidente da Ultrapar,
holding controladora das empresas Ultra
34
3
m paralelo s articulaes junto
E
Secretaria da Receita Federal para
e s t a b e l e c e r o i n c e n t i v o f i s c a l
automtico, o Ministrio da Cincia e
Tecnologia ( poca MCT, hoje MCTI
com a incluso da inovao na sigla)
enviou ao Congresso Nacional no quarto trimestre de
2002, ltimos meses de gesto, o projeto da chamada
Lei de Inovao. O texto foi submetido consulta
pblica na internet. Predominou o debate sobre a
flexibilizao da mobilidade e o empreendedorismo
dos pesquisadores acadmicos, que de resto o tema
central das atenes deste projeto de lei (PL).
Contudo, o PL desagradou amplamente a academia.
Apesar do nome que lhe fora atribudo, e de
conter um artigo versando sobre a possibilidade
A polmica
criao da
subveno
econmica
A polmica criao da subveno econmica
37
eventua l e a regu lao de encomendas
tecnolgicas pelo Estado, o PL no foi debatido
previamente com as entidades industriais, nem
tinha qualquer tipo de fomento ou incentivo
inovao tecnolgica nas empresas. Ou seja, foi
elaborado na falsa concepo de que inovao
seria um produto exclusivamente acadmico.
Portanto, no era exatamente um PL de
inovao o que fora proposto; era uma lei que
facilitava a mobilidade temporria de pesquisadores
da universidade para a iniciativa privada. O PL
tambm proporcionava maior liberdade para as
empresas usarem as instalaes das universidades.
O que faltava, ento, no topo da legislao brasileira
de incentivo? J tnhamos o incentivo fiscal
automtico. Portanto, faltava uma lei de subsdio,
semelhana do que acontece em pases
desenvolvidos. Tal proposta havia sido rejeitada na
consulta pblica.
Sabidamente, o subsdio ao desenvolvimento
tecnolgico de inovaes o ponto fulcral das
polticas pblicas tanto dos pases emergentes,
quanto a prtica consagrada nos pases
desenvolvidos, geradores de tecnologia. Alis, por
isso que tm economias produtoras de novas
tecnologias. Est consagrado, inclusive, como parte
do artigo 8 (non-actionable subsidies, em ingls)
do acordo que criou a Organizao Mundial de
Comrcio (OMC), na rodada Uruguai, em 1994.
A polmica criao da subveno econmica
Acordo da OMC sobre subsdios
e medidas compensatrias
Parte 4 Artigo 8
Os seguintes subsdios devem ser considerados no-acionveis:
(a) assistncia para atividades de pesquisa realizadas por empresas
ou instituies de ensino superior ou de pesquisa com base em
contratos com empresas, se: a assistncia cobre no mais do que 75
por cento dos custos com pesquisa industrial, ou 50 por cento dos
custos de atividade de desenvolvimento pr-competitivo; e desde
que tal assistncia seja limitada exclusivamente a:
(i) custos com pessoal (pesquisadores, tcnicos e outro
pessoal de apoio empregado exclusivamente na atividade
de pesquisa);
(ii) custos com instrumentos, equipamentos, terrenos e
imveis utilizados exclusiva e permanentemente (exceto
em caso de cesso de uma base comercial) para a atividade
de pesquisa;
(iii) custos de consultoria e servios equivalentes utilizados
exclusivamente para a atividade de pesquisa, incluindo
pesquisa adquirida, conhecimento tcnico, patentes etc;
(iv) despesas gerais adicionais incorridas diretamente em
virtude da atividade de investigao;
(v) outras despesas correntes (como as de materiais,
suprimentos e afins) incorridas diretamente em resultado
da atividade de investigao.
38
Uma das providncias iniciais do novo titular da
Secretaria de Desenvolvimento Tecnolgico (Setec)
do MCT, Francelino Grando, em 2003, foi retirar o PL
de inovao do Congresso Nacional para reviso do
seu texto, notadamente nas questes da mobilidade
do pesquisador, que produzira forte oposio no
ambiente acadmico. Esta foi a oportunidade perfeita
para a indstria, atravs das suas entidades e da
Protec, inserir a proposta de subsdio na lei, alm de
outras clusulas de incentivos.
As primeiras reunies feitas para discutir as
mudanas no PL contabilizaram dezenas de
interlocutores, principalmente das universidades
pblicas, alm de representantes de algumas
entidades industriais. A Protec participou de todo este
c i c l o que teve , no i n c i o , um a d inm ica
essencialmente acadmica. Logo ficou claro que ao
setor produtivo no interessava esse debate, mas
exclusivamente o exame da possibilidade de incluso
de incentivos que justificassem o nome do PL.
