Post on 25-Jan-2019
UNIVERSIDADE DE BRASILIA- UnB
Faculdade de Direito
Liberdade de Expressão e proteção dos Direitos Humanos na Internet:
Reflexos do discurso de ódio nas redes sociais e a ação #HumanizaRedes
Maria Raphaella Burlamaqui Theophilo
Brasília
2015
UNIVERSIDADE DE BRASILIA- UnB
Faculdade de Direito
Liberdade de Expressão e proteção dos Direitos Humanos na Internet:
Reflexos do discurso de ódio nas redes sociais e a ação #HumanizaRedes
Maria Raphaella Burlamaqui Theophilo
Trabalho de conclusão de curso apresentado como
requisito parcial à obtenção do título de bacharel em
Direito pela Faculdade de Direitos da Universidade de
Brasília - UNB
Orientadora: Prof. Dr. Inez Lopes Matos Carneiro de
Farias
Brasília
2015
TERMO DE APROVAÇÃO
Maria Raphaella Burlamaqui Theophilo
Liberdade de Expressão e proteção dos Direitos Humanos na Internet:
Reflexos do discurso de ódio nas redes sociais e a ação #HumanizaRedes
Trabalho de conclusão de curso aprovado como requisito parcial para obtenção do grau de
bacharel perante a Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, pela seguinte banca
examinadora:
___________________________________________________
Inez Lopes Matos Carneiro de Farias
Professora Doutora e Examinadora
___________________________________________________
Ana Cláudia Farranha
Professora Doutora e Examinadora
___________________________________________________
Othon de Azevedo Lopes
Professor Doutor e Examinador
Brasília, 06 de julho de 2015.
AGRADECIMENTO
Agradeço a professora Inez Lopes pelo apoio e orientações, aos professores Ana
Cláudia Farranha e Othon de Azevedo Lopes por aceitarem fazer parte desta banca, aos meus
familiares e amigos pelo apoio e à Universidade de Brasília pela oportunidade.
RESUMO
O presente trabalho busca fazer uma análise do conflito entre o direito à Liberdade de
Expressão e os seus reflexos na proteção dos direitos humanos, nos casos de discurso de ódio
que se proliferam na internet. Com o advento das redes sociais, os casos de desrespeito ao
princípio da dignidade humana tem se proliferado e o argumento na defesa desses discursos
de intolerância é o da livre expressão do pensamento. Esse estudo busca traçar um panorama
desse contexto, bem como das possíveis consequências da expansão desse tipo de
comportamento online. Faz ainda uma breve análise das possíveis formas de atuação judicial
no combate aos abusos e também na esfera extrajudicial, configurada na ação do Governo
Federal, por meio do portal #Humaniza Redes. É, portanto uma singela tentativa de mostrar os
possíveis danos aos indivíduos quando o ambiente virtual torna-se palco de promoção da
intolerância, e também as medidas possíveis para mitigar os prejuízos, sem que isso resulte
em diminuição das liberdades individuais.
Palavras-Chave: Discurso de Ódio, Liberdade de Expressão, Princípio da Dignidade
Humana, Direitos Humanos
ABSTRACT
The following work intends to analyze the resulting conflict between freedom of speech and
its reflections on human rights protection, considering specifically hate speech cases which
proliferate over the internet. Especially after social media became popular, cases of disrespect
to the principle of human dignity has multiplied and the idea behind that kind of intolerant
speech is freedom of expression. This study seeks to outline an overview of this scenario, as
well as the possible consequences of the expansion of this behavior online. It also performs an
analysis of the potential ways of judicial and extrajudicial opposition to those actions. Being
the last, Federal Government action thru the #HumanizaRedes website. It is therefore, a
attempt to show the possible damages to individuals when virtual environment becomes place
of intolerance, as well as the possible measures to mitigate losses, without resulting in
diminution of individual rights.
Key Words: Hate Speech, Freedom of Expression, Human Rights, Principle of Human
Dignity
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 8
2 LIBERDADE DE EXPRESSÃO COMO DIREITO FUNDAMENTAL ...................... 12
2.1 Histórico da proteção ao direito a liberdade de expressão no direito internacional ...............12
2.2 Histórico da previsão constitucional do direito à Liberdade de Expressão nas Constituições
Brasileiras. ......................................................................................................................................16
2.3 A Liberdade de Expressão como Direito Fundamental ...........................................................18
2.4 Conceito e Breve Histórico dos Direitos Fundamentais ...........................................................20
2.5 Liberdades constitucionais de informação e de expressão e a liberdade de imprensa e suas
limitações .........................................................................................................................................20
3 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA .......................................... 26
3.1 Aspectos históricos ....................................................................................................................26
3.2 Conceituação .............................................................................................................................28
3.3 O tratamento dado pelo Sistema Constitucional Brasileiro .....................................................30
3.4 Direitos da Personalidade - Conceituação ................................................................................31
3.5 Características ...........................................................................................................................32
3.6 Classificação ..............................................................................................................................33
3.7 Direitos da Personalidade na Constituição de 1988 .................................................................37
3.8 Direito à Honra .........................................................................................................................38
3.9 Direito à Vida Privada e à Intimidade ......................................................................................39
3.10 Direito à Imagem .....................................................................................................................41
4 O DISCURSO DE ÓDIO ................................................................................................ 44
4.1 O poder do discurso – persuasão e ideologia ............................................................................48
4.2 Abusos do discurso ....................................................................................................................50
4.3 Elementos conceituais do Discurso de Ódio .............................................................................52
4.4 Preconceito ................................................................................................................................52
4.5 Racismo .....................................................................................................................................53
4.6 Discriminação ............................................................................................................................54
4.7 O discurso de ódio e as limitações à liberdade de expressão ....................................................55
4.8 Tratamento da jurisprudência internacional sobre o discurso do ódio ...................................56
4.9 O discurso de ódio no Brasil .....................................................................................................60
4.10 Posicionamento do STF acerca do discurso de ódio ...............................................................61
4.11 O impacto da internet na difusão do discurso de ódio ...........................................................63
4.12 Redes Sociais ...........................................................................................................................65
4.13 Manifestações de pensamento online e discurso de ódio ........................................................67
4.14 A ação do #HumanizaRedes ....................................................................................................69
5 CONCLUSÃO ................................................................................................................. 72
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 74
8
1 INTRODUÇÃO
A liberdade representa um elemento fundamental do Estado Democrático de Direito,
compreendida em todas as suas variantes, como o direito a livre expressão, pensamento,
manifestação, convicção política, ideológica e religiosa. Não se pode pensar, desta maneira,
em uma sociedade verdadeiramente democrática, sem que haja a garantia aos indivíduos da
possibilidade de manifestarem suas opiniões e pensamentos sem cerceamentos.
Se analisarmos o conceito de liberdade de opinião, é possível notar que ele está
previsto em diversos ordenamentos jurídicos, bem como é uma intenção clara dos organismos
internacionais, bem como da legislação de vários países. É premissa fundamental para o
exercício da democracia e para a constituição do Estado democrático de direito.
A Constituição Brasileira de 1988 garante a inviolabilidade de tais direitos, mas
também busca limitá-los, especialmente quando os mesmos são confrontados com aqueles
decorrentes do princípio da dignidade humana. Assim, o direito a liberdade de expressão esta
sujeito a barreiras legais, que podem resultar em responsabilização civil e penal por quem
venha a abusar destes direitos, com finalidades ilícitas ou degradantes para outrem. Assim,
surge o conflito de normas e valores constitucionais, desafiador para o direito, pois se temos
direito à plena liberdade de expressão, como aceitar que este direito possa ser restringido, se
pela definição constitucional desses direitos, todas as outras pessoas se encontram obrigadas
automaticamente a respeitar tal liberdade?
É nesse momento que fatores relevantes tais como a integridade moral de outras
pessoas ou ainda a segurança da coletividade podem ser legitimamente invocadas para limitar
o direito à liberdade de expressão. Nesse contexto, faz-se necessário analisar as garantias
fundamentais a luz do princípio da proporcionalidade para que se chegue a um equilíbrio
entre os direitos, pois o abuso de um pode prejudicar o outro. e ambos configuram direitos dos
quais não se pode abdicar.
Diante deste panorama, com o advento da internet, aprofundam-se uma infinidade de
conflitos envolvendo a liberdade de expressão, pois o uso de tecnologia comunicacional
permite a qualquer pessoa publicar textos e imagens em espaços virtuais, em servidores
nacionais ou estrangeiros. Nesse caso, verifica-se a ausência de barreiras que limitem o acesso
a informação, não importa em que país o conteúdo esteja hospedado, pois, em geral, qualquer
usuário pode acessá-lo.
A falta de barreiras geográficas, e muitas vezes legais, suscitam diversos
questionamentos: é possível driblar a legislação de um país que proíbe determinado conteúdo,
9
hospedando-o no exterior? Como proceder nos casos em que as imagens ou publicações
ofensivas estão hospedadas em outro país cuja legislação não as considera como tal? Como
avaliar o potencial ofensivo de certos discursos antes que eles se espalhem? Como reparar os
danos causados pelo abuso da liberdade de expressão em tempo razoável? Ou, o que concerne
o foco do atual trabalho, como delinear, na internet, o que é exercício do direito de liberdade
de expressão e o que é ofensa contra a imagem ou a dignidade de um grupo de pessoas?
Quando a liberdade de expressão extrapola seu limite e se torna discurso de ódio e promoção
da intolerância? É válido limitar a exposição de pontos de vista? Quando uma opinião se
transforma em discurso de ódio? Como solucionar esse conflito de direitos fundamentais?
Todos esses questionamentos foram acirrados nos últimos tempos, com a
disseminação do uso da internet. Hoje, com a enormidade de plataformas disponíveis,
qualquer pessoa pode criar um site, um vídeo, divulgar fotos e informações na rede, e nem
sempre se assegura que os direitos da personalidade do outro sejam respeitados. São inúmeros
os casos de intolerância contra grupos, de ataque a pessoas, públicas ou não e de uso do
direito de livre expressão como uma arma para difundir preconceitos na internet como um
todo, e, em especial nas redes sociais. Esses instrumentos, onde pouca ou nenhuma
identificação de autor é necessária, são terrenos extremamente férteis para a prática desse tipo
de ação.
Este uso abusivo da internet é, certamente, um dos problemas mais controvertidos que nos foi
imposto pela sociedade em rede e nos leva a uma reflexão importante: a imposição de restrições à
liberdade de expressão na Internet versus a tutela dos direitos da personalidade, em especial quando
analisados sob a égide do princípio da dignidade humana.
O estudo e aprofundamento das questões ligadas aos direitos da personalidade
sempre se revelaram importantes para o desenvolvimento das sociedades de um modo geral.
Na sociedade contemporânea, entretanto, o estudo do direito à honra e imagem adquire
extrema importância, diante da evolução dos meios de comunicação, dos aparelhos
eletroeletrônicos e mecânicos destinados à captura e propagação de imagens, assim como
diante da preciosa (se bem utilizada) e destrutiva (se mal utilizada) rede mundial de
computadores (internet).
Cada vez mais frequentes, as violações aos direitos da personalidade exigem intenso
esforço dos profissionais do direito e do Estado para o aclaramento e proteção dos mesmos,
tão essenciais ao desenvolvimento humano. A Constituição Federal de 1988 constitui um
notável marco para o fortalecimento destes institutos no Brasil, ao tratá-los de forma
específica e diferenciada em seu art. 5º, erigindo-os à categoria de direitos fundamentais.
10
Os direitos de personalidade são reconhecidos à pessoa humana e visam: à defesa de
valores inatos, como a vida, à intimidade, à honra, à integridade física e são dotados de
particularidades que limitam a própria ação ou vontade do seu titular, como a
irrenunciabilidade, intransferibilidade, imprescritibilidade e impenhorabilidade. A liberdade
de expressão é um direito fundamental e deve ser interpretado no contexto de direitos
humanos. É necessário que se faça o devido balanceamento entre os direitos, uma vez que, a
falta da proporcionalidade entre os mesmos pode acarretar danos irreparáveis às pessoas.
Tanto o direito a liberdade de expressão como os direitos da personalidade encontram-se na
categoria de direitos fundamentais, garantidos aos indivíduos e com prevalência sobre os
demais direitos.
Entretanto, o conflito entre esses dois direitos, que já existe há muitos anos, vem
ganhando força, uma vez que a internet alçou qualquer pessoa que assim o deseje à condição
de difusor de informações, e nem sempre há a devida preocupação com o que é veiculado.
Muitas vezes, o autor divulga informações propositalmente desabonadoras, com intuitos
diversos, desde objetivos puramente humorísticos até aqueles que configuram atividades
criminosas, que incitam o ódio e a degradação do outro, em razão de gênero, raça, opinião
política ou religiosa.
São essas condutas que se pretende estudar, pois é sabido que a linha que separa o
direito de emitir uma opinião da conduta ofensiva é muito tênue, e torna-se mais complexa no
ambiente virtual, onde as leis e regras parecem estar mais flexibilizadas. Assim no terreno
fértil das redes sociais o discurso de ódio vem florescendo com força, oferecendo um grande
desafio aos operadores do direito e aos próprios usuários. É necessário que se faça uma
reflexão sobre as consequências destes discursos, mas também como as possíveis formas de
desestimula-los, seja com medidas jurídicas ou extrajudiciais.
De forma a tratar a questão didaticamente, este trabalho está divido em três partes: a
primeira traz uma visão geral sobre o direito à liberdade de expressão, seus possíveis limites e
o tratamento legal dado no Brasil; a segunda volta-se para os direitos da personalidade, em
face do princípio da dignidade humana, sua evolução e o tratamento privilegiado dado pela
Constituição Federal de 1988; finalmente na parte final, é realizada uma análise sobre o
discurso de ódio, e como ele tem sido abordado no ambiente virtual, bem como as alternativas
desenvolvidas para combatê-lo, tanto no âmbito legal como de forma extrajudicial, em
especial como a iniciativa governamental ao desenvolver o projeto #HumanizaRedes, com
foco em diminuir a presença da intolerância nas redes sociais, tornando o ambiente virtual
mais saudável e seguro para os usuários e para a sociedade como um todo.
11
O ambiente virtual pode e deve ser alvo de medidas que busquem manter a harmonia e
a paz social, o direito de expressão não pode ser usado de forma abusiva para fomentar o ódio,
a intolerância e o menosprezo entre as pessoas, e cabe ao Estado zelar para que todos possam
conviver de forma civilizada e respeitosa no ambiente. As alternativas possíveis bem como os
entraves e resistências enfrentadas na busca dessa “paz social online” constituem a cerne deste
trabalho.
