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7/23/2019 Lies de Filosofia Do Direito - Giorgio Del Vecchio
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c o l e c A o
S T V D I V M
GIORGIODEL VECCHIO
C O L E C O S T V D I V M
TEMAS FILOSFICOS, JURDICOS E SOCIAIS
GIORGIO DEL VECCHIOda Universidade de Roma
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A R M N I O
A M A D O
Editor - Sucessor
LIESDE FILOSOFIA
DO DIREITO5. Edio
TRADUO DE
ANTNIO JOS BRANDO
REVISTA E PREFACIADA POR
L. CABRAL DE MONCADAE ACTUALIZADA POR
ANSELMO DE CASTRO
A R M N I O A M A D O E D I T O R , S U C E S S O R - C O I M B R A
7/23/2019 Lies de Filosofia Do Direito - Giorgio Del Vecchio
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LIESD E
FILOSOFIA DO DIREITO
7/23/2019 Lies de Filosofia Do Direito - Giorgio Del Vecchio
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C O L E C O S T V D I V M
TEMAS FILOSFICOS, JURDICOS B SOCIAIS
GIORGIO DEL VECCHIOProfessor da Universidade de Roma
LIESDE
FILOSOFIA DO DIREITO
TRADUO DE
ANTNIO JOS BRANDOJ.aEDIO CORRECTA E ACTUALIZADA
SEGUNDO A IO.aE LTIMA EDIO ITALIANA
REVISTA E PREFACIADA POR
L. CABRAL DE MONCADA
E ACTUALIZADA POR
ANSELMO DE CASTRO
A R M N I O A M A D O - E D I T O R , S U C E S S O R - C O I M B R A - 1 9 7 9
7/23/2019 Lies de Filosofia Do Direito - Giorgio Del Vecchio
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Titulo original:Leziooi dl Filosofia dei Dtrltto
Autor:Giorgio Del Vecchio
Direitos exclusivos em lngua portuguesa deArmnio Amado Editor, Sucessor
Ceira Coimbra Portugal 1979Coleco Studium,n.0158 e 59
P R E F C I O
A Filosofia do direito hoje mais em voga, de data rela-
tivamente recente. A sua histria no vai muito alm de umagerao, remontando a pomo mais de sessenta anos.
Se tomarmos como ponto de referncia, para marcar o
incio dessa modernidade, o momento da renovao da filosofia
deKantno sculo transacto, poderamos dizer que tal filosofia
se subdivide fundamentalmente em dois perodos separados um
do outro pela primeira guerra mundial: o doNeokantismo e o
da reaco contra ele. Devemos, sem dvida, ao primeiro o des-
pertar da reflexo filosfica no campo jurdico, depois do largoperodo positivista que acompanhou quase toda a segunda
metade do sculoxix. J, porm, lhe no devemos o estado mais
actual da nossa conscincia filosfica em nenhuma das grandesdirectrizes em que esta se afirma.
Ao grito de Liebmann, zuriick zu Kant (voltemos a
Kant), de 1865, sucedeu um estado de esprito que se poderia
talvez exprimir melhor pelo grito precisamente oposto: fujamosde Kant. preciso reconhecer isto: a mais moderna filosofiaultrapassou Kant numa larga frente, e foge dele. E contudo,
facto no menos notvel: a influncia e a sombra de Kantcontinuam a perseguila. Hoje, como escreveuOktega, as portas
dapriso kantiana parecem abrirse de par em par. Os presos
evademse de l um a um! E contudo esses presos evadidos
conservam ainda c fora, j na liberdade, muitos dos hbitoscontrados na priso.
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8 PREFACIO
Ao subjectivismo da Crtica kantiana sucedeu o bjecti
vismo de um conhecimento de novo voltado para o ser. Toma-
ram a reatarse neste ponto, em determinados sectores do pen-
samento filosfico contemporneo, as melhores tradies da
Philosophia perennis. 0 ser, a realidade, e a Ontologia que osestuda, protendem a retomar o seu antigo lugar no centro da
especulao filosfica, submetendo a si novamente, emboraseguindo outras vias, como nos melhores tempos da Grcia eda Idade Mdia, o estudo do sujeito, da lgica e da Teoria do
conhecimento. Arevoluo copemiciana, a que aludia o smile
deKant, insiste em produzirse, mas desta vez no sentido inverso
do imaginado pelo filsofo de Konigsberg. Os termos da pro-
blemtica gnoseolgica so, uma vez mais, invertidos ou, pelo
menos, profundamente modificados nas sum relaes. No centro
do sistema solar do conhecimento fica, outra vez, o objecto.
E gravitando em volta dele, como a Terra em volta do soi, est
outra vez o sujeito. Mais do que isso: Constituindo como que ofundo longnquo, mas no j julgado de todo inacessvel ao
nosso rgo visual filosficoespcie de esfera celeste sobre
a qual este novovelho sistema planetrio das relaes entre o
sujeito e o objecto se desenha eis outra vez retomada aMetafsica, que Kantprudentemente tentara afastar, que os
neokantianos quiseram radicalmente eliminar, e dentro da qual
voltam a perfilarse todas as inquietaes e anseios de infinitoque agitam a alma contempornea. Mas, facto no menos
curioso: este estremecimento o de uma alma muito mais rica
na conscincia de si mesma, e isso precisamente devido, em
grande parte, s profundidades da prpria reflexo kantiana.Esta, nos seus grandes traos, a situao do presente.
A moderna Filosofia do direito, hoje mais em voga, nasceu poissob o signo doNeokantismo, e foi um rebento da grande rvore
da filosofia kantiana. E se hoje, passados cerca de trinta anos, vemos aquela enveredar, em larga medida, por outros caminhosem demanda de outros horizontes, como por exemplo, os de
um novo idealismo objectivo ou os de um novo Direito natural,
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em que o melhor da Escolstica ressurge renovado, a primeira
pergunta a fazer aos representantes destas diversas correntes, e ser sempre a mesma: como foraram eles as portas
da priso? Por onde saram dela? Que elementos conservaram
da lio deKant?Ponhamos justamente estas perguntas a respeito do ilustre
filsofojurista italiano, Giorgio del Vecchio, cujas Lezionisaem hoje em traduo portuguesa, qwal estas despretenciosas
linhas pretendem servir de prefcio. Qual o seu sistema deideias? Em que relao se acha com Kant e oNeokantismo?
Em que medida os ultrapassa?
A construo de ideias dedel Vecchio nasceu em 1902,
depois de largos estudos feitos na Alemanha, com o seu primeiro
trabalho, intitulado II sentimento giairidico. A encontramos j
em germe todo o seu ulterior sistema de ideias filosficats, como
este veio a desenvolverse. Nasceu tal sistema sob o signo do
Neokantismo, ento em plena ascenso. A influncia de Mar
burgo e as afinidades com o pensamento deStammlerso nele
inegveis. Tal qual este,del Vecchio atribui tambm Filo-
sofia do direito, como objecto prprio das suas investigaes,
estes dois temas capitais: a determinao do conceito de direito,
e a determinao do ideal jurdico. Que direito, e como deveser o direito? Eis a tambm as duas preocupaes mximas
iniciais do filsofo italiano. A primeira chamase uma questo
lgico-gnoseolgica; segunda uma questo tico-axiolgica.A primeira referese ao conhecer e ao conhecimento; a segunda
ao dver ser e ao obrar. S certo quedel Vecchio lhes acres-centou uma terceira, emprico-fenomenolgica, relativa ao ser
histricosocial do direito, afastandose neste ponto da sua ins-
pirao kantiana de origem. Mas esta terceira parte ou captulo
da sua temtica, digase de passagem, hoje considerada uma
espcie de corpo estranho e menos filosfico no sistema das
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suas ideias, devendo verse nela antes o resduo das correntesdo sociologismo naturalista do sculoxix, ou seja, do positivismo
e historicismo, que ainda se reflectem na formao do seuesprito.
Mais importante, porm, notar as posies fundamentaisa que o ilustre professor italiano se soube elevar no segundo dos
temas capitais, a que acabamos de nos referir, dado que noprimeiro ele pode ser considerado um nekantiano da Escola de
Marburgo. , com efeito, na parte referente determinao
do ideal jurdico quedelVecchiosobretudo ultrapassa o kantismo, fundando uma nova metafsica.
J se tem chamado ao sistema de ideias delvecchiano umidealismo crtico. Isto, sem dvida, em ateno ao subjecti-
vismo transcendental do seu ponto de partida: a Oitica da
Razo paira. Tal designao contudo est longe de ser justa,
se sem reservas a quisermos aplicar ao todo desse sistema. Se
conservarmos palavra crtico o seu significado rigorosa-mente filosfico, a designao s poder aplicarse primeira
parte das suas investigaes. De idealismo crtico s h nasua obra a atitude inicial; digamos: o primado por ele atribudo
ao problema do conhecimento, a maneira como procura deter-
minara priori o conceito de direito; e ainda a sua maneira de
conceber as relaes entre o direito e a moral. Mas esteidea-
lismo crtico j do mesmo modo se no revela, com a mesma
pureza e intensidade, na segunda parte da temtica do filsofo,
onde ele menos fiel primeira orientao, para se deixaratrair na rbita de outros mundos de ideias.