Assim, num processo natural as reunies
comearam a se especializar e os representantes do
setor industrial comearam a atuar diretamente com a
Setec. Levou-se, ento, ao secretrio a sugesto de
um conjunto de artigos propondo os trs principais
fomentos internacionalmente utilizados: os subsdios
prvios, os incentivos posteriores e o uso do poder de
compras do Estado. Mas a resposta da Casa Civil, que
deveria aprovar as alteraes do PL, foi desanimadora.
Os incentivos, por ser rea da SRF/MF, ficaram
prometidos no artigo 28 para dentro de 120 dias (algo
muito curioso, uma lei que prometia outra lei), e o uso
do poder de compras foi vetado sob a alegao de o
interferia na Lei de Licitaes n 8.666/1993, rea do
Ministrio de Planejamento. E o subsdio foi rejeitado
por ser considerado sem base jurdica.
Assim as nossas sugestes de artigos foram
rejeitadas. Nesse momento levou-se ao secretrio
Francelino Grando o texto do prprio artigo 8 do
acordo da OMC e argumentou-se que o subsdio era o
nico fomento capaz de romper nas empresas a
barreira inicial de rejeio ao risco, por oferecer-lhes o
seu compartilhamento com o Estado, posto que este
era o maior beneficirio direto e indireto da
agregao de inovaes competitivas. O secretrio
convenceu-se da fundamental necessidade do Pas
dispor desse fomento por isonomia com os
emergentes dinmicos e os desenvolvidos.
Muito contribuiu para o resultado dessas
reunies o assessor da Setec, o advogado Beto
Vasconcelos, que alertou para o fato de no existir na
legislao brasileira o conceito de subsdio a
empresas. Havia, porm, a subveno econmica,
limitada a despesas correntes. Essa notcia nos foi
dada pelo assessor em reunio havida na Abimaq, em
So Paulo. Assim, esta contribuio ao novo PL foi
A polmica criao da subveno econmica
39
includa como pargrafo 2, do artigo 19, e aprovada
pela Casa Civil. A alterao e o artigo 28, que
anunciava uma nova lei de incentivos fiscais em 120
dias, foram mudanas relevantes no fomento ao
desenvolvimento de inovaes tecnolgicas de
competio.
Quando a redao saiu do forno da Setec para a
aprovao do ministro do MCT, poca Eduardo
Campos, surgiram ataques proposta de subveno
partidos at de dirigentes de agncias do prprio
MCT. A nossa cultura ainda resistia em aceitar o
conceito de que uma parceria pblico-privada
pudesse gerar valor para a sociedade. No
reconhecia, mesmo ante evidncias esmagadoras,
que o maior beneficirio de inovaes sistmicas era a
sociedade. A empresa ainda hoje vista como um
corpo parte da sociedade, de funo privada e
destinada a dar benefcios apenas aos donos.
A ideia de que a subveno econmica se
traduzia em simples doao a empresas obscurecia o
fato de que investir em inovao tecnolgica, cujo
lcus a empresa, signif ica impulsionar o
desenvolvimento socioeconmico do pas, pois a
sociedade o maior beneficirio da conquista de
competitividade pelas suas empresas. Tambm se
eclipsava o fato relevante de que os recursos do
Fundo Nacional de Desenvolvimento Cientfico e
Tecnolgico (FNDCT), a serem usados para financiar a
subveno, seriam recolhidos das prprias empresas,
e no da arrecadao tributria.
As leis especficas que criavam os fundos
setoriais e a Contribuio de Interveno no Domnio
Econmico (Cide) sobre as remessas ao exterior para
pagamento de despesas tecnolgicas, como
licenciamento de patentes e servios tecnolgicos,
destinam recolhimentos compulsrios ao FNDCT com
o objetivo de fomentar o desenvolvimento cientfico e
tecnolgico. Quanto ao ltimo, o lgico seria esses
recursos voltarem para o fomento do desenvolvimento
tecnolgico das empresas.
Os argumentos embasaram a defesa da
subveno econmica. Como a proposta estava em
perigo, a Protec e a Abifina tiveram um dilogo
preliminar com o ministro Eduardo Campos, em um
almoo no recinto em que se realizava o congresso de
seu partido, em um hotel de Braslia, em 25 de maro
de 2004. O dilogo foi uma importante oportunidade
para discutir a fundo com o ministro o papel da
subveno econmica, e sua funo nica de
compartilhamento do risco tecnolgico, estimulando
mais e mais empresas a assumirem programas de
inovao.
Alm disso, a Protec solicitou o apoio do ento
presidente do Conselho Temtico de Poltica
Industrial e Desenvolvimento Tecnolgico (Copin),
da Confederao Nacional da Indstria (CNI),
A polmica criao da subveno econmica
40
Rodrigo Loures, poca tambm presidente da
Federao das Indstrias do Estado do Paran (Fiep),
para criar uma mobilizao das entidades industriais
em defesa da nova redao do PL de inovao.