12
2 LIBERDADE DE EXPRESSÃO COMO DIREITO FUNDAMENTAL
2.1 Histórico da proteção ao direito a liberdade de expressão no direito internacional
Resultado da vitória do pensamento liberal nos séculos XVII e XVIII, a ideia de
liberdade de expressão, que essencialmente busca impedir a restrição estatal frente ao direito
do indivíduo de protagonizar críticas aos atores, tanto públicos como particulares, está
também profundamente ligada à ideia de liberdade de informação, que compreende o direito
de informar a outrem, a si mesmo e de veículos próprios de proverem informação.
Historicamente, a Inglaterra foi o país onde inicialmente ocorreram as lutas em favor
da liberdade de expressão, pensamento e opinião. Também os Estados Unidos e a França
figuram precocemente no reconhecimento deste tipo de direito. Um exemplo bem claro destas
intenções aparece no Bill of Rights do estado americano da Virgínia, de 1796, que no artigo de
número 12, trazia o seguinte postulado: “a liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes
da liberdade e não pode ser restringida jamais, a não ser por governos despóticos”.
Posteriormente, a primeira emenda ao texto constitucional do país assegura que: “o
Congresso não fará nenhuma lei a respeito do estabelecimento de uma religião, ou proibindo o
livre exercício dela; ou cerceando a liberdade de expressão ou de imprensa; ou o direito do
povo se reunir pacificamente e dirigir petições ao governo para a reparação de injustiças”.
Esse dispositivo impede, de forma taxativa que o governo americano, por meio do congresso,
desenvolva leis que busquem limitar ou cercear direitos considerados fundamentais aos seus
cidadãos, incluindo entre eles o direito de se expressar, ainda que contra o governo ou o
pensamento dominante da maioria. Esse direito provém da ideia que permitindo que os
cidadãos manifestem-se livremente produz autonomia e variedade de discursos o que
finalmente resultaria em uma sociedade mais transparente e representativa, características
fundamentais a um modelo de governo democrático e estável.
Os Estados Unidos são marcadamente um país de tradição liberal, e possuem farta
doutrina e jurisprudência no que diz respeito a defesa desse direito, que tem destaque em seu
cenário constitucional. Também os cidadãos evocam com frequência esta prerrogativa, o que
torna uma discussão um pouco mais aprofundada sobre essa questão, bastante necessária.
Em relação à interpretação da Primeira Emenda, Daniel Farber (2010, p. 60-78)
demonstra que a Suprema Corte Americana trabalha com três vieses de interpretação, cada
qual com vistas a proteger uma forma de entendimento da mesma, os mesmos são
sinteticamente explicados a seguir:
13
a) A primeira hipótese sobre a interpretação da liberdade de expressão relaciona a
mesma com autorrealização individual e a busca da verdade. Aqui o principal fundamento é
respeitar a liberdade individual, a fim de que o homo possa desenvolver plenamente suas
capacidades. Nesse entendimento é garantido aos indivíduos emitir opiniões, e dividir com
outros suas ideias e posicionamentos. È ainda possibilitado que estes recebam essas
informações, a fim de que possam, de posse de um número diversificado de discursos,
fomentar suas próprias crenças. É facultado aos cidadãos o direito de estabelecer aquilo que
desejam conhecer e no que embasarão suas opiniões. Vemos aqui uma clara posição na qual o
Estado deve defender o direito a troca de informações entre as pessoas, bem como garantir
que elas possam livremente escolher que ideais desejam seguir e ou conhecer, ainda que o
Estado propriamente dito não apoie tais posicionamentos.
Esse modelo garante que todas as ideias sejam expostas ou debatidas e não apenas
aquelas dominantes na sociedade e permite que se construa uma discussão mais frutífera e um
entendimento mais próximo do real da realidade social. John Stuart Mill, um grande defensor
desta interpretação assim se manifesta:
“Primeiramente, a opinião que se tenta suprimir por meio da autoridade talvez seja
verdadeira. Os que desejam suprimi-la negam, sem dúvida, a sua verdade, mas eles
não são infalíveis. Nada têm autoridade para decidir a questão por toda a
humanidade, nem para excluir os outros das instâncias do julgamento. Negar ouvido
a uma opinião porque se esteja certo de que é falsa, é presumir que a própria certeza
seja o mesmo que certeza absoluta. Impor silêncio a uma discussão é sempre
arrogar-se infalibilidade”. (pag.161)
Essa interpretação, portanto entende que nenhuma forma de pensamento pode ter sua
manifestação impedida, ainda que a sociedade julgue seu conteúdo como equivocado.
Entende ainda que o diálogo livre resulta em uma sociedade mais tolerante e na evolução do
pensamento social.
b) Nessa interpretação a liberdade de expressão é considerada em sua função de
autogoverno, que atende a finalidade de proteger o processo democrático, uma vez que
fomenta a discussão sem a dominância do poder político vigente. Nesse sentido não protege
um direito individual, mas da coletividade. Assim as manifestações que versam sobre
assuntos de interesse geral do público devem ser abarcadas por esse direito, assim como a
manifestação individual.
c) Uma terceira interpretação da liberdade de expressão é como mecanismo de
“controle” da sociedade sobre atos de agentes públicos, desta forma membros do povo podem
denunciar ou expor atos ilícitos desses agentes sem que seja necessário temer represálias ou
14
cerceamento. Nesse sentido a liberdade de expressão funcionaria como uma forma de
verificação da atuação destes agentes.
Ainda que ao se analisar as hipóteses acima, conclua-se que as mesmas têm mais um
viés filosófico que legal, é interessante sabê-lo uma vez que as ideias de liberdade e exercício
pleno da democracia são um dos fundamentos do estado americano e figuram como uma das
principais vértices do viver livre no qual acreditam muitos de seus cidadãos. Importante ainda
porque serve como termo comparativo com o que temos no Brasil e ainda com outras
garantias previstas em tratados e acordos internacionais, que discutiremos a seguir.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, estabelecida na França em 1789,
reiterou esse direito por meio do artigo 11, que traz explicitamente essa garantia: "a livre
manifestação do pensamento e das opiniões é um dos direitos mais preciosos: todo cidadão
pode, portanto, falar, escrever e imprimir livremente, à exceção do abuso dessa liberdade pela
qual deverá responder nos casos determinados por lei.", demonstrando mais uma vez a
preocupação em garantir aos cidadãos livres o direito a fomentar e expor ideias, uma vez que
observadas as responsabilidades advindas do uso de tal direito.
Finalmente, já neste século, a Organização das Nações Unidas publicou, em 1948, a
Declaração Universal dos Direitos Humanos que estabelece que: "Toda pessoa tem direito à
liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter
opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e
independentemente de fronteiras".
Da mesma forma, a Convenção Americana de Direitos Humanos, e 1969, afirma no
artigo n º 13:
Liberdade de pensamento e de expressão:
1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de
procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, sem considerações de
fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua
escolha.
2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia, mas a
responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias
para assegurar:
a) o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;
b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.
3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e
aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a
comunicação e a circulação de ideias e opiniões.
4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o
acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2.
5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional,
racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.
15
A Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e suas Liberdades
Fundamentais, de 1950, também trata desse assunto em seu artigo 10, 1º:
“Toda a pessoa tem direito à liberdade de expressão. Esse direito compreende a
liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de comunicar informações ou
ideias, sem que possa haver a ingerência da autoridade pública e se consideração de
fronteiras. O presente artigo não impede os Estados de submeterem as empresas de
radiodifusão, cinema ou televisão a um regime de autorização prévia.”
Todos esses dispositivos buscam, portanto garantir que as pessoas possam exprimir
seus pensamentos, ainda que contrários a ordem estatal vigente, considerando-a fundamental
para o exercício pleno da democracia, como explicita George Marmelstein (2013, p. 121):
“[...] é um instrumento essencial para a democracia, na medida em que permite que a
vontade popular seja formada a partir do confronto de opiniões, em que todos os
cidadãos, dos mais variados grupos sociais, devem poder participar, falando,
ouvindo, escrevendo, desenhando, encenando, enfim, colaborando da melhor forma
que entenderem.”
Marcante nas sociedades modernas, possibilita a irrestrita troca e disseminação das
informações e a interação entre correntes discordantes para que a sociedade fomente um
pensamento livre, característica indissociável do estado democrático de direitos. Sobre o
tema, Paulo Gustavo Gonet Branco leciona que:
“O argumento humanista, assim, acentua a liberdade de expressão como corolário da
dignidade humana. O argumento democrático acentua que o autogoverno postula um
discurso político protegido das interferências do poder. A liberdade de expressão é,
então, enaltecida como instrumento para o funcionamento e preservação do sistema
democrático (o pluralismo de opiniões é vital para formação de vontade livre).”
(2009, p. 403)
No Brasil, o direito à liberdade de expressão de imprensa e de manifestação do
pensamento está previsto no artigo 5º, IX, da CF/88 e são partes inalienáveis de um Estado
que busca enquadrar-se como democrático. São necessários ao exercício pleno da cidadania e
funcionam como pilares da liberdade individual.
A liberdade de expressão é considerada um direito fundamental e diversos dispositivos
constitucionais abordam essa garantia. O inciso IV do art. 5º proclama que “é livre a
manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”, já o parágrafo 2º do artigo 220
dispõe que “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.
16
Além da legislação pátria, o Brasil também figura como signatário de documentos
internacionais que garantem esse direito, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
o Pacto de Direitos Civis e Políticos e a Declaração de Chapultepec.
Acerca do objeto tutelado pela liberdade de expressão, Paulo Gustavo Gonet Branco
assim dispõe:
“A garantia da liberdade de expressão tutela, ao menos enquanto não houver colisão
com outros direitos fundamentais e com outros valores constitucionalmente
estabelecidos, toda opinião, convicção, comentário, avaliação ou julgamento sobre
qualquer assunto ou sobre qualquer pessoa, envolvendo tema de interesse público,
ou não, de importância e de valor, ou não [...].” (2009, p. 403)
2.2 Histórico da previsão constitucional do direito à Liberdade de Expressão nas
Constituições Brasileiras.
Analisando as Constituições Brasileiras é possível afirmar que sempre houve a
preocupação do constituinte em versar sobre a sua proteção, como se verifica a seguir no
estudo das constituições através do tempo.
A Carta Magna de 1824 trazia características de centralismo político e entre seus
dispositivos estavam aqueles que previam os poderes do Estado e também as garantias e
direitos individuais. Além previa que o abuso do direito a liberdade de expressão poderia
causar responsabilização legal. A censura era também objeto de vedação constitucional. O
artigo abaixo deixa evidente a preocupação deste objeto legal em relação a esses direitos:
"Art. 179 - A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos
Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é
garantida pela Constituição do Império. (...) IV. Todos podem comunicar os seus
pensamentos, por palavras, escritos, e publicá-los pela imprensa, sem dependência
de censura; contanto que hajam de responder pelos abusos que cometerem no
exercício deste direito, nos casos e pela forma que a lei determinar."
A Constituição de 1891, a primeira da República, também garantiu uma diversidade de
direitos fundamentais, como a livre manifestação do pensamento (o anonimato era vedado),
bem como manteve os dispositivos da Constituição anterior que versavam sobre o direito à
propriedade, a garantia de liberdade e a vedação da censura.
Em 1934, no período pós-guerra a Constituição da República dos Estados Unidos do
Brasil recepcionou direitos como o direito de respostas, protegeu a publicação de livros e
17
periódicos e a liberdade de pensamento e consciência, limitou a censura a diversões públicas e
manteve a vedação ao anonimato.
A Constituição de 1937 representou um retrocesso na proteção aos direitos relativos à
liberdade de expressão e de imprensa. Trazia em seu texto o espírito cerceador do Estado
Novo, instaurado pelo Presidente Getúlio Vargas que tinha. O Decreto nº 1.949, de
30.12.1939 que permitia a censura prévia a meios de comunicação e casas de espetáculo com
o objetivo contestável de “garantir a paz”. Caracterizava como a primeira constituição
autoritária do país e já deslindava as aspirações ditatoriais do governo.
O texto de 1946 retomou os as liberdades propostas nas cartas de 1891 e 1934, porém
de forma contraditória, uma vez que previa a liberdade das ciências e das artes e, no entanto
suportava a censura a espetáculos e outras diversões públicas. Quanto às demais liberdades de
imprensa e de expressão, garantiu os preceitos democráticos e também avançou, na medida
que proibiu expressamente propagandas que reforçassem ou emitissem preconceitos raciais ou
relativos a classe social. Importante lembrar que o AI 2 de 27.12.65 (após o Golpe de 1964)
trazia em seu texto a possibilidade do Presidente da República de suspender os direitos
políticos de quaisquer cidadãos por dez anos, além de uma legitimação para consolidar a
revolução.
A Constituição de 1967, redigida sob a égide dos militares e semioutorgada a nação
trouxe um retrocesso profundo no que tange aos direitos e liberdades individuais.
Caracterizou sobremaneira o domínio do Poder Executivo sobre os demais, na clara intenção
de centralizar as decisões e institucionalizar o regime de exceção. Os Atos Institucionais que
emendaram essa constituição foram ainda mais longe no cerceamento dos direitos individuais
e da manifestação de pensamento. Para citar como exemplo o AI-5 que instituiu a censura aos
meios de comunicação e às produções artísticas e a Lei nº 5.250 de setembro de 1967 que
regulamentava a liberdade de manifestação e de informação. Por fim inseriu-se a censura à
publicações de contrariassem a moral e os bons costumes, de forma que ampliou-se o poder
governamental para decidir o que poderia ou não ser publicado, uma vez que esses são
conceitos um tanto difíceis de delimitar.
A Constituição de 1988, que recebeu a alcunha de Cidadã, conferida por Ulysses pôs
fim ao longo período de restrições imposto aos direitos individuais. Em seu texto, o legislador
promoveu esforços para que as liberdades dos cidadãos fossem protegidas dos excessos do
estado, bem como impediu as tentativas autoritárias dos governantes. A Carta Magna
mostrou-se coerente com o pensamento democrático mais evoluído e não se furtou a inserir
esses direitos naqueles considerados fundamentais para o exercício pleno da cidadania.
18
Sobre a liberdade de expressão informação destacam-se os seguintes dispositivos,
inseridos na égide dos direitos e garantias fundamentais:
“Art. 5º. (...)
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral,
ou à imagem; (...)
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica ou de comunicação, independentemente de
censura ou licença;
(..;)
XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao
exercício profissional.”
Acerca da liberdade de imprensa, a Constituição empregou dispositivo próprio,
proporcionando tratamento privilegiado, como se pode perceber a seguir:
“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo
ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação
jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.”
