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Jos Fleur Queiroz
LICEU ALLAN KARDEC
BURI-SP
CENTRO ESPRITA SINHANINHA
ESCOLA DE ESPIRITISMO
J. HERCULANO PIRES
TERCEIRO ANO
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QQQ - QUEIROZ
LIVRARIA, EDITORA E DISTRIBUIDORA
Rua Incio Xavier Luiz, n. 10 Vila Sene
BURI-SP. CEP 18.290.000. Fone (15) 3546-1191
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DADOS BIOGRFICOS DO AUTOR
PRIMEIRA DOBRA DA CAPA (DIANTEIRA)
JOS FLEUR QUEIROZ
Nascido na cidade de Buri-SP, aos 16/10/1941, Auditor Fiscal da Receita Federal
do Brasil, aposentado em 1991; bacharel em Cincias Contbeis e Atuariais pela Faculdade
de Cincias Econmicas de So Paulo Fundao lvares Penteado (1966); bacharel em
Direito pela Faculdade FKB, de Itapetininga (1973). Ps-graduado em Direito Penal lato
sensu -, pela FMU-SP Faculdades Metropolitanas Unidas (1996). Mestre em Filosofia
do Direito e do Estado scricto sensu -, pela PUC-SP Pontifcia Universidade Catlica
(1998). Advogado criminalista e professor universitrio de 1998 at 2.001, nas cadeiras de
Direito Penal, Instituies de Direito Pblico e Privado, Filosofia Geral, Filosofia do
Direito e do Estado, Filosofia e tica Profissional, nas Faculdades de Direito de
Itapetininga-SP (FKB) e de Administrao de Itapeva-SP (FAIT). autor dos livros sobre
Filosofia do Direito, pela Editora Mundo Jurdico: A EDUCAO COMO DIREITO E
DEVER Luz da Filosofia e do Direito Natural (2003), CDIGO DE DIREITO
NATURAL ESPRITA - Projeto Comentado (1. Edio/ 2006, 2. Edio/2010),
SUICDIO OU NO CRIME? (em parceria com seu filho Dr. Allan Francisco
Queiroz, 2007), MEDICINA ESPRITA - CINCIA MDICA (2009), PENA DE
DURAO INDETERMINADA (Filosofia do Direito e Filosofia Esprita 2009).
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CONTRA CAPA
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AGRADECIMENTOS
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INTRODUO E RESUMO
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ESCOLAS DE ESPIRITISMO
TERCEIRO ANO
NDICE ANALTICO
PRIMEIRA PARTE
CADEIRA DE DOUTRINA ESPRITA
- Situao cientfica atual do problema da pluralidade dos mundos habitados. Pes-
quisas Medinicas de Kardec sobre os mundos habitados; comunicaes e estudos
da Revista Esprita; critrio seguido nessas pesquisas. (11)
Revoluo Csmica (11). Conquista de Marte (15). Desenvolve-se a cincia posi-
tiva nos rumos da concepo espiritual (16). Revista Esprita, 1858. Marte e Jpi-
ter (18). Jpiter e alguns outros mundos (20). Revista Esprita, Abril/1858. (Des-
crio de Jpiter (24). Estado Fsico do Globo (25). Estado Fsico dos Habitantes
(26). Os Animais (27). Estado Moral dos Habitantes (28). Observaes a propsi-
to dos desenhos de Jpiter (30). As habitaes do planeta Jpiter (30). Revista
Esprita, Outubro/1860. Marte (38). Jpiter (40). Perguntas e problemas diversos.
Revista Esprita. Fevereiro/1861 (41). Revista Esprita. Janeiro/1863. Bibliografia
de Camille Flammarion (42).
- Livro: A Gnese. Allan Kardec. O dogma da Criao: a Gnese Bblica em face
da Cincia e do Espiritismo. Evoluo do princpio inteligente: reinos mineral,
vegetal, animal e hominal. O mito de Ado e Eva: o homem terreno e as migra-
es planetrias (46).
- O Livro dos Espritos. Os Trs Reinos. Os minerais e as plantas (46). Os Ani-
mais e o Homem (47). Metempsicose (52).
- Livro: A Gnese. A Criao Universal (55). Gnese Orgnica (56). Gnese Espi-
ritual (65). Princpio Espiritual (65). Unio do princpio espiritual matria (67).
Hiptese sobre a origem do corpo humano (69). Encarnao dos Espritos (69).
Reencarnaes (74). Emigraes e imigraes dos Espritos (76). Raa admica
(77). Doutrina dos anjos decados e da perda do paraso (79).
- Livro: O Esprito e o Tempo. J. Herculano Pires. Mundo de Regenerao. Hu-
manidade Csmica (83). Destinao da Terra (84). Ordem Moral (86). Imprio da
Justia (89). Cosmossociologia Esprita (92). Parassociologia (95). Cosmossocio-
logia (95).
- Emmanuel. As vidas sucessivas e os Mundos Habitados (98). Espontaneidade
Impossvel (98). H mundos incontveis (98). Mundo de Exlio e Escola Regene-
radora (99). O Estmulo do Conhecimento (99).
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SEGUNDA PARTE
CADEIRA DE FILOSOFIA ESPRITA
ONTOLOGIA
- Conceito Esprita do Ser, o Ser e os Seres, Seres Materiais e Seres Espirituais, o
Ser Corpreo e o Ser Anmico. O problema da existncia: natureza transitria da
existncia corporal; a existncia espiritual; facticidade existencial e desenvolvi-
mento da essncia nos dois planos; as existncias sucessivas. O Existente ou ho-
mem no mundo e o Interexistente ou homem no intermndio. A mediunidade e a
emancipao da alma. O problema da comunicao: o ato medinico, suas moda-
lidades e seus graus (100).
- Ontologia Esprita (100). Existencialismo Esprita (106). Cosmossociologia Es-
prita (111). Parassociologia (114). Cosmossociologia (114).
- Colaborao Interexistencial (116). Imanncia e Transcendncia (121).
- Revoluo Csmica (123). O Ser Moral (127).
- Livro: Mediunidade. J. Herculano Pires. Questes Iniciais (132). Conceito de
Mediunidade (134). O Ato Medinico (137). O Mediunismo (140).
TERCEIRA PARTE
CADEIRA DE CINCIA ESPRITA
- Jos Herculano Pires. Psicologia Esprita. Psiquiatria Esprita. Pedagogia Espri-
ta. (144)
- Emmanuel. Psicologia (144).
- J. Herculano Pires. Espiritismo e Psicologia (147). Psicologia Esprita (149).
- PSI e as transformaes sociais. J. Herculano Pires (150). Hereditariedade e Afi-
nidade. Andr Luiz (154). Parentescos e Afinidade. J. Herculano Pires (154).
- Afeio. Emmanuel (155). Afinidades. O Livro dos Espritos (156).
- Revista Esprita. 1864. As Afeies Terrenas e a Reencarnao (156). Revista
Esprita. 1862. Hereditariedade Moral (158). Andr Luiz. Evoluo e Hereditarie-
dade (161).
- As atividades medinicas ou paranormais. Horizonte Agrcola. Animismo e Cul-
to dos Ancestrais (165).
- A Prtica Medinica. Pesquisa Cientfica da Mediunidade (172). Sesses Expe-
rimentais (172). Sesses Doutrinrias (175). Sesses Medinicas (177).
- As Leis da Mediunidade. As Condies da Cincia (186). As Leis dos Fenme-
nos (187). Relaes Medinicas (189). O Ectoplasma (190).
- Antropologia Esprita. A Condio Humana (191). O Homem Natural (193). A
Volta ao Humano (195). O Problema da Educao (197). Cultura Esprita (198).
Revista Esprita. Abril de 1859. Sonmbulos assalariados (201).
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- Andr Luiz. Animismo. Mediunidade e Animismo (202). Semelhanas das Cria-turas (203). Obsesso e Animismo (203). Animismo e Hipnose (204). Desobses-
so e Animismo (204). Animismo e Criminalidade (204).
- J. Herculano Pires. Grau da Mediunidade (205). Mediunidade Prtica (207). Me-
diunidade e Religio (216). Problemas da Desobsesso (221). Obsesso: Vampi-
rismo, Homossexualismo, Alcoolismo (221). Relaes Medinicas Naturais
(224). Colaborao Interexistencial (230).
- O Livro dos Mdiuns. Bicorporeidade e Transfigurao (235).
- Parapsicologia Hoje e Amanh. J. Herculano Pires. O que o homem? (241). O
que Parapsicologia? (244). Palingenesia: Sntese dialtica (248). O processo pa-
lingensico (250). PSI e as transformaes sociais (253).
- J. Herculano Pires. Psiquiatria e Espiritismo (256). Cincia Esprita: Esclareci-
mento (258). O Desenvolvimento Cientfico e a Cincia Esprita (258). Desenvol-
vimento da Cincia Esprita (265). Psiquiatria Esprita (268).
- J. Herculano Pires. Pedagogia Esprita: suas possibilidades prticas na formao
espiritual do homem. O Mistrio do Ser (272). Pela Educao Integral (273).
Conceito Esprita de Educao (276). Esquema da Pedagogia Esprita (282). Pe-
dagogia Esprita (esboo geral). Bases Histricas (284). Bases Cientficas (284).
Bases Religiosas (285). Bases Filosficas (285). Bases Estticas (285). Bases Pr-
ticas (286). Conceito Esprita do Educando (286). O Educando um Reencarnado
(288). O Educando Excepcional (293).
- J. Herculano Pires. Para uma Pedagogia Esprita. Necessidade e Razes: Histri-
ca (301). Consciencial (301). Natureza (302). Sentido (302). Implicaes Pedag-
gicas. Ordem Geral (303). Ordem Particular (303). Pedagogia Geral (304). Rotei-
ro de Estudos (305).
- J. Herculano Pires. Escolas de Espiritismo: Tese aprovada pela IV Congresso de
Jornalistas e Escritores Espritas realizado em Curitiba, Paran, de 15 a 18 de fe-
vereiro de 1968 (307). Programa de um curso de quatro anos (313).
QUARTA PARTE
CADEIRA DE RELIGIO ESPRITA
- As Leis Naturais como leis de Deus. Deus na Natureza: Imanncia de Deus no
Universo. As Leis Morais. A Lei de Adorao como determinante da natureza re-
ligiosa do homem, o aparecimento e desenvolvimento das Religies. (319).
- Cdigo de Direito Natural Esprita (Jos Fleur Queiroz) e O Livro dos Espritos.
A Religio Esprita. Religio em Esprito e Verdade (318).O Espiritismo e as Re-
ligies (318). Pantesmo Esprita (320). Teologia Esprita (322). Cristianismo e
Espiritismo (324). Deus: O Supremo Legislador. Existncia de Deus (326). Da
Natureza Divina (328). Deus a Suprema e Soberana Inteligncia (328). A Provi-
dncia: Deus est em toda parte (330). A viso de Deus (333). As Leis Morais.
Caracteres da Lei Natural (336). Conhecimento da Lei Natural (338). O Bem, O
Mal e A Moral (339). Lei de Adorao. Finalidade da Adorao (346). Adorao
Exterior (349). Vida Contemplativa (351). Da Prece (351). A Luz da Razo e o
Poder da F. J. Herculano Pires (353). Politesmo. O Deus nico e os Espritos
(355). Adorao e Sacrifcios (356).