Por uma dessas felizes coincidncias que
ajudam a escrever a histria, um grupo desses
representantes estaria presente em Braslia, dentro
de poucos dias, para uma reunio dos comits
gestores de fundos setoriais. Foi a oportunidade
certa para argumentar em favor da subveno em
uma audincia com o ministro Eduardo Campos. Ele
recebeu um grupo de mais de 15 representantes e se
comprometeu a manter a subveno no projeto que
enviaria Cmara. E a promessa foi integralmente
cumprida.
Quando a proposta chegou ao Congresso, o
relator, deputado Ricardo Zarattini, aceitou a ideia
imediatamente. A indstria trabalhava para que
toda a verba do FNDCT fosse para a subveno
econmica. Nisto, ganhou um apoiador. Roberto
Jaguaribe, titular da Secretaria de Tecnologia
Industrial (STI), do Ministrio do Desenvolvimento,
Indstria e Comrcio Exterior (Mdic), tambm era a
favor de que, se no toda, pelo menos a maior parte
da verba do FNDCT tivesse como destino a
subveno. A Casa Civil no permitiu que a proposta
fosse frente. Tentou-se ento baixar o percentual
para 80%, o que foi igualmente rejeitado. O mesmo
se deu com a alternativa de 40%.
A Lei de Inovao acabou sendo aprovada em
07 de julho de 2004, sob o nmero 10.973, e
sancionada em 2 de dezembro de 2004, criando a
subveno, porm sem um piso para esse
investimento. A lei menciona apenas que ser
destinado um percentual mnimo para a subveno, a
ser def inido em por tar ias interminister iais
posteriores. Elas s foram editadas de 2004 a 2009 e,
ainda assim, o dispndio estabelecido - 20% do
FNDCT - nunca foi cumprido e, em 2006, se restringiu
a 2% dos recursos. O Quadro 5 mostra a execuo dos
recursos do FNDCT.
(R$ milhes ) (R$ milhes )
Pago Ano Previsto
2006
2007
2008
2009
2010
2011
40,04
81,66
270,31
154,54
349,16
337,08
209,60
277,18
322,54
129,39
527,15
358,60
A polmica criao da subveno econmica
Quadro 5:
Recursos aplicados na subveno
41
A subveno econmica o principal
mecanismo de fomento inovao tecnolgica para
empresas pequenas e mdias, e para o incentivo a
priori no Brasil. Na Organizao para a Cooperao e
Desenvolv imento Econmico (OCDE) e em
emergentes dinmicos, o mecanismo se chama
subsdio. Mas, desde o incio, imps-se forte restrio
ao acesso universal das indstrias. A limitao do
benefcio a apenas seis reas de atuao, ditas
estratgicas, e a trs tpicos especficos para cada
uma dessas reas, impede a capilaridade em todos os
setores, assim deixando de impactar a economia. Os
critrios de execuo da subveno tm gerado muita
polmica e esto em constante debate, assim como a
regularidade das chamadas pblicas para a sua
aplicao. Isso gera insegurana jurdica e incerteza
quanto disponibilidade desse fundamental recurso
para a inovao.
As sugestes para o formato do edital foram
contnuas ao longo dos anos, coletadas pela Protec
nas edies anuais do Enitec, onde representantes da
indstria trocavam suas impresses, dificuldades e
propostas. Os relatrios eram encaminhados Finep.
A tenso se manteve, at que, no ltimo edital, em
agosto de 2010, a Financiadora o modificasse
substancialmente. Finalmente, passou-se a exigir que
a empresa postulante estivesse ativa durante, pelo
menos, todo o ano anterior; apresentasse um plano
de negcios; e comprovasse a contrapartida,
identificando a origem desses recursos. Tambm foi
introduzida a defesa oral do projeto e a visita tcnica
s ins ta laes onde as inovaes se r iam
desenvolvidas.
As alteraes possibilitavam o acesso de
empresas realmente produtivas aos recursos
disponibilizados, dificultando a participao de
empreendimentos criados somente para concorrer
subveno, sem qualquer passado nem instalaes
prprias. Dificultou tambm empreendimentos
acadmicos sem foco no mercado ou condies de
produzir e comercializar, ainda que o produto viesse a
ser desenvolvido.
Oito anos depois de a subveno econmica ter
sido criada, e seus editais reavaliados e modificados,
comea a ganhar corpo na sociedade o debate sobre
o uso de sua fonte de recursos, o Fundo Nacional de
Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (FNDCT). A
aplicao deste fundo direcionada tambm para
outras atividades, como financiamento e aes
transversais. Porm, a gesto desses recursos sofre
constantes retenes ara a reserva de pelo governo p
contingncia.
Entre 2006 e 2011, mais de um quarto da verba
foi retido em nome dessa reserva, o que resultou em
R$ 3,2 bilhes indisponveis para as atividades de
A polmica criao da subveno econmica
42
pesquisa e a subveno. S em 2011, a arrecadao do
FNDCT alcanou o recorde de R$ 3,5 bilhes, valor
7,7% maior do que a receita prevista em oramento.