Analisando os diversos dispositivos constitucionais de nossa história podemos
verificar que nem sempre o direito a liberdade de expressão foi garantido aos cidadãos.
Durante nossa evolução como nação fomos marcados por períodos obscuros que furtaram dos
cidadãos essa garantia tão essencial. Afortunadamente a Constituição em vigor soube receber
os avanços democráticos, sem ceder aos anseios autoritários de governantes e mostra-se a
mais benéfica da história na garantia desses direitos.
Em resumo, as liberdades de informação e de expressão, tuteladas tanto em textos
internacionais como por nossa Carta Política, podem ser entendidas como direitos subjetivos
fundamentais assegurados a todo cidadão, faculdades de manifestar de forma amplamente
livre o pensamento, as ideias e opiniões através de qualquer meio de comunicação, assim
como no direito de comunicar ou receber informação verdadeira, consistindo em liberdades
indispensáveis ao exercício da democracia e ao desenvolvimento dos povos.
2.3 A Liberdade de Expressão como Direito Fundamental
Os direitos fundamentais são considerados como básicos, por meio dos quais as
pessoas tem assegurada a dignidade de sua existência e servem também para protegê-las dos
desmandos do Estado, principalmente quando consideramos a desproporcionalidade de forças
19
entre o individuo e os poderes considerados. A liberdade é um direito fundamental de
primeira ordem, ou dimensão, e a liberdade de expressão deriva dele, assim como serve de
instrumento da vivência plena do primeiro. (NOVELINO. 2012, pag. 59)
É fundamental ressaltar o significado dos direitos fundamentais como direitos
subjetivos de defesa do indivíduo contra o Estado e que decorrem da ideia de que estes
incorporam e expressam determinados valores objetivos basilares da comunidade, está à
constatação de que os direitos fundamentais devem ter sua eficácia valorada não só sob o
ângulo individualista, mas também com base no ponto de vista da sociedade, da comunidade
na sua totalidade, já que se cuida de valores e fins que esta deve respeitar e trabalhar para que
se concretizem.
O processo de reconhecimento e afirmação desses direitos e revelam que estes
constituem categoria materialmente aberta e modificável, ainda que seja possível observar
certa perenidade e uniformidade neste campo, como ilustram os tradicionais exemplos do
direito à vida, da liberdade de locomoção e de pensamento, dentre outros tantos que sempre
figuram como preocupação do legislador quando se quer estabelecer um estado democrático.
(NOVELINO. 2012, p. 403)
Ademais, é mandatório reconhecer que alguns dos clássicos direitos fundamentais da
primeira dimensão estão sendo revigorados e ganhando em importância e atualidade de modo
notável, em face das novas formas de agressão aos valores tradicionais e já incorporados ao
patrimônio jurídico da humanidade, nomeadamente a liberdade, a igualdade, a vida e a
dignidade da pessoa humana.
Considerando tais aspectos, pode-se afirmar que o direito à informação é uma maneira
de exercício dos direitos sociais e culturais tradicionalmente classificados como de segunda
dimensão, destacando-se a sua importância como instrumento hábil ao exercício dos
denominados direitos prestacionais, que nada mais são que os direitos de acesso e utilização
de prestações estaduais (por sua vez subdivididos em direitos derivados e direitos originários
a prestações) e por outro lado, em direitos à participação na organização e procedimento. É
importante ressaltar que os direitos fundamentais passaram a figurar no âmbito da ordem
constitucional como um conjunto de valores objetivos básicos com a finalidade de incitar a
ação positiva dos poderes públicos e não apenas garantias negativas dos interesses
individuais.
20
2.4 Conceito e Breve Histórico dos Direitos Fundamentais
A doutrina jurídica reafirma esses direitos como basilares para a existência digna das
pessoas e o livre exercício de sua individualidade. Pinho (2011, p. 96) afirme que "os direitos
fundamentais são aqueles considerados indispensáveis à pessoa humana, necessários para
assegurar a todos uma existência digna, livre e igual".
Como vimos anteriormente eles já estão previstos em documentos oriundos do século
XVIII bem como foram amplamente acolhidos por organismos internacionais como a ONU,
manifestamente após a 2ª Grande Guerra. Assim constituições de diversos países inseriram
em seus textos proteções a estes direitos, como forma de capacitar o ser humano a exercer os
demais. Eles possuem assim um caráter universal, de forma que se busca a extensão destes ao
maior número possível de pessoas. “Caracterizam-se ainda pela historicidade,
inalienabilidade, irrenunciabilidade e limitabilidade” (PINHO, 2011, p. 97). A constituição
pátria aderiu a essa direção e inseriu em seu texto variados dispositivos que visam a proteção
destas garantias, dentre eles o o direito à liberdade, tendo como ramificação a liberdade de
expressão, que resulta em um dos mais importantes direitos fundamentais do homem.
Conforme acentua Chequer (2011, p. 17), a liberdade de expressão tem, em seu
sentido mais amplo, justificativas que se dividem em dois argumentos: a linha instrumental,
que a caracteriza como um meio para a realização de um fim relevante e também a linha
autônoma ou substancial, na qual ela é importante por sim mesma, não apenas por suas
consequências, mas por sua essência e sua contribuição para a realização pessoa e sua
indissociabilidade da noção de dignidade da pessoa humana. Em uma interpretação mais
estrita ela se desvincularia da verdade, uma vez que se refere a ideias, opiniões, pensamentos.
Chequer (2011, p. 18) enumera quatro grandes categorias que podem ser referidas para
sustenta a garantia legal à liberdade de expressão: (1) como mecanismo para assegurar uma
satisfação individual, (2) como um meio pelo qual se alcança a verdade, (3) como um método
de determinar a participação dos integrantes da sociedade nas decisões sociais e políticas, (4)
como uma forma de assegurar o equilíbrio entre a estabilidade e a mudança da sociedade.
2.5 Liberdades constitucionais de informação e de expressão e a liberdade de imprensa e
suas limitações
A doutrina brasileira diferencia liberdade de informação e de expressão, asseverando
que a primeira se refere ao direito do indivíduo de exprimir fatos sem cerceamento e ainda ao
21
direito difuso de recebê-los sem censura prévia. Já a liberdade de expressão seria a garantia de
expressar ideias, juízos de valor, opiniões ou qualquer outra manifestação de pensamento
pessoal. Temos que considerar, entretanto, que nenhuma forma de comunicação é
completamente neutra, pois a forma como são ditos e selecionados os pontos a serem
expostos passam pelo crivo de quem os exprime, o que seguramente adiciona uma relevante
interferência pessoal de crenças e morais. Da mesma forma a composição artística, ainda que
fruto do livre imaginário do autor, não está livre de ser influenciada por acontecimentos reais
ou de sofrer influências políticas e sociais.
Não resta dúvida que a liberdade de expressão, em seu sentido mais amplo, abrange a
liberdade de informação, e sua diferenciação se faz necessária uma vez que a informação,
diferentemente da opinião ou da crença, não pode prescindir da verdade – mesmo que a ideia
de verdade absoluta seja descartada, é necessário que a informação se baseie em algo mais
factível que a simples opinião pessoal ou ideia do autor. Informação, principalmente aquela
usada nos termos jornalísticos, deve ser passível de verificação. Não se aplica o mesmo
requisito a liberdade de expressão, ainda que seja possível a responsabilização do autor pela
difusão de ideias ou argumentos. (BARROSO, 2011, p. 6)
Podemos citar ainda a liberdade de imprensa, que recebeu de nosso ordenamento
jurídico proteção privilegiada e que se aplica aos órgãos de comunicação dedicados a noticiar
os fatos e ideias. A liberdade de imprensa envolve as duas primeiras formas, e desta feita,
cabe aos responsáveis pelas publicações esclarecem ao público consumidor de seus produtos
que tipo de material estão divulgando, pois é impensável para um veículo sério publicar uma
opinião qualquer dando a ele contornos de fato consumado ou ainda de verdade absoluta.
Nesse ponto é necessária a atenção para evitar que acepções pessoais de editores ou colunistas
ganhem ares de informação irrefutável.
Portanto temos a liberdade de expressão e informação como meios manifestos de
caráter individual e também como ferramenta para o desenvolvimento da personalidade, é
indiscutível que ela também atende ao interesse público da circulação livre de ideias, como
base do regime democrático e corolário da liberdade coletiva de aquisição e troca de
conhecimentos. Assim vemos que esse direito tem as dimensões individual e coletiva
intrinsecamente representadas, quando o vemos utilizado pelo cidadão comum e também
pelos meios de comunicação de massa, que especialmente nos tempos atuais fomentam uma
troca incessante por meio de redes comunicacionais virtuais, baseadas na internet.
Há de que salienta que tais liberdades são praticadas de formas distintas. O
pensamento, tem caráter íntimo e individual, não é passível de controle pois não há como
22
saber o que se passa no âmago de outrem, sem que este voluntariamente externe. Desta feita, a
tutela jurídica será sempre sobre o pensamento manifesto, uma vez que não é possível
assenhorar-se do que ocorre na esfera pessoal de cada um sem sua participação (Pinho, 2011,
p. 114).
Ainda que não seja possível controlar o pensamento é possível controlar aquilo que se
manifesta e nessa seara a lei procurou garantir que seja possível identificar quem expressa o
quê, o que sustenta a vedação do anonimato, o que torna possível responsabilizar na esfera
jurídica aqueles que abusam do seu direito a liberdade de expressão.
No entender de Luis Roberto Barroso existem ordenamentos jurídicos estrangeiros nos
quais o direito à informação, no âmbito dos direitos fundamentais, é tratado de forma
diferenciada, possuindo uma posição de prevalência frente aos demais direitos fundamentais
individualmente considerados, assegurando a liberdade de informação sob uma dimensão
plural e participativa, o que torna a liberdade de informação como fundamento para o
exercício de outros direitos. Esse é o entendimento da Suprema Corte Americana e
reconhecido pelo Tribunal Constitucional Espanhol e pelo Tribunal Constitucional Federal
Alemão, as quais, ao considerar o uso da técnica de ponderação de interesses, consideram que
há de prevalecer sobre outros em discussão.
Ainda segundo o autor, para esses ordenamentos jurídicos a manifestação livre do
pensamento, tanto individual como coletiva são fundamentais para o exercício de outras
liberdades, o que justificaria uma posição de preferência (preferred position) em relação aos
demais direitos fundamentais considerados. (BARROSO, 2011, p. 12)
Disto resulta a o entendimento destas cortes no que diz respeito à proibição prévia de
publicações deve ser caso de absoluta excepcionalidade, reservando tais proibições a
momentos extremos em que a reparação posterior do dano eventualmente causado aos direitos
da personalidade se mostre inviável ou incapaz de repará-lo. Essa opção tem a vantagem de
não prejudicar totalmente nenhum dos valores envolvidos e parte da ideia que se deve
ponderar tais valores a fim de que seja obtida a melhor solução caso a caso. Como ressalta o
autor:
“[..]é evidente que tanto a liberdade de informação, como a de expressão, e bem
assim a liberdade de imprensa, não são direitos absolutos, encontrando limites na
própria Constituição. É possível lembrar dos próprios direitos da personalidade já
referidos, como a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem (arts. 5º, X e 220, §
1º), a segurança da sociedade e do Estado (art. 5º, XIII), a proteção da infância e da
adolescência (art. 21, XVI62); no caso específico de rádio, televisão e outros meios
eletrônicos de comunicação social, o art. 221 traz uma lista de princípios que devem
orientar sua programação. Além desses limites explícitos na Constituição, há outros
23
que podem ser, com facilidade, considerados imanentes. Em relação à liberdade de
informação, já se destacou que a divulgação de fatos reais, ainda quando
desagradáveis ou mesmo penosos para determinado(s) indivíduo(s), é o que a
caracteriza. Da circunstância de destinar-se a dar ciência da realidade, decorre a
exigência da verdade – um requisito interno, mais do que um limite –, já que só se
estará diante de informação, digna de proteção nesses termos, quando ele estiver
presente. Lembre-se, porém, que a verdade aqui não corresponde, nem poderia
corresponder, a um conceito absoluto. “ (BARROSO, 2011, p. 13)
Ainda segundo esse autor, existe ainda de um limite genérico às liberdades de
informação e de expressão que seria o interesse público. Faz-se necessário cuidado com essa
espécie de cláusula genérica uma vez que a mesma pode ser empregada, de forma
dissimulada, para a “prática de variadas formas de arbítrio no cerceamento das liberdades
individuais, na imposição de censura e de discursos oficiais de matizes variados”. Ainda é
preciso lembrar que as liberdades de expressão e imprensa constituem um interesse público
em si mesmo, independente do seu conteúdo. (BARROSO, 2011, p. 13)
A conclusão a que se chega, portanto, é a de que o interesse público na divulgação
de informações – reiterando-se a ressalva sobre o conceito já pressupor a satisfação
do requisito da verdade subjetiva – é presumido. A superação dessa presunção, por
algum outro interesse, público ou privado, somente poderá ocorrer, legitimamente,
nas situações-limite, excepcionalíssimas, de quase ruptura do sistema. Como regra geral, não se admitirá a limitação de liberdade de expressão e de informação, tendo-
se em conta a já mencionada preferred position de que essas garantias gozam. Um
último aspecto do conflito potencial entre as liberdades de informação e de
expressão e seus limites envolve não as normas em oposição, mas as modalidades
disponíveis de restrição, mais ou menos intensas, de tais liberdades. Como referido
inicialmente, a ponderação deverá decidir não apenas qual bem constitucional deve preponderar no caso concreto, mas também em que medida ou intensidade ele deve
preponderar.(BARROSO, 2011, p. 14)
A nossa constituição não abraçou a restrição mais radical – a proibição prévia da
publicação ou da divulgação de fatos ou opiniões, pois essa seria uma forma de eliminar
completamente a liberdade de expressão ou informação. Sem embargo, o nosso texto
constitucional preocupou-se em estabelecer limites para esses direitos, numa interpretação
ampla do art. 53 é possível estabelecer que a CF/88 admite os crimes de opinião bem como
bem como a responsabilização civil por danos materiais ou morais (art. 5º, V e X).
Analisando esses dispositivos é possível verificar que o texto legal buscou responsabilizar
civil ou penalmente aqueles que agirem de forma a abusar de suas garantias, lesando o direito
do outro. Há ainda a previsão do direito de resposta, que teoricamente funcionaria como uma
sanção aquele que profira opiniões lesivas a outros ou que faltem com a verdade em seus
discursos.