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- J. Herculano Pires. Livro: Concepo Existencial de Deus. Deus Existe? (360). O Existente (363). Deus no Homem (369). Livro: Agonia das Religies. A Expe-
rincia de Deus (372). A Experincia (de Deus) no Tempo (377).
- O problema da queda, desenvolvimento do livre-arbtrio; libertao das leis na-
turais e responsabilidade perante as leis morais. Razo e funo da prece: sintonia
mental e moral com entidades superiores. Confirmao atual da teoria da prece
pelas pesquisas telepticas da Parapsicologia. A doutrina dos espritos protetores,
amigos e familiares; suas razes histricas; sua razo moral determinada pela lei
de fraternidade; suas comprovaes nas experincias psquicas e na prtica espri-
ta. (381).
- Cdigo de Direito Natural Esprita (Jos Fleur Queiroz) e O Livro dos Espritos.
Lei de Liberdade. Liberdade Natural (381). A. Kardec: Liberdade, Igualdade e
Fraternidade (383). Egosmo e Orgulho. Causas, Efeitos e Meios de Destru-los
(385). Escravido (388). Liberdade de Pensamento (389). Liberdade de Conscin-
cia (389). Determinismo e Livre-arbtrio (391). Fatalidade (393). Experincia:
Determinismo e Livre-arbtrio. Emmanuel (394). Fatalidade e morte (398). Fata-
lidade e Criminalidade (399). Resumo Terico do Mvel das Aes Humanas.
Allan Kardec (400).
- Livro: O Mistrio do Ser ante a dor e a morte. J. Herculano Pires. Os Caminhos
Escusos da Moral (404). O Controle tico da Moral (407). A Sntese Esttica da
Conscincia (410). O Perigos da Conscincia Prtica (414). O Ser Moral (419).
- Livro: Parapsicologia Hoje e Amanh. J. Herculano Pires. PSI e a revoluo
crist (424). PSI e a Civilizao do Esprito (425). PSI e o desenvolvimento moral
(427). PSI e o problema da crena (430).
- O Livro dos Espritos. Interveno dos Espritos no Mundo Corpreo. Penetra-
o do Nosso Pensamento pelos Espritos (433). Influncia oculta dos Espritos
sobre os nossos pensamentos e as nossas aes (433). Possessos (435). Convulsi-
onrios (437). Afeio dos Espritos por certas pessoas (438). Anjos da Guarda,
Espritos Protetores, Familiares ou Simpticos (439). Pressentimentos (446). In-
fluncia dos Espritos sobre os acontecimentos da Vida (447). Ao dos Espritos
Sobre os Fenmenos da Natureza (450). Os Espritos Durante os Combates (451).
Dos Pactos (452). Poder Oculto, Talisms, Feiticeiros (453). Bno e Maldio
(454).
BIBLIOGRAFIA (457).
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LICEU ALLAN KARDEC - BURI
ESCOLAS DE ESPIRITISMO
(Programa elaborado por J. HERCULANO PIRES)
TERCEIRO ANO
PRIMEIRA PARTE
1) CADEIRA DE DOUTRINA ESPRITA
Situao cientfica atual do problema da pluralidade dos mundos ha-
bitados. Pesquisas Medinicas de Kardec sobre os mundos habitados; comu-
nicaes e estudos da Revista Esprita; critrio seguido nessas pesquisas.
CAPTULO XIII - REVOLUO CSMICA
Livro: Agonia das Religies. J. Herculano Pires. Ed. Paidia. 3 edi-
o 1989.
Em meados do Sculo XIX ocorreu uma abertura csmica para o ho-
mem em todos os sentidos. Trs sculos aps a Revoluo Coprnica, que co-
meara a demolir o geocentrismo de Ptolomeu, Kardec rompia o organocen-
trismo da concepo cientfica do homem, que tinha em seu apoio a tradio re-
ligiosa judeu-crist. Nicolau Coprnico escrevera em latim o seu tratado De Re-
volucionibus Orbium Celestium (Das Revolues das Orbes Celestes) que s foi
publicado em 1543, aps a sua morte, e condenado pelo Papa Paulo V. Kardec
publicou "0 Livro dos Espritos", em 1857, que tambm no escapou dupla
condenao da Igreja e da Cincia.
A concepo da vida como inerente s estruturas orgnicas foi o ltimo
refgio do geocentrismo. J que a Terra no era o centro do Universo, o homem
sustentava a sua vaidade e o seu orgulho considerando-se o centro da vida. Isso
evidente ainda hoje, transparecendo na luta desesperada das religies contra a
concepo esprita do homem e na desesperada resistncia das Cincias evi-
dncia resultante de suas prprias conquistas. Na Amrica e na Europa de hoje
as declaraes positivas de Rhine, Soal, Carington e outros sobre a existncia
de um contedo extrafsico nos seres humanos e de sua sobrevivncia morte
orgnica so combatidas ferozmente e classificadas como ridculas. um curio-
so espetculo na arena intelectual, em que vemos o homem lutando, por orgu-
lho, para sustentar que no mais do que p e cinza.
Podem os clrigos argumentar que nas religies no se passa o mesmo,
pois os princpios religiosos sustentam a concepo metafisica do homem. En-
tretanto, pode-se aplicar s religies a advertncia de Descartes quanto ao peri-
go de fazer-se confuso entre alma e corpo. Enquanto para o Espiritismo a alma
o esprito que anima o corpo, havendo ntida distino entre um e outro, as re-
ligies admitem a unidade substancial de alma e corpo, de tal maneira que a
ressurreio se verifica no prprio corpo. A complexa teoria de matria e for-
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ma, de Aristteles, deu muito pano para manga na teologia medieval, resultando na doutrina da forma substancial, em que forma substncia e substncia
forma. Em conseqncia, matria e forma se misturam e no se sabe como ex-
plicar o homem sem a sua estrutura orgnica de matria, pois chega-se mesmo a
sustentar que o homem p e em p se reverter na morte.
Opondo-se a essa posio restritiva, que reduz o homem condio de
bicho da terra, segundo a expresso camoneana, o Espiritismo o reintegra na
dignidade de sua natureza espiritual e reajusta a sua imagem no panorama cs-
mico. A manifestao dos mortos, demonstrando que continuam vivos e atuan-
tes noutra dimenso da vida, e que continuam a ser o que eram, apesar de no
mais possurem o corpo material, no deixa nenhuma possibilidade de dvida
sobre a diferena entre contedo e continente, entre esprito e corpo. A confu-
so de forma e substncia resolve-se com a demonstrao da estrutura trplice
do homem: o esprito a substncia, a essncia necessria, o ser do primado
ntico de Heidegger; o perisprito (corpo espiritual ou bioplsmico) a forma
da hiptese aristotlica, o padro estrutural dos bilogos soviticos; o corpo a
matria que nos d o ser existencial. Essa a tese esprita dos dois seres do
homem: o ser do esprito e o ser do corpo.
E o no-ser, como queria Hegel, no um ente especifico e autnomo,
oposto ao ser, mas inerente ao ser de relao ou existencial, ligado a ele na e-
xistncia como contrafao, determinado pela oposio da existncia ao ser. o
que vemos no problema da relao Deus-Diabo, em que a figura do Diabo s
tomada em sentido mitolgico, nunca real, como personificao das foras do
passado, que pesam sobre o ser existencial, embaraando-lhe o desenvolvimen-
to. O no-ser o que no quer ser, no quer atualizar-se na existncia, mas
permanecer o que era, apegado aos resduos das fases anteriores ao ser. Uma
das funes do ser absorver o no-ser para lev-lo a ser, segundo a tese da
passagem do inconsciente ao consciente, de Gustave Geley.
assim que o homem se reintegra, pela concepo esprita, na realidade
csmica. No mais um ser isolado na Criao, privilegiado pela inteligncia e
amesquinhado pela morte, no mais aquela paixo intil de Sartre que o tem-
po consome e reduz a nada. O homem a sntese superior produzida pela dial-
tica da evoluo criadora de Bergson nos reinos inferiores da Natureza, a partir
das entranhas da Terra. No seu curso de milhes e milhes de anos, a partir da
mnada oculta na matria csmica, impulsionado na ascenso filogentica das
coisas e dos seres, passando pelas metamorfoses de uma ontogenia assombrosa,
ele atingiu a conscincia e descobriu a marca de Deus em si mesmo. Herdeiro
de Deus e co-herdeiro de Cristo, segundo a expresso do Apstolo Paulo, o
homem no est condenado frustrao da morte, mas destinado vida em a-
bundncia na plenitude do esprito.
No fcil mentalidade necrfila desenvolvida pelas religies da mor-
te, sob o peso esmagador da escatologia judaica e da tragdia grega, compreen-
der essa viso nova do homem como um ser csmico. Por isso acusa-se o Espi-
ritismo de reativar antigas supersties e voltar concepo da metempsicose
egpcia elaborada pelo gnio de Pitgoras. No percebe essa mentalidade que a
teoria pitagrica da metempsicose impunha-se ao sistema do filsofo por uma
intuio do seu prprio gnio e pela necessidade lgica. O homem pitagrico
antecipou o homem do Espiritismo na medida possvel das grandes antecipa-
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es histricas. Era um homem csmico por anteviso, to integrado e entra-nhado na realidade universal que no podia escapar do crculo vicioso das for-
mas se no despertasse em seu ntimo os poderes secretos da mnada. O concei-
to do homem em Pitgoras infinitamente superior ao das religies atuais e ao
das filosofias do desespero e da morte em nosso sculo.
Quando Pitgoras falava da msica das esferas no se embrenhava nas
supersties, mas abria a mente de seus discpulos para a viso real do Cosmos,
que s em nosso tempo se tornaria acessvel a todos. Mais tarde, Jesus tambm
anunciaria as muitas moradas do Infinito e ensinaria o principio da ressurreio
e das vidas sucessivas, estarrecendo um mestre em Israel que no sabia dessas
coisas. J numa fase mais avanada da evoluo terrena, Jesus no se referia
metempsicose, mas palingenesia do pensamento grego, transformao cons-
tante dos seres e das coisas no desenvolvimento do plano divino. Nesse mesmo
tempo, nas antigas Glias, os celtas, que para Aristteles eram um povo de fil-
sofos, divulgavam esses mesmos princpios pela voz dos seus bardos, poetas-
cantores das trades sagradas. E entre eles, como um druida, Kardec se prepara-
va para a sua misso futura na Frana do Sculo XIX.
Vemos assim duas linhas paralelas na filognese humana: de um lado
temos a evoluo do principio inteligente a partir dos reinos inferiores da Natu-
reza, onde a mnada, a semente espiritual lanada pelo pensamento divino, de-
senvolve as suas potencialidades numa seqncia natural em que podemos per-
ceber as seguintes etapas: o poder estruturador no reino mineral, a sensibilidade
no vegetal, motilidade do animal, o pensamento produtivo no homem. A este
esquema linear temos de juntar a idia do desenvolvimento simultneo de todas
essas potencialidades, num crescendo incessante, num processo dialtico de di-
namismo to intenso e complexo que mal podemos imaginar. Foi isso que levou
Gustave Geley, o grande sucessor de Richet, a considerar a existncia em todas
as coisas de um dinamismo-psquico-inconsciente que rege toda a evoluo.