Mas, desse total, apenas R$ 800 milhes (22,3%)
foram efetivamente utilizados em programas de
apoio pesquisa e subveno. O fomento criado com
tanto esforo da sociedade est sendo anulado,
comprometendo a capacitao da economia para a
competitividade global.
Com a subveno econmica, o FNDCT
comeou a induzir o desenvolvimento tecnolgico, ao
possibilitar a aplicao de uma pequena parcela dos
seus recursos nas empresas, e no somente na
pesquisa acadmica. So essas aplicaes que vo
viabilizar o incio do processo de desenvolvimento
FNDCT Arrecadao LOA Pago
(R$ milhes)
2004 1.408,40 1.413,08 486,88
2005 1.616,83 1.617,86 571,07
2006 1.850,36 1.716,04 540,17
2007 2.016,07 1.761,98 764,21
2008 2.510,19 2.076,74 767,21
2009 2.639,35 1.701,68 650,25
2010 2.789,07 3.072,94 1.906,49
2011 3.536,98 3.252,98 1.584,63
2012/jan-abril 1.406,33 3.733,45 150,75
Histrico de arrecadao e dispndio do FNDCT
Fonte: Ministrio da Cincia, Tecnologia e Inovao
A polmica criao da subveno econmica
tecnolgico de inovaes nas empresas. E nisto reside
a nossa possibilidade de competir no mercado
globalizado e escapar do alapo de produzir
commodities e matrias-primas de baixo valor
agregado, que o perfil atual da nossa economia.
Sabemos que isso no nos d uma insero
verdadeiramente autnoma no cenrio mundial e
limita o nosso crescimento, alm de nos tornar
dependentes dos crescimentos dos pases
consumidores, sem termos controle das cotaes no
mercado.
43
Introduo
Em 2004, o governo do presidente Lula enviou ao Congresso Nacional
um projeto de lei sobre inovao tecnolgica. Na poca, exercendo o mandato
de deputado federal, propus a criao de uma Comisso Especial para agilizar
a tramitao deste projeto e aprovar um substitutivo antes da deliberao
sobre a matria pelo Plenrio da Cmara dos Deputados.
Para a redao final desse substitutivo, no mbito da Comisso
Especial, importantes emendas foram apresentadas por parlamentares
interessados na matria e por mim mesmo na qualidade de relator. As
sugestes que recebi, especialmente de representantes da Embrapa, Fiocruz,
alm daquelas encaminhadas por conceituadas entidades da rea de
inovao, como a Protec, foram extremamente relevantes para o processo.
Tambm foram importantssimas as presenas, sempre constantes, de
inmeros especialistas na matria durante os debates que ocorreram na
Comisso Especial, destacando-se entre eles Ozires Silva e Roberto Nicolsky.
O substitutivo foi aprovado sem emendas, no Plenrio da Cmara, em
07 de julho de 2004. Em novembro desse ano, o Senado Federal havia apro-
vado a matria, tambm sem emendas, o que possibilitou a sano do
Presidente Lula da Lei n 10.973 a Lei da Inovao em 2 de dezembro de
2004, sem ter recebido nenhum veto. Observo que sem a colaborao de dili-
gentes consultores da Cmara e o apoio que recebemos do ento ministro de
Cincia e Tecnologia, Eduardo Campos, e tambm do ministro da Casa Civil,
Jos Dirceu, no poderamos ter alcanado a aprovao da Lei de Inovao em
tempo to curto.
Ricardo Zarattini
Ex-deputado federal e relator da Lei de Inovao na Cmara dos Deputados
44
Como relator da Lei de Inovao, no substitutivo
da Cmara, aprovei vrias emendas de minha autoria,
destacando-se entre elas a concesso de subveno
econmica em programao oramentria especfica,
para atender s prioridades da poltica industrial e
tecnolgica definidas no primeiro mandato do
Presidente Lula. Infelizmente, na poca, a rea econ-
mica do Governo no fez a devida dotao de recursos
oramentrios para subveno econmica, o que veio
a ocorrer de fato somente a partir de 2006.
Aprovei tambm, por meio de emenda de minha
autoria, o artigo 28, propondo que a Unio fomentasse
a inovao na empresa, mediante a concesso de
incentivos fiscais, e determinando no pargrafo nico
desse artigo 28 que o Poder Executivo enviasse, em at
120 dias, contados da publicao da Lei, projeto neste
sentido. Todavia esse prazo no foi obedecido pelo
ministro da Fazenda da poca, Antonio Palocci.
Somente no final de novembro de 2005, graas s
nossas sugestes aceitas pelo ento relator da Medida
Provisria que deu origem Lei do Bem, deputado
Custdio Mattos, que se aprovou nesta Lei, de n
11.196, de 21 de julho de 2005, o Captulo III Dos
Incentivos Fiscais a Inovao Tecnolgica (art. 17 ao 26).