24
Assim vemos a preocupação do legislador e do direito em proteger esse direito tão
fundamental a todos os cidadãos, em especial no Brasil onde sofremos por vários anos um
cerceamento brutal a esses direitos. A CF/88 retomou e ressaltou sua preocupação com a
manifestação do pensamento, dando amplo espaço a sua defesa, sem, contudo esquecer-se de
postular limites ao seu exercício. É conveniente lembrar que liberdade de expressão é uma
denominação que abrange desde a liberdade do pensamento e suas derivações (crença, culto,
consciência, acesso à informação jornalística, científica, etc.) até a declaração livre de
opiniões, pensamentos e sensações. (MEYER-PFLUG, 2009, p. 66; PINHO, 2011, p. 114).
Quando se fala em liberdade de Expressão na internet, entretanto, devemos levar em
consideração o potencial lesivo que esta nova plataforma trouxe para potenciais manifestações
dessa liberdade. Essa nova faceta deverá ser considerada e será objeto de estudo no último
capítulo desse estudo, uma vez que possibilitou que simples opiniões tomem para si a aura de
verdade e venham a gerar danos difíceis de serem reparados. É essencial que o doutrinador
bem como o aplicador da justiça considere os demais direitos que possam vir a ser
fundamentalmente prejudicados no caso de abuso do primeiro: direito à privacidade, direito à
honra, direito à intimidade, direito à imagem e o próprio direito a vida.
Já está evidente que a possibilidade de haver conflitos entre esses direitos e assim
reafirma-se a importância da formulação de parâmetros fundamentais que permitam delinear
os limites de cada um dos dispositivos constitucionais, especialmente nas situações em que
eles entrem em confronto com outros comandos constitucionais. Assim entende-se que o
“estudo em abstrato desses conflitos e os modelos que venham a ser propostos em decorrência
dele, proporcionarão maior segurança e uniformidade à interpretação das normas
constitucionais”. (BARCELLOS, 2002, p.61)
A Constituição reafirma a importância dos direitos fundamentais e a colisão entre
esses direitos vêm conquistando a atenção da doutrina, no sentido de entender que para sanar
o conflito há de se considerar as circunstâncias do caso concreto, pesando-se os interesses em
choque, com o objetivo de estabelecer que princípio deverá prevalecer.
De forma generalizada entendem os doutrinadores que a ponderação pode ser
considerada como a técnica de decisão própria para casos complexos. Quando se trata da
Constituição, no entanto, não é possível simplesmente escolher uma norma em detrimento das
demais, uma vez que o princípio da unidade, que estipula que todas as normas constitucionais
têm a mesma hierarquia e devem ser interpretadas de forma harmoniosa, não admite essa
solução.
25
Finalmente, podemos inferir que as restrições à Liberdade de Expressão ou a outros
direitos fundamentais deverão vir estipuladas em lei. Não dispondo de orientação legal, ou
ainda, havendo conflito entre previsões legais, é forçoso recorrer aos princípios de
concordância e ponderação entre os direitos envolvidos.
26
3 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A dignidade humana é um preceito que tem baseado as sociedades democráticas na
atualidade. O respeito às liberdades individuais e as garantias para que o homem viva em
situações dignas não pode ser apartadas dos ideais do estado sob pena de nos transformamos
em sociedades regidas pela barbárie e pelo autoritarismo. Nesse capítulo faremos um estudo
desse princípio, bem como de sua aplicabilidade aos direitos da personalidade na tentativa de
situar sua importância dentro do direito e também da sociedade, para a manutenção de uma
vida digna a todos os indivíduos.
Conviver em um agrupamento social produz a necessidade de limitar o
comportamento dos conviventes em determinadas regras, e estabelecer um rol de condutas
que sejam coerentes com os preceitos escolhidos pelo grupo para que haja uma harmonização
social, de forma que se equilibrem as relações humanas e que seja instaurado um ambiente de
respeito mínimo para que se possibilite a vida em sociedade.
3.1 Aspectos históricos
Ao analisarmos a origem da palavra “dignidade” veremos que esta advém do termo
latino dignitas que evoca significados como valor intrínseco, mérito, nobreza ou prestígio, ou
seja, aquele é merecedor de honra, consideração e, em última análise, aquilo ou algo
considerado importante.
Partindo-se desta ideia podemos inferir que alguém, apenas por pertencer ao gênero
humano já possui dignidade, e esta seria uma um atributo de todos os homens. Decorre
simplesmente do fato de existir como pessoa, não importando demais qualidades ou
características. Dentro desta acepção considera-se qualquer indivíduo merecedor de igual
respeito de seus semelhantes.
Ricardo Maurício Freitas Soares (2010, p. 131), trazendo uma breve reflexão histórica
aduz que “dignidade” é um termo cujo significado vem sendo construído aos longo da
história. Segundo os ensinamentos deste autor, na filosofia clássica, a dignidade era reflexo da
posição social ocupada, e o reconhecimento perante aos demais se dava em função dessa
condição.
Segundo Cristiano Chaves de Farias, o mundo grego não admitia o os direitos da
personalidade da forma que se dá atualmente, uma vez que neste período não havia a ideia de
direitos da pessoa, enquanto ser humano, apenas do individuo enquanto parte da sociedade,
27
em acordo com a posição ocupada. Todavia, o pensamento estoico apresentava concepção
diferente, uma vez que para o estoicismo, a dignidade era a característica intrínseca aos seres
humanos que os diferenciava dos demais seres, destarte todos os seres humanos seriam
considerados merecedores de reconhecimento igualitário de sua dignidade. (2011, p. 175)
Para o Direito Romano, a noção de pessoa também era bastante diferente desta que
conduzimos na atualidade, Reconhecia apenas a ação contra a injúria que poderia abranger
qualquer atentado contra aqueles considerados pessoas. Vale ressaltar que nas sociedades que
reconheciam a escravatura, como a romana, os escravos não eram considerados pessoas, mas
bens, portanto não eram titulares de dignidade nem tampouco dos direitos advindos desta
condição.
A religião cristã adotava a concepção de sujeito como pessoa, e, portanto merecedor
de dignidade. Uma vez que concebia os seres humanos como criaturas nascidas a imagem e
semelhança de Deus. Consoante com esta filosofia infere-se que o ser humano tem uma
característica especial, sendo dotado de valor próprio que lhe é intrínseco, e que não pode ser
reduzido a objeto ou propriedade. Textos bíblicos reforçam essa premissa, uma vez que nas
escrituras o ser humano é foco de várias passagens e ensinamentos. De forma geral pode-se
dizer que a dignidade humana é parte fundamental do conceito cristão original.
O período medieval recebeu a inspiração cristã, e doutrinadores desse período, como
Tomás de Aquino, defendiam a ideia da dignidade humana. Este pensador afirmou
expressamente que o conceito de “dignitas humana” advém da ideia de que o homem foi
forjado a imagem e semelhança de Deus, o que lhe conferiria além de dignidade também
capacidade para a autodeterminação, que seria inerente a sua natureza enquanto ser pensante.
(SARLET, 2001, p.31).
Fora da doutrina cristã, existiram ainda outros documentos que reconheciam o direito
à dignidade, como a Carta Magna inglesa, de 1215, estabeleceu a de aspectos fundamentais da
personalidade humana, como a liberdade, vindo a reconhecer, implicitamente, os direitos da
personalidade.
Nos séculos, XVII e XVIII quando floresceu o pensamento jusnaturalista, houve um
processo de racionalização e laicização do conceito de dignidade da pessoa humana. Sem
embargo, foi mantida a noção basilar de que os homens são iguais no tocante aos direitos a
dignidade e a liberdade. A concepção jusnaturalista acreditava que a ordem constitucional
deveria consagrar dignidade humana puramente em virtude do pressuposto que o indivíduo,
devido a sua condição humana, seria titular de direitos, e que estes deveriam ser respeitados
por seus semelhantes e pelo Estado (SOARES, 2010, p. 143). Mais adiante, a Declaração dos
28
Direitos do Homem, em 1789, valorizou a tutela da personalidade humana e a defesa de
direitos individuais. (FARIAS, 2011, p. 182).
No século XX a discussão acerca da dignidade humana foi retomado, porém apenas as
barbáries cometidas durantes as duas grandes guerras e em especial, as crueldades realizadas
pelo regime nazista contra os seres humanos, em especial o povo judeu, é que tornou-se mais
evidente a necessidade de uma proteção mais categórica aos direitos humanos, como preceitua
Cristiano Farias:
“[...] somente após a II Grande Guerra Mundial, considerada sas atrocidades
praticadas pelo nazismo contra a individualidade da pessoa humana e contra a
humanidade como um todo, sentiu-se a necessidade de proteção de uma categoria
básica de direitos reconhecidos à pessoa humana. Era preciso assegurar uma tutela
fundamental, elementar, em favor da personalidade humana, salvaguardando a
própria raça. Nesse passo, em 1948, foi promulgada a Declaração Universal de
Direitos do Homem.” (Farias, 2011, 182)
Com o decorrer dos anos aconteceu um processo de expansão dos direitos humanos, que
passaram a ser declarados no âmbito de comunidades jurídicas internacionais. Em virtude
dessa internacionalização, deu-se a constitucionalização desses direitos, que passaram a ser
denominados, de acordo com a positivação constitucional, de fundamentais, o que dilatou a
possibilidade de aplicação destes direitos nas relações sociais nos ordenamentos jurídicos
internos. (SOARES, 2010, p. 145).
Resumidamente, percebe-se que o conceito de dignidade da pessoa humana tem
origem remota, remontando da Antiguidade até os dias atuais, e é fundamental que estejam no
cerne de ordenamentos jurídicos que busquem estabelecer o respeito aos indivíduos bem
como a harmonização das relações sociais.
3.2 Conceituação
Após breve exposição sobre o histórico da dignidade humana ao longo da história, faz-
se necessário buscar uma definição do que seria a dignidade da pessoa humana. Diante da
complexidade do tema, é difícil chegar a um conceito uno e acabado, devido a multiplicidade
de fatores podem ser considerados em sua definição, bem como a grande abstração do tema.
Podemos então apenas delinear uma definição baseada na doutrina e na interpretação legal do
termo.
Ricardo Maurício Freire Soares considera que o ser humano é mutável, e
permanentemente submetido a influências histórico-sociais, tendo como resultado que o
conceito de dignidade humana não poderá ser exclusivamente lógico-jurídico, pois é
29
impossível defini-la em termos absolutos. Assim preceitua: “A delimitação do significado
ético-jurídico de que o ser humano é um fim em si mesmo deve ser buscada em cada contexto
histórico-cultural, no plano real de afirmação dos valores que integram a experiência concreta
e permanentemente inconclusa dos direitos humanos fundamentais.” (SOARES, 2010, 142)
O autor desenvolve seu pensamento afirmando que o principio da dignidade humana
deve ser postulado como uma cláusula geral, servindo como fundamento para o entendimento
e a tutela dos demais direitos fundamentais, funcionando também como uma conexão entre a
rigidez das normas e as perenes evoluções de conteúdo de valores no ambiente social. Deve,
portanto funcionar como um conciliador dos direitos às novas exigências de interpretação
destes valores.
Por fim podemos considerar que dignidade da pessoa humana vem a configurar-se
como um conjunto de valores civilizatórios reconhecidos pelo patrimônio ético-jurídico da
humanidade, e está associado profundamente os direitos fundamentais do ser humano que
resultam em uma existência digna para todos. Nas palavras de Ingo Wolfgang Sarlet:
“Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada
ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do
Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e
deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de
cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais
mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos
demais seres humanos.” (2001, p.60)
Assim entende-se que a dignidade da pessoa humana integra um espectro físico e
moral que deve ser garantido a todo e qualquer indivíduo justificada apenas por sua existência
enquanto ser humano, referido tanto a satisfação de necessidades espirituais quanto matérias
essenciais a sua subsistência como pessoa. Tal raciocínio impede qualquer tentativa de
degradação ou coisificação do homem. Deste modo, entende-se ainda como condição
recíproca entre os atores sociais, uma vez que um homem não poderá infligir a outro
degradação ou subtrair deste sua condição de merecedor de respeito, constituindo a base para
uma convivência harmônica e digna em sociedade.
Por fim aduz-se que a dignidade da pessoa humana transcende a caracterização como
simples direito, verificando-se como uma condição inalienável de todo ser humano,
independente de posição social, origem, sexo, idade ou gênero e constitui a garantia que obsta
ao Estado ou a outros indivíduos reduzir alguém a mero objeto, excluindo deste a sua
condição básica como ser humano e condenando-o a degradação e ao sofrimento.
30
3.3 O tratamento dado pelo Sistema Constitucional Brasileiro
O art 1º, III, da CF/88 proclamou o principio da dignidade humana como fundamento
do Estado Democrático de Direitos, incorporando-se a categoria de princípios fundamentais
do Título I de nossa Carta Magna, igualando-se em importância a outros cânones jurídicos
como a soberania, a cidadania, o pluralismo político e os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa.
O legislador constituinte ao conferir à ideia de dignidade humana a qualidade de
norma basilar do sistema constitucional, indica que este fornece elemento básico para a
compreensão e acolhimento dos demais direitos fundamentais individuais como os diretos à
vida, à liberdade e à igualdade. Nas palavras de Marcelo Novelino:
“Dentre os fundamentos do Estado brasileiro, a dignidade da pessoa humana possui um papel de destaque. Núcleo axiológico do constitucionalismo contemporâneo, a
dignidade da pessoa humana é o valor constitucional supremo que irá informar a
criação, a interpretação e a aplicação de toda a ordem normativa constitucional,
sobretudo, o sistema de direitos fundamentais.” (2012, p. 379)
A Constituição Federal de 1988 trouxe uma ruptura com os padrões até então vigentes
no que concerne a defesa da dignidade humana, tendo em vista que até a promulgação da
mesma estávamos inseridos nos conceitos jurídicos oriundos de um Estado ditatorial. O
constituinte originário de 1988 buscou dar relevância normativa plena a dignidade da pessoa
humana, reconhecendo-a como fundamento da República do Brasil e pressuposto do Estado
Democrático de Direito, assim como relacionou esse reconhecimento a instituição de um
amplo sistema de garantia dos direitos fundamentais. Ao ser considerada fundamento da
República, tornou-se um guia de toda a ordem constitucional, sendo auferida como princípio
de valor maior e colocando-se numa posição de normatização dos demais ordens
constitucionais. Tal prescrição busca tornar mais efetiva a sua proteção, e disto advém a
incapacidade de violar este princípio sem que se afronte diretamente a constituição e própria
ideia de Estado Democrático. Em termos infraconstitucionais, o Código Civil, dedica os arts.
11 e 21 ao reconhecimento expresso dos direitos da personalidade.