Que abismo entre essa concepo da gnese universal que o Espiritismo oferece
e a gnese alegrica das religies! E mesmo em relao gnese cientfica po-
demos notar a superioridade da concepo esprita, que no se restringe idia
de um processo dinmico de foras desencadeadas no plano superficial da mat-
ria, mas penetra nas entranhas do fenmeno para descobrir o nmeno, a essn-
cia determinante do processo e os objetivos graduais e conscientes que so a-
cessveis nossa percepo e compreenso. A criao do homem, a sua nature-
za e o seu destino tornam-se inteligveis. dipo decifra os mistrios da Esfinge.
Apesar disso, h criaturas que acusam o Espiritismo de doutrina simpl-
ria, de simples abec da Espiritualidade, curso primrio de iniciao nos conhe-
cimentos superiores da realidade universal. Enganam-se com a linguagem sim-
ples das obras de Kardec, atravs da qual o mestre francs colocou ao alcance
de todos, graas a um processo didtico dificlimo de se atingir e aplicar, os
mais graves problemas que os sbios do futuro teriam de enfrentar, como esto
enfrentando neste momento. A simplicidade de Kardec to enganosa como a
de Descartes. maneira do Discurso do Mtodo, "O Livro dos Espritos" um
desafio permanente argcia e ao bom-senso dos sbios do mundo. Esses dois
livros nos lembram a simplicidade enganosa dos ensinos de Jesus, que os telo-
gos enredaram em proposies confusas, no compreendendo o seu sentido pro-
fundo e impedindo os simples de compreend-lo.
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Mas voltemos s duas linhas paralelas da filognese humana, para tratar da segunda. Na primeira tivemos o processo natural de desenvolvimento das
potencialidades do princpio inteligente, que podemos comparar ao crescimento
da criana e aos primeiros cuidados com a sua educao. Temos de aguardar o
desenvolvimento orgnico da criana para que as suas possibilidades mentais se
revelem. E temos ento de orientar as suas disposies naturais para o aprendi-
zado escolar. O que vimos na primeira paralela foi exatamente esse processo.
Quando as potncias da mnada atingiram o desenvolvimento necessrio . sua
individualizao definitiva, como criatura humana, e a conscincia mostrou-se
estruturada, comeou ento o processo da sua maturao e do seu aprendizado.
O cl, a tribo, a horda, a famlia e as formas sucessivas de civilizao represen-
tam as etapas da segunda linha paralela, em que se verifica o desenvolvimento
cultural. A inteligncia, j formada, vai ser cultivada ao longo do tempo, nas ge-
raes sucessivas. As diferenciaes mondicas intudas por Leibniz, como as
diferenciaes na constituio atmica verificadas pela Fsica atual, respondem
pelas caractersticas diversas e diversificadoras das criaturas humanas em subs-
tncia e forma. Essas diferenciaes no so apenas individuais, mas tambm
grupais, determinando por afinidade os grupos familiais e raciais. Os elementos
da natureza, do meio fsico, e as miscigenaes, as misturas raciais e culturais,
contribuiro para acentuar as diversificaes no decorrer do tempo. Nota-se a
existncia de um dispositivo protetor das raas e culturas em desenvolvimento,
nas primeiras fases do processo, com o isolamento dos grupos afins nos conti-
nentes. Mas esse dispositivo no artificial, entrosa-se naturalmente no proces-
so evolutivo, em que todas as condies necessrias decorrem das variantes e-
volutivas. So inerentes ao processo.
Quando os vrios grupos amadureceram suficientemente e conquistaram
um grau relativamente elevado de civilizao, inicia-se a fase das conquistas, da
dominao dos grupos mais poderosos sobre os mais fracos, numa longa e pe-
nosa elaborao de novas condies de vida e cultura. Kerchensteiner coloca o
problema da cultura subjetiva e da cultura objetiva, a primeira correspondendo
ao plano das idias, da elaborao intelectual, a segunda ao plano da prtica, do
fazer, das realizaes materiais.
E Ernst Cassirer mostra como a cultura objetiva conserva em suas obras
materiais, gravadas nos objetos, as conquistas subjetivas de uma civilizao
morta. A Renascena, por exemplo, revela como as conquistas espirituais do
mundo clssico greco-romano foram arrancadas das runas e dos arquivos apa-
rentemente perdidos e reelaboradas pelo mundo moderno. Dewey, por sua vez,
acentua a importncia da reelaborao da experincia nas geraes sucessivas.
Mas quando chegamos ao ponto em que hoje estamos, prontos para um
salto cultural de natureza qualitativa, ainda no podemos considerar-nos como
obra concluda. Como observou Oliver Lodge, o homem ainda no est acaba-
do, mas em fase talvez de acabamento. Sim, talvez, porque o nosso otimismo e
a nossa vaidade podem enganar-nos a respeito do nosso estgio atual de realiza-
o. A prpria situao da Terra, isolada no espao e s agora tentando a ex-
panso csmica, deve advertir-nos de que ainda no estamos preparados para
ingressar na comunidade dos mundos superiores. Somos ainda um obscuro e
grosseiro subrbio da Cidade de Deus e s distncia podemos vislumbrar o
esplendor da luminria celeste na imensidade csmica. Nossos prprios meios
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de penetrao no espao sideral so demasiado rudimentares e precrios, Nos-sos corpos animais no nos permitem viver em condies superiores s da Ter-
ra. O desenvolvimento de nossos poderes psquicos est ainda comeando e
nossa capacidade mental, condicionada por um crebro de origem animal, no
vai muito alm dos processos indutivos e dedutivos mal arranhando o litoral es-
quivo do mundo da intuio. Como assinala Remy Chauvin, nem mesmo con-
seguimos atingir uma organizao social superior, permanecendo ainda num
plano de barbrie, estruturado em princpios ilgicos decorrentes da selva, com
o predomnio da fora sobre o direito.
No obstante, estamos avanando mais rapidamente do que nunca. E se
a nossa vaidade e o nosso egosmo no nos cegarem por completo, se formos
capazes de reconhecer no Espiritismo a doutrina que encerra o esquema do fu-
turo, a plataforma espiritual, poltica e social do novo mundo que temos de
construir no planeta - no mais a ferro, fogo e sangue - mas a golpes de inteli-
gncia, compreenso e fraternidade, ento poderemos atingir a maturidade hu-
mana. Caso contrrio retornaremos selva, recomearemos de novo o nosso a-
prendizado desde o principio, reiniciaremos o curso desperdiado das instrues
superiores. E no teremos mais em nossa companhia os que souberam vencer,
pois cabe-lhes o direito de se transferirem para os cursos universitrios da Ci-
dade de Deus, em que o Pai certamente os matricular. A escolha nos pertence,
a deciso nossa. Deus nos concedeu, com a conscincia, o direito e o dever
das opes.
Kardec sabia o que fazia, quando evitava a confuso do Espiritismo com
as religies dogmticas e formalistas, sem entretanto negar ao Espiritismo o seu
aspecto religioso. Teve mesmo o cuidado de no cortar em excesso as ligaes
da doutrina com a tradio religiosa, pois sabia que a evoluo no pode sofrer,
sem graves perigos de soluo de continuidade. O princpio esprita do encade-
amento de todas as coisas no Universo estava presente em sua mente. Poucas
obras revelam uma compreenso to clara e profunda da natureza orgnica do
Universo, como a Codificao. por isso, e no por sectarismo ou fanatismo,
que no podemos fazer concesses ao passado no campo das atividades doutri-
nrias. Avanamos para um novo mundo que s o Espiritismo pode modelar,
pois s ele revela condies para isso em sua estrutura doutrinria. Mas se no
procurarmos compreend-lo em toda a sua grandeza, certo que o reduziremos
a uma seita fantica de crentes obscurantistas. Evitemos essa queda no passado,
para ns mesmos e para o mundo. Tenhamos a coragem de avanar sem mule-
tas e sem temor para a Civilizao do Esprito.
*
Livro: O Mistrio do Bem e do Mal.
J. Herculano Pires. Ed. Correio Fraterno. 2 edio. 1992.
Conquista de Marte
O problema da conquista de outros planetas, pelo homem, depende da
nossa maneira de encarar o Universo. Se pensarmos que os corpos celestes
so divinos, como pensavam os antigos, tudo se complica. Mas se pensarmos,
segundo ensina o Espiritismo, que a Terra um corpo celeste como qualquer
outro, a questo se reduz s possibilidades materiais de aproximao e pouso de
16
nossos instrumentos nos outros planetas. No h limites para o homem no Uni-verso, a no ser os determinados pelo seu grau de evoluo. O homem da Terra,
nas condies fsicas do nosso planeta, s pode atingir outro mundo que esteja
no mesmo plano material do nosso.
O Espiritismo ensina que h diferentes graus de densidade fsica na
constituio dos mundos. Os Espritos disseram a Kardec que o planeta Jpiter,
por exemplo, apesar de pertencer ao nosso plano material, tem uma constituio
mais sutil que a nossa. As investigaes astronmicas atuais parecem confir-
mar, de certa maneira, essa indicao. Se assim for, evidente que uma nave
espacial terrena ter dificuldades ou estar impossibilitada de pousar em Jpiter.
Estamos diante de um limite para as nossas ambies, mas esse limite poder
ser superado pela nossa evoluo no futuro.
A teoria esprita da pluralidade dos mundos habitados bastante coeren-
te e concorda com as teorias cientficas sobre a diversidade dos estados da
matria no Cosmos. Nenhum cientista, jamais, tentaria enviar criaturas humanas
para um mundo em estado gasoso ou de ignio. Marte considerado de consti-
tuio fsica semelhante da Terra, como Vnus. Mas Vnus se torna inacess-
vel, em virtude de suas condies atmosfricas e de suas extremas variaes de
calor. O homem pode atingir Vnus e pousar no planeta, mas no suportaria o
seu clima. Em Marte, ao que parece, as coisas podem ser diferentes.
No tocante condio evolutiva de Marte, se inferior ou superior da
Terra, questo que o Espiritismo no resolve doutrinariamente. Kardec refere-
se a teorias transmitidas por certos espritos e que ele considerava lgicas, acei-
tveis. Mas sempre acentuou que no passavam de teorias e acrescentou que o
Espiritismo no deve ir alm dos seus objetivos, que so espirituais e no mate-
riais. Basta ler com ateno os textos a respeito para que o assunto se esclarea.
Alis, Kardec advertiu que no devemos tratar com os espritos de assuntos que
estejam fora dos objetivos conceptuais e moralizadores do Espiritismo.
DESENVOLVE-SE A CINCIA POSITIVA
NOS RUMOS DA CONCEPO ESPIRITUAL
Explicao da atitude materialista - A teimosia teolgica da Idade M-
dia e a teimosia cientfica de hoje O esprito a meta natural do desenvolvi-
mento cientfico.