Por meio de emendas do relator, introduzi
tambm na Lei de Inovao artigos prevendo na sua
aplicao algumas prioridades, como assegurar trata-
mento favorecido empresa de pequeno porte, dando
tratamento preferencial nas compras governamentais
s empresas que investem em pesquisa e no desenvol-
vimento de tecnologia do Pas o Buy Brazilian Act
para a inovao.
45
No possvel, na legislao, tratar um projeto de cincia, tecnologia e
inovao da mesma forma que se trata um projeto de construo de uma ponte
ou de uma estrada. Neste, voc calcula quanto material vai gastar na obra. J
em um projeto de inovao, voc observa o caminho que percorrer at o resul-
tado final. Ou seja, sabe-se onde ele comea, mas no aonde vai parar. Por isso,
s vezes voc mira em uma coisa, depois v que aquilo impossvel e precisa
mudar o rumo.
A legislao era e ainda , em certa parte muito amarrada nesse
aspecto. Ento, se trabalhou muito para que fosse criada uma lei que conferisse
flexibilidade aos projetos de inovao. No final de 2004, saiu a Lei de Inovao.
Tnhamos uma ferramenta legal que permitiria s agncias de financiamento
repassar recursos para empresas.
Porm, um grande problema ainda no resolvido era a forma como os
rgos controladores viam tudo isso. Um projeto de inovao muitas vezes pode
ir por gua abaixo, pois realmente algo novo e que no oferece garantias dos
resultados esperados. Para o rgo controlador, isso uma forma de desperdcio
do dinheiro pblico. O que precisa ser entendido que esse o risco natural da
inovao.
Por exemplo, o maior problema que eu via na poca era o chamado plano
de trabalho. Um projeto que est sendo desenvolvido pode evoluir e ter a
necessidade de mudar o plano. Para os rgos controladores, essa mudana
um pecado mortal. J fizemos reunies com os rgos de controle, como o
Tribunal de Contas da Unio (TCU) e a Advocacia Geral da Unio (AGU), para
tentar demonstrar isso. Afinal, uma cultura nova que se estabelece.
Odilon Marcuzzo do Canto
Presidente da Finep de 2005 a 2007. Atual secretrio da Agncia Brasileiro-Argentina
de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (Abacc)
46
Os tcnicos da Finep entendiam que, para a
inovao realmente acontecer, precisvamos envolver
as empresas. Aquela ideia de que a inovao se faz na
universidade j no existia mais. O sistema
universitrio um sistema de apoio, um sistema base,
mas o lcus da inovao a empresa.
Como presidente da Finep, evidentemente tive
muito receio ao elaborar o primeiro Edital de
Subveno, porque sabia que seria responsvel por
algo absolutamente novo no Brasil, onde existe a
cultura de que dinheiro pblico no de ningum.
Tivemos o cuidado de fazer um balizamento firme para
que no ocorressem desvios. Quando as empresas se
inscreviam, tinham que preencher determinados
requisitos. Mesmo assim, teve empresas que entraram
com seus projetos e depois descobrimos que eram
apenas de fachada.
Estvamos mirando em algo fundamental: criar
condies no Brasil para que recursos pblicos
pudessem ser investidos como certa garantia para as
empresas desenvolverem novos produtos e processos
inovar, portanto. Dificilmente o empresrio brasileiro
vai colocar recursos prprios em um projeto de risco. Ele
prefere ganhar menos, mas em algo seguro. Acredito
que o encaminhamento foi feito nessa direo, para
que ele entendesse que a inovao fundamental,
porque a competitividade no mercado internacional
grande e s com a inovao o produto brasileiro vai
conseguir se posicionar.
47
Sem dvida, atribuo a gerao de um mecanismo to importante no
Brasil como a Lei de Inovao a uma posio articulada e consistente da
indstria. E digo mais: a subveno um artigo da Lei de Inovao, mas um
artigo que vale uma lei, tamanha sua importncia. Ele um grande motor
para a consecuo dos diversos objetivos que vm tratados na Lei. Por
exemplo, o compartilhamento de instalaes pblicas e privadas, como
laboratrios, era impossvel antes no direito brasileiro. Hoje, alm de ser
legal, ele estimulado.
A subveno chocou nos primeiros momentos os rgos de controle,
que se depararam com uma novidade revolucionria. Uma novidade que
no se apoia em fundamentos consolidados do direito administrativo com os
quais os rgos de controle lidam. Afinal, a ideia de que possvel transferir
recursos do Tesouro diretamente para o caixa de empresas, que
naturalmente visam ao lucro, muito nova. Por sculos nosso direito foi
pautado pela separao entre o pblico e o privado, com canais de
comunicao sempre tortuosos.
Porm, nesse arco de 10 anos, podemos perceber o efeito do tempo e os
resultados da modificao que a Lei de Inovao trouxe, como essa
facilitao do relacionamento pblico e privado, que teve seu pice na
subveno econmica. Ento, foram os setores industriais os responsveis
por, democraticamente, pressionar setores de governo e o Parlamento para
chegarmos onde estamos hoje.