31
3.4 Direitos da Personalidade - Conceituação
Considerando-se que a dignidade humana constitui o cerne da personalidade, estes
constituem os verdadeiros direitos subjetivos, que se tornam essenciais ao desenvolvimento
da própria condição humana. Nas palavras de Cristiano Farias:
“Nessa ordem de ideias, é possível asseverar serem os direitos da personalidade
aquelas situações jurídicas reconhecidas à pessoa, tomada em si mesma e em suas
necessárias projeções sociais. Isto é, são os direitos essenciais ao desenvolvimento
da pessoa humana, em que se convertem as projeções físicas, psíquicas e intelectuais do seu titular, individualizando-o de modo a lhe emprestar segura e avançada tutela
jurídica. Os direitos da personalidade, portanto, possibilitam a atuação na defesa da
própria pessoa, considerada em seus múltiplos aspectos (físico, psíquico, intelectual
[...].” (2011, p. 184)
Acerca o objeto dos direitos da personalidade, complementa Pablo Stolze Gangliano:
“Conceituam-se os direitos da personalidade como aqueles que têm por objeto os
atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais. A ideia a nortear a disciplina dos direitos da personalidade é a de uma esfera
extrapatrimonial do indivíduo, em que o sujeito tem reconhecidamente tutelada pela
ordem jurídica uma série indeterminada de valores não redutíveis pecuniariamente,
como a vida, a integridade física, a intimidade, a honra, entre outros. A matéria está,
como já se disse, agora prevista expressamente pelo CC-02, no Capítulo II do Livro
I, Título I, da sua Parte Geral, havendo sido adotada a mencionada denominação,
que é, inclusive, a preferida pela doutrina nacional.” (2012, p. 164)
No entender da doutrina, é necessário que os direitos da personalidade sejam também
acolhidos pela ótica civil-constitucional, considerando as relevantes opções convencionadas
pela Constituição. A esse respeito, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald preceituam que:
“A afirmação da cidadania e da dignidade da pessoa humana como princípios
constitucionais (art. 1º, II e III), juntamente com a proclamação da igualdade e da
liberdade, dão novo conteúdo aos direitos da personalidade, realçando a pessoa
humana como ponto central da ordem jurídica brasileira. [...] Em síntese estreita: os
direitos da personalidade estão, inexoravelmente, unidos ao desenvolvimento da
pessoa humana, caracterizando-se como garantia para a preservação de sua
dignidade. [...] Acatando essa relação implicacional entre os direitos da
personalidade e a dignidade humana, afirmada constitucionalmente, sedimentou-se o
Enunciado 274 da Jornada de Direito Civil: “os direitos da personalidade, regulados
de maneira não exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de
tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, III, da Constituição Federal”. (2011,
p.184,185)
Resumidamente, considerando a perspectiva constitucional de que a pessoa humana
representa o ponto central de toda a ordem jurídica, aduz-se que os direitos da personalidade
emanam da inerente dignidade que é atribuída à pessoa humana, a fim de tutelar os valores
32
mais caros ao individuo, tanto em face do poder público como também em relação aos outros.
Esses direitos expõem o mínimo necessário e essencial para que homem possa viver
plenamente e com dignidade.
3.5 Características
Como atributos próprios da condição humana, em sua totalidade – física, mental e
moral – os direitos da personalidade são dotados de características particulares, que os
colocam em condição singular no cenário dos direitos privados, estas são: absolutos; gerais;
extrapatrimoniais; indisponíveis; imprescritíveis; impenhoráveis; vitalícios. (STOLZE, 2012,
p. 171). Dada o tema do presente trabalho é natural que nos aprofundemos no estudo em
separado de cada uma destas características.
Ao consideramos o caráter absoluto dos direitos da personalidade, aceitamos a sua
oponolibilidade erga omnes, de modo que os mesmos produzem efeitos em todas as direções
bem como devem ser respeitados por toda a coletividade. A generalidade diz respeito ao
outorga desses direitos a todas as pessoas, pelo simples fato de existirem como tal, são,
portanto intrínsecos a condição humana.
A extrapatrimonialidade configura-se como a impossibilidade de aferição econômica
deste direito, pois o conteúdo patrimonial direto encontra-se ausente. No entanto como ensina
Stolze, existe a possibilidade dos casos de violação resultarem em efeitos econômicos, como
no caso dos danos morais e também a fruição patrimonial de recursos advindos de obras do
produzidas por um determinado autor (STOLZE, 2012, p. 172).
Uma das peculiaridades mais marcantes do direito da personalidade é sua
indisponibilidade. Tal característica traz em si a ideia que o individuo não pode dispor desses
direitos, ainda que seja de sua vontade, de modo que tem preservada sua estrutura física,
psíquica e intelectual. Nesse sentido enfatiza Pablo Stolze:
“Preferimos utilizar a expressão genérica “indisponibilidade” dos direitos da
personalidade, pelo fato de que ela abarca tanto a intransmissibilidade
(impossibilidade de modificação subjetiva, gratuita ou onerosa — inalienabilidade)
quanto a irrenunciabilidade (impossibilidade de reconhecimento jurídico da
manifestação volitiva de abandono do direito). A indisponibilidade significa que nem por vontade própria do indivíduo o direito pode mudar de titular, o que faz com
que os direitos da personalidade sejam alçados a um patamar diferenciado dentro
dos direitos privados. O CC-02, de forma expressa, consagrou tal característica, em
seu art. 11: “Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da
personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício
sofrer limitação voluntária”. (2012, p.172)
33
Sobre a indisponibilidade dos direitos da personalidade Cristiano Chave de Farias
enfatiza o disposto no art. 11 do CC/02, que pode resultar em uma relativa indisponibilidade
destes direitos, como demonstra no trecho a seguir:
“Todavia, a compreensão dos direitos da personalidade deve ocorrer em perspectiva
de relativa indisponibilidade, impedindo que o titular possa deles dispor em caráter
permanente ou total, preservando, assim, a sua própria estrutura física, psíquica e
intelectual. Dessa maneira, muito embora os direitos da personalidade sejam
indisponíveis ao seu titular, admite-se, eventualmente, a cessão do seu exercício, em
determinadas situações e dentro de certos limites. Significa, pois, a possibilidade do
titular de um direito da personalidade dele dispor, dês que em caráter relativo, não
sacrificando a própria dignidade.” (2011, p. 188)
Neste entendimento é possível admitir a limitação voluntária do direito da
personalidade desde que a mesma seja transitório e específico. Cita como exemplos para esse
relativo caráter da indisponibilidade a cessão de direitos para uma publicação, feita de forma
onerosa ou gratuita, durante período determinado, ou ainda a cessão de direitos autorais.
(FARIAS, 2011, p. 189).
Também são direitos imprescritíveis, pois não existe prazo pré-determinado para a
fruição destes direitos nem tampouco há limites de tempo para o seu exercício. Dessa ideia
aduz-se ainda que uma lesão ao direito da personalidade não convalesce com o passar do
tempo, o que vem a impedir o seu livre exercício. Não há que se confundir entretanto a
imprescritibilidade do direito da personalidade enquanto seus efeitos para aquisição ou
extinção com a possibilidade de prescrição da pretensão indenizatória que venha a ser exigida
em face de dado a personalidade.
Em relação a esses direitos, também recai a característica da vitaliciedade, pois os
mesmos extinguem-se apenas com o falecimento do titular, o que reafirma o seu caráter
intransmissível.
3.6 Classificação
A doutrina normalmente classifica os direitos da personalidade baseada na tríade
corpo, intelecto e espírito, considerando estes três aspectos podemos dividir estes direitos em
três categorias:
1) Integridade física: são os direto à vida, ao próprio corpo e ao cadáver.
2) Integridade intelectual: compreendem os direitos de autoria, científica ou artística, dentre
outras manifestações próprias do intelecto.
34
3) Integridade moral: aqui figuram os direitos à honra, à liberdade, à vida privada, à
intimidade, à imagem, dentre outros constituintes da moral da figura humana.
Importante frisar que de acordo com o entendimento da doutrina civilista nenhuma
classificação coloca-se como taxativa e final, uma vez que é desaconselhável qualquer
categorização que tenha como objetivo exaurir o rol de direitos da personalidade, uma vez que
constituem em si categoria flexível, e está profundamente relacionado aos demais princípios
constitucionais.
Em suma, tratando-se dos direitos fundamentais, percebe-se que os mesmos foram
essencialmente relevantes para resguardar este principio fundamental de nosso ordenamento,
tendo a CF/88 se estendido na proteção dos mesmos, em que pese as garantias estabelecidas
aos direitos individuais (art. 5º), sociais (art. 6º e 11), políticos (art. 14 a 17).
Como exposto anteriormente o princípio da dignidade humana passou pela fase da
internacionalização, o que resulta em sua prevalência em textos e convenções internacionais,
que obrigam os estados signatários. A Declaração Universal de Direitos do Homem,
proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, traz em
seu preâmbulo o seguinte a seguir, que consagra o referido princípio como preceito a ser
acolhido pelas nações:
“Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da
família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade,
da justiça e da paz no mundo, [...] Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e
no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher, e que
decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma
liberdade mais ampla.”
O artigo 1º deste documento afirma que: “Todos os seres humanos nascem livres e
iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os
outros em espírito e fraternidade.”
Enfatize-se que figurando como princípio fundamental da ordem constitucional
brasileira, o dignidade da pessoa humana não deve apenas ser reconhecida formalmente mas
ter força normativa em face de desrespeitos ou abusos. Acerca desse tema, preceitua Ingo
Wolfgang Sarlet:
“O que se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito pela vida e
pela integridade física do ser humano, onde as condições mínimas para uma
existência digna não forem asseguradas, onde a intimidade e a identidade do
indivíduo forme objeto de ingerências indevidas, onde sua igualdade relativamente
aos demais não for garantida, bem como onde não houver limitação do poder, não
35
haverá espaço para a dignidade da pessoa humana, e esta não passará de mero objeto
de arbítrio e injustiças.” (2006, p. 108)
A doutrina refere-se ainda a dupla dimensão da força normativa do princípio da
dignidade humana no que tange a sua eficácia: subjetiva e objetiva. Para Ricardo Maurício
Freire Soares, a dimensão subjetiva relaciona-se com o seu status negativo e tal característica
equivale à possibilidade do titular do direito de opor-se a intervenção do estado na sua
liberdade individual, já em face do status positivo refere-se ao fato de obrigar o Estado a
prover uma condição mínima de existência digna a seus cidadãos.
A dimensão positiva refere-se ao fato de que os direitos fundamentais são
independentes de seus titulares, pois se mostram como valores objetivos básicos e fins
normatizadores para a atuação dos Poderes Públicos. O autor continua sua análise
reafirmando a capacidade do princípio da dignidade humana de produzir efeitos jurídicos nas
esferas positiva, negativa e hermenêutica.
Em resumo a eficácia positiva consiste em prover ao beneficiado pela norma,
condições elementares para sua digna existência, tendo o Estado que valer-se de medidas
administrativas e judiciais para garantir prestação estatal indispensável a consecução destes
objetivos. A eficácia negativa é aquela que busca limitar a ação do Poder Estatal e de outros
indivíduos que tenham por objetivo ofender ou cercear a liberdade dos sujeitos detentores do
direito em questão. Sobre da eficácia negativa, Ingo Sarlet doutrina:
“Não restam dúvidas de que toda a atividade estatal e todos os órgãos públicos se
encontram vinculados pelo princípio da dignidade da pessoa humana, impondo-lhes,
neste sentido, um dever de respeito e proteção, que se exprime tanto na obrigação
por parte do Estado de abster-se de ingerências na esfera individual que sejam contrárias à dignidade pessoal, quanto no dever de protegê-la conta agressões por
parte de terceiros, seja qual for sua procedência. Assim, percebe-se, desde logo, que
o princípio da dignidade da pessoa humana não apenas impõe um dever de
abstenção (respeito), mas também condutas positivas tendentes a efetivar e proteger
a dignidade do indivíduo.” (2006, p. 110)
Importante lembrar que o princípio da dignidade humana é também um relevante fator de
proteção em face de medidas restritivas ao abuso de direitos. Entende-se, portanto que este princípio
poderia ser utilizado como mecanismo limitador de outros direitos fundamentais, observadas os
devidos processos de ponderação e confronto entre normas de igual valor, especialmente no tocante
aos direitos à liberdade de expressão e de imprensa, conforme será melhor explanado no capítulo final
deste trabalho.
A importância do princípio da dignidade humana revela-se totalmente quando
consideramos a pessoa como o principal objetivo da ordem jurídica, e não apenas mero
36
reflexo desta. Assim, há que se considerar que na relação entre o sujeito e o Estado deve haver
sempre uma presunção em favor do ser humano e de sua personalidade. Disto decorre a
proteção aos direitos da personalidade, que na esfera jurídica são entendidos como as
garantias mínimas e essenciais na composição da esfera jurídica do ser humano. Em suma, os
direitos à sua vida, saúde e integridade física, honra, liberdades física e psicológica, imagem,
nome e reserva sobre a intimidade de sua vida privada são considerados basilares para a
própria existência da pessoa enquanto ser humano, e a negação destes estaria negando a sua
própria condição. São, portanto esses direitos, fundados no princípio maior, que garantem a
cada pessoa o reconhecimento enquanto tal e as faculdades para oferecer resistência aos
abusos cometidos, seja pelo Estado, seja por particulares.