A comprovao cientfica dos fenmenos espritas parece cada vez
mais difcil, pois a cincia moderna tende cada vez mais a encarar esses fen-
menos como de origem puramente material. Sempre que tenho a oportunidade
de conversar sobre Espiritismo com uma pessoa dotada de cultura cientfica,
sinto-me desolado com a srie de argumentos de que essas pessoas se utilizam,
para negar a possibilidade da sobrevivncia. No sei como o Sr. pode alimentar
tanta esperana na espiritualizao da cincia.
De fato, a obstinao materialista dos nossos meios culturais qualquer
coisa de espantar. No passa, entretanto, de uma teimosia facilmente explicvel
por uma lei descoberta pela prpria cincia moderna: a lei da inrcia. Ao findar-
se a Idade Mdia, ocorria fenmeno semelhante, mas em sentido contrrio. Os
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homens avanados, que defendiam a experincia cientfica contra o dogmatis-mo eclesistico, sentiam-se poucos e fracos, diante da avalancha de crentes e
fanticos dos meios culturais. Foi dificilmente que a mentalidade cientfica se
imps, vencendo a teimosia teolgica.
O que hoje se verifica, no mais do que a resistncia da teimosia cien-
tfica. Tendo se acostumado a pensar de maneira positiva, os homens no
conseguem afastar-se dessa maneira, seno a muito custo. Poderamos dizer,
sem intuito ofensivo, mas apenas para maior exemplificao: empacaram. Pa-
ra tir-los dessa nova posio necessrio que empreguemos o fogo e a pacin-
cia, como fazem os tropeiros. O fogo est aceso: as labaredas da evidncia bri-
lham por toda a parte, nos fatos inexplicveis. Quanto pacincia, o que pre-
cisamos ter.
A reviravolta no ser to difcil, apesar de tudo. Assim como a menta-
lidade teolgica, cultivada durante um milnio, cedeu aos golpes racionais da
Renascena, assim tambm a mentalidade materialista ceder, queira ou no
queira, aos golpes de evidncia dos fatos espritas e aos raios de luz da doutrina
esprita. Por mais poderosa que seja uma fortaleza, quando arrombamos suas
portas, ela est prestes a cair. Por mais slida que se apresente uma muralha, se
lhe minamos o alicerce, ela fatalmente vir abaixo. E, no caso da mentalidade
materialista dominante na cincia, o curioso que ela mesma j abriu suas por-
tas realidade espiritual, ela mesma se incumbiu de minar os prprios alicerces.
Por mais que os materialistas argumentem de maneira cientfica, h
sempre um fundo movedio nessa argumentao. Para comear, a cincia mais
positiva se baseia numa crena, numa f. E esta f to indemonstrvel, do
ponto de vista cientfico, como a f religiosa. Todo o edifcio da cincia repousa
no dogma da ordem universal, equivalente positivo do dogma metafsico da
existncia de Deus. Por outro lado, a negao do esprito sempre uma fuga
realidade, alegando os materialistas que a cincia explicar, mais tarde, o que
hoje no pode explicar. Atitude semelhante ao do comerciante que diz: Fiado,
s amanh.
Basta analisar estas coisas, para compreendermos que a espiritualizao
da cincia to inevitvel quanto o seu prprio desenvolvimento. graas a es-
se desenvolvimento que ela chegar ao esprito, porque sendo o esprito a reali-
dade ltima, a meta natural do progresso cientfico. Os Espritos disseram isso
a Kardec h um sculo. E a previso dos Espritos vem se cumprindo de manei-
ra inegvel em nosso sculo, quando vemos a cincia obrigada a recorrer a um
conceito energtico do cosmos, diante da desagregao da matria, que se des-
faz nas mos dos cientistas como um floco de neve. Que faro eles, daqui a
pouco?
*
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REVISTA ESPRITA 1.858
MARTE E JPITER
A pluralidade dos mundos
Revista Esprita, maro de 1858
Quem no teria perguntado, considerando a Lua e os outros astros, se
esses globos so habitados? Antes que a cincia nos tivesse iniciado quanto
natureza desses astros, disso se podia duvidar; hoje, no estado atual dos nossos
conhecimentos, h, pelo menos, probabilidades; mas fizeram-se a essa idia,
verdadeiramente sedutora, objees tiradas da prpria cincia. A Lua, diz-se,
parece no ter mais atmosfera, e, talvez, gua. Em Mercrio, tendo em vista a
sua proximidade do Sol, a temperatura mdia deve ser a do chumbo fundido,
de sorte que, se houver chumbo, dever correr como a gua dos nossos rios.
Em Saturno, tudo o oposto; no temos termo de comparao para o frio que
nele deve reinar; a luz do Sol, ali, deve ser muito fraca, apesar do reflexo das
suas sete luas e do seu anel, porque, a essa distncia, o Sol no deve parecer
seno como uma estrela de primeira grandeza. Em tais condies, pergunta-se
se seria possvel viver.
No se concebe que, uma semelhante objeo possa ser feita por ho-
mens srios. Se a atmosfera da Lua no pde ser percebida, racional que dis-
so se infere que no exista? No pode estar formada de elementos desconheci-
dos ou muito rarefeitos para no produzir refrao sensvel? Diremos a mesma
coisa da gua ou dos lquidos que nela existam. Com relao aos seres vivos,
no seria negar o poder divino crendo impossvel uma organizao diferente
da que ns conhecemos, quando, sob os nossos olhos, a previdncia da Natu-
reza se estende com uma solicitude to admirvel at o menor dos insetos, e
d, a todos os seres, rgos apropriados ao meio ao qual devem habitar, seja
sob a gua, o ar ou a terra, seja mergulhados na obscuridade ou expostos ao
claro do Sol? Se no tivssemos jamais visto os peixes, no poderamos con-
ceber seres vivos na gua; no faramos uma idia da sua estrutura. Quem po-
deria crer, ainda h pouco tempo, que um animal pudesse viver um tempo in-
definido no seio de uma pedra! Mas, sem falar desses extremos, os seres que
vivem sob o fogo da zona trrida poderiam existir nos gelos polares? E, toda-
via, h, nesses gelos, seres organizados para esse clima rigoroso e que no po-
deriam suportar o ardor de um sol vertical. Por que, pois, no admitiramos
que seres possam estar constitudos de modo a viverem sobre outros globos e
num meio todo diferente do nosso? Seguramente, sem conhecer a fundo a
constituio fsica da Lua, dela sabemos o bastante para estarmos certos de
que, tais como somos, ali no poderamos viver, tanto como no o podemos no
seio do Oceano, em companhia dos peixes. Pela mesma razo, os habitantes da
Lua, se pudessem vir Terra, constitudos para viverem sem ar, ou num ar
muito rarefeito, talvez muito diferente do nosso, seriam asfixiados em nossa
espessa atmosfera, como o somos quando camos na gua. Ainda uma vez, se
no temos a prova material e visual da presena de seres vivos em outros
mundos, nada prova que no possam existir, cujo organismo seja apropriado a
um meio ou a um clima qualquer. O simples bom senso nos diz, ao contrrio,
que assim deve ser, porque repugna razo crer que esses inumerveis globos
que circulam no espao no so seno massas inertes e improdutivas. A obser-
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vao nos mostra, deles, superfcies acidentadas por montanhas, vales, barran-cos, vulces extintos ou em atividade; por que, pois, no haveriam seres org-
nicos? Seja, dir-se-; que haja plantas, mesmo animais, isso pode ser; mas se-
res humanos, homens civilizados como ns, conhecendo Deus, cultivando as
artes, as cincias, isso ser possvel?
Seguramente, nada prova, matematicamente, que os seres que habitam
os outros mundos sejam homens como ns, moralmente falando; mas, quando
os selvagens da Amrica viram desembarcar os Espanhis, no duvidaram
mais que, alm dos mares, existia um outro mundo cultivando artes que lhes
eram desconhecidas. A terra salpicada de uma inumervel quantidade de i-
lhas, pequenas ou grandes, e tudo o que habitvel est habitado; no surge
um rochedo no mar que o homem no plante, no instante, sua bandeira. Que
diramos se os habitantes de uma das menores dessas ilhas, conhecendo perfei-
tamente a existncia das outras ilhas e continentes, mas, jamais havendo tido
relaes com aqueles que os habitam, se cressem os nicos seres vivos do glo-
bo? Ns lhes diramos: Como podeis crer que Deus haja feito o mundo s para
vs? Por qual estranha bizarria vossa pequena ilha, perdida num canto do Oce-
ano, teria o privilgio de ser a nica habitada? Podemos dizer outro tanto de
ns com respeito s outras esferas. Por que a Terra, pequeno globo impercep-
tvel na imensido do Universo, que no se distingue dos outros planetas nem
pela sua posio, nem pelo seu volume, nem pela sua estrutura, porque no
nem a menor nem a maior, nem est no centro e nem na extremidade, por que,
digo, seria, entre tantas outras, a nica residncia de seres racionais e pensan-
tes? Que homem sensato poderia crer que esses milhes de astros, que brilham
sobre as nossas cabeas, tenham sido feitos para recrear a nossa viso? Qual
seria, ento, a utilidade desses outros milhes de globos imperceptveis a olho
nu, e que no servem nem mesmo para nos clarear? No haveria, ao mesmo
tempo, orgulho e impiedade em pensar que assim deve ser? queles que a im-
piedade pouco toca, diremos que ilgico.
Chegamos, pois, por um simples raciocnio, que muitos outros fizeram
antes de ns, a concluir pela pluralidade dos mundos, e esse raciocnio se en-
contra confirmado pela revelao dos Espritos. Eles nos ensinam, com efeito,
que todos esses mundos so habitados por seres corpreos apropriados cons-
tituio fsica de cada globo; que, entre os habitantes desses mundos, uns so
mais, outros so menos, avanados do que ns do ponto de vista intelectual,
moral e mesmo fsico. Ainda mais, hoje, sabemos que podemos entrar em rela-
o com eles, e deles obter notcias sobre o seu estado; sabemos, ainda, que
no s todos esses globos so habitados por seres corpreos, mas, que o espa-
o est povoado por seres inteligentes, invisveis para ns por causa do vu
material lanado sobre a nossa alma, e que revelam a sua existncia por meios
ocultos ou patentes. Assim, tudo povoado no Universo, a vida e a intelign-
cia esto por toda parte: sobre os globos slidos, no ar, nas entranhas da terra,
e at nas profundezas etreas. Haver, nessa doutrina, alguma coisa que re-
pugne razo? No , ao mesmo tempo, grandiosa e sublime? Ela nos eleva
pela nossa prpria pequenez, diferentemente desse pensamento egosta e mes-
quinho que nos coloca como os nicos seres dignos de ocupar o pensamento
de Deus.
*
20
REVISTA ESPRITA 1858
Maro de 1858
Jpiter e alguns outros mundos
Antes de entrarmos nos detalhes das revelaes que os Espritos nos fi-
zeram, sobre o estado dos diferentes mundos, vejamos a quais conseqncias
lgicas poderemos chegar, por ns mesmos e unicamente pelo raciocnio. Re-
portando-se escala esprita que demos no precedente nmero, pedimos s
pessoas desejosas de aprofundarem seriamente essa cincia nova, estudarem
com cuidado esse quadro e dele se compenetrarem; nele encontraro a chave
de mais de um mistrio.