A determinao do ideal jurdico, ou seja, do direito justo, aquela parte da Filosofia jurdica, a que quase exclusivamente
se consagram os filsofos juristas de todos os tempos, e a quemais usualmente se d o nome deDireito natural. E sabeseque o Neokantismo, com Stammler e del Vecchio, reagindo
contra o positivismo e o naturalismo do sculo xix, e apesarda raiz kantiana do seu pensamento, foi neste sculo, fora da
Escolstica, o verdadeiro restaurador da ideia dum Direito natu
rol. Isto inegvel. Como procurou, porm,delVecchioassen-
tar e fundamentar a sua concepo de um Direito natural?Diremoss duaspalavras a este respeito, por estar a opunctum
saliens da sua emancipao do kantismo.Kant der ar nos, como geralmente sabido, o derradeiro
termo na linha de evoluo das ideias jusnaturalistas do
sculo xvm. Tambm ele foi, sem dvida, jusnaturalista. Maso seu Direito natural, pelo total esvaziamento da Razo (Ver-
nunft) dos seus contedos empricos, ficara reduzido a uma
forma vcua e pobre, espcie de moldura sem quadro, tabela
sem nmeros, ou ainda a uma figura abstracta qual fora rou-
bada toda a vida. Alm disso, esse direito deixou de se impor
do exterior ao homem, passando a imporselhe do interior. Deixem de estar necessariamente ancorado num ser transcen-
dente ou numa natureza repleta de momentos empricos, para
ser considerado uma simples lei da Razo. Os seus preceitos
ideais, universais, no iam alm disto: obra por maneira quepossas sempre tratar a vontade livre e racional, isto , a humanidade, em ti e nos outros, como um fim e no como um meio.
Ou ainda: obra por forma que a tua liberdade (no o mesmoque o arbtrio) possa sempre harmonizar-se com a liberdade
dos outros, segundo uma lei geral de liberdade para todos.
Tudo o que de concreto podia extrairse do conceito de direitoparaKant, como direito natural, consistia nisto. ComKant o
jusnaturalismo mirrarase num absoluto e total jusracionalismo,convertida a Razo numa forma pura e sem contedos.
Esta orientao foi tambm ainda a seguida porStammler.
Stammler, porm, j lhe no foi inteiramente fiel. O formarlismo criticista deste filsofo j no foi to rgido como o de
Kant. Assim, quando ele tratou de definir o seu conceito de
Direito natural, alis englobado na ideia formal de justia, vol-taram a aparecer dentro dele, inopinadamente, certas ideias,
como a de personalidade livre e a de comunidade humana ou
Estado, que, embora ele o no pensasse, tinham muito mais
de emprico que de puramente racional e estavam longe de cor-
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responder a puras formas lgicas. Por outro lado, a preocupa-
o teleolgica ou finalista, embora sem projeco metafsica,
queKant arredara, voltava tambm a desempenhar na cons-truo deStammlerum importante papel.
Ora importa notar que este afastamento, a princpio quase
insensvel, do pensamento kantiano, e sobretudo este abraar
de preocupaes teleolgicas, vm a produzirse emdelVecchionum grau muito maior do que em Stammler, conduzindoo
a edificar, por ltimo, na base do seu neokantismo, um verda-
deiro e novo sistema metafsico de ideias. E este o pontodecisivo.
Anatureza humana qualdelVecchiovai buscar o cri-
trio para definir o ideal jurdico, o direito justo, com efeito,
nem uma realidade puramente emprica, como era para muitos
dos jusnaturalistas clssicos, nem mera ideia racional e a/penas
formal, como era paraKant. antes uma realidade espiritual
orientada por fins e fazendo parte de um universo tambm teo-logicamente estruturado.Anatureza humana , neste sentido
diz ele um princpio vivo que anima o universo e se
exprime na infinita variedade do seu desenvolvimento. S aquela
substncia que reconhecemos imune da angstia da causalidade:
a razo anterior que d normas a todas as coisas e lhes assina
a sua prpria tendncia'. E uma tal visualizao teolgica
notese desde j no , como era paraKante os nekan
tianos, um simples princpio regulativo, heurstico, da nossa
compreenso de certas coisas, ou um certo ngulo de viso ou
ponto de vista no essencial, s aplicveis esfera do humano.
mais. uma estrutura da realidade que abarca o universoe o homem. Tratase de uma teleologia no regvlativa, mas cons-
titutiva e carregada de momentos ontolgicos. , porm, evi-dente que uma tal concepo da natureza humana, como a danatureza em geral, est j muito para alm do kantismo, econstitu uma nova metafsica. E o mesmo se diga do conceito
de personalidade humana que est na base destas ideias. Che-gado a este ponto, dirseia que a que o nosso filsofo dban
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dona definitivamente a lio deKant, sem poder permanecer
por mais tempo dentro do ergstulo kantiano. Foi por a quedel Vecchio se evadiu dele: pela porta das concessesquealis o Neokantismo, com Stammler, j comeara a fazer
svisualizaes teleolgicas da realidade, atravs das quais vol-
tavam a descortinarse, c fora, em vasta perspectiva, as sedu-
toras paragens metafsicas. O ilustre mestre italiano alargouainda mais esse buraco, j aberto nas grades da dita priso,
pelo telelogismo stammleriano. E contudo, conforme j atrs
notmos, tambm neste caso o evadido de tal priso no pode
esquecerse dela, e continuou a conservar vivo o hbito das for-
mulaes gnoseolgicas de ntido sabor kantiano. Ao darnos
o preceito supremo do seu Direito natural, o formalismo kantianoerguese de novo. Assim dele esta frmula:obra por maneira
que sejas, no simples meio ou veoulo das foras da natureza,
mas um ser autnomo com a dignidade de princpio e fim; no
como indivduo emprico {homo phaenomenon), mas como serracional (homo noumenon). No parece estarse a ouvir ainda
a voz do mesmoKant?E poderemos ns depois disto continuar a chamar ainda
Idealismo ao sistema de ideias dedelVecchio?Se por Idealismo entendermos o Idealismo crtico, subjec-
tivo e transcendental, que reduz todo o mundo das nossas repre-sentaes a um jogo de formas criadas por uma conscinciaem si mesma*, uma Bewusstsein berhaupt, no necessria e
ontlogicamente ancorada num ser transsuibjectivo, absorvida
toda a filosofia numa Teoria do conhecimento, como j disse-
mos acima, evidente que no. Aquilo que ele conserva deKantno o bastante para o incluir sob a rubrica desse .. .ismo.
Neste sentido,delVecchiono kantiano nem idealista. O seu
Idealismo no um Idealismo epistemolgico nem critico. Mas
se por Idealismo entendermos toda a outra concepo do uni-
verso caracterizada pla afirmao de uma realidade metafsica
das ideias, quer em sentido platnico, como transcendncia, quer
aristotlico, como imanncia, ento poderemos tranquilamente
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continuar a chamar a del Vecchio um idealista. Simplesmente:
o seu idealismo ser ento um Idealismo metafsico.
O Idealismo de del Vecchio , alm disso, uma forma de
Idealismo parecida em vrios aspectos com muitas outras que
pulularam na histria da filosofia do sculo xix e do actual,em que, como j foi notado porRecasens (*), tomam a aparecer
muitos momentos derivados de todas as grandes correntes doIdealismo alemo postkantiano. Fichte com a sua concepo
do Eu, principio absoluto e autnomo, do qual toda a realidade
do noeu no passa de ser uma funo; Schelling com o seu
organicismo teleolgico e metafsico, inspirador do sistema de
Krause; Hegel com o seu panlogismo tambm metafsico, de
uma Razo universal que acaba por se fazer natureza, cons-
cincia e espirito, a si mesmo se contemplando como pensamento
absoluto, etc., todos estes momentos, com efeito, surgem aqui
e alm, como ingredientes de rpida fulgurao que logo se
diluem, absorvidos na sntese do pensamento delvecchiano. Nele,poderia dizerse, esto em germe todas as formas conhecidas
do Idealismo ocidental. Poderamos tambm chamarlhe por
essa razo um Idealismo eclctico.
Recentemente, del Vecchio converteuse ao Catolicismo.
Este facto tem levado alguns escritores a darem ao sistema
das suas ideias uma nova interpretao, tendente a desliglo
de certos dos seus momentos kantianos, principalmente do que
no kantismo h de formalismo tico e jurdico, bem como de
muitos dos seus ingredientes hegelianos e scheTlinguianos, para
o aproximarem de outras concepes e pontos de vista maisconsentneos com um jusnaturalismo escolstico de pura base
tomista. Pretendeuse descobrir a como que o balbuciar duma
verdade eterna e absoluta, em profunda concordncia com as
verdades fundamentais do Cristianismo.
(') Direcciones contemporneas dei pensamiento jurdico,pg. 107.
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Conquanto, na sua generalidade, nos parea inteiramente
justificada esta ltima pretenso, no julgamos, porm, vivel
nenhuma tentativa de interpretao das ideias de del Vecchio
em conjunto sobre a base de uma amputao de tal natureza
de quaisquer dos momentos que elas contm. Uma amputao
destas equivaleria a uma violncia praticada contra a realidade
histrica do sistema que elas constituem, como esse sistemafoi vivido e pensado pelo seu autor. Se o sistema pode em si
mesmo ser considerado como contendo algo de contraditrio,
preciso reconhecer que tal contradio est sobretudo na poca
e na situao histrica mental, de que ele emerge. H contradi-
es orgnicas no ntimo de muitos sistemas de ideias, cuja tentar
tiva de eliminao, longe de os purificar, os torna simplesmente
incompreensveis como dado existencial de um pensamento
vivido.
Por isso, conclumos:
O sistema de ideias do ilustre autor destasLezionipertence
historicamente, de uma maneira definitiva, ao quadro da filo-
sofia idealista dos fins do sculoxix e mergulha as suas razes
no terreno das mais autnticas tradies do Idealismo alemo
kantiano, postkantiano e neokantiano. a tentativa de uma
sntese dessas trs formas de Idealismo, reflectindo osque todas
elas alis tm de inacabado e de contraditrio entre si. Nenhum
desses elementos contudo assume nele a consistncia de uma
orientao ou directriz assaz forte, para lhe poder ser atri-
buda anacionalidade de uma qualquer dessas trs formas deIdealismo como nica e exclusiva. Nem to pouco os seus mo-mentos metafsicos e jusnaturlsticos esto suficientemente
libertos de preocupaes crticas, para se supor que na con-
tinuao da linha lgica do sistema possa vir a encontrarse,
ao fim e ao cabo, a pura escolstica tomista.