Sobre essa ligação profunda entre o princípio da dignidade da pessoa humana e a
tutela dos direitos da personalidade, Ingo Sarlet conceitua de forma bastante taxativa:
“[...] é precipuamente com fundamento no reconhecimento da dignidade da pessoa por nossa Constituição, que se poderá admitir, também entre nós e apesar do
Constituinte neste particular, a consagração – ainda de modo implícito – de um
direito ao livre desenvolvimento da personalidade [...] situa-se o reconhecimento e
proteção da identidade pessoal (no sentido de autonomia e integridade psíquica e
intelectual), concretizando-se – entre outras dimensões – no respeito pela
privacidade, intimidade, honra, imagem, assim como o direito ao nome, todas as
dimensões umbilicalmente vinculadas à dignidade da pessoa, tudo a revelar a já
indicada conexão da dignidade, não apenas como um direito geral ao livre
desenvolvimento da personalidade mas também como os direitos de personalidade
em geral [...] verifica-se que tal concepção restou consagrada expressamente –
notadamente no que diz com a vinculação direta ao princípio da dignidade humana – pelo Tribunal Constitucional da Espanha, ao afirmar que o direito à intimidade,
como derivação da dignidade da pessoa humana, implica a existência de um âmbito
próprio e reservado em face da atuação e conhecimento dos demais, indispensável à
manutenção de uma qualidade mínima de vida humana.“ (2006, p. 86)
Assim podemos considerar que existe uma ligação indissolúvel entre dignidade e
personalidade, visto que apenas em razão da valorização da pessoa apenas pelo que ela é, e
por ser dotada de dignidade indissociável a sua condição é que se deu o reconhecimento dos
direitos da personalidade. Entende-se pois que sendo este princípio valor fundamental do
Estado como provê o artigo 1º, III da Constituição, torna-se espécie de alicerce geral da tutela
da personalidade. Ana Paula de Barcellos traz posicionamento similar:
“Como se sabe, os princípios constitucionais e especialmente o princípio da
dignidade humana - manifestam as decisões fundamentais do constituinte, que
deverão vincular o intérprete em geral e o Poder Público em particular. Assim, os
elementos aleatórios acima referidos - diferentes concepções da ordem jurídica,
preconceitos etc. - devem ser substituídos pelos princípios constitucionais na
definição das escolhas com as quais o intérprete inevitavelmente se depara. Em
37
suma: o princípio da dignidade da pessoa humana há de ser o vetor interpretativo
geral, pelo qual o intérprete deverá orientar-se em seu ofício”. (2002, p. 146)
Dentro do exposto até aqui, percebe-se que o princípio fundamental da dignidade da
pessoa humana funciona como mecanismo relevante na difícil questão de resolver possíveis
conflitos entre os direitos fundamentais, uma vez que os direitos da personalidade
representam desdobramentos objetivos daquele é natural que o princípio seja considerado e
venha a servir de orientação preponderante na solução de conflitos. Considere-se, entretanto
que o fundamento ora citado não é absoluto, nem tampouco deve prevalecer em todas as
circunstâncias como norma taxativa, entretanto devido ao especial tratamento dado a ele pela
constituição deve ser observado na solução de possíveis conflitos, especialmente aqueles com
o direito a liberdade de expressão.
Desta forma há de apreciar os conflitos entre liberdade de expressão e direitos da
personalidade a luz do princípio da dignidade humana que se possa aferir de maneira mais
justa a possibilidade de obstrução de um ou de outro.
Os direitos da personalidade são imprescindíveis à manutenção da própria dignidade,
pois tem como finalidade proteger o indivíduo contra possíveis degradações ou menosprezo
sejam eles preferidos pelo Estado ou por outros indivíduos, a seguir conceituaremos esses
direitos em espécie, como previstos em nosso ordenamento legal.
3.7 Direitos da Personalidade na Constituição de 1988
A Constituição Federal de 1988 dedicou-se a proteger expressamente os direitos da
personalidade, considerando a já discutida centralidade que conferiu a dignidade da pessoa
humana. Dentre os dispositivos que regulam esses direitos podemos citar os inciso V e X do
artigo 5º:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral
ou à imagem;
[...]
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
A doutrina ressalta o caráter dúplice dos direitos à honra, à intimidade, à privacidade e
à imagem que assim como considerados direitos fundamentais protegidos por nossa Carta
38
Magna também constituem direitos da personalidade ao que o ordenamento jurídico roga
proteção infraconstitucional como se percebe pela análise dos art. 11 a 21 do código civil e
ainda pelo art, 37 desse dispositivo legal. Em verdade isso caracteriza uma evolução destes
direitos que primeiramente foram protegidos como direitos subjetivos da personalidade, com
maior eficácia no âmbito privado, e com o fortalecimento do princípio da dignidade humana
alcançaram proteção constitucional.
Passemos a análise dos direitos da personalidade relacionados à integridade moral.
3.8 Direito à Honra
O conceito de honra está essencialmente ligado ao sujeito pois esse caracteriza um
espectro pessoal deste em face do meio social em que está inserido. É algo considerado um
bem maior desde que o homem passou a organizar-se em comunidade e tem enorme
importância para o bem estar do indivíduo. É um direito que acompanha a pessoa desde o
sseu nascimento e permanece até depois de sua morte, pois a estes devemos ainda o respeito
em honra de sua memória. Sobre este direito Cristiano Chaves de Farias assim se posiciona:
“[...]o direito à honra concerne ao prestígio social contra falsas imputações de fatos
desabonadores que podem abalar a reputação do titular. Ou seja, apesar da estreita
ligação com a privacidade, a honra com ela não se confunde. Se, de um lado, aquela
resguarda o que, concreta e verdadeiramente, compõe a intimidade, de outra banda,
esta protege a pessoa humana contra falsos ataques que podem macular sua boa
fama social.[...] Trata-se da necessária defesa da reputação da pessoa, abrangendo o
seu bom nome e a fama que desfruta na comunidade (seio social, familiar,
profissional empresarial,...), bem como a proteção do seu sentimento interno de
autoestima.” (C.C. FARIAS, 2011, p. 268).
A honra seria portanto um conjunto de elementos qualitativos que caracterizam o
cidadão frente aos demais, está ligada as ideias de bom nome, reputação, e comportamento
adequado ao meio social em que vive. De acordo com os doutrinadores a honra é um dos
sentimentos mais caros à personalidade e traz em si duas características essenciais. A primeira
é que tem fulcro no principio da dignidade humana, o que a torna inerente a todos os seres
humanos independente de sua condição de classe, ou de atributos raciais ou sociais. A
segunda é que o conteúdo do direito a honra apresenta duas dimensões; uma objetiva que trata
da dignidade do sujeito em relação ao meio social em que vive, e a subjetiva que é esta
dignidade em relação a própria pessoa, ou seja a imagem que ela tem de si mesma, sua auto
estima. Assim sintetizado na doutrina:
39
“Disso deflui que a honra encerra dois diferentes aspectos: a honra objetiva e a
honra subjetiva. Aquela (a objetiva) diz respeito à reputação que terceiros (a
coletividade) dedicam a alguém. É a chamada reputação. Esta (subjetiva) tangencia
o próprio juízo valorativo que determinada pessoa faz de si mesma. É a autoestima,
o sentimento de valorização pessoal, que toca a cada um. Em resumo: a honra
objetiva é o conceito externo, o que os outros pensam de uma pessoa; a honra
subjetiva é a sua estima pessoal, o que ela pensa de si própria.” (C.C. FARIAS,
2011, p. 269)
Nosso ordenamento jurídico admite tanto a violação da honra objetiva quando da
honra subjetiva. A lesão ao direito caracteriza-se quando implicado a estes fatos
desabonadores, estes venham a causar uma modificação negativa do conceito que este
indivíduo possui perante aos seus pares ou causando neste sofrimento interno e diminuição de
sua autoestima, sendo possível em ambas as hipóteses, a reparação por dano moral.
Normalmente a legislação exige que o fato imputado a pessoa seja falso. Caso o fato
seja verdadeiro a doutrina e jurisprudência não tem admitido que o direito a honra seja oposto
à verdade. Assim, exemplificando, uma pessoa que tenha verdadeiramente agido de forma a
manchar sua reputação não poderia, em tese, exigir que, em respeito ao direito a honra, esse
fato não venha a ser noticiado ou não possa ser repercutido junto a sociedade.
Cabe a uma ressalva a esse entendimento, como bem exemplifica Luís Roberto
Barroso (2010, p.20) quando nos fala em “segredo da densonra”. Nesse caso pode-se entender
que o motivo da desonra possa ter impedida sua divulgação, quando mesmo em se tratando de
fato verdadeiro, não tragam mais nenhum interesse coletivo atrelados a sua divulgação.
Nestes casos é possível que a revelação traga apenas mais sofrimento desnecessário ao sujeito
sem que haja nenhum ganho real para a sociedade, sendo possível arguir para que seja
mantido em segredo.
3.9 Direito à Vida Privada e à Intimidade
A dificuldade em definir a separação entre o direito à vida privada do direito à
intimidade é tema recorrente da doutrina jurídica, o que determina que, muitas vezes, esses
termos sejam usados como sinônimos. Tal complicação advém do fato de que ambos os
direitos tem caráter subjetivo e podem sofrer variações com o tempo, o espaço e as
modificações culturais as quais estão submetidas.
A CF/88 foi taxativa no artigo 5 em separar os dois conceitos, tratando-os como
direitos distintos, mas o certo é que para a maioria da doutrina a diferença é tênue,
considerando-se o direito à vida privada teria um caráter mais abrangente do que o direito à
40
intimidade. No entender da doutrina a vida privada consistiria em uma esfera superior que
conteria o direito à intimidade e ao segredo, sendo portanto estes dois partes componentes do
primeiro. Para Cristiano Chaves:
“[...]A vida privada é o refúgio impenetrável pela coletividade, merecendo proteção.
Ou seja, é o direito de viver a sua própria vida em isolamento, não sendo submetido
à publicidade que não provocou, nem desejou. Consiste no direito de obstar que a
atividade de terceiro venha a conhecer, descobrir ou divulgar as particularidades de
uma pessoa. Exemplo de violação à vida privada pode ser apresentado com a quebra
do segredo de correspondência ou com a violação indevida do sigilo bancário, fiscal
e telefônico. [...] A proteção da vida privada, como um bem jurídico integrante da
personalidade, funda-se no legítimo interesse de salvaguardar do conhecimento
alheio (e da curiosidade indevida) tudo o que diz respeito à esfera íntima de uma
pessoa.” (2011, p. 262)
A intimidade pode ser considerada como a esfera mais reservada do individuo,
equivalendo aos seus sentimentos, sensações, pensamentos e tudo o mais que estiver
diretamente ligado ao seu mundo interior e que tenha profunda ligação com a sua
personalidade. É o conhecimento que o individuo opta por não partilhar com os demais e que
prefere manter em segredo em face da coletividade.
Em suma, temos que o direito à privacidade é dotado de uma conotação mais ampla e
tem por objeto fatos relacionados a vida pessoal em geral, e também as relações profissionais
e comerciais do sujeito, e que este não deseje tornar de conhecimento público. Já o direito à
intimidade seria a tutela do que há de mais íntimo, relacionada apenas ao próprio individuo e
sobre o qual não cabe partilhar com outros.
Tendo feito tal diferenciação conceitual podemos partir para a categorização do que
consideraremos invasão de privacidade, de acordo com a doutrina e entendimento do
ordenamento jurídico. Estas são: “(1) a violação do âmbito da pessoa atinente ao retiro, à
solidão ou a assuntos privados, independentemente dos meios utilizados – físico, visual ou
eletrônico; (2) divulgação pública de fatos privados, mormente daqueles aptos a causar
embaraço as pessoas; (3) divulgação pública de fatos falsos imputados a um indivíduo; (4)
apropriação do nome, imagem ou de outros atributos da personalidade sem o consentimento
do interessado, com o ânimo de auferir lucro”(FARIAS, 200, p. 137).
Importante salientar que a divulgação de fatos da vida privada de alguém, ainda que
verdadeiros, sem que haja relevante interesse social envolvido, deve ser desestimulada pois
serviriam apenas ao propósito de gerar escândalo, constrangimento ou obtenção de lucros.
Como ressalta Cristiano Chaves:
“Igualmente relevante é a lembrança da inadmissibilidade da exceção da verdade em
relação ao direito à privacidade. Com efeito, permitir que alguém prove que o fato
41
(indevidamente propalado) é verdadeiro, significa violar, novamente, a privacidade
do titular. Por isso, em interessante passagem, reconheceu a melhor jurisprudência
que “os fatos depressivos da vida estritamente privada do cidadão não devem ser
propalados, ainda que verdadeiros, justamente porque, faltando interesse público,
não serviriam a outro propósito que o do escândalo e do desdouro”. (2011, p. 265-
266)
3.10 Direito à Imagem
Ainda que entendamos o tempo imagem como uma representação gráfica, plástica ou
fotográfica da pessoa ou objeto, e ainda os componentes fisionômicos da pessoa, os direitos
relativos a proteção da imagem se enquadram naqueles de cunho moral, uma vez que caso
violados são mais evidentemente sentidos nesse âmbito. Isso decorre da imagem ser muitos
mais que o aspecto físico, englobando uma série de características que vão além da aparência
como preceitua a doutrina jurídica: “Efetivamente, a imagem corresponde à exteriorização da
personalidade, englobando, a um só tempo, a reprodução fisionômica do titular e as
sensações, bem assim como as características comportamentais que o tornam particular,
destacado, nas relações sociais.” (C. C. FARIAS, 2011, p. 248).
Nossa Carta Magna abrange três categorias de imagem passíveis de proteção: a
imagem-retrato, a imagem-atributo e a imagem-voz. A imagem-atributo é aquela que se
relaciona com a identificação social da pessoa, ou seja, uma exteriorização de sua
personalidade, a imagem-voz seria o timbre próprio de casa ser humano e a imagem-retrato as
características físicas que nos diferenciam uns dos outros. Vale salientar que essa distinção é
apenas didática uma vez que as mesmas são componentes indissociáveis de cada indivíduo.
Além da tutela constitucional o direito a imagem merece proteção específica no
Código Civil, que em seu artigo 20, caput, traz o seguinte texto:
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à
manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra,
ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser
proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe
atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins
comerciais.
É possível perceber que houve uma falha no texto legal, uma vez que limitou os
abusos da imagem a utilização indevidamente para fins comerciais, porém esse lapso pode ser
corrigido quando interpretada a luz da proteção constitucional, pelo qual se pode inferir que a
utilização inapropriada ou não autorizada da imagem de uma pessoa pode ser objeto de
oposição, ainda que estejam ausentes os fins comerciais.
42
O direito de imagem, assim como outros pode sofrer relativização, pois alguém poderá
autorizar o uso de sua imagem por terceiros, de forma expressa ou tácita, desde que não o faça
de forma genérica nem temporalmente indeterminada. Há ainda a relativização em razão da
necessidade manutenção da ordem pública ou para casos de administração da justiça, é o que
a doutrina chama de função social da imagem, usada principalmente quando se trata de
utilização da imagem de individuo que está intimamente ligada a fato ou notícia de grande
relevância social. No entender da doutrina: “De fato, o exercício do direito à imagem não
pode afrontar os interesses e a finalidade social do direito, não servindo para objetivos
egoísticos, em detrimento da confiança despertada na coletividade. Por isso, a Codificação foi
de clareza meridiana ao relativizar o direito à imagem, independentemente do consentimento
do titular, em nome do interesse público (rectius, social).” (FARIAS, 2011, p. 257)
Por fim há ainda a relativização do direito à imagem no que tange a pessoas públicas e
celebridades, uma vez que suas personalidades extrapolam o limite do individual e acabam
por confundir-se com o interesse coletivo. Mister reafirmar que essas pessoas não perdem o
direito as suas imagens, e uma vez que não houver legítimo interesse na divulgação das
mesmas, por força de suas posições sociais ou profissionais, também elas podem evocar a
tutela legal para a proteção de sua imagem indevidamente exploradas por terceiros.