O mundo dos Espritos se compe de almas de todos os humanos desta
Terra e de outras esferas, desligadas dos laos corporais; do mesmo modo, to-
dos os humanos so animados por Espritos neles encarnados. H, pois, solida-
riedade entre os dois mundos: os homens tero as qualidades e as imperfeies
dos Espritos com os quais esto unidos; os Espritos sero mais ou menos
bons ou maus, segundo os progressos que tiverem feito durante a sua existn-
cia corporal. Essas poucas palavras resumem toda a doutrina. Como os atos
dos homens so o produto do seu livre arbtrio, levam a marca da perfeio ou
da imperfeio do Esprito que os provocam. Ser-nos-, pois, muito fcil fa-
zermos uma idia do estado moral de um mundo qualquer, segundo a natureza
dos Espritos que o habitem; poderemos, de algum modo, descrever a sua le-
gislao, traar o quadro dos seus costumes, dos seus usos, das suas relaes
sociais. Suponhamos, pois, um globo habitado, exclusivamente, por Espritos
da nona classe, por Espritos impuros, e a ele nos transportemos pelo pensa-
mento. Nele veremos todas as paixes desencadeadas e sem freio; o estado
moral no ltimo grau de embrutecimento; a vida animal em toda a sua brutali-
dade; nada de laos sociais, porque cada um no vive e no age seno para si e
para satisfazer os seus apetites grosseiros; o egosmo nele reina com soberania
absoluta, e arrasta consigo o dio, a inveja, o cime, a cupidez, a morte.
Passemos, agora, para uma outra esfera, onde se encontrem Espritos
de todas as classes da terceira ordem: Espritos impuros, Espritos levianos,
Espritos pseudo-sbios, Espritos neutros. Sabemos que, em todas as classes
dessa ordem, o mal domina; mas, sem terem o pensamento do bem, o do mal
decresce medida que se afastam da ltima classe. O egosmo sempre o m-
vel principal das aes, mas os costumes so mais brandos, a inteligncia mais
desenvolvida; o mal, a, estar um pouco disfarado, enfeitado e dissimulado.
Essas prprias qualidades engendram um outro defeito, que o orgulho; por-
que as classes mais elevadas so bastante esclarecidas para terem conscincia
da sua superioridade, mas no o bastante para compreenderem o que lhes falta;
da a sua tendncia escravizao das classes inferiores, e de raas mais fra-
cas, que tenham sob o seu jugo. No tendo o sentimento do bem, no tm se-
no o instinto do eu e acionam a sua inteligncia para satisfazerem as suas pai-
xes. Numa tal sociedade, se o elemento impuro domina, esmagar o outro; no
caso contrrio, os menos maus procuraro destruir os seus adversrios; em to-
dos os casos, haver luta, luta sangrenta, luta de extermnio, porque so dois
elementos que tm interesses opostos. Para proteger os bens e as pessoas, se-
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ro necessrias leis; mas essas leis sero ditadas pelo interesse pessoal e no pela justia; o forte as far, em detrimento do fraco.
Suponhamos, agora, um mundo onde, entre os elementos maus que a-
cabamos de ver, se encontrem alguns dos de segunda ordem; ento, em meio
da perversidade, veremos aparecer algumas virtudes. Se os bons estiverem em
minoria, sero vtimas dos maus; mas, medida que aumente a sua preponde-
rncia, a legislao ser mais humana, mais eqitativa, e a caridade crist no
ser, para todos, uma letra morta. Desse prprio bem, vai nascer um outro v-
cio. Malgrado a guerra que os maus declarem, sem cessar, aos bons, no pode-
ro impedi-los de os estimar em seu foro ntimo; vendo a ascendncia da vir-
tude sobre o vcio, e no tendo nem a fora e nem a vontade de pratic-la, pro-
curaro parodi-la; tomam-lhe a mscara; da os hipcritas, to numerosos em
toda sociedade onde a civilizao imperfeita.
Continuemos nossa rota atravs dos mundos, e detenhamo-nos neste,
que nos vai repousar um pouco do triste espetculo que acabamos de ver. No
habitado seno por Espritos da segunda ordem. Que diferena! O grau de
depurao que alcanaram exclui, entre eles, todo pensamento do mal, e s es-
sa palavra nos d a idia do estado moral dessa feliz regio. A legislao, a,
bem simples, porque os, homens no tm do que se defenderem, uns contra os
outros; ningum quer o mal para o seu prximo, ningum se apropria do que
no lhe pertence, ningum procura viver em detrimento do seu vizinho. Tudo
respira a benevolncia e o amor; os homens no procuram se prejudicar; no
h dio; o egosmo desconhecido e a hipocrisia no teria finalidade. A, to-
davia, no reina a igualdade absoluta, porque a igualdade absoluta supe uma
identidade perfeita no desenvolvimento intelectual e moral; ora, veremos, pela
escala espiritual, que a segunda ordem compreende vrios graus de desenvol-
vimento; haver, pois, nesse mundo, desigualdades, porque uns sero mais a-
vanados do que outros; mas, como entre eles no h seno o pensamento do
bem, os mais elevados no concebero nada de orgulho, e os outros nada de
cime. O inferior compreende a ascendncia do superior e se submete, porque
essa ascendncia puramente moral e ningum dela se serve para oprimir.
As conseqncias que tiramos, desses quadros, embora apresentadas de
um modo hipottico, no deixam de ser perfeitamente racionais, e, cada um
pode deduzir o estado social de um mundo qualquer, segundo a proporo dos
elementos morais dos quais se o supe composto. Vimos que, abstrao feita
da revelao dos Espritos, todas as probabilidades so para a pluralidade dos
mundos; ora, no menos racional pensar que todos no esto num mesmo
grau de perfeio, e que, por isso mesmo, nossas suposies podem muito bem
ser realidades. No os conhecemos, seno o nosso, de um modo positivo.
Que categoria ele ocupa nessa hierarquia? Ah! Basta considerar o que
aqui se passa para ver que est longe de merecer a primeira categoria, e esta-
mos convencidos de que, lendo estas linhas, j se lhe ter marcado seu lugar.
Quando os Espritos nos dizem que esto, seno na ltima, pelo menos nas l-
timas, o simples bom senso nos diz, infelizmente, que no se enganam; temos
muito a fazer para elev-lo categoria daquele que escrevemos em ltimo lu-
gar, e temos muita necessidade que o Cristo venha nos mostrar o caminho.
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Quanto aplicao, que podemos fazer, do nosso raciocnio, aos dife-rentes globos do nosso turbilho planetrio, no temos seno os ensinamentos
dos Espritos; ora, para quem no admite seno provas palpveis, positivo
que sua assero, a esse respeito, no tenha a certeza da experimentao direta.
No entanto, no aceitamos, todos os dias com confiana as descries, que os
viajantes nos fazem, de pases que jamais vimos? Se ns no devssemos crer
seno por nossos olhos, no creramos em grande coisa. O que d aqui, um
certo peso ao dizer dos Espritos, a correlao que existe entre eles, pelo me-
nos nos pontos principais.
Para ns, que fomos cem vezes testemunhas dessas comunicaes, que
pudemos apreci-las em seus menores detalhes, que nelas escrutamos o forte e
o fraco, observamos as semelhanas e as contradies, encontramos todos os
caracteres da probabilidade; todavia, no lhes damos seno sob benefcio de
inventrio, a ttulo de notcias, aos quais cada um est livre para ligar a impor-
tncia que julga adequada. Segundo os Espritos, o planeta Marte seria ainda
menos avanado do que a Terra; os Espritos que nele esto encarnados pare-
cem pertencer, quase exclusivamente, nona classe, a dos Espritos impuros,
de sorte que o primeiro quadro, que demos acima, seria a imagem desse mun-
do. Vrios outros pequenos globos esto, com algumas nuanas, na mesma ca-
tegoria. A Terra viria em seguida; a maioria de seus habitantes pertence, in-
contestavelmente, a todas as classes da terceira ordem, e a parte menor s l-
timas classes da segunda ordem. Os Espritos superiores, os da segunda e da
terceira classe, nela cumprem, algumas vezes, uma misso de civilizao e
progresso, e so excees. Mercrio e Saturno vm depois da Terra. A superi-
oridade numrica de bons Espritos lhes d a preponderncia sobre os Espritos
inferiores, do que resulta uma ordem social mais perfeita, relaes menos ego-
stas, e, por conseqncia, uma condio de existncia mais feliz. A Lua e V-
nus esto quase no mesmo grau e, sob todos os aspectos, mais avanados do
que Mercrio e Saturno. Juno (Juno o nome de uma divindade itlica. Deve
ter ocorrido um lapso do autor, uma vez que no h, no nosso sistema solar,
nenhum planeta com este nome. N. do T.) e Urano seriam ainda superiores a
esses ltimos. Pode-se supor que os elementos morais, desses dois planetas,
so formados das primeiras classes da terceira ordem e, na grande maioria, de
Espritos da segunda ordem. Os homens, neles, so infinitamente mais felizes
do que sobre a Terra, pela razo de que no tm nem as mesmas lutas a susten-
tar, nem as mesmas tribulaes a suportar, e no esto expostos s mesmas vi-
cissitudes fsicas e morais.
De todos os planetas, o mais avanado, sob todos os aspectos, Jpi-
ter. Ali, o reino exclusivo do bem e da justia, porque no h seno bons Es-
pritos. Pode-se fazer uma idia do feliz estado dos seus habitantes pelo quadro
que demos do mundo habitado sem a participao dos Espritos da segunda
ordem.
A superioridade de Jpiter no est somente no estado moral dos seus
habitantes; est, tambm, na sua constituio fsica. Eis a descrio que nos foi
dada, desse mundo privilegiado, onde encontramos a maioria dos homens de
bem que honraram nossa Terra pelas suas virtudes e seus talentos.
A conformao dos corpos mais ou menos a mesma que aqui, mas
menos material, menos denso e de uma maior leveza especfica. Ao passo que
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rastejamos penosamente na Terra, o habitante de Jpiter se transporta, de um lugar para outro, roando a superfcie do solo, quase sem fadiga, como o ps-
saro no ar ou o peixe na gua. Sendo a matria, da qual o corpo est formado,
mais depurada, ela se dissipa, depois da morte, sem ser submetida decompo-
sio ptrida. Ali no existe a maioria das enfermidades que nos afligem, so-
bretudo aquelas que tm sua fonte nos excessos de todos os gneros e na de-
sordem causada pelas paixes. A alimentao est em relao com essa orga-
nizao etrea; no seria bastante substanciosa para os nossos estmagos gros-
seiros, e a nossa seria muito pesada para eles; ela se compe de frutas e plan-
tas, e, alis, haurem, de algum modo, a maior parte do meio ambiente do qual
aspiram as emanaes nutritivas. A durao da vida , proporcionalmente,
muito maior que sobre a Terra; a mdia equivale a cinco dos nossos sculos. O
desenvolvimento tambm muito mais rpido, e a infncia dura apenas alguns
de nossos meses.