A obra deste insigne filsofojurista pode, numa palavra,
caracterizarse, na sua suprema inteno filosficae nisto
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vai a melhor homenagem que lhe podemos e devemos prestar
como mais um grande esforo por conciliar entre si as duas
grandes correntes deste sculo, principalmente a partir da pri-meira guerra mundial: a das exigncias do espirito critico,
aplicado a todo o conhecimento, de que foi paradigma a lio
deKant, e a das novas exigncias de um mais puro idealismo
tico. Por outras palavras: entre o que de eterno h emKant,
e as aspiraes de uma nova tica de valores materiais, no
simplesmente formais no sentido de Max Scheler supe
radora de todo o logicismo, a acenar para uma nova metafsica
em que volta a verse ao longe o claro das grandes verdadesdo Cristianismo.
A soluo pessoal religiosa que o nosso ilustre amigo deu
ao problema dessa conciliao, no uma soluo lgica do
sistema, como j contida nele, mas uma soluo do homo
religiosus,para alm de todo o filosofar, que delVecchio.
CabraldeMoncada
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DUAS PALAVRAS DO TRADUTOR
Costumase dizer que os livros tambm possuem um destino.Se fosse necessrio ilustrar com um exemplo o adgio, nenhum
outro melhor podia ser encontrado que o dasLies de Filosofiado Direito do ilustre Reitor da Universidade de Roma, o Pro-
fessor Giorgio del Vecchio. Editadas pela vez primeira em
1980, dois anos depois, em 1982, tomavase necessria outra
edio, j esgotada em 1986, ano em que se publica a terceira.
A guerra impediu que sasse nova edio em 1989; esta publicada em 1944; mas, logo no ano seguinte, houve necessi-
dade de imprimir a5. a mesma que nestes dois volumes se
apresenta ao mundo da cultura lusada na verso portuguesa.
Entretanto, o livro havia feito carreira fora da Itlia. Tror
duzido para espanhol, francs, alemo, turco e japons, correra
mundo, por toda a parte recebendo o prmio devido ao autor
pelo notabilssimo esforo precursor de que as lies so o coroar
mento e a sntese.Com o brilho e a proficincia habituais fez o meu querido
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Muitas vezes se repreende a Filosofia do Direito por andar
longe do mundo e da luta dos humanos interesses; e os seus
cultores, por se alhearem das preocupaes correntes do homemde leis, para nada os ajudando no momento em que melhorou mais fundamente desejam meditar o Direito. Pois bem: oreparo no pode ser dirigido a estas Lies, onde se mantm
contacto estreito com os dados da vida jurdica, sem todaviase cair na redundncia intil de repetir em termos filosficos
o j dito pela cincia dogmtica do Direito. Eis a razo pela
qucU elas tm actuado, por toda a parte, como despertador eficaz
da vocao filosfica dos juristas. Oxal continuem a cumprir
em Portugal to afortunado como benfico destino.
AntnioJosBrando
PREFCIO DO AUTOR7A EDIO ITALIANA (1950)
A reviso a que foi submetida a presente edio no intro-
duziu na obra nenhuma modificao substancial. Breves foram
os acrescentamentos sofridos pela parte histrica (por exemplo,
quanto Filosofia do Direito na Alemanha) e o mesmo se digados sofl idos pela parte sistemtica (por exemplo, os relativos
ao Tribunal constitucional, aos direitos potestativos, ao matriar-cado, ideia de progresso e luta pelo justia). Fizeramse
tambm alguns retoques com o fim de introduzir na exposio
maior clareza e preciso. Por ltimo, em ordem a atingir o
mesmo fim, introduziuse igualmente leve alterao na ordem
das matrias, no tocante s normas tcnicas e aos destinatriosdas normas jurdicas.
Possam os desvelos consagrados a esta nova edio e osmelhoramentos nela introduzidos testemunhar, ao menos, a gra-
tido do autor pelo constante e cada vez maior favor com quea obra tem sido acolhida pelos estudiosos.
Roma, 1950
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PREFCIO DA 8A EDIO
A presente edio foi tambm objecto de uma nova revisodo autor, apesar do reduzido tempo decorrido sobre a prece-
dente. Nela se introduziram numerosos retoques e alguns adita-mentos, como sejam, quanto a estes, as mais completas refe-
rncias, na Parte Histrica, a Gioberti, Mazzini e a outros
autores italianos e estrangeiros, com o que se preencheramvrias lacimas; e, na Parte Sistemtica, a reelaborao e melhor
esclarecimento de alguns pontos, por exemplo, dos factos e actos
jurdicos, o Estado e a sociedade dos Estados, etc.Sem nada prejudicarem a ndole originria da obra, de
manual escolar, os desenvolvimentos que vm sendo introdu-
zidos, progressivamente, nas vrias edies, no deixaro tam-
bm de ser de algum modo teis aos estudiosos em geral das
doutrinas jurdicas.
Roma, 1951
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PREFCIO DA PRESENTE OA EDIO
A presente 10.aedio, ao contrrio da 9.aedio, quase
idntica precedente, contm vrias alteraes e aditamentos
de certa importncia, tanto na Parte Histrica como na Siste-
mtica.Aditouse tambm a esta edio um ndice analtico, de
acordo com os votos expressos por alguns estudiosos.
Rama, Dezembro de 1957
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B I B L I O G R A F I A
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a 1934).Rivista internazionale di Filosofia del diritto(Roma, desde 1921).
Revue Internationale de la thorie du droit(Brno, desde 1926 a 1939).
Archives de Philosophic du droit et de Sociologie juridique (Paris, desde1931 a 1940; nova srie, com o ttulo: Archives de Philosophic dudroit,desde 1952).
Anurio de Filosofia del derecho(Madrid, desde 1953).
PARTE HISTRICA
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HISTRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO
Consideraes preliminares
De cada cincia vantajoso conhecer a histria. Mas a
importncia de tal conhecimento faz-se sentir de modo particular
a respeito das disciplinas filosficas: em estas, o presente, sem
o passado, carece de sentido; e o passado revive no presente.
Os problemas filosficos que hoje discutimos so fundamen
talmente os mesmos que aos filsofos antigos se mostraram,
ainda que de modo germinal ou embrionrio. O exame dos sistemas filosficos, por outro lado, proporciona-nos uma srie
de experincias lgicas. Ao efectu-las, aprendemos a ver a
que concluses se chega quando se parte de certas premissas
e, assim, a tirar partido da aprendizagem, com o intuito de nos
avizinharmos de sistema mais perfeito, que seja produto de
mais intensa maturidade, capaz de evitar os erros j entretanto
cometidos e de aproveitar os progressos j entretanto atingidos.
A Histria da Filosofia , por conseguinte, meio de estudo
e de investigao, e, como tal, poderosa ajuda para o nosso
trabalho: oferece-nos repositrio de observaes, de raciocnios,de distines, que a um homem s, no decurso da vida, seriaimpossvel ocorrer. Acontece-nos o mesmo que a qualquer art
fice actual que, agora, seria incapaz de ser o inventor de todos
os instrumentos da sua arte.
No caso particular da Filosofia do Direito, a histria dela
mostra-nos sobretudo que em todas as pocas se meditou sobreo problema do Direito e da Justia. Logo: o facto denuncia
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32 LIES DE FILOSOFIA DO DIREITO
que tal problema no uma inveno artificiosa mas corres
ponde necessidade natural e constante do esprito humano.
A Filosofia do Direito, porm, no se nos depara, nas suasorigens, como disciplina autnoma mas mesclada com a Teo
logia, a Moral e a Poltica; s pouco a pouco se operou a sua
autonomia. Nos primeiros tempos, a confuso foi completa e,
no Oriente, temos o seu melhor exemplo, pois, a, os livros
sagrados apresentam-se simultaneamente como tratados de Cos
mogonia, de Moral, e contm elementos de outras cincias,
assim tericas como prticas. Nestes escritos predomina o esp
rito dogmtico. Neles o direito concebido maneira de pres
crio divina, superior ao poder humano, e, por isso, no como
objecto de discusso e cincias, mas to s de f. As leis
positivas so tambm consideradas indiscutveis; e no se julga
susceptvel de fiscalizao e limite o poder existente, expresso
da divindade. Em esta fase, prpria dos povos orientais, ainda
o esprito crtico no se tinha manifestado. Contudo, injusto
seria olvidar que muitos destes povos, sobretudo os hebreus,os chineses e os indianos deram notvel impulso aos estudos
filosficos, sobretudo no respeitante Moral.
A Filosofia Grega
Primrdios
a Grcia a ptria por excelncia da Filosofia, que nela
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HISTORIA DA FILOSOFIA DO DIREITO 33
quatro elementos: gua, ar, fogo e terra), no tem importncia
para o nosso estudo.
Outra escola, quase contempornea da jnica, a Eletica,tentou responder ao mesmo problema pela boca dos seus repre
sentantes Xenfanes, Parmnides, Zeno de Eleia, Melisso
de Samos mas de modo bem mais profundo e reflectido.
Erguendo-se at um conceito metafsico, sustentou que o ser
uno, imutvel, eterno. Por outro lado, aceita uma nica dis
tino: entre aquilo que e aquilo que no , Daqui a negao
do conceito de devir e de movimento: ambos correspondem
apenas a iluso dos sentidos. No de admitir o nascimentoe a morte, o trnsito entre ambos.