Na sociedade atual, onde a informação não encontra mais barreiras e estamos expostos
mais do que nunca, a proteção aos direitos da personalidade (honra, vida privada, intimidade e
imagem) ganha uma relevância ainda maior, pois os limites entre as esferas pública e privada
mostram-se cada vez mais tênues, e a expropriação da intimidade ganha cada vez mais
espaço, o que muitas vezes acontece contra a vontade do titular.
Os meios de comunicação, e o advento da internet e principalmente das redes sociais
tornou a privacidade algo cada vez mais caro e deveras complicado de proteger. A internet
tornou-se um grande almanaque de tudo e de todos, que não perdoa nem esquece aquilo que
uma vez seja disponibilizado em suas plataformas. Além da facilidade de acesso, temos ainda
a velocidade de divulgação e reprodução destes conteúdos, que torna quase impossível saber
que alcance terá uma informação após a mesma ser disponibilizada na rede.
Nesse tocante temos um permanente confronto entre a liberdade de expressão e os
direitos da personalidade, que dia a dia colidem e requerem cada vez mais cuidados na sua
apreciação, uma vez que se trata de direitos de grande relevância na maioria dos
ordenamentos jurídicos e cujo acolhimento de um em detrimento de outro é sempre custoso e
poucas vezes pacífico.
43
Os limites entre os direitos à liberdade de expressão e aqueles relativos à dignidade
humana constituem o foco deste trabalho, que busca traçar um panorama em face dos
discursos de ódio que tem se espraiado na rede, e que tanto ofendem a moral de muitos
enquanto podem vir a representar o direito a liberdade de expressão de outros.
44
4 O DISCURSO DE ÓDIO
O discurso é parte da vida em sociedade, trata-se de um dos instrumentos do qual o
homem dispõe para exercitar sua liberdade de expressão, externando suas ideias acerca de
fatos, pessoas ou objetos. O discurso é parte do ser humano e de suas capacidades, e fazer uso
dele é uma das faculdades que lhe é atribuída pela sua condição de homem livre.
O discurso de ódio é aquele que carrega em seu conteúdo aspectos negativos e que tem
como principal objetivo trazer contra aquela ou aquilo sobre se discursa hostilização e
degrado. Seu fim maior é incitar ou encorajar violência, discriminação, preconceitos e
humilhações contra um grupo específico de pessoas ou suas crenças. Pode ser voltada contra
gênero, religião, orientação sexual, raça e quaisquer outras características que coloque tal
grupo em posição desvantajosa frente à ordem social ou política dominante. (Freitas; Castro,
2011)
Apesar de que em ideias é relativamente fácil perceber o discurso de ódio, um
conceito uno e universalizante ainda não existe, em virtude dos diversos entendimentos sobre
o assunto.
O conceito de discurso do ódio, no entanto, não é um conceito universal, coexistindo
diversos entendimentos acerca do mesmo. Na verdade o discurso de ódio é uma variável da
liberdade de pensamento, e caso não manifesto não consiste em tema relevante para o mundo
do direito. O problema acontece, sendo Jeremy Waldron quando tal discurso é manifesto e
gera efeitos nocivos que poderão perdurar no tempo, bem como ganhar vulto e abrangência,
de acordo com o veículo de transmissão utilizado. (WALDRON, 2010 apud FREITAS;
CASTRO, 2011)
Na definição de Miguel Salgueiro Meira:
“os discursos de incitamento ao ódio, manifestados em mensagens e expressões
racistas, xenófobas, homofóbicas ou misóginas, visam descriminar e estigmatizar os
indivíduos que compõe o grupo a que esses discursos se destinam”.
Em sua Recomendação de número (97)20, o Comitê de Ministros do Conselho da
Europa, define o discurso de ódio como aquele que em seu conteúdo divulgado objetiva a
promoção do ódio racial, da xenofobia e do antissemitismo, bem como de outras formas de
discriminação que tenham como base o ódio ou a intolerância.
Desta feita, não caracteriza discurso de ódio uma discordância acerca de modos de
vida bem tampouco um desagrado em relação aos diferentes, sejam eles índios, judeus, negros
45
ou mulheres, entre outros grupos, para que se caracterize esse tipo de discurso. É necessário
que haja o desrespeito pelo diferente e o desejo de marginalização deste e de sua condição.
Essas atitudes, que podem ser moral ou juridicamente reprováveis, estes constituem o
alimento que insufla esse tipo de discurso, que como dito anteriormente tem por objetivo a
degradação do grupo alvo e sua diminuição da condição como ser humano portador de
direitos. (FREITAS; CASTRO, 2013, p. 7)
No entender de Samantha Meyer-Pflug (2009, p. 97-98) discurso de ódio é qualquer
ato que discrimine ou incite à discriminação, estando geralmente dirigido às minorias. Este é
para a autora, uma apologia abstrata ao ódio, que sintetiza o desprezo à determinados grupos,
alerta ainda que ele não é voltado apenas para as questões raciais, abrangendo outros grupos
minoritários ou oprimidos.
Daniel Sarmento (2010, p. 208) considera o discurso de ódio como um tema que está
no limite da liberdade de expressão sendo profundamente relacionado a esclarece
"manifestações de ódio, desprezo, ou intolerância contra determinados grupos, motivadas por
preconceitos ligados à etnia, religião, gênero, deficiência física ou mental e orientação sexual,
dentre outros fatores".
Sobre a necessidade de expressar pensamentos eivados de tanta negatividade,
Elizabeth Thweatt (1972) pondera que, para alguns, o ódio é parte da natureza humana e desta
forma, não poderia ser eliminado, outros acreditam que este pode ser controlado pela
legislação e existem ainda aqueles que creem que sua eliminação é possível por meio de
treinamentos e condicionamentos, que buscam suas origens e a compreensão de suas
características. Finalmente, há a corrente que defende que a eliminação do ódio só se daria
quando essa questão fosse trabalhada de forma multilateral, onde todas as partes envolvidas
estivessem abertas a buscar maneiras de neutralização do ódio. Ou seja, o discurso seria uma
materialização de sentimentos latentes nos seres humanos, e que a palavra é apenas o
instrumento para a sua exteriorização.
Temos ainda que considerar quando falamos de discurso do meio empregado, pois a
palavra simplesmente proferida oralmente tem um impacto muito menor, em questão de
tempo e alcance, do que aquela que é escrita e publicada, cujo teor tem maior tendência de se
perpetuar no tempo. Aqui é importante salientar que o advento da internet potencializou de
forma inconteste a força do discurso de ódio, uma vez que sua abrangência é mundial a
facilidade de acesso é inigualável a outros meios. A internet também facilita sobremaneira o
compartilhamento de conteúdos, o dá força ao crescimento de grupos com pensamentos e
46
preconceitos similares e empodera esses grupos na disseminação de seus discursos de ódio.
(LEAL DA SILVA et al., 2011).
Segundo Miguel Vieira o destinatário deste tipo de discurso é normalmente uma
coletividade de pessoas marcadas por características semelhantes. A apologia ao ódio pode se
voltar contra Estados, grupos religiosos, grupos LGBT, grupos raciais, mulheres, entre outros.
De acordo com a leitura de artigo de John C. Knechtle, verificamos que o discurso de ódio é
repelido pelas Nações Unidas, por muitos países europeus, mas de certa forma encontrar
abrigo na Primeira Emenda Norte-Americana. Ainda segundo esse autor esse tipo de discurso
teve grande relevância durante a Segunda Guerra Mundial, pois com base em discursos dessa
natureza, os nazistas promoveram sua cultura de segregação racial que culminou com o
extermínio de milhões de judeus e ciganos, que sob o pretexto da superioridade racial foram
vítimas de incontáveis atrocidades cometidas por Adolph Hitler e sua ideologia de “faxina
étnica” amplamente difundida por meio do instrumento do discurso e da propaganda.
Considerando que as Organizações das Nações Unidas busca estabelecer normas e
tratados que visem proteger as liberdades individuas, mas também os direitos individuais, em
especial os direitos humanos, foi pactuada em 1968 a Convenção Internacional sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação determina que:
Artigo 1º - Para os fins da presente Convenção, a expressão "discriminação racial" significará toda distinção,
exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha
por objeto ou resultado anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em um mesmo plano (em
igualdade de condição) de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social,
cultural ou em qualquer outro campo da vida pública.
(...)
4. Não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo de
assegurar o progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da
proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de
direitos humanos e liberdades fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam, em consequência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados
os seus objetivos.
Tais dispositivos na interpretação de Flávia Piovesan e Luis Carlos Rocha Guimarães
ressaltam a especial preocupação com grupos minoritários, que historicamente são as maiores
vítimas de segregação e preconceito:
“Na qualidade de instrumento global de proteção dos direitos humanos editado pelas
Nações Unidas, a Convenção integra o denominado sistema especial de proteção dos
direitos humanos. Ao contrário do sistema geral de proteção que tem por
destinatário toda e qualquer pessoa, abstrata e genericamente considerada, o sistema
especial de proteção dos direitos humanos é endereçado a um sujeito de direito
concreto, visto em sua especificidade e na concreticidade de suas diversas relações
[...]Consolida-se, gradativamente, um aparato especial de proteção endereçado à
47
proteção de pessoas ou grupo de pessoas particularmente vulneráveis, que merecem
proteção especial. O sistema normativo internacional passa a reconhecer e tutelar
direitos endereçados às crianças, aos idosos, às mulheres, às pessoas vítimas de
tortura, às pessoas vítimas de discriminação racial, etc.”
Importante salientar que em grande parte dos países europeus, existe vedação ao
discurso do ódio. Estados como Bélgica, Dinamarca, Alemanha, Estônia, Espanha, França,
Irlanda, Letônia, Países Baixos, Portugal, Romênia e Suécia proíbem, em termos amplos, o
discurso de incitamento ao ódio, à violência e à discriminação. No caso de A Áustria,
Bulgária, Itália optam por restringir a liberdade de expressão quando o discurso de ódio tem
como objetivo atingir grupos específicos (Discurso de Ódio e Crimes de Ódio contra a
População LGBT )
De acordo com Samantha Meyer-Pflug (2009, p. 102) o discurso de ódio não se
configura como simples agressões verbais dirigidas a uma pessoa, que não pode ser
confundido com um insulto ou ameaça pessoa, ele deverá ser direcionado a um grupo ou
classe de pessoas. Por fim, em meio a essa questão de como ou se o discurso atinge o outro
advém a dificuldade na caracterização do discurso de ódio, já que em alguns casos os mesmos
podem não ser tão evidentes, até mesmo imperceptíveis numa primeira instância.
Em relação às restrições ao direito de liberdade de expressão nos casos de incitamento
ao ódio envolve questões muito complexas. Para além do fato de não haver, como explanado
anteriormente uma definição plena e universal do conceito de discurso do ódio, as definições
de humilhação, discriminação ou hostilização são passíveis de interpretações muito
subjetivas, que dependem fundamentalmente do grau de sensibilidade deste e do contexto
social em que o mesmo está inserido, finalmente, porque como veremos adiante, não há uma
delimitação clara e uniforme quanto ao âmbito da restrição, nem tampouco caráter
universalizante a esse respeito. Ou seja há entendimentos no sentido de proibir totalmente,
proibir parcialmente e permitir o discurso de ódio. (SARMENTO, 2010)
De acordo com o John C. Knechtle a regulação do discurso de ódio é debatida por três
correntes distintas: a primeira defende que a liberdade de expressão em casos de discurso de
ódio deve ser acolhida de forma a proteger a dignidade de determinados grupos ou pessoas
atingidas, a segunda que a liberdade de expressão não deve ser tolhida, ainda que isso venha a
resultar em exteriorização de ódio em relação a um grupo, e a terceira afirma que deverá
haver sempre a ponderação, sendo feita a análise caso a caso, levando-se em consideração o
contexto e usando critérios específicos para o detrimento de um direito em face de outro.
48
Já a autora Samantha Meyer-Pflug (2009, p. 98-101) argumenta que as manifestações
deste tipo de discurso podem ser tanto originárias da livre expressão do pensamento quanto
reflexo de um histórico de discriminações ou violências sofridas por determinado grupo.
Nesse segundo caso o ódio tem origem em um sentimento de revanche em relação ao grupo
opressor.
Nesse caso, para que se restabeleça a igualdade e haja mitigação desse sentimento é
necessário que existam ações afirmativas e inclusivas para nivelar as desigualdades e inserir
tais grupos que se encontram segregados. Nesse caso é necessário mais do que restrição à
liberdade de expressão para que se tenha uma mitigação deste tipo de discurso.
Considerando-se a perspectiva colocada pela autora, a simples proibição do discurso
seria uma tentativa perfunctória de resolver a questão, pois o ódio continuaria existindo, ainda
que de forma oculta.
De forma geral a repressão das ideias também impede a promoção da dignidade
humana, levando a uma posterior opressão de ideias, o ideal, portanto é que seja criado um
espaço de debate acerca de posicionamentos arrogantes e infundados, o que poderia de fato
minorar as lesões e o problema do ódio na sociedade.
Por fim temos que considerar que em um sistema que busca a democracia e que se
pauta pela garantia das liberdades individuais, mas também pela garantia às condições dignas
de existência da pessoa humana, proibir os discursos de incitamento ao ódio sempre gerará
controvérsias, não existindo nesse caso respostas prontas ou soluções que não impliquem em
um conflito de normas e de direitos. Cabe, portanto a discussão, a análise não apenas dos
discursos em si, mas do contexto social no qual ele está inserido bem como seus efeitos para a
sociedade como um todo.
4.1 O poder do discurso – persuasão e ideologia
O poder do discurso está intimamente ligado com a capacidade de persuasão deste.
Podemos deduzir, portanto que para que um discurso de poder produza os efeitos desejados é
necessário que se saiba como atingir o receptor, é preciso que o discurso traga os argumentos
necessários para que o objetivo final de convencimento e a aceitação do que se está sendo dito
seja alcançado. Nas palavras do professor Gabriel Chalita: “Persuadir significa interiorizar
unta determinada convicção em alguém. Portanto, persuadir constitui um processo racional.
Evidentemente, essa distinção não é exaustiva. quem. Considere a persuasão na esfera
específica do emocional” (2007, p.3).