Francelino Grando
Coordenador da rea de educao na equipe de transio do
Governo Lula e ex-secretrio de Inovao do Ministrio do Desenvolvimento
48
Na poca da finalizao da Lei de Inovao, eu participava do Comit
Gestor do Fundo Verde-Amarelo, assim como o professor Roberto Nicolsky.
Havia acontecido um encontro do comit em Braslia e estvamos fazendo
vrias reunies preparatrias para nossos congressos de inovao, o que
mostrava o nmero expressivo de empresrios e pesquisadores j
comprometidos com a causa. A dificuldade que estvamos tendo com o
processo da lei era fazer com que a subveno fosse acolhida a tempo de
fazer parte da Lei de Inovao, por conta dos cuidados tpicos da burocracia.
Foi quando consegui uma audincia com o ministro da Cincia e Tecnologia
Eduardo Campos, de ltima hora, e aproveitamos esse colegiado que j
tnhamos reunido para levar o movimento ao Ministrio. Na reunio,
coloquei o assunto como algo de importncia estratgica, disse que o Brasil
precisava experimentar essa poltica de subveno, uma vez que esse
instrumento usado por pases com os quais temos que competir. Diante
dessas evidncias, o ministro Eduardo Campos se convenceu de que era uma
boa proposta e, por conseguinte, adotou essa poltica. Assim, superamos
aquelas interminveis discusses tcnicas e legais, prprias de quando se
examina a aprovao de um novo instituto. No fim, a iniciativa se mostrou
vivel e houve uma grande receptividade - a demanda foi bem maior do que
o oramento definido. E o melhor de tudo foi que o projeto possibilitou a
participao das empresas - e pequenas empresas - no acesso a esses
recursos voltados para a cincia e tecnologia.
Rodrigo Loures
Presidente do Conselho de Poltica Industrial da CNI poca e
atual vice-presidente da CNI
49
Na dcada de 90, houve um enorme esforo para organizar um
conjunto de leis que estimulassem as atividades de inovao. Parte desse
alicerce se deve Lei n 10.973/04 a Lei de Inovao -, que dispe sobre
incentivos inovao e pesquisa cientfica e tecnolgica, com a
ampliao dos mecanismos de subveno e equalizao dos custos de
financiamento. Alm da consolidao dos incentivos fiscais na Lei n
11.196, a Lei do Bem.
Apesar do notrio avano, h questes de insegurana jurdica e
problemas na eficcia da Lei de Inovao. No mbito dessa lei especfica,
foi institudo um importante mecanismo de apoio s empresas por meio
do artigo 19, que autoriza as instituies de fomento a aportarem
recursos no-reembolsveis diretamente nas empresas a subveno
econmica. No entanto, possvel identificar entraves administrativos e
jurdicos, como, por exemplo, a demora na aprovao e liberao dos
recursos; a complexidade dos formulrios; e tambm a dependncia da
aprovao dos gastos realizados para que haja fluxo de recursos. O
agravante de ordem jurdica a ausncia de um entendimento comum
entre os rgos pblicos de controle e auditoria, levando insegurana
aos gestores pblicos na tomada de deciso acerca dos projetos.
Paulo Skaf
Presidente da Federao das Indstrias do Estado de So Paulo (Fiesp)
desde setembro de 2004
50
4
o novo texto do projeto de lei
N(PL) de inovao no foi
possvel incluir um artigo que
formalizasse a possibilidade
de uso do poder de compras
do Estado como um incentivo
direto ao desenvolvimento tecnolgico e de
inovaes nas empresas brasileiras. Aps a
designao do relator do PL, deputado Ricardo
Zarattini, foi feita novamente a sugesto,
trazendo j redigido o artigo que havia sido
re je i tado no mbi to da Secre ta r ia de
Desenvolvimento Tecnolgico (Setec) do
Ministrio da Cincia e Tecnologia. O relator
O uso do poder de compras do Poder Pblico
O uso do poder de compras do Poder Pblico
53
encampou imediatamente a ideia e levou o
artigo, bem como outras emendas que foram
propostas Comisso de anlise do PL,
apreciao da Casa Civil. Como j era previsto o
seu insucesso, foi preparado um plano B, que
consistia em acrescentar ao artigo 27, que tinha
trs incisos versando sobre detalhes muito
diferentes entre si (ver no anexo), um novo inciso,
o IV, com uma declarao de princpio: dar
tratamento preferencial, na aquisio de bens e
servios pelo Poder Pblico, s empresas que
invistam em pesquisa e no desenvolvimento de
tecnologia no Pas.