Relacionam-se com as doutrinas das Escolas Jnica e Ele
tica as doutrinas de outros filsofos, como Eraclito, que sustenta,
ao contrrio dos Eleticos, o conceito do devir; Empdocles,
que formulou a teoria dos quatro elementos: o fogo, o ar, a gua,
a terra; Anaxgoras, Demcrito, etc., que consideram tambm
no o problema tico-jurdico, mas o cosmolgico ou o do ser
em geral; embora encontremos j uma outra refernciaquele problema em Herclito e Demcrito.
Mais forte conexo com a nossa disciplina apresenta outra
escola desta poca: a Pitagrica.
Pouco se conhece de Pitgoras, quer quanto vida, quer
quanto doutrina. Nascido em Samos, no ano de 582 A. C.,
emigrou para a Itlia meridional, para Orotone onde fundou
uma sociedade, com adeptos escolhidos da sua doutrina. Esta
corporao aristocrtica, de carcter religioso e moral, vincu
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34 LIES DE FILOSOFIA DO DIREITO
contestou. Particularmente importante o estudo do continua-
dor de Pitgoras, Filolau, contemporneo de Scrates, com o
seu escrito Da Natureza( uepl
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36 LIES DE FILOSOFIA DO DIREITO
Como pelo exposto se d conta, os Sofistas eram cpticos
em moral, mais negadores e destruidores do que construtivos
e afirmativos. No Obstante, grande mrito foi o seu por terem
atrado a ateno dos homens sobre dados e problemas relativos
ao homem, ao pensamento humano; e a perturbao trazida
pela sua actividade conscincia pblica foi ainda benfica e
fecunda, pois aguou o esprito crtico para muitos temas queat ento a ningum preocupavam. Enquanto os filsofos da
escOla Jnica se haviam entregue exclusiva meditao do
mundo externo, os Sofistas deram o seu interesse a proble
mas psicolgicos, morais e sociais. A eles se deve, por exem
plo, a colocao rigorosa do problema de saber se a justia
tem um fundamento natural; se aquilo que justo por lei ou,
como ns dizemos, o direito positivo tambm justo por
natureza (a anttese entre o v^w Styaiov e o
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38 LIES DE FILOSOFIA DO DIREITO
O que nos afirmou do saber em geral vale tambm para
o saber jurdico. Para alm das coisas singulares devemos aprender a ver a universalidade. Aqueles que apenas conseguem ver
a variedade das coisas justas, as simples teses ou normas
jurdicas, mais no a Justia em si, no merecem o nome de fil
sofos (91X600901). So antes amantes de opinies (91X086^01).
Acima das contradies do mundo emprico, objecto da opinio,
existe o mundo inteligvel, objecto da cincia. Filosofia , preci
samente, amor da cincia.
Scrates, deste modo, lanou as primeiras pedras para
um sistema filosfico idealista, mas no construiu o edifcio,
que foi obra de Plato. Ensinou o mtodo do filosofar, sobre
tudo no respeitante tica, reagindo contra o cepticismo pr
tico dos sofistas na procura do Bem.
Ensinou a respeitar as leis (que os Sofistas haviam ensi
nado a desprezar), e no s as leis escritas, mas tambm as
que, embora no escritas, valem igualmente em todos os luga
res, e so impostas pelos deuses aos homens.Scrates afirmou assim a sua f em uma Justia superior,
para a validez da qual no preciso sano positiva, nem
formulao escrita. A obedincia s leis do Estado , no entanto,
para Scrates, um dever que deve cumprir-se em todos os
casos. O bom cidado deve obedecer mesmo s leis ms, para
no estimular com a sua atitude os maus cidados a violar
as 'boas. O prprio Scrates exemplificou em vida este prin
cpio, pois, acusado injustamente de ter introduzido novos deu
ses e corrompido a juventude, foi condenado morte por este
pretenso delito, enfrentando serenamente a execuo da sen-
tensa em vez de aproveitar a fuga que amigos aflitos lhe haviam
preparado. A acusao de ter introduzido novos deuses, j feitapor Aristteles na Rane, foi possvel s porque Scrates se
dizia inspirado por uma divindade (Sa[[Av), que no era outra
seno a sua conscincia; e esta atitude, que parecia contrria religio dominante, serviu de pretexto aos seus inimigos. A ma
neira sublime e serena como encarou a morte toma ainda mais
historiadafilosofiadodireito 39
admirvel a sua figura e faz dele um precursor de outros mr
tires do pensamento. Pelo seu ensino, dedicado investigao
dos princpios racionais da actividade humana, Scrates merece
ser considerado um dos principais (se no absolutamente, o
primeiro) dos fundadores da tica.
Plato
As obras do grande discpulo de Scrates, Plato (427-
-347 A. C.), escritas em forma de dilogo, figuram o Mestre
na ocasio de discutir com discpulos e com Sofistas, seus adver
srios, de sorte que o sistema platnico parece vir de Scrates.
No foi este, porm, o edificador: Scrates abriu caminho
especulao filosfica, mas no nos legou sistema completo.
O Scrates platnico no coincide com o Scrates histrico,
mas, em grande parte, o prprio Plato.
Das doutrinas deste s nos ocupamos na medida em que
interessam especialmente nossa doutrina. Mencionaremos doisdos seus dilogos, a Repblica, ou rcoXixea (que melhor se tra
duziria por Estado) e as Leis, ou Nfxou A estes, acrescen
taremos outro, que fica entre os dois primeiros, intitulado o
Poltico 7roXmx0.De todos, o mais importante o primeiro, em que Plato
nos apresenta, como todo o rigor, a sua concepo do Estado.
Ele pretende encarar o problema da Justia no Estado, pois,
como ele diz, ali ela pode ser lida mais claramente, porque
est escrita em caracteres grandes, ao passo que, em cada
homem, est escrita com letras pequenas.
Para Plato, o Estado o homem em grande, ou seja:
um organismo completo, em que se encontra reproduzida a
mais perfeita unidade. Constitudo por indivduos, solidamente
estruturado, semelha um corpo formado por vrios rgos,
cujo conjunto lhe toma possvel a vida. No indivduo, corno noEstado, deve reinar aquela harmonia que se obtm pela virtude.
A Justia a virtude por excelncia, pois consiste em uma
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relao harmoniosa entre as vrias partes de um corpo. Ela
exige que cada qual faa o que lhe cumpre fazer (x au-rou
7tp
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es estaduais. Por aqui se verifica quo erroneamente inter
pretam a teoria platnica aqueles que teimam em ver nela a
precursora do socialismo hodierno. Platofoi conduzido sua
concepo do Estado ideal, no por consideraes econmicas
mas por preocupaes ticas e polticas.Ficam assim resumidamente expostos os conceitos formu
lados por Plato no dilogo da Repblica. O dilogo acercadas Leis, composto mais tarde, quando Plato ultrapassava
os setenta anos, apresenta j carcter diferente. Aqui, em vez
de nos dar a descrio de um puro ideal, considera antes a
realidade histrica nos seus aspectos contingentes e permite-nos
avaliar o seu admirvel senso prtico. No dilogo da Repblica,
Plato tinha formulado a mxima de que os sbios devero
governar segundo a sabedoria; e, se admitirmos que a sabe
doria domina o mundo as leis sero suprfluas (neste sentido,
leia-se ainda o Poltico, 294 a 299); mas se considerarmos
a prtica, e a natureza humana concretamente, constatamos
a necessidade das mesmas. O dilogo das leis exprime precisamente a passagem entre aquilo que idealmente devia ser e
aquilo que a vida impe, e trata longamente o problema da
legislao. E isto sem afectar os princpios fundamentais expos
tos na Repblica. Plato reserva para o Estado uma funo
educadora. Por isso quer as leis acompanhadas de exortaes
e dissertaes que expliquem os seus fins. s leis penais atmbuifim essencialmente teraputico. Plato considera os delin
quentes como enfermos (posto que, segundo o ensinamento
socrtico, nenhum homem voluntariamente injusto): a lei
o meio para cur-los, a pena o remdio para os mesmos.No entanto, no se recusa a tirar as ltimas consequncias
da sua atitude. Pelo delito, nem s o delinquente revela estar
enfermo, pois tambm o Estado se ressente da sua enfermidade.
Quando a sade do Estado o exige, isto : quando esta seacha permanentemente ameaada por um delinquente incorri
gvel , impe-se a supresso do delinquente para salvaguarda
do bem comum. A este propsito convm notar a diferena
HISTORIA DA FILOSOFIA DO DIREITO 43
entre a concepo de Plato e a da moderna Escola de Antro
pologia criminal. Esta considera a delinquncia como um pro
duto da degenerescncia fsica, ao passo que, para Plato, o
delinquente intelectualmente deficiente, a sua enfermidade
aberrao, ignorncia da verdade, ou seja: da virtude que
conhecimento da verdade.
No dilogo das Leis, Plato mostra um maior respeito dapersonalidade individual (muito embora os escravos fiquem sem
pre excludos). A famlia e a propriedade so conservadas e j
no sacrificadas a uma espcie de estadualismo, como na Rep-
blica.No entanto, autoridade do Estado concede ainda impor
tncia sobrepujante. A ele compete fixar a repartio da pro
priedade (e da a diviso dos indivduos por classes), intervir
nos matrimnios e vigiar a vida conjugal (sujeita sempre a
uma rigorosssima vigilncia), dirigir a actividade musical e
potica (tambm esta regulada para fins educativos), superin
tender na religio, no culto, etc.... Quanto forma poltica,
critica Plato tanto a monarquia como a democracia, em queuma parte dos cidados manda enquanto a outra obedece, pro
pondo uma espcie de sntese de ambas, cujo modelo sobretudo o regime de Esparta (onde ao lado de dois reis, havia oSenado e os Eforos).