Sob esse envoltrio leve, os Espritos se desligam facilmente e entram
em comunicao recproca unicamente pelo pensamento, sem excluir, todavia,
a linguagem articulada; tambm a segunda vista , para a maioria uma facul-
dade permanente; seu estado normal pode ser comparado ao dos nossos so-
nmbulos lcidos; tambm porque se manifestam, a ns, mais facilmente do
que aqueles que esto encarnados em mundos mais grosseiros e mais materi-
ais. A intuio que tm do futuro, a segurana que lhes d uma conscincia i-
senta de remorsos, fazem com que a morte no lhes cause nenhuma apreenso;
vem-na chegar sem medo e como uma simples transformao.
Os animais no esto excludos desse estado progressivo, sem se apro-
ximarem, entretanto, do homem, mesmo sob o aspecto fsico; seus corpos,
mais materiais ligam-se ao solo, como ns Terra. Sua inteligncia mais de-
senvolvida do que nos nossos; a estrutura dos seus membros se dobra a todas
exigncias do trabalho; so encarregados da execuo de obras manuais; so
os servidores e os operrios: as ocupaes dos homens so puramente intelec-
tuais. O homem , para eles, uma divindade, mas uma divindade tutelar que
jamais abusa do seu poder para oprimi-los.
Os Espritos que habitam Jpiter, geralmente, se comprazem, quando
querem se comunicar conosco na descrio do seu planeta, e quando se lhes
pergunta a razo, respondem que a fim de nos inspirar o amor ao bem pela
esperana de, para l, ir um dia. Foi com esse objetivo que um deles, que viveu
na Terra com o nome de Bernard Palissy, o clebre oleiro do dcimo sexto s-
culo, empreendeu, espontaneamente e sem ser solicitado para isso, uma srie
de desenhos to notveis, tanto pela sua singularidade quanto pelo talento da
execuo, e destinado a nos dar a conhecer, at nos menores detalhes, esse
mundo to estranho e to novo para ns. Alguns retratam personagens, ani-
mais, cenas da vida privada; mas, os mais notveis, so aqueles que represen-
tam habitaes, verdadeiras obras-primas das quais nada sobre a Terra poderia
nos dar uma idia, porque essa no parece com nada do que conhecemos; um
gnero de arquitetura indescritvel, to original e, no entanto, to harmoniosa,
de uma ornamentao to rica e to graciosa, que desafia a mais fecunda ima-
ginao. O senhor Victorien Sardou, jovem literato e dos nossos amigos, cheio
de talento e de futuro, mas em nada desenhista, lhes serviu de intermedirio.
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Palissy nos promete uma srie que nos dar, de algum modo, a monografia i-lustrada desse mundo maravilhoso.
Esperamos que essa curiosa e interessante coletnea sobre a qual volta-
remos num artigo especial consagrado aos mdiuns desenhistas, poder ser,
um dia, entregue ao pblico.
O planeta Jpiter, apesar do quadro sedutor que dele nos foi dado, no
o mais perfeito entre os mundos. H outros, desconhecidos para ns, que lhes
so bem superiores, no fsico e no moral, e cujos habitantes gozam de uma fe-
licidade ainda mais perfeita; l a morada dos Espritos mais elevados, cujo
envoltrio etreo nada mais tem das propriedades conhecidas da matria.
Vrias vezes perguntaram-nos se pensamos que a condio do homem
aqui, um obstculo absoluto a que pudesse passar, sem intermedirio, da Ter-
ra para Jpiter. A todas as questes que tocam Doutrina Esprita, jamais res-
pondemos segundo as nossas prprias idias, contra as quais estamos sempre
desconfiando. Limitamo-nos a transmitir o ensinamento que nos foi dado, en-
sinamento que no aceitamos com leviandade e com um entusiasmo irrefleti-
do. questo acima, respondemos simplesmente, porque tal o sentido for-
mal das nossas instrues e o resultado das nossas prprias observaes: SIM,
o homem, deixando a Terra, pode ir imediatamente para Jpiter, ou para um
mundo anlogo, porque esse no nico dessa categoria. Pode-se disso ter a
certeza? NO. Pode-se para l ir porque h, sobre a Terra, embora em peque-
no nmero, Espritos bastante bons e bastante desmaterializados para no se
sentirem deslocados num mundo onde o mal no tem acesso.
No h a certeza disso, porque pode-se se iludir sobre o mrito pessoal,
e pode-se, alis, ter uma outra misso a cumprir. Aqueles que podem esperar
esse favor, no so, seguramente, nem os egostas, nem os ambiciosos, nem os
avaros, nem os ingratos, nem os ciumentos, nem os orgulhosos, nem os vaido-
sos, nem os hipcritas, nem os sensuais, nem nenhum daqueles que esto do-
minados pelo amor aos bens terrestres; a estes, talvez, seja preciso, ainda, lon-
gas e rudes provas. Isso depende de sua vontade.
*
REVISTA ESPRITA
ABRIL DE 1858
DESCRIO DE JPITER
Bernard Pallissy (9 de maro de 1858).
Nota. - Sabamos, por evocaes anteriores, que Bernard Palissy, o c-
lebre oleiro do sexto sculo, habita Jpiter. As respostas seguintes confirmam,
em todos os pontos, o que nos foi dito, sobre esse planeta, em diversas pocas,
por outros Espritos, e por intermdio de diferentes mdiuns. Pensamos que se-
ro lidas com interesse, como complemento do quadro que traamos em nosso
ltimo nmero. A identidade que elas apresentam com as descries anterio-
res, um fato notvel que , pelo menos, uma presuno de exatido.
1. Onde te encontraste, deixando a Terra? - R. Nela ainda habitei.
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2. Em que condies estavas? - R. Sob os traos de uma mulher, aman-te e devotada; no era seno uma misso.
3. Essa misso durou muito tempo? - R. Trinta anos.
4. Lembras do nome dessa mulher? - R. obscuro.
5. A estima que se tem por tuas obras, te satisfaz, e isso compensa os
sofrimentos que suportaste? - R. Que me importam as obras materiais de mi-
nhas mos! O que me importa o sofrimento que me elevou.
6. Com qual objetivo traaste, pela mo do senhor Victorien Sardou, os
admirveis desenhos que nos deste sobre o planeta Jpiter, que tu habitas? - R.
Com o objetivo de inspirar o desejo de vos tornardes melhores.
7. Uma vez que voltas sempre sobre a nossa Terra, que habitaste diver-
sas vezes, deves conhecer bastante o seu estado fsico e moral para estabelecer
uma comparao entre ela e Jpiter; rogamos, pois, consentir em nos esclare-
cer sobre diversos pontos. - R. Sobre vosso globo, no venho seno em Espri-
to; o Esprito no tem mais sensaes materiais.
ESTADO FSICO DO GLOBO
8. Pode-se comparar a temperatura de Jpiter com a de uma de nossas
latitudes? - R. No; ela branda e temperada; sempre igual, e a vossa varia.
Lembrai-vos os campos Elyses que vos foi descrito.
9. O quadro que os Antigos nos deram dos campos Elyses seria o re-
sultado do conhecimento intuitivo que tinham de um mundo superior, tal qual
Jpiter, por exemplo? - R. Do conhecimento positivo; a evocao permaneceu
nas mos dos sacerdotes.
10. A temperatura varia segundo as latitudes, como aqui? - R. No.
11. Segundo os nossos clculos, o Sol deve aparecer aos habitantes de
Jpiter sob um ngulo muito pequeno, e dar-lhe, por conseqncia, pouca luz.
Podes nos dizer se a intensidade da luz igual a da Terra, ou se menos forte?
- R. Jpiter est cercado de uma espcie de luz espiritual, em relao com a es-
sncia dos seus habitantes. A luz grosseira do vosso Sol no foi feita para eles.
12. H uma atmosfera? - R. Sim.
13. A atmosfera formada dos mesmos elementos da atmosfera terres-
tre? - R. No; os homens no so os mesmos; suas necessidades mudaram.
14. H gua e mares? - R. Sim.
15. A gua formada dos mesmos elementos da nossa? - R. Mais et-
reos.
16. H vulces? - R. No; nosso globo no atormentado como o vos-
so; a natureza no teve suas grandes crises; uma morada de bem-
aventurados. Nele, a matria quase no existe.
17. As plantas tm analogia com as nossas? - R. Sim, porm mais be-
las.
26
ESTADO FSICO DOS HABITANTES
18. A conformao do corpo dos habitantes tem relao com a nossa? -
R. Sim, a mesma.
19. Podes nos dar uma idia do seu talhe, comparado ao dos habitantes
da Terra? - R. Grandes e bem proporcionados. Maiores do que os maiores dos
vossos homens. O corpo do homem como a marca do seu esprito: belo onde
ele bom; o envoltrio digno dele; no mais uma priso.
20. Os corpos ali so opacos, difanos ou translcidos? - R. H de uns
e de outros. Uns tm tal propriedade, os outros tal outra, segundo sua destina-
o.
21. Concebemos isso para os corpos inertes, mas nossa questo rela-
tiva aos corpos humanos. - R. O corpo envolve o Esprito sem escond-lo, co-
mo um vu leve lanado sobre uma esttua. Nos mundos inferiores, o envolt-
rio grosseiro oculta o Esprito aos seus semelhantes; mas os bons nada tm a
esconder: podem ler no corao uns dos outros. Que seria isso se fosse assim
nesse mundo!
22. H sexos diferentes? - R. Sim; h por toda parte onde a matria e-
xista; uma lei da matria.
23. Qual a base da alimentao dos habitantes? animal e vegetal
como aqui? - R. Puramente vegetal; o homem o protetor dos animais.
24. Foi-nos dito que haurem uma parte da sua alimentao no meio
ambiente, do qual aspiram as emanaes; isso exato? - R. Sim.
25. A durao da vida, comparada nossa, mais longa ou mais curta?
- R. Mais longa.
26. De quanto tempo a vida mdia? - R. Como medir o tempo?
27. No podes tomar um dos nossos sculos por termo de comparao?
- R. Creio que em torno de cinco sculos.
28. O desenvolvimento da infncia proporcionalmente mais rpido do
que entre ns? - R. O homem conserva a sua superioridade; a infncia no
comprime a sua inteligncia, a velhice no a extingue.
29. Os homens esto sujeitos a doenas? - R. No esto sujeitos aos
vossos males.
30. A vida se divide entre a viglia e o sono? - R. Entre a ao e o re-
pouso.
31. Poderias nos dar uma idia das diversas ocupaes dos homens? -
R. Seria preciso dizer muito. Sua principal ocupao encorajar os Espritos
que habitam os mundos inferiores a perseverarem no bom caminho. No tendo
infortnio a aliviar entre eles, vo procurar onde se sofre; so os bons Espritos
que vos sustentam e vos atraem ao bom caminho.
32. Ali se cultivam certas artes? - R. So inteis. Vossas artes so futi-
lidades que distraem vossas dores.
33. A densidade especfica do corpo do homem lhe permite transportar-
se, de um lugar ao outro, sem permanecer, como aqui, atado ao solo? - R. Sim.
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34. Experimenta-se o dissabor e o desgosto da vida? - R. No; o des-gosto da vida no vem seno do desprezo de si mesmo.
35. Sendo os corpos dos habitantes de Jpiter menos densos do que os
nossos, so formados de matria compactada e condensada ou vaporosa? - R.
Compacta para ns; mas para vs ela no o seria; menos condensada.
36. O corpo, considerado como forma de matria, impenetrvel? - R.
Sim.