O deputado relator entusiasmou-se com a
ideia que at chamou de Buy Brazilian Act,
semelhana da lei americana e incluiu o novo
inciso imediatamente. O novo texto do PL foi
aprovado na Comisso e no plenrio em 7 de
julho de 2004, tornando-se a Lei de Inovao (n
10.973). Mas a nova lei foi sancionada pelo
presidente Lula apenas em 2 de dezembro de
2004, sem vetos. Estava institudo, ainda que de
modo muito conciso, o novo conceito fora da Lei
de Licitaes de que as compras de rgos
pblicos devem promover o desenvolvimento
tecnolgico do Pas.
No foi tarefa fcil transformar um texto de
duas linhas de uma nova lei em realidade.
Enquanto se esperava a regulamentao da Lei de
Inovao, a primeira providncia foi a Protec
colocar esse tema em um dos painis do 5 Enitec,
que se realizou em 9 e 10 de maio de 2005, na
Firjan, Rio de Janeiro. Para participar do evento e
do painel, foi convidado Eduardo Costa, diretor
da Farmanguinhos, rgo da Fiocruz dedicado
produo de medicamentos.
Neste painel, representantes da Petrobras e
Eletrobras mostraram como as empresas
procediam para assegurar que o fornecedor fosse
uma indstria brasileira: a licitao visava
contratar a fabricao local de modo a viabilizar a
inspeo de surpresa e, assim, assegurar a
qualidade necessria na data da entrega. Contou-
se, at, com o relato do j falecido engenheiro
Antonio Sergio Fragomeni, que por muito tempo
foi superintendente de compras da Petrobras,
que fazia as encomendas. O decreto de
regulamentao, n 5.563 (ver anexo), foi
publicado em 11 de outubro de 2005, quase um
ano depois, e apenas reproduziu os quatro
incisos do artigo 27 da lei.
Assim, foi substituindo a tradicional licitao
O uso do poder de compras do Poder Pblico
54
de compras pela encomenda direta de fabricao
dos medicamentos Lamivudina e Zidovudina por
Farmanguinhos (antes importados), que se
introduziu de fato o uso do poder de compra do
Estado como desenvolvedor de tecnologia. A
iniciativa contou tambm com o apoio do novo
titular da Setec, Luiz Antonio Rodrigues Elias, e da
assessoria jurdica de Denis Borges Barbosa.
Pouco depois, foi decretado o licenciamento
compulsrio do medicamento Efavirenz e
encomendada a sua fabricao no pas.
Criou-se, ento, uma situao estranha,
pois a Lei de Licitaes estava vigente, mas havia
um procedimento para encomendar a fabricao
local dos produtos com maior exigncia
tecnolgica. Esse aparente impasse foi resolvido
com o envio da MP 455 ao Congresso Nacional,
que a transformou na Lei n 12.349, sancionada
em 15 de dezembro de 2010, alterando e
regulamentando o inciso IV do artigo 27 da Lei de
Inovao. A sua regulamentao foi estabelecida
pelo Decreto n 7.546, de 2 de agosto de 2011
(institui a Comisso Interministerial de Compras
Pblicas); Decreto n 7.713, de 3 de abril de 2012
(frmacos e medicamentos); e Decreto n 7.767,
de 27 de junho de 2012 (produtos mdicos).
O uso do poder de compras do Poder Pblico
55
Quando eu estava na Fundao Oswaldo Cruz (Fiocruz) como professor,
encontrei o Carlos Gadelha, um jovem economista que tambm trabalhava
na fundao, e comeamos a desenvolver o conceito do Complexo Industrial
da Sade. Um pouco mais frente em 2000, 2001 fizemos um estudo para
o BNDES, um diagnstico da indstria de vacinas no Brasil: capacidade de
produo, modelo de gesto, perspectivas, potencialidades.
Na Fiocruz, em torno de 2002, criamos o Projeto Inovao, que era um
estudo prospectivo das indstrias do segmento do complexo mdico-
industrial e que nos permitiu desenvolver e refinar um pouco mais essa viso
inovadora que a das relaes entre sade e desenvolvimento. E quando fui
para o Ministrio da Sade, em 2007, levei toda esta discusso debaixo do
conceito de Complexo Industrial da Sade.
No plano que implantei durante minha gesto, um dos sete eixos era a
questo do Complexo Industrial da Sade, envolvendo j toda a discusso
sobre compras pblicas, o uso do poder de compras do Estado, o
estabelecimento de parcerias pblico-privadas, o fortalecimento da produo
de genricos e a ampliao dos investimentos em pesquisa e inovao. E em
2008 e 2009, quando o presidente Lula lanou a nova poltica de
desenvolvimento produtivo do Brasil, o Complexo Industrial da Sade estava
l como eixo estratgico do Governo. E evidentemente que algumas
Jos Gomes Temporo
Ministro da Sade do Governo Lula de maro de 2007 a dezembro de 2010.
Atual coordenador-executivo do Instituto Sul-Americano de Governo e Sade,
entidade ligada Unio de Naes Sul-Americanas (Unasul)
56
experincias que aconteceram durante essa trajetria fortaleceram nossa
estratgia, como a experincia das PPPs e o licenciamento compulsrio do
Efavirenz.