Como dissemos, neste dilogo encontra-se notvel base his
trica ; por exemplo: h nele um maravilhoso tratado da gnese
do direito. Transparece a, igualmente, um conhecimento mais
completo e rigoroso da realidade emprica do que aquele luz
do qual foi concebido e escrito o dilogo da Repblica. Mas,
ainda neste, onde o Estado se nos depara como pura concepoideal, no falta um enxerto histrico, o qual deriva da 7tXi
grega: esta apresenta-se a nos seus traos essenciais e, simulta
neamente, idealisada. Plato queria reagir contra o cepticismo
dos sofistas e as tendncias demaggicas do seu tempo, afirmando que s os melhores deviam governar, e desejava tambm
impedir a dissoluo da coisa pblica. Desta sorte, deve-se
reconhecer que a sua teoria poltica teve tambm um intuito
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44 LIES DE FILOSOFIA DO DIREITO
prtico e contm numerosas referncias s condies histricas
da poca.
Aristteles
Aristteles (384-322 A. C.), nascido em Estagira, foi,
durante vinte anos, discpulo de Platoe, mais tarde, preceptor
de Alexandre Magno. Quando este subiu ao trono, fundou
Aristtelesa sua escola em Atenas, no Ginsio liceu (dedi
cado a Apoio Auxeio). Dedicou-se a todos os ramos de conhe
cimento e pode dizer-se que, com ele, iniciaram-se muitas das
nossas cincias. Porm, tendo-se perdido grande cpia dos escri
tos anteriores ao seu laJbor, no se pode hoje ajuizar at que
ponto (beneficiou das investigaes dos antecessores. O carc
ter do seu gnio diferente do de Plato:este, por ndole,
mais especulativo, Aristtelesmais inclinado observao
dos factos. Nas questes cardeais de Filosofia, contudo, no
se afasta muito do Mestre; , por isso, errado apresent-lo, como vulgarmente acontece, na qualidade de seu adversrio
e antagonista. verdade que Aristtelesexpressamente refuta
algumas teorias de Plato.Amide se faz referncia s discr
dias pessoais que teriam oposto o mestre ao discpulo. Mas pro
vavelmente exagerou-se a este respeito e formaram-se lendas
em tomo das relaes entre os dois grandes filsofos. Deve-sereconhecer, em todo o caso, que tambm Aristtelesfoi essen
cialmente metafsico e idealista.
Na exposio do pensamento deste filsofo tambm nos
limitaremos ao exame das doutrinas que mais directamenteinteressam Filosofia do Direito. Para este propsito, as obras
a considerar, pela importncia directa, so a Poltica e a tica.Desta ltima, chegaram at aos nossos dias trs redaces: ticaNicomaqueia, tica Eudemia e a chamada Grande Moral ou
Magna Moralia, cujos captulos, em muitos dos seus passos,coincidem. S a primeira, a Nicomaqueia, no oferece dvidasque obra de Aristteles; quanto s outras duas, a Eudemia,
HISTORIA DA FILOSOFIA DO DIREITO 45
provavelmente, um trabalho de Eudeme,seu discpulo, e a
Grande Moralum extracto das duas verses primeiras. Tam
bm a Poltica(7roXiTtx), em oito livros, no nos chegou com
pleta. Outro escrito dele, sobre as constituies (rcoXiTeiai), con
tendo a descrio de 158 constituies, perdeu-se quase total
mente e s h pouco se descobriu fragmento importante dele:
a Constituio dos Atenienses.Para Aristteles, assim como para Plato, osumo bem
a Felicidade, fruto da virtude. O Estado uma necessidade:
no apenas simples au^or/oc (aliana), simples associao
momentnea para atingir fim particular, mas perfeita unio
orgnica, tendo por fim a virtude e a felicidade universal;
a comunho necessria ao servio da .perfeio da vida. O ho
mem tov toXitxov(animal poltico) pois vida poltica
levado pela pripria natureza. E o Estado, logicamente, prima
aos indivduos, tal como o organismo prima as suas partes.
Assim como no possvel conceber uma mo viva separada
do corpo, assim tambm, no se pode conceber o indivduo
sem o Estado. O Estado regula a vida dos cidados mediante
leis. Estas dominam inteiramente a vida, porque os indivduos
no pertencem a si mesmos, mas ao Estado. Contedo das leis
a justia. Desta, Aristtelesnos deixou uma profunda an
lise. O princpio da justia a igualdade, a qual aplicada de
vrias maneiras. Aristtelesdistingue, portanto, a justia em
muitas espcies. A primeira de entre elas a chamada justia
distribuitiva(t Sxouov v Tai, t Siavs[i.yjTixv), que preside
distribuio das honras e dos bens e tem por fim obter que
cada um receba daquelas e destes poro adequada ao seu
mrito (xax av). Se explicava Aristteles as pessoas
so desiguais em mrito, to-pouco as recompensas devero
ser iguais. Com isto, mais no se fez, como manifesto, seno
confirmar o princpio da igualdade: pois este seria violado, na
sua aplicao especfica, se fosse dado tratamento igual a
mritos desiguais. A Justia distributiva consiste, portanto,
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46 LIOES DE FILOSOFIA DO DIREITO
em uma relao proporcional que Aristteles, no sem algum
artifcio, define como uma proporo geomtrica ( yewfAeTpixfl
vaXoya).
A segunda espcie de justia a justia correctiva ou equi-
paradora, a que tamlbm se podia chamar rectificadora ou
sinalagmtica, por presidir s relaes da troca (t v rol
ouvXXY(i-i Siop&wTixSv). Ainda neste domnio se explica o
princpio da igualdade, emlbora de forma diversa, pois, neste
caso, trata-se apenas de medir impessoalmente os ganhos e
as perdas; ou seja: as coisas e as aces consideradas em
seu valor objectivo, supondo-se iguais os termos pessoais. Tal
medida, segundo Aristteles, encontra o seu tipo prprio na
proporo aritmtica (api Yixixf) vaXoya).
Esta espcie de justia procura lograr que as duas partes,
que se encontram em relao, venham a achar-se, uma relati
vamente outra, em condies de paridade; e de tal sorte, que
nenhuma receba ou d demais ou de menos. Daqui segue-sea definio desta espcie de justia como ponto intermdio ou
meio termo entre o dano e a vantagem. No entanto, estes ter
mos compreendidos em sentido amplo aplicam-se no s s
relaes voluntrias ou contratuais, mas tambm s que Aris-
tteles chama involuntrias (
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48 LIES DE FILOSOFIA DO DIREITO
A considerao que a Aristteles mereceram os graus
intermdios de convivncia, demonstra, da sua parte, concep
o histrica superior de Plato. Aqueles agregados cons
tituem as diversas etapas para se chegar ao Estado.
A abolio da famlia e da propriedade, concebida por
Plato, acha no discpulo viva oposio e crtica. Neste con
traste revela-se a diversidade de temperamento dos dois fil
sofos : ao idealismo absoluto, puramente especulativo de Plato,
ope-se o esprito observador de Aristteles, que nos prprios
factos indaga a sua razo relativa e o grau do seu desenvol
vimento sucessivo.A famlia tem por elementos o homem, a mulher, os filhos
e os criados; sociedade estabelecida perpetuamente pela natu
reza. Da unio de vrias famlias resulta a aldeia ou a vila
(xt>|x>]); da reunio de vrias vilas, o Estado que nico,
e, portanto, goza de plena autarquia. Ele constitui o fim das
outras formas de convivncia e dado pela natureza. Para
prescindir do Estado o indivduo teria de ser mais ou menos
do que homem: um deus ou um bruto.Aristteles observa o fenmeno da escravatura e tenta
justific-lo, demonstrando como aqueles homens incapazes de
se governarem, devem ser dominados. Alguns homens nasce
ram para serem livres, outros para serem escravos. Alm destas
razes, apresenta outras de ordem prtica para provar a utili
dade da escravido. 0 Estado, conforme a concepo aristo-
tlica, necessita de uma classe de homens que se dediquem s
ocupaes materiais que sirvam as outras classes de condio
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HISTORIA DA FILOSOFIA DO DIREITO 49
vida pblica e de se dedicarem s letras e s cincias, eviden
temente devido, em parte, existncia da escravido. Esta era
um efeito, tido por legtimo, da conquista militar. Muitos dos
escravos mais cultos, especialmente gregos, exercitavam nobresfunes, servindo de grande proveito formao cultural dos
seus proprietrios. Em Roma, muitos escravos eram amanuen
ses e professores muito estimados; e muitos outros faziam ser
vio nas numerosas bibliotecas, especialmente nas da poca
do Imprio.
Talvez os factos que acabam de ser recordados ajudem
a compreender melhor agora, pelo menos at certo ponto, o
motivo pelo qual Aristteles aceitava como necessria a escra
vatura: esta, dizia ele, podia abolir-se se a lanadeira e a
agulha corressem sem auxlio de algum sobre o tear. Tais
palavras indicam que ele estava dominado pela ideia da funo
econmica desempenhada pela escravatura no seu tempo. Pois,
para a abolio desta contriburam, em pocas sucessivas, alm
de outras causas, o progresso da indstria, a inveno das
mquinas, etc.... de admitir, portanto, com respeito a certasfases da histria, a relativa necessidade da escravatura e,
neste sentido, so apreciveis as observaes de Aristteles.
Mas, por outro lado, inadmissvel a sua tese, se lhe for atri
budo o alcance de uma justificao absoluta, uma vez que a
escravatura, em si mesma considerada, vai contra o direito
que qualquer homem naturalmente tem autonomia. E de
nenhuma maneira se pode afirmar que, por natureza, exista
uma espcie de homens destinados servido.