37. Os habitantes tm uma linguagem articulada como ns? -R. No;
h, entre eles, comunicao de pensamentos.
38. A segunda vista , como se nos disse, uma faculdade normal e per-
manente entre vs? -R. Sim; o Esprito no tem mais entraves; nada est oculto
para ele.
39. Se nada est oculto para o Esprito, conhece, pois, o futuro? (que-
remos falar dos Espritos encarnados em Jpiter) - R. O conhecimento do futu-
ro depende da perfeio do Esprito; tem menos inconvenientes para ns do
que para vs; -nos mesmo necessrio, at um certo ponto, para o cumprimen-
to de misses que temos a cumprir; mas dizer que conhecemos o futuro sem
restries, seria nos colocar na mesma posio que Deus.
40. Podeis revelar tudo o que sabeis do futuro? - R. No; esperai at
que tenhais merecido sab-lo.
41. Comunicai-vos mais facilmente do que ns com os outros Espri-
tos? - R. Sim! sempre: a matria no est mais entre eles e ns.
42. A morte inspira o horror e o pavor que causa entre ns? - R. Por
que seria ela apavorante? O mal no existe mais entre ns. S o mau v o seu
ltimo momento com pavor; ele teme seu juiz.
43. Em que se tornam os habitantes de Jpiter depois da morte? - R.
Crescem sempre em perfeio sem mais suportar provas.
44. No h, em Jpiter, Espritos que se submetem a provas para cum-
prirem uma misso? - R. Sim, mas isso no mais uma prova; s o amor ao
bem leva-os a sofrer.
45. Podem falir em sua misso? - R. No, uma vez que so bons; no
h fraqueza seno onde h defeito.
46. Poderias nomear-nos alguns Espritos, habitantes de Jpiter, que
cumpriram uma grande misso na Terra? - R. So Lus.
47. Poderias nomear-nos outros? - R. Que vos importa! H misses
desconhecidas que no tm por objetivo seno a felicidade de um s; estas so,
por vezes, maiores: so as mais dolorosas.
OS ANIMAIS
48. Os corpos dos animais so mais materiais do que os dos homens? -
R. Sim; o homem o rei, o deus planetrio.
49. Entre os animais h os carniceiros? - R. Os animais no se despe-
daam entre si; todos vivem submissos ao homem, amando-se mutuamente.
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50. Mas h animais que escapam ao do homem, como os insetos, os peixes, os pssaros? - R. No; todos lhe so teis.
51. Foi-nos dito que os animais so os servidores e operrios que exe-
cutam os trabalhos materiais, construindo as casas, etc.; isso verdade? - R.
Sim; o homem no se rebaixa mais servindo seu semelhante.
52. Os animais servidores so ligados a uma pessoa ou a uma famlia,
ou so tomados e trocados vontade, como aqui? -R. Todos so ligados a uma
famlia particular; vs mudais a procura do melhor.
53. Os animais servidores, ali, esto num estado de escravido ou de li-
berdade; so uma propriedade, ou podem mudar de senhor vontade? - R. Es-
to no estado de submisso.
54. Os animais trabalhadores recebem uma remunerao qualquer por
seus esforos? - R. No.
55. Desenvolvem-se as faculdades dos animais por uma espcie de e-
ducao? - R. Eles se desenvolvem por si mesmos.
56. Os animais tm uma linguagem mais precisa e mais caracterizada
do que a dos animais terrestres? - R. Certamente.
ESTADO MORAL DOS HABITANTES
57. As casas, das quais nos deste uma amostra por seus desenhos, esto
reunidas em cidades, como aqui? - R. Sim; os que se amam se renem; s as
paixes fazem solido ao redor do homem. Se o homem, ainda que mau, pro-
cura seu semelhante, que no para ele seno um instrumento de dor, por que
o homem puro e virtuoso fugiria do seu irmo?
58. Os Espritos so iguais ou de diferentes graus? - R. De diferentes
graus, mas de uma mesma ordem.
59. Rogamos consentir reportar-te escala esprita que demos no se-
gundo nmero da Revista, e nos dizer a qual ordem pertencem os Espritos en-
carnados em Jpiter? - R. Todos bons, todos superiores; o bem desce, algumas
vezes, no mal; mas o mal jamais se mistura ao bem.
60. Os habitantes formam diferentes povos, como na Terra? -R. Sim;
mas todos unidos entre si por laos de amor.
61. Assim sendo, as guerras ali so desconhecidas? - R. Pergunta intil.
62. O homem poderia chegar, na Terra, a um tal grau de perfeio, para
abster se de guerras? - R. Seguramente chegar; a guerra desaparece com o
egosmo dos povos e medida que compreendem melhor a fraternidade.
63. Os povos so governados por chefes? - R. Sim.
64. Em que consiste a autoridade dos chefes? - R. No seu grau superior
de perfeio.
65. Em que consistem a superioridade e a inferioridade dos Espritos
em Jpiter, uma vez que so todos bons? - R. Tm maior ou menor soma de
conhecimentos e de experincia; depuram-se medida que se esclarecem.
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66. H, como na Terra, povos mais avanados do que os outros? - R. No; mas nos povos h diferentes graus.
67. Se o povo mais avanado da Terra se visse transportado para Jpi-
ter, que categoria nele ocuparia? - R. A classe dos macacos entre vs.
68. Os povos so governados por leis? - R. Sim.
69. H leis penais? - R. No h mais crimes.
70. Quem faz as leis? - R. Deus as fez.
71. H ricos e pobres, quer dizer, homens que tm abundncia e o su-
prfluo, e outros a quem falta o necessrio? - R. No; todos so irmos; se um
tiver mais do que outro, ele repartiria; no seria feliz quando seu irmo fosse
necessitado.
72. Segundo isso, as fortunas ali seriam iguais para todos? - R. Eu no
disse que todos eram ricos no mesmo grau; perguntastes se h os que tm o
suprfluo e outros a quem falta o necessrio.
73. Essas duas respostas nos parecem contraditrias; rogamos concor-
d-las. - R. A ningum falta o necessrio; ningum tem o suprfluo, quer dizer
que a fortuna de cada um est em relao com a sua condio. Estais satisfei-
tos?
74. Compreendemos agora; mas perguntaremos, ainda, se aquele que
tem o menos no infeliz relativamente quele que tem o mais? - R. No pode
ser infeliz, desde que no nem invejoso, nem ciumento. A inveja e o cime
fazem mais infelizes do que a misria.
75. Em que consiste a riqueza em Jpiter? - R. Que vos importa!
76. H desigualdades de posies sociais? - R. Sim.
77. Em que so fundadas? - R. Nas leis da sociedade. Uns so mais ou
menos avanados na perfeio. Aqueles que so superiores tm, sobre os ou-
tros, uma espcie de autoridade, como um pai sobre os filhos.
78. Desenvolvem-se as faculdades do homem pela educao? - R. Sim.
79. O homem pode adquirir bastante perfeio na Terra, para merecer
passar imediatamente para Jpiter? - R. Sim, mas o homem, na Terra, est
submetido a imperfeies para que esteja em relao com seus semelhantes.
80. Quando um Esprito que deixa a Terra deve ser reencarnado em J-
piter, fica errante durante algum tempo antes de ter achado o corpo ao qual de-
ve se unir? - R. Fica errante durante um certo tempo, at que esteja liberto de
suas imperfeies terrenas.
81. H vrias religies? - R. No; todos professam o bem, e todos ado-
ram um nico Deus.
82. H templos e um culto? - R. Por templo h o corao do homem;
por culto o bem que ele faz.
*
30
Observaes a propsito dos
desenhos de Jpiter
Revista Esprita, agosto de 1858
Damos, com este nmero de nossa Revista, assim como anunciamos,
um desenho de uma habitao de Jpiter, executada e gravada pelo senhor
Victorien Sardou, como mdium, e a ele acrescentamos o artigo descritivo que
consentiu nos dar sobre o assunto. Qualquer que possa ser, sobre a autentici-
dade dessas descries, a opinio daqueles que poderiam nos acusar de nos
ocuparmos com o que se passa nos mundos desconhecidos, ao passo que h
tanto a fazer na Terra, pedimos aos nossos leitores no perderem de vista que
nosso objetivo, assim como o anuncia nosso ttulo, , antes de tudo, o estudo
dos fenmenos, e que nesse ponto de vista nada deve ser negligenciado. Ora,
como fato de manifestaes, esses desenhos so, incontestavelmente, os mais
notveis, considerando-se que o autor no sabe nem desenhar, nem gravar, e
que o desenho que nos ofereceu foi gravado por ele gua-forte, sem modelo e
sem ensaio preliminar, em nove horas. Supondo mesmo que esse desenho seja
uma fantasia do Esprito que o traou, s o fato de sua execuo no seria um
fenmeno de menor ateno, e, a esse ttulo, cabe nossa coletnea dar a co-
nhec-lo, assim como a descrio que, sobre ele, foi dada pelos Espritos, no
para satisfazer a v curiosidade de pessoas fteis, mas como assunto de estudo
para pessoas srias, que querem aprofundar todos os mistrios da cincia esp-
rita. Estar-se-ia em erro crendo que fazemos da revelao de mundos desco-
nhecidos o objeto capital da Doutrina; isso no ser sempre, para ns, seno
um acessrio, mas um acessrio que cremos til como complemento de estu-
do; o principal ser sempre, para ns, o ensinamento moral, e, nas comunica-
es de alm-tmulo, procuramos sobretudo o que pode esclarecer a Humani-
dade e conduzi-la para o bem, nico meio de assegurar sua felicidade neste
mundo e no outro. No se poderia dizer o mesmo dos astrnomos que, eles
tambm, sondam os espaos e se perguntar em que pode ser til, para o bem da
Humanidade, saber calcular com uma preciso rigorosa a parbola de um astro
invisvel? Todas as cincias no tm, pois, um interesse eminentemente prti-
co, e todavia no vem ao pensamento de ningum trat-las com desdm, por-
que tudo o que alarga o crculo das idias contribui para o progresso. Ocorre o
mesmo com as comunicaes espritas, mesmo quando saem do crculo estrei-
to da nossa personalidade.
*
As habitaes do planeta Jpiter
Revista Esprita, agosto de 1858
(pelo senhor Victorien Sardou)
Um grande motivo de espanto para certas pessoas, convencidas, alis,
da existncia dos Espritos (no vou aqui me ocupar das outras), que tenham,
os Espritos, como ns, suas habitaes e suas cidades. No me pouparam as
crticas: "Casas de Espritos em Jpiter!... Que piada!..." Piada Que assim o
seja, se o deseja; nada tenho com isso. Se o leitor no encontra aqui, na veros-
similhana de explicaes, uma prova suficiente de sua verdade; se no est
surpreso, como ns, quanto ao perfeito acordo dessas revelaes espritas com
31
os dados mais positivos da cincia astronmica; se no v, numa palavra, se-no uma hbil mistificao nos detalhes que seguem e nos desenhos que os a-
companham, convido-o a se explicar com os Espritos, dos quais no sou se-
no um instrumento e o eco fiel. Que ele evoque Palissy ou Mozart ou um ou-
tro habitante dessa morada bem-aventurada, que o interrogue, que controle
minhas afirmaes pelas suas, enfim, que discuta com ele: porque, por mim,
no fao seno apresentar aqui o que me foi dado, seno repetir o que me foi
dito; e para esse papel absolutamente passivo, creio-me ao abrigo tanto da cen-
sura como tambm do elogio.