O licenciamento compulsrio do Efavirenz foi uma experincia impor-
tante do ponto de vista poltico para o Pas. Vnhamos negociando com o labo-
ratrio que detinha a patente a questo do preo do medicamento. No houve
grandes avanos na negociao. Ento, pela primeira vez na histria do Brasil
- ao contrrio de outros momentos, quando o Governo ameaava fazer o licen-
ciamento compulsrio, mas recuava quando conseguia um acordo econmico
que considerava razovel -, o processo foi at o fim. Ou seja, publiquei uma
portaria declarando o Efavirenz medicamento de interesse da sade pblica,
com base na legislao internacional, no tratado de Trips, no acordo de Doha.
Pela norma vigente, o laboratrio teve 30 dias para rever a sua posio e tentar
chegar a um acordo com o Governo, o que no aconteceu.
Durante esse perodo, houve um trabalho extremamente integrado
entre o Ministrio da Sade; das Relaes Exteriores, Indstria e Comrcio; e
Advocacia Geral da Unio, para que nos cercssemos de todas as garantias
jurdico-institucionais, legais, econmicas, de que aquela deciso no seria
passvel de qualquer tipo de questionamento, sequer jurdico. E 30 dias depois,
o presidente Lula assinou o decreto determinando o licenciamento compul-
srio do produto.
Em um primeiro momento, importamos o genrico da ndia, com o apoio
da Unicef, para substituir o produto de marca, enquanto preparvamos
Farmanguinhos e um conjunto de farmoqumicas privadas para o
desenvolvimento do genrico brasileiro - o que aconteceu no muito tempo
depois. Hoje o Brasil domina totalmente a tecnologia e esse produto
entregue ao Ministrio da Sade por Farmanguinhos. Isso nos permitiu
economia de divisas. Mais ainda, permitiu que o Brasil passasse a deter todo o
processo de produo desse produto.
57
Quando eu estava em Farmanguinhos, surgiram questes graves dos
preos que o Ministrio da Sade estava pagando para a aquisio dos
antirretrovirais e tambm de outros medicamentos. Ento propusemos a
licena compulsria do Efavirenz, publicamente. Foi uma inovao
importante no campo gerencial da aquisio dos insumos para a produo
farmacutica estatal.
Porm, tnhamos muitos problemas, porque as compras satisfeitas
atravs de importao, em geral pelo preo mais baixo, nos deixavam a
merc de uma srie de falcatruas. Produtos rejeitados em outros lugares
vinham para c.
Ento uma situao louca, em que o maior nome de laboratrio no
Brasil, em termos pblicos, uma instituio super respeitada como a Fiocruz,
no tem nenhum instamento jurdico-administrativo que possibilite
trabalhar a produo com eficincia. E comea por isso, porque no
conseguia comprar produto bom dentro dos parmetros legais, ou a tempo.
A cada vez que a Anvisa faz uma inspeo, se voc trocar o princpio
ativo tem que ter uma nova anlise da produo. A sistemtica? Tinha um
ano de validade. Ento, por que comprar o produto? Em vez de comprar o
produto vamos comprar o servio de produo. Com isso eu fao um contrato
Eduardo de Azevedo Costa
Ex-diretor de Farmanguinhos, laboratrio farmacutico federal da
Fundao Oswaldo Cruz (Fiocruz). Presidente da Fundao Nacional de
Segurana e Medicina do Trabalho (Fundacentro)
58
de at cinco anos e posso ir melhorando.
Ento a grande inovao, a histria do Ovo de Colombo, : em vez de
comprar o produto, comprar o servio de produo. E teve um detalhe que
colocamos a: para nossa capacidade de fiscalizao ser boa, queramos
produo local. Por estmulo nosso, depois saiu uma portaria assinada pelos
ministros do Planejamento, da Sade e do Desenvolvimento, dizendo que
esse era o modo preferencial de aquisio de produtos na rea dos
laboratrios oficiais.
Tivemos muitas contestaes dos importadores na Justia. Lembro de
uma reunio com a juza que ia julgar o caso. Expliquei para ela o que era
medicamento, coisa e tal. No meio da conversa, quando a juza ia fazer uma
anotao, pegou a caneta, olhou e jogou no lixo. Era uma caneta tipo
esferogrfica. Ento ela disse assim: Doutor Eduardo, se licitao pblica
no serve nem para comprar caneta que funcione, que dir para comprar
remdio. E fez um despacho favorvel gente.
59
Em 1990, a Finep encomendou um estudo sobre a importncia das
compras pblicas governamentais no desenvolvimento da tecnologia e
como motor especfico para inovao. E o que esse estudo aponta que as
compras pblicas representam um dos meios de interao do Estado mais
importantes para a promoo de um processo inovador, em particular nas
reas ligadas ao desenvolvimento de novas tcnicas, como acontece no setor
espacial e no setor militar.
(...) Algumas empresas vinham