S OSO O TO historia da filosofia do direito 51
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50 LIES DE FILOSOFIA DO DIREITO
entre as instituies e as condies histricas e naturais. Quer
dizer: preocupou-se, no com o ptimo absoluto, mas com o
ptimo relativo. O seu exame recai sobre os governos mais
adequados s vrias situaes de facto.Foi Aristtelesquem, antes de qualquer outro, fez a dis
tino dos vrios poderes do Estado o legislativo, o executivo
e o judicirio. A constituio poltica o ordenamento dos trs referidos poderes. E segundo o poder supremo exercido por
uma, por algumas ou por todas as pessoas, distingue trs tipos
de constituio: monarquia, aristocraciae 'poltica.A estes trs
tipos, considera-os igualmente bons, sempre que o poder supremo
seja exercitado para o bem de todos (xoivv ou|x
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ao Estado. Mas com a filosofia estica anuncia-se e prepara-se
moral mais ampla e humana. O Estoicismo afirma a existncia
de uma liberdade que nenhuma opresso poder destruir: a
liberdade que resulta da superao das paixes.O homem livre se segue a sua verdadeira natureza, se
aprende a vencer as suas paixes, tomando-se independente
delas. Neste sentido, nenhuma diferena h entre livres e
escravos. H uma Sociedade do gnero humano para l dos
limites traados pelos Estados polticos, baseada na identidade
da natureza humana e das leis racionais que lhe correspondem.
por si mesmo significativo que entre os mais insignes cultores
desta filosofia, se encontrem um escravo como Epicteto e um
imperador como MarcoAurlio.A Filosofia Estica, de certo modo, preludia o Cristianismo.
A Escola Epicrea
escola estica ope-se a epicrea, a qual, por sua vez,foi antecedida pela escola cirenaica ou hedonstica, fundada
por Aristipo de Cirene. Para esta escola, o nico bem o
prazer; e o prazer igualmente o nico fundamento das obri
gaes.Epicuro, que fundou a sua escola em Atenas no ano de
306 A. C. e a manteve at morte (270 A. C.), parte do con
ceito fundamental dos cirenaicos, mas teve o mrito de ter
dado doutrina hedonista um mais amplo e racional desen
volvimento. Para Epicuro, a virtude j no , como era para
os esticos, o fim supremo da vida, mas meio de atingir a feli
cidade. Assim se anuncia o princpio utilitrio ou hedonstico,
contrrio ao da Moral estica, e pode afirmar-se que as escolas
ticas posteriores se dividiram, segundo estas duas diversas
concepes, em um contnuo contraste.Foi Epicuro homem sbio e prudente, que recomendava
a temperana como virtude primeira para assegurar o prazer.Segundo a sua doutrina, no se trata de procurar quaJlquer
HISTORIA DA FILOSOFIA DO DIREITO 53
prazer, nem de fugir a toda a dor, mas conduzir-se em um
modo que a soma final represente um mximo possvel de
prazer e o mnimo possvel de sofrimento. Tal conduta envolve
um certo clculo e uma medida utilitria. A intemperana,
especialmente, prejudica o organismo, abrevia a vida e, por
tanto, diminui a faculdade de gozar. Neste sentido, a Epicuro
foi dado apontar preceitos de natureza tica.
Por outro lado, a Escola Epicrea contm, embora em
germe, uma teoria sobre a distino qualitativa ou graduao dos
prazeres. Ao invs da Escola Cirenaica, que considerava sobre
tudo as sensaes fsicas, Epicuro atribui maior peso aos pra
zeres e s dores espirituais, assaz mais duradouros. Assim para
ele, a amizade tida na conta de prazer maior. Isto mostra
como a sua doutrina no exclusivamente materialista.
Mas nesta graduao dos prazeres tem origem a crtica
do utilitarismo; visto que se admitem prazeres superiores e
inferiores, faz-se mister um critrio de escolha, uma regra quali
tativa, de harmonia com a qual o sumo bem pode ser inclusivamente a satisfao da conscincia, ainda que a troco de uma
dor fsica. Supera-se, deste modo, a simples doutrina hedonista
que, sem distines, quer o prazer pelo prazer.
Merece ainda ateno a doutrina de Epicuro respeitante
ao Estado. Ainda neste campo, domina o utilitarismo. Nega o
nosso filsofo que o homem seja por natureza socivel. Na
origem, esteve em luta permanente com o seu semelhante. Mas
tal luta, sendo causa de sofrimento, foi suprimida pelo Estado.
luz desta concepo, o direito um pacto ditado pela utili
dade e o Estado o efeito da resultante. Por isso, os homens
podero sempre romper com tal pacto, quando da sua manu
teno deixe de resultar a utilidade em funo da qual adveio
a sua celebrao. O Estado epicurista, como se v, corresponde
situao de anarquia potencial. Depara^se-nos aqui (pres
cindindo de uma ou outra aluso dos Sofistas) a primeira
formulao histrica da doutrina do contrato social, que, nesta
sua primeira forma rudimentar e tosca, se contrape doutrina
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54 LIOES DE FILOSOFIA DO DIREITO
platnica ou aristotlica que dava ao Estado por fundamento
a prpria natureza humana. Teremos ocasio de nos referir
s diversas formas que a doutrina contratual assumiu depois,
na Idade Mdia e na Idade Moderna.
Os Juristas Romanos
No teve Roma filosofia original; mas assim como no
Oriente o supremo tema da actividade espiritual foi a Religio
e na Grcia a Filosofia, em Roma foi o Direito. Neste domnio,
Roma deu a medida da sua capacidade criadora e o seu saber
mostrou-se excelso. Sem dvida, tambm l se manifestaram
vrias correntes do pensamento filosfico, mas vieram da Grcia.
Pode dizer-se que todas as escolas gregas tiveram represen
tantes em Roma: o epicurismo foi exiposto por Lucrcio Caro
no clebre poema De rerum natura; o estoicismo, por Sneca,
MarcoAurlio, etc....
Coube a Ccero (106-43 A. C.), no entanto, o mrito dehaver tomado a Filosofia popular em Roma, de ter servido de
agente intermedirio entre o pensamento grego e o pensamento
latino. As suas obras, a que deu grande esplendor formal e
eloquncia, tm um contedo quase inteiramente grego. Ele
prprio disse das suas obras:
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sas circunstncias. Por ltimo, h o ius civile, que o que
vigora para certo povo em particular. Entre os termos desta
trieotomia ius naturale, ius gentium, ius civile no exis
tem contradies necessrias, pois cada um deles corresponde
a determinaes graduais do mesmo princpio.
Tambm o Estado, para Ccero, um produto da natureza:
um instinto natural impele o homem para a convivncia e,
precisamente, para a convivncia poltica. Assim se renova a
doutrina aristotlica.
Os juristas romanos, em geral, possuam cultura filosfica.
Mas em Roma, de entre todos os sistemas da filosofia grega,
foi o estoicismo aquele que teve mais fortuna, pois era oque melhor correspondia ndole austera, ao carcter forte
mente rgido do cidado romano. Tambm o ideal cosmopoltico
dos esticos encontrava certa verificao positiva no crescente
domnio de Roma. O conceito de uma lei natural, comum a
todos os homens, tomou-se familiar aos juristas romanos, quase
uma crena implcita e subentendida na sua prpria noo dedireito positivo. O fundamento deste a naturalis ratio, a qual
no corresponde mera razo subjectiva, individual, mias
racionalidade nsita na ordem das coisas. Como tal, superior
ao arbtrio humano. H pois, urna lei natural, imutvel, preexis
tente, que no deve o ser a uma elaborao artificial: lei uni
forme, no sujeita a mudanas por obra dos homens (ius
naturale est id quod semper bonum et aequum est).
O conceito do ius naturale relaciona-se com o conceito da
aequitas. Aequitas significa propriamente equiparao, isto :
um tratamento igual dado a coisas ou relaes iguais. B um
critrio que obriga a reconhecer aquilo que idntico no subs-
tracto das coisas, para alm do vrio e do acidental.
As ideias de lei natural e de equidade actuam como factores de progresso no campo do Direito. O direito positivo
modificao do direito natural, feita com elementos arbitr
rios e acidentais. As condies de tempo e de lugar mudam,a utilitas sugere normas particulares e isto amplamente
reconhecido pelos juristas romanos. No obstante, perseveraram
sempre no estudo do direito com o intuito de o reconduzirem
s suas razes mais profundas, de confrontarem a norma com
o seu natural fundamento, suprimindo desarmonias e desigual
dades, equiparando e equilibrando, de modo a expurgar tudo
quanto seja inquo ou irracional.
O simples reconhecimento de que o Direito positivo con
trrio ao Direito natural no basta de per si para o abolir, mas
determina uma tendncia para a sua reforma ou modificao,
tambm no momento da aplicao judicial da lei mediante a
aequitas.Advirta-se que o magistrado romano detinha um poder
assaz mais vasto do que o magistrado moderno; tanto que, ao
entrar no desempenho do cargo, o pretor anunciava as mximas
que informariam a sua jurisdio (edictum).
O Direito natural permanece, assim, como se acabou de
ver, o mais alto critrio terico.
Dele se deduzem as mximas mais gerais, como esta, por
exemplo: todos os homens so iguais e livres (segundo os ensi
namentos da filosofia estica). Os juristas romanos, ao enun
ci-la, reconheciam expressamente, portanto, que a escravatura
contrariava o direito natural; mas justificavam-na em nome
do ius gentium, pois era costume vigente em todos os povos
(em consequncia da guerra). Outro princpio do direito natural
o enunciado pela frmula: adversus periculum naturalis ratio
permittit se defenderei. o princpio da legtima defesa (vim
vi repellere licet).