Feita essa ressalva, e uma vez admitida a confiana nos Espritos, se se
aceitar como verdadeira a nica doutrina verdadeiramente bela e sbia que a
evocao dos mortos nos revelou at hoje, quer dizer, a migrao das almas de
planetas em planetas, suas encarnaes sucessivas e seu progresso incessante
pelo trabalho, as habitaes de Jpiter no tero mais motivo para nos espan-
tar. Desde o momento em que um Esprito se encarna em um mundo submeti-
do, como o nosso, a uma dupla revoluo, quer dizer, alternativa de dias e de
noites e ao retorno peridico das estaes, desde que o Esprito possui um cor-
po, esse envoltrio material, por mais frgil que seja, no pede seno uma ali-
mentao e roupas, mas tambm um abrigo ou, pelo menos, um lugar de re-
pouso, conseqentemente uma habitao.
Com efeito, bem o que nos foi dito. Como ns, e melhor do que ns,
os habitantes de Jpiter tm seus lares comuns e suas famlias, grupos harm-
nicos de Espritos simpticos, unidos no triunfo depois de s-lo na luta: da as
habitaes to espaosas, as quais se pode aplicar, com justia, o nome de pa-
lcios. Ainda como ns, esses Espritos tm suas festas, suas cerimnias, suas
reunies pblicas: da certos edifcios especialmente destinados a esses usos.
preciso prever, enfim, encontrar nessas regies superiores toda uma Humani-
dade ativa e laboriosa, como a nossa, submetida como ns s suas leis, s suas
necessidades, aos seus deveres; mas com essa diferena de que o progresso,
rebelde aos nossos esforos, torna-se uma conquista fcil para os Espritos des-
ligados, como eles o so, de nossos vcios terrestres.
No deveria me ocupar aqui seno da arquitetura das suas habitaes,
mas para a boa compreenso dos detalhes que vo seguir, uma palavra de ex-
plicao no ser intil. Se Jpiter no abordvel seno pelos bons Espritos,
no se segue que seus habitantes sejam todos excelentes no mesmo grau: entre
a bondade do simples e a do homem de gnio, permitido contar muitas nuan-
as. Ora, toda a organizao social desse mundo superior repousa precisamen-
te sobre essas variedades de inteligncias e de aptides; e, em razo de leis
harmoniosas, que seria muito longo explicar aqui, aos Espritos mais elevados,
os mais depurados, que pertence a alta direo de seu planeta. Essa suprema-
cia no se detm a; ela se estende at os mundos inferiores, onde esses Espri-
tos, por suas influncias, favorecem e ativam sem cessar o progresso religioso,
gerador de todos os outros. necessrio acrescentar que, para esses Espritos
depurados, no poderia ser questo seno de trabalho de inteligncia, que suas
atividades se exercem apenas no campo do pensamento e eles j adquiriram
bastante domnio sobre a matria para no serem, seno fracamente, entrava-
dos por ela no livre exerccio de suas vontades. O corpo de todos esses Espri-
tos, e, alis, de todos os Espritos que habitam Jpiter, de uma densidade to
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leve que no se pode lhe encontrar termo de comparao seno nos fluidos im-ponderveis; um pouco maior do que o nosso, do qual reproduz exatamente a
forma, porm mais pura e mais bela, se nos oferece sob a aparncia de um va-
por (emprego com pesar essa palavra que designa uma substncia ainda muito
grosseira), de um vapor, digo, imperceptvel e luminoso, luminoso sobretudo
nos contornos do rosto e da cabea; porque aqui a inteligncia e a vida irradi-
am como um foco ardente; e bem esse claro magntico entrevisto pelos vi-
sionrios cristos e que nossos pintores traduziram pelo nimbo e pela aurola
dos santos.
Concebe-se que um tal corpo no dificulte, seno fracamente, as comu-
nicaes extramundanas desses Espritos, e que lhes permite mesmo, em seu
planeta, um deslocamento pronto e fcil. Ele escapa to facilmente atrao
planetria e sua densidade difere to pouco da atmosfera, que pode a se mo-
ver, ir e vir, descer ou subir, ao capricho do Esprito e sem outro esforo que o
da sua vontade. Tanto que algumas personagens que Palissy consentiu me fa-
zer desenhar, esto representadas ao rasante do solo, ou flor da gua, ou mui-
to elevadas no ar, com toda liberdade de ao e de movimentos que empresta-
mos aos nossos anjos. Essa locomoo tanto mais fcil para o Esprito quan-
to mais esteja depurado, e isso se concebe sem dificuldade; tambm nada
mais fcil, aos habitantes do planeta, que estimar, primeira vista, o valor de
um Esprito que passa; dois sinais falaro por ele: a altura do seu vo e a luz
mais ou menos brilhante de sua aurola.
Em Jpiter, como por toda parte, aqueles que voam mais alto so os
mais raros; abaixo deles, preciso contar vrias camadas de Espritos inferio-
res, em virtude como em poder, mas naturalmente livres para igual-los, um
dia, em se aperfeioando. Escalonados e classificados segundo seus mritos,
estes so votados mais particularmente aos trabalhos que interessam ao prprio
planeta, e no exercem, sobre os mundos inferiores, a autoridade todo-
poderosa dos primeiros. Eles respondem, verdade, a uma evocao, com pa-
lavras sbias e boas, mas pressa que tem em nos deixar, ao laconismo de suas
palavras, fcil de compreender que tm muito a fazer alhures, e que no es-
to ainda bastante libertos para irradiarem, ao mesmo tempo, sobre dois pontos
to distantes um do outro. Enfim, depois dos menos perfeitos desses Espritos,
mas separados deles por um abismo, vm os animais que, como os nicos ser-
viais e os nicos obreiros do planeta, merecem uma meno toda especial.
Se designamos sob esse nome de animais os seres bizarros que ocupam
a base da escala, foi porque os prprios Espritos o puseram em uso e, alis,
nossa prpria lngua no tem termo melhor para nos oferecer. Essa designao
os deprecia um pouco para baixo; mas cham-los de homens seria fazer-lhes
muita honra: com efeito, so Espritos votados animalidade, talvez por longo
tempo, talvez para sempre; porque nem todos os Espritos esto de acordo so-
bre esse ponto, e a soluo do problema parece pertencer a mundos mais ele-
vados do que Jpiter, mas, qualquer que seja o seu futuro, no h com que se
enganar quanto ao seu passado. Esses Espritos, antes de irem para l, emigra-
ram sucessivamente em nossos baixos mundos, do corpo de um animal para o
de um outro, em uma escala de aperfeioamento perfeitamente graduada. O es-
tudo atento dos nossos animais terrestres, seus costumes, seus caracteres indi-
33
viduais, sua ferocidade longe do homem, e sua domesticao lenta mas sempre possvel, tudo isso atesta suficientemente a realidade dessa ascenso animal.
Assim, para qualquer lado que se volte, a harmonia do Universo se re-
sume sempre numa nica lei: o progresso por toda parte e para todos, para o
animal como para a planta, para a planta como para o mineral; progresso pu-
ramente material no incio, nas molculas insensveis do metal ou do calhau, e
mais e mais inteligente medida que remontamos escala dos seres e que a
individualidade tende a se libertar da massa, a se afirmar, a se conhecer. - Pen-
samento elevado e consolador, como jamais o houve; porque prova que nada
sacrificado, que a recompensa sempre proporcional ao progresso alcanado;
por exemplo, que o devotamento do co que morre por seu senhor no ser es-
tril para o seu Esprito, porque ter seu justo salrio alm deste mundo.
o caso dos Espritos animais que povoam Jpiter; aperfeioaram-se
ao mesmo tempo que ns, conosco e com a nossa ajuda. A lei mais admir-
vel ainda: ela faz to bem do seu devotamento ao homem a primeira condio
para a sua ascenso planetria, que a vontade de um Esprito de Jpiter pode
chamar para si todo animal que, em uma das suas vidas anteriores, lhe haja da-
do provas de afeio. Essas simpatias que formam, no Mais Alto, famlias de
Espritos, agrupam tambm, ao redor das famlias, todo um cortejo de animais
devotados. Por conseqncia, nosso apego neste mundo por um animal, o cui-
dado que tomamos para abrand-lo e humaniz-lo, tudo isso tem a sua razo
de ser, tudo isso ser pago: um bom servidor que formamos antecipadamente
para um mundo melhor.
Ser tambm um operrio; porque aos seus semelhantes est reservado
todo trabalho material, toda tarefa corporal: fardo ou alvenaria, semeadura ou
colheita. E, para tudo isso, a Suprema Inteligncia proveu por um corpo que
participa, ao mesmo tempo, das vantagens do animal e das do homem. Isso
podemos julgar por um esboo de Palissy, que representa alguns desses ani-
mais muito atentos a jogarem bolas. Eu no poderia melhor compar-los seno
aos faunos e aos stiros da Fbula; o corpo ligeiramente peludo , todavia a-
prumado como o nosso; as patas desapareceram em alguns para darem lugar a
certas pernas que lembram ainda a forma primitiva, os dois braos robustos,
singularmente ligados e terminados por duas verdadeiras mos, se nelas consi-
derarmos a oposio dos polegares. Coisa bizarra, a cabea, ao contrrio, no
to aperfeioada quanto o resto! Assim, a fisionomia reflete bem alguma coisa
de humano, mas o crnio, mas o maxilar e, sobretudo, a orelha, nada tm que
diferem sensivelmente do animal terrestre; fcil , pois, distingui-los entre si:
este um co, aquele um leo. Propriamente vestidos com blusas e vestes mui-
to semelhantes s nossas, s lhes falta a palavra para lembrarem, de muito per-
to, certos homens deste mundo; mas, eis precisamente o que lhes falta e aquilo
eles no poderiam fazer.
Hbeis para se compreenderem entre si por uma linguagem que nada
tem da nossa, no se enganam mais sobre as intenes dos Espritos que os
comandam; um olhar, um gesto bastam. A certos impulsos magnticos, dos
quais nossos domadores de animais j tm o segredo, o animal adivinha e obe-
dece sem murmurar, e o que mais, de bom grado, porque est sob o encanto.
Assim que se lhe impe toda grande tarefa, e que com a sua ajuda tudo fun-
ciona regularmente de um extremo ao outro da escala social: o Esprito eleva-
34
do pensa, delibera, o Esprito inferior aplica com a sua prpria iniciativa, o a-nimal executa. Assim a concepo, a execuo e o fato se unem numa mesma
harmonia, e conduzem todas as coisas para seu fim mais prprio, pelos meios
mais simples e mais seguros.
Peo desculpas por esta digresso: era indispensvel ao meu objetivo,
que agora posso abordar.
espera dos mapas prometidos, que facilitaro singularmente o estudo
de todo o planeta, podemos, pelas descries feitas pelos Espritos, fazermos
uma idia de sua grande cidade, da cidade por excelncia, desse foco de luz e
de atividade que concordam em designar sob o nome, estranhamente latino, de