A Ulpiano se deve uma definio de direito natural dife
rente da que nas obras de outros escritores se l: o direitonatural escreve quod natura animalia docuit.Com esta
definio, a validez do Direito natural abrange tambm os
animais em geral; mas, substancialmente, limitou-se a formu
lar de outro modo o que era para todos um firme princpio,
ou seja: o fundamento do Direito est na prpria natureza
das coisas naqueles motivos que, embora no homem se desen
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volvam mais amplamente, todavia j se encontram em germe
nos animais inferiores.Questo importante em tomo das ideias jurdicas dos roma
nos, a respeitante ao ius gentium. Esta designao era usada
em diversos sentidos, que convm distinguir rigorosamente. Emuma primeira acepo, por ius gentium nomeia-se o complexo
de normas que no Estado romano se aplicam aos estrangeiros.
Isto : entre estrangeiros e estrangeiros, e entre estrangeiros
e romanos, muito embora aqueles fossem excludos do ius civile.
Em regra, para estas relaes internacionais estabelecia-se um
direito simples, despido das formalidades solenes de que se
revestia o direito prprio do povo romano. O ius gentium o
modo simples e suficiente de regular as relaes a que so
admitidos tambm os estrangeiros.
segunda acepo, que depois foi dada frmula, deve-se
ter chegado assim: em uma primeira fase, os romanos no
conceberam o ius gentium como superior ao ius civile, mas
como inferior, maneira de um direito rudimentar, tosco; emuma segunda fase, debaixo da influncia da Filosofia grega,
reconheceram nessa mesma simplicidade de relaes a marca
da natureza, o reflexo da lei natural; portanto, viu-se nele um
elemento de superioridade. O ius gentium considerou-se como
expresso das exigncias primordiais e comuns de todos ospovos, como a revelao mais directa da razo universal. Ento
entendeu-se por jus gentium o Direito positivo comum a todosos povos (quasi quo jure omnes gentes wtuntur).
Assim, um facto da experincia assumiu, a pouco e pouco,
significado filosfico, chegando-se tricotomia: direito natural
(universal, idntico, perptuo); direito das gentes (elementos
comuns que se encontram nos vrios direitos positivos); direitocivil (com as suas particularidades que so determinaes ulte
riores das precedentes).Mas amide o ius gentium aparece confundido com o ius
naturale.Aquele, porm, conceito essencialmente romano, sadoda experincia histrica dos romanos; este, conceito prprio da
Filosofia grega. Isto no exclui que os romanos possam ter
tido alguma intuio em tal sentido, antes ainda do influxo
da filosofia grega. Os dois conceitos protendem a encontrar-se
e, por vezes, dir-se-ia que coincidem. Todavia, diferente e no
raro oposto o sentido de cada um deles, de sorte que no se
pode aceitar a tese, segundo a qual estes tenham constitudo
realmente uma s cousa. J citmos o facto de os juristas roma
nos para quem a escravatura face dos jus naturale (diantedo qual todos os homens nascem livres) era ilcita a consi
derarem face do jus gentium justificvel. Isto bastaria para
mostrar a diversidade dos dois conceitos.
Alis, os juristas romanos no foram grandes pelas abstrac
es tericas nem pelas ideias puramente filosficas, mas na
transposio destas para a prtica do Direito positivo, nas suas
aplicaes. Souberam satisfazer as exigncias lgicas e as neces
sidades mutveis da realidade. Embora os juristas romanos
guardassem o maior respeito pelas formas histricas e tradi
cionais das instituies, no forando ou impedindo a sua evoluo contnua, nunca perderam de vista a vida concreta e a
natureza das coisas. Souberam contribuir permanentemente
para o progresso jurdico, segundo o contedo das novas exi
gncias, com uma perfeita tcnica formal.
Nisto est a sua glria mxima. A nossa disciplina tem
por fontes clssicas a filosofia grega e a jurisprudncia romana.
O Cristianismo e a filosofia do direito na Idade Mdia
A sublime doutrina religiosa e moral que, nascida na Pales
tina, se difundiu em poucos sculos em grande parte do mundo
civilizado, provocou profunda transformao nas concepes
do Direito e do Estado. Originariamente, porm, a doutrina
crist no tinha significado jurdico ou poltico, mas to s
moral. O princpio cristo da caridade, do amor, da fraterni
dade, no se props obter reformas polticas e sociais, mas sim,
reformar as conscincias. A liberdade e a igualdade de todos
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os homens, a unidade da grande famlia humana, constituem,
sem dvida, corolrio da pregao evanglica. Estas ideias, con
tudo, no foram directamente dirigidas contra a ordem pol
tica existente. A prpria escravatura no foi combatida, mas
respeitada como instituio humana, muito embora se afir
masse a igualdade dos homens perante a lei divina. Os Padres
da Igreja chegaram a consider-la como condio propcia aosservos e aos senhores: aos primeiros, para se exercitarem na
pacincia e obedincia devida aos segundos; a estes, na doura e
benevolncia devida queles. No se sustenta, em suma, a neces
sidade de abolir a escravatura, embora se aconselhasse a conve
nincia de se mitigar a mesma com os princpios cristos do
amor e da caridade. A doutrina de Cristo foi essencialmente
apltica. Todos os seus ensinamentos, ainda mesmo aqueles
que depois foram usados para justificar o domnio temporal,
tiveram originria e exclusivamente um significado espiritual.
Jesusdisse: No vim para ser servido, mas para servir. Omeu Reino no deste mundo. Dai a Csar o que de Csar,
a Deus o que de Deus. Os tributos devem ser pagos ao
Estado, no Igreja, pois esta, ao contrrio daquele no se
ocupa, nem deve ocupar-se de assuntos mundanos.
A doutrina crist, todavia, produziu efeitos e ganhou in
fluncias notveis sobre a Poltica e as cincias que se lhe refe
rem. Um primeiro efeito, de natureza metodolgica, consistiu
na aproximao do Direito da Teologia. Se o Mundo gover
nado por um Deus pessoal, logo se vem a considerar o Direito
como emanado de uma ordem divina e o Estado como instituio
divina. Por sua vez, a vontade divina conhece-se, no pelo racio
cnio, mas pela Revelao: antes de ser demonstrada, deve ser
acreditada ou aceite pela f. S na poca do Renascimento, na
qual se verificou, de certo modo, um ressurgimento da Filosofia
e da cultura greco-latina, a doutrina clssica recebeu reconfir
mao e voltou a dizer-se que o Direito independente da
Teologia e deriva da natureza humana.
Outro efeito do Cristianismo ou, melhor, da forma his
trica do Cristianismo est patente na nova concepo do
Estado e da posio deste em face da Igreja. Na antiguidade
clssica, acima do indivduo, s o Estado existia como per
feita unidade; o indivduo tinha a suprema misso de ser bom
cidado, de ao Estado se dar inteiramente. O homem era, acima
de tudo e essencialmente cidado, e, para ele, nada existia
para l do Estado. Com o Cristianismo, outro fim proposto
ao indivduo: um fim religioso, ultramundano. A meta final
j no a vida civil, mas a felicidade eterna, a beatitude celeste,
cuja obteno se consegue mediante a subordinao vontade
divina, representada pela Igreja. A religio do Estado clssico
era uma magistratura que lhe estava sujeita; na Idade Mdia,
a Igreja tende a sobrepor-se ao Estado, visto que, enquanto este
se ocupa das coisas terrenas, aquela ocupa-se das coisas eternas.
Da a pretenso de usar do Estado como meio de atingir fim
religioso. A Igreja vem assim a afirmar-se como autoridade
autnoma, superior ao Estado. E, desta sorte, as relaes polticas adquirem dois aspectos e complicam-se: aos dois termos
iniciais cidado e Estado junta-se um terceiro a Igreja.
O princpio fundamental do Cristianismo, o seu ideal a
fraternidade dos homens em Deus mais elevado e amplo do
que o princpio fundamental da Grcia clssica. Por via de regra,
o grego confinava-se ao Estado, no via algo para alm da7VXl.
O cosmopolitismo foi apenas tese formulada pelos esticos,
a qual, de certo modo, preludia o Cristianismo. O ideal cristo,
porm, na medida em que actua como factor histrico e como
princpio da organizao social, assume algumas das caracte
rsticas prprias dos sistemas polticos; como fora social, nem
sempre teve o carcter de efectiva universalidade, mas operou
como termo antittico de outras foras. A Igreja, politicamente,
afirmou-se sempre, de certo modo, como o partido guelfo em
relao ao partido gibelino, como Estado perante outros Estados.
fi muito importante notar que os Padres da Igreja, se bem
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que extrassem do Declogo e do Evangelho os princpios do
direito natural, acolheram tambm em grande parte, as dou
trinas dos juristas romanos sobre esse ponto, os quais, sob a
influncia dos filsofos gregos, especialmente dos esticos,
haviam admitido, semelhantemente, a existncia de uma lei
natural, como pressuposto das leis positivas. Esta concepo
jusnaturalstica transmitida depois aos canonistas e a todos
os estudiosos da Idade Mdia, recebeu desenvolvimento ade
quado na Filosofia escolstica, como se v sobretudo no sis
tema de S. Toms.Desempenhou, por isso, na civilizao posterior uma funo
reguladora. Pode dizer-se que os elementos essenciais do pensa
mento clssico no se perderam inteiramente, no bstanite
a transformao operada pelo Cristianismo, mas antes deve
ram a este uma nova vida.A influncia da doutrina Crist fez-se sentir geralmente
no sentido de uma mitigao e humanizao gradual de nume
rosos institutos jurdicos, designadamente numa maior considerao pela boa f; na proibio do abuso do direito de pro
priedade ; num maior favor pelas manumisses e institutos pios
em proveito, sobretudo, dos pobres, e no combate ao divrcio,
o concubinato e contra as atrocidades das penas e das liutas
de gladiadores.Surta na idade antiga e desenvolvida na Idade Mdia em
que especialmente veio a obter predomnio, a Filosofia Onst
divide-se em dois perodos principais: a Patrstica e a Escols-
tica. Naquela fixam-se os dogmas, os artigos da f por acodos Padres da Igreja, de que lhe advm o nome, nesta d-se
a elaborao dos dogmas, graas, especialmente, aos elementos
proporcionados pela Filosofia Grega.
A Patrstica
A Patrstica vai das origens do Cristianismo at Carlos
Magno (800), e subdivide-se em dois perodos, separados pelo
conclio de Niceia (325). Entre os Padres da Igreja, depois
dos Apstolos, recordaremos: Tertuliano, Clemente Alexan-
drino, Orgenes, Lactncio, Santo Ambrsio, etc.... O mais
importante de todos , contudo, Santo Agostinho (354-430),
que escreveu numerosas obras. Nascido emTagaste, na Num-
dia (Arglia), veio a falecer em Hipona como bispo. sobre
tudo na obra em vinte e dois livros intitulada De civitate Dei
que desenvolve a sua teoria da histria do gnero humano,
sobre o problema do bem e do mal, sobre o destino ultrater-
reno do homem, sobre a Justia e sobre o Estado. Em nenhuma
outra obra se poder observar melhor a diferena entre o
conceito helnico e o conceito cristo de Estado. Ao passo que
os gregos tinham exaltado o Estado como sendo o fim supremo
do homem, Santo Agostinho exalta sobretudo a Igreja e a
comunho das almas em Deus. A Civitas terrena a qual nocorresponde precisamente a um Estado concreto, mas, em
geral, ao reino da impiedade (societas impiorum) resulta do
pecado original, sem o qual no existiriam senhorios polticos,juizes e penas. Os Estados tm at, delitos por origem (Caim
e Rmulo, por exemplo, foram fratricidas) e o prprio Imprio
romano surge aos olhos de Santo Agostinhoprofundamente
corrupto e viciado pelo paganismo.
A Civitas terrena, portanto, caduca, e aspira a ser substi
tuda pela Civitas Dei (ou civitas colestis), que existe j na
terra, embora parcialmente, e, por ltimo, chegar a reinar s.
Por Civitas Dei entende Santo Agostinho a comunho dos
fiis, a qual como que figura uma cidade divina, pois os fiis
esto predestinados a participar da vida e da beatitude eternas.
O Estado terreno possui finalidade louvvel, e deriva tam
bm da vontade divina e da natureza enquanto se prope manter a paz temporal entre os homens; mas sempre subordinado
cidade celeste, isto , praticamente Igreja, a qual procura
obter a paz eterna. A sua justificao, de valor relativo, reside
sobretudo na sua aptido a servir de instrumento por meio do
qual a Igreja atinge os seus prprios fins (deve, por isso, repri-
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64 LIOES DE FILOSOFIA DO DIREITO
mir as heresias). O Estado terreno desaparecer uma dia, a fim
de dar lugar ao estabelecimento do reino de Deus.
Esta concepo grandiosamente catastrfica das coisas
humanas explica-se, pelo menos em parte, por experincias polticas do tempo de Santo Agostinho, que assistiu invaso do
Imprio pelos brbaros. Ao nosso Santo se deve, por outro lado,
a elaborao das partes mais severas da doutrina crist: pre
destinao, condenao eterna da maior parte dos homens,
etc. A Filosofia poltica de Santo Agostinho representa o
triunfo da asctica. Nesta concepo, que tende a depreciar
o Estado, as aspiraes ultramundanas so exaltadas custa
dos valores da vida terrena. Notamos ainda que a obra Civitas
Dei pode considerar-se o primeiro ensaio da Filosofia da hist
ria, sob ponto de vista cristo. Santo Agostinho v na hist
ria a realizao dos desgnios da Providncia divina. Ele indica,
por exemplo, a conquista de Roma pelos brbaros como um
prembulo do juzo universal.
A Escolstica
Com a Filosofia Escolstica verifica-se parcial regresso
Filosofia Clssica. Na segunda metade da Idade Mdia, diver
sas obras, especialmente de Filosofia Grega, que no obscuro
perodo anterior tinham sido perdidas ou ignoradas, foram nova
mente descobertas e postas em lugar de honra. Todavia foram
estudadas com mtodo dogmtico e no intuito particular de as
conciliar com os dogmas religiosos este o carcter funda
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HISTORIA. DA FILOSOFIA DO DIREITO 65
ram milagre de engenho na elaborao dos dogmas e no esforo
de harmoniz-los com a Filosofia Clssica. No foram ainda
superadas a agudeza e a habilidade dialctica dos escolsticos
para fazer distines. Mesmo conservando o carcter dogmtico, a Filosofia Escolstica tentou desenvolver os dogmas reli
giosos mediante anlises racionais, na medida em que estas
eram consentidas pelos limites impostos pela f. Ainda neste
intento ficou visvel e foi fecundo o influxo do pensamento
clssico.Assim se verifica com particular evidncia nas doutrinas
de S.Toms de Aquino (1225-1274), o principal representante
da Escolstica. A sua obra mais importante e conhecida, a
Summa Theologiae, compndio sistemtico do saber do seu
tempo, deu-lhe a fama e a qualidade de Mestre e de Chefe dou
trinal do Catolicismo. Mas, alm desta, escreveu outras obras,
de que citaremos um tratado, De regimine principum,cujo pri
meiro livro, apenas, segundo parece, da sua autoria, perten
cendo os restantes livros a um seu discpulo, Ptolomeu da
Luca (Ptolemaeus Lucencis).A S. Toms se deve a sistematizao mais orgnica do
pensamento cristo. S assinalaremos aqui os passos de maior
interesse para a nossa disciplina. O fundamento da doutrina
jurdica e poltica tomista a admisso de trs categorias deleis: Lex cetema, Lex naturalis e Lex humana. A primeira
a prpria razo divina, governadora do mundo ratio divincesapientice de ningum conhecida inteiramente em si, mas da
qual o homem pode obter conhecimento parcial atravs das
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tatis humance naturce (ib. q. 91, arts. 2. e 4.) A lex humana
, por ltimo, inveno do homem, mediante a qual, utili
zando-se os princpios da lei natural, se efectuam aplicaes
particulares dela (ib. q. 91, art. 3.; q. 95, art. 2.). Mas a lei
humana pode derivar da natural de duas maneiras: per modum
conclusionum e per modum determinationis. No primeiro caso,
representa concluses silogsticas deduzidas de premissas for
necidas pela lei naturail; no segundo, uma mais completa especificao do preceituado genericamente pela lei natural.
Desta trade surgem alguns problemas prticos. Por exem
plo: ser devida obedincia lex humana no caso de ela con
trariar a lex naturlis ou a lex aetema? Ou, se antes se pre
ferir: at que ponto deve o cidado obedincia s leis promul
gadas pelo Estado? Segundo a doutrina tomista, a lei humana
dever ser obedecida, ainda mesmo no caso de contrariar o
bem comum isto : mesmo quando provoque um dano, a
fim de que a ordem seja mantida (propter vitandum scandalum
vel turbationem) ; no dever ser obedecida, porm, se implicar violao da lex divina (contra Dei mandatum). Tal seria
o caso de uma lei que impusesse um culto falso.
O influxo de Aristteles patenteia-se ainda mais clara
mente na doutrina tomista do Estado, e tambm evidente
a diferena entre a teoria tomista e a de Santo Agostinho.
Para S. Toms o Estado um produto natural e necessrio
satisfao das necessidades humanas. Ele deriva da natureza
social do homem e existiria independentemente do pecado.
O Estado tem por fim garantir a segurana dos co-associados
e promover o bem comum. O Estado uma imagem do reino
de Deus.iS. Toms, deste modo contrastando com Santo Agostinho,
reabilita o Estado e o seu conceito. No entanto, por outro
aspecto, mantm-se fiel lio agostiniana quando mantm a
doutrina da subordinao do Estado Igreja, qual deve obedecer sempre, ajuidando-a assim a atingir os fins dela. Estado
que se oponha Igreja no legtimo. O Papa, representante
do Poder divino, tem direito de punir os soberanos e pode dis
pensar os sbditos do dever de obedincia, desligando-os do
juramento de fidelidade. Esta maneira de pensar teve enorme
importncia na histria poltica da Idade Mdia.
Eis em resumo a teoria tomista, que contm preciosos ele
mentos deduzidos, em parte, das doutrinas gregas e romanas.Nela, sob certo aspecto, pode notar-se como um defeito o atri
buir Autoridade preponderncia sobre a Liberdade. O homem,embora livre, considerado regularmente numa situao passiva
ante a autoridade pblica, quer seja civil, quer estadual. Ele
no ocupa o lugar central. No o autor das leis, deve to
s estar-lhes sujeito. A sua autonomia no lhe plenamente
reconhecida na ordem terica (como sujeito de conhecimento),
nem na ordem prtica (como sujeito de aces). A heteronomia
domina. Isto, certo, no exclui conceito elevado da persona
lidade humana, participe de uma substncia e de uma lei abso
lutas. S. Toms diz que as substncias racionais, ou seja, as
pessoas, hbent dominium sui actus; et non slum aguntwr,sicut alia, sed per se agunt(S. T., l.ftq. 29, art. 1.).
Por outro lado de observar que no sistema tomstico
a autoridade no concebida como completamente arbitrria,
mas sim limitada pelos preceitos da ordem natural.
No mbito da prpria Filosofia Escolstica h que referir a
divergncia parcial representada pelo franciscano Duns Scotus,