49
Partindo desta premissa impõem-se questões: que técnica deverá ser utilizada na
elaboração de um discurso? Segundo Leila Sarmento e Douglas Tufano (2010, p. 331) é
necessário que se construa um argumento crível e que traga contribuições para a defesa de um
ponto de vista, nas palavras dos autores: "a capacidade de influir e de modificar o ponto de
vista do interlocutor depende da ordem, clareza e força da argumentação".
Segundo Chalita o discurso persuasivo, que visa influencia pessoas, não precisa
necessariamente demonstrar algo ou atender aos critérios da lógica formal, pois busca muito
mais despertar sentimentos do que falar à racionalidade do ouvinte. (2007, p.11)
Líderes como Hitler, Nelson Mandela e Martin Luther King entre outros, utilizavam-
se do poder de persuasão do discurso para levar multidões a seguir suas ideias. O que os
diferenciam dos demais? Muito do seu poder de persuasão provêm do uso que faziam da
ideologia. Esse termo cunhado pelo filósofo francês Destutt de Tracy, designava
originalmente uma “ciência de ideias”, e, posteriormente sofreu inúmeras alterações até
atingir a sua exposição máxima com Karl Marx e Friedrich Engels (ARANHA; MARTINS,
2009, p. 120)
A visão marxista define ideologia como:
" [...]o termo em A ideologia alemã (1845/1846), em um sentido crítico, para designar a concepção idealista de certos filósofos hegelianos (*Feuerbach, *Bauer,
*Stirner) que restringiam sua análise ao plano das ideias, sem atingir portanto a base
material de onde elas se originam, isto é, as relações sociais e a estrutura econômica
da sociedade. A ideologia é assim um fenômeno de *superestrutura, uma forma de
pensamento opaco, que, por não revelar as causas reais de certos valores,
concepções e práticas sociais que são materiais (ou seja, econômicas), contribui para
sua aceitação e reprodução, representando um "mundo invertido" e servindo aos
interesses da classe dominante que aparecem como se fossem interesses da
sociedade como um todo. Nesse sentido, a ideologia se opõe à ciência e ao
pensamento crítico. "A produção das ideias, das representações, da consciência é
diretamente entrelaçada com a atividade material e com as relações dos homens [...]” (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2001, p. 99).
Entretanto Maria Lúcia Aranha e Maria Helena Martins enfatizam as autoras entretanto, que
"a ideologia não é uma mentira que a classe dominante inventa para subjugar a classe
dominada, porque inclusive os que se beneficiam dos privilégios estão impregnados por ela, e
também eles se convencem da verdade dessas ideias". (2009, p. 122). Para Foucault:
[...] uma vez que o discurso — a psicanálise mostrou-o —, não é simplesmente o
que manifesta (ou esconde) o desejo; é também aquilo que é objecto do desejo; e
porque — e isso a história desde sempre o ensinou — o discurso não é simplesmente
aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas é aquilo pelo qual e com o qual se luta, é o próprio poder de que procuramos assenhorearnos. (1999, p.
10)
50
Esse autor (1999, p. 44) defende ainda que a educação seria uma forma de expandir ou
delimitar o discurso, considerando-o uma forma pela qual os sistemas políticos modificam ou
não o conteúdo das manifestações de pensamento em conjunto com o saber e poder oriundos
do direito de livre expressão.
Quanto um assunto é tratado repetidamente sob um determinado enfoque, ainda que o
conteúdo não seja verdadeiro, acaba-se por acreditar como se assim fosse. É dessa maneira
que se constrói o discurso persuasivo. Nem sempre, evidentemente, tais discursos têm por
objetivo causar alienação ou está embasado em termos opressivos, muitas vezes é usado para
justamente lutar como uma resistência à opressão ou de forma contra ideológica. .(ARANHA;
MARTINS, 2009, p. 125)
Entre as características da ideologia podemos citar: a universalização, que busca
estender os valores da classe dominante aos que a ela se submetem; a abstração, que se
verifica quando a ideologia foge a referências concretas, como quando cita a sociedade uma e
harmônica, quando em verdade existem sempre desigualdades sociais; a naturalização, que
"consiste em aceitar como naturais situações que na verdade resultam da ação humana e,
como tais, são históricas"; a lacuna que é o encobrimento de algo que não pode ser mostrado,
sob risco de por em risco a própria ideologia pregada e por fim a inversão, que é quando a
ideologia defendida representa uma realidade invertida do que realmente é, quando por
exemplo uma consequência é mostrada como causa de algum problema ou questão.
(ARANHA; MARTINS, 2009, p. 121-122).
Após essa breve exposição pode-se ver que o discurso de poder normalmente tem
caráter persuasivo e está pautado em ideologias. Nem sempre é usado para fins obscuros ou
de caráter odioso, muitas vezes é um mecanismo de libertação de povos oprimidos ou de
mudança de condições sociais desiguais, mas no caso do discurso de ódio, esses elementos
são tomados de forma a construir uma ideia acerca de um grupo e a repetição do mesmo acaba
por tornar-se verdade para boa parte da sociedade, que mesmo que implicitamente, acaba por
condenar tal grupo a uma situação de subdignidade.
4.2 Abusos do discurso
A liberdade para exteriorizar conscientemente seus pensamentos por meio do discurso
é garantida a todos aqueles que vivem sob a égide dos estados democráticos, o conteúdo
destes discursos, entretanto, demonstrará a que espécie de comportamento e de ideologia eles
estão voltados, o que poderá, em caso de excessos, gerar responsabilidade àquele que proferiu
51
o discurso. O discurso de ódio também se insere nesse contexto. No entanto esse tipo de
discurso representa uma forma mais agressiva e excessiva do direito de livre expressão do
pensamento, que pode vir a causar lesão aos direitos de outrem. (LEAL DA SILVA et al.,
2011)
No entender do professor Luis Roberto Barroso, apesar do direito à liberdade de
expressão ser uma garantia constitucional, esse deve estar em sintonia com os outros direitos
previsto em nosso ordenamento jurídico, portanto é necessário que as pessoas que abusam
deste, estejam conscientes da possibilidade de responsabilização.
Existem certos cuidados recomendados a quem se propõe a exercer a liberdade de
expressão, pois ainda que a liberdade de Manifestação de Pensamento exista claramente como
um direito fundamental, não se admita a calúnia ou a injúria, bem como ainda que exista a
liberdade de culto, não seria possível o aceitamento de sacrifícios humanos, que são condutas
reprovadas pela sociedade em face dos conceitos morais e éticos admitidos que resultariam
em sanções estatais previstas no ordenamento jurídico. (FREITAS; CASTRO, 2011)
Maria Lúcia Aranha e Maria Helena Martins afirmam que a possibilidade de antecipar
o fim pretendido é uma particularidade do agir do ser humano. Desse entendimento fica clara
a estreita relação entre vontade de agir e expressão do discurso, pois é o desejo de exprimir
alguma coisa que gera o posicionamento que será exposto. Nesse entendimento não se pode
separar o resultado pernicioso do discurso da vontade do autor em alcançar esse resultado.
É importante também lembrar que regras são firmadas com o intuito de possibilitar e
organizar as relações entre os indivíduos e o comportamento moral e profundamente inter-
relacionado com as normas de conduta ou jurídicas. Os atos devem ser limitados porque o ser
humano integra um contexto social, em que convive com outras pessoas e os atos de uns
podem afetar a vida de outros (ARANHA; MARTINS, 2009, p. 215-216).
Nesse diapasão é que se enquadram os excessos que são particulares nos discursos de
ódio, sejam eles em relação a raça, origem, orientação sexual, orientação política e outros, em
que muitas vezes a barreira moral ou ética é ultrapassada na intenção de dizer o que se pensa.
Como salientam as autoras (2009, p. 244): "a liberdade de cada um é limitada unicamente
pela liberdade dos demais". Deduzimos enfim que para que cada pessoa exercite sua condição
social de forma digna e respeitosa, é forçoso que haja o comprometimento de cada membro
do corpo social em respeitar os limites do direito alheio, o que infelizmente não é comum nos
discursos de ódio, que buscam promover uma diminuição da condição social e dos direitos
dos grupos aos quais são antagônicos.
52
4.3 Elementos conceituais do Discurso de Ódio
Quando falamos em discurso de ódio estamos sempre sobre a tênue linha do que é
direito de expressão, de emitir uma opinião, e o que é uma lesão ao direito do outro. Como já
exposto o discurso de ódio não se trata de mero insulto pessoal, ou opinião desagradável a
respeito de alguém ou de um grupo. Ele deve conter elementos que o caracterizem como uma
clara exposição de desprezo por outro grupo, que coloquem a classe atacada em posição de
inferioridade e degradação. (LEAL DA SILVA et al., 2011)
O discurso do ódio se desenvolve no campo das ideias e da liberdade de pensamento,
são palavras que podem ou não atingir outras pessoas. Se considerarmos que não existe
verdade absoluta e que um discurso traz apenas uma interpretação de ideias e que outras
interpretações são possíveis, e que algo exteriorizado por B não efetivamente tem poder de
atingir A, deixamos o campo livre para o pleno exercício da liberdade de expressão.
(MEYER-PFLUG, 2009, p. 97-100), pois é por meio de troca de opiniões, discussões e
intercâmbio de informações que se busca chegar a “verdade”.
Para entender e caracterizar o discurso do ódio faz-se necessário conceituar
preconceito, racismo e discriminação e posteriormente analisar cada caso concreto,
identificando se houve o exercício da liberdade de expressão ou a incitação à prática de algum
crime proibido pelo ordenamento jurídico.
4.4 Preconceito
A definição na língua portuguesa para preconceito é "qualquer opinião ou sentimento
concebido sem exame crítico; ideia, opinião ou sentimento desfavorável formado sem
conhecimento abalizado, ponderação ou razão".(Dicionário Houaiss 2009, p. 1539),
Norberto Bobbio (apud MEYER-PFLUG, 2009, p. 104), define preconceito como uma
opinião pré-concebida sem necessariamente ser verídica considerada como verdadeira por
determinadas pessoas. Ressalva que nem toda opinião equivocada pode ser considerada um
preconceito. Ainda o autor (BOBBIO apud MEYER-PFLUG, 2009, p. 105) faz uma
diferenciação do preconceito em duas classes: os individuais que estão relacionados à crenças
e às superstições, e os sociais que são utilizados por um determinado grupo social contra
outros. Acentua que o preconceito social é mais grave, podendo desencadear enfrentamentos
sociais, uma vez que os grupos, movidos pela certeza no conteúdo preconceituoso acabam por
53
se antagonizarem e desenvolverem rejeição um pelo outro. Samantha Meyer-Pflug alerta para
as consequências dos comportamentos preconceituosos:
"são inúmeras, uma delas é a discriminação jurídica, pois a despeito de assegurar
(...) o princípio da isonomia, alguns cidadãos são excluídos da fruição de
determinados direitos. Outra consequência é a marginalização social, ou seja, esses
grupos ficam isolados do convívio social (...)".(2009, p. 108)
4.5 Racismo
Racismo uma pode ser entendido como uma forma de discriminar pessoas baseadas
unicamente em motivos raciais, como cor da pele, origem ou outras características físicas ou
religiosas, considerando um grupo de pessoas superior a outro exclusivamente por estas
razões. Teve sua ascensão nos países do ocidente entre os séculos XIX e XX, onde começou
a ser usado como mecanismo da política imperialista desenvolvida por estas nações.
(MEYER-PFLUG, 2009, p. 113).
Norberto Bobbio, Gianfranco Pasquino e Nicola Matteucci assim se expressam sobre o
tema:
Com o termo Racismo se entende, não a descrição da diversidade das raças ou dos
grupos étnicos humanos, realizada pela antropologia física ou pela biologia, mas a
referência do comportamento do indivíduo à raça a que pertence, e, principalmente,
o uso político de alguns resultados aparentemente científicos, para levar à crença da superioridade de uma raça sobre as demais. Este uso visa a justificar e consentir
atitudes de discriminação e perseguição contra as raças que se consideram
inferiores. (1983, 1069)
No Brasil a Lei nº 7.716/89 estipula os crimes em decorrência de preconceito de raça
ou de cor, e a CF/88, considera o crime de racismo como crime inafiançável e imprescritível:
"Art. 5º (...) XLII. a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à
pena de reclusão, nos termos da lei". São exemplos claros de racismo o sistema de
segregação racial que imperou na África do Sul, conhecido como Apartheid ou o que vigorava
em estados americanos até meados do século passado, nos quais negros e brancos deveriam
viver separadamente na sociedade. Ambos os exemplos demonstra uma separação social, em
que vigorava a opressão dos negros, sem mais justificativas que não a cor da pele. No
entender de Daniel Sarmento:
[...] no campo da igualdade étnico-racial, a reação contra o racismo mais exacerbado
praticado pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial contra os judeus levou a
comunidade internacional a adotar uma postura radicalmente contrária a todas as
formas de discriminação racial, que se expressou em diversos tratados e declarações
de direitos humanos. Paradoxalmente, em vários estados dos Estados Unidos – país
54
que esteve à frente do combate contra o nazismo – ainda se praticou segregação
racial sob o manto da lei por algumas décadas após o final daquela conflagração
mundial, realidade que só teve fim nos anos 60, em razão de uma aliança
progressista entre o movimento negro americano e a comunidade liberal daquela
nação, com o suporte decisivo da Suprema Corte. E o último bastião do racismo
contra o mundo – o regime do Apartheid na África do Sul – só vai cair na década de
90, sucumbindo diante não só da crescente insurgência interna, liderada pelo grande
Nelson Mandela, como também da decisiva pressão exercida pela comunidade
internacional, cujo golpe fatal foi a aprovação de embargo comercial pela ONU.
(2010, p. 145)
Em nosso país ainda que se cultive uma imagem de integração social entre pessoas de
todas as raças, ainda há de forma relativamente oculta a prática do racismo. Analisando
alguns indicadores sociais é possível verificar claramente que a população negra ainda
constitui grande parte dos pobres, tendo menos acesso a educação e a prestação estatal. Jovens
negros são as maiores vítimas de violência policial e as mulheres negras recebem salários
mais baixos que a média da população em geral. Sem contar as resistências impostas as
políticas de inclusão, que visam diminuir um pouco o grande lapso social causado por anos de
escravidão e desamparo estatal. Daniel Sarmento (2006, p. 144) ratifica esse entendimento:
“Parte-se da premissa de que a igualdade é um objetivo a ser perseguido através de ações e
políticas públicas, e que, portanto, ela demanda iniciativas concretas em proveito dos grupos
desfavorecidos”.
Nesse contexto, Samantha Meyer-Pflug (2009, p. 115) ressalta que: "após a descoberta
do genoma humano que comprovou no âmbito científico a inexistência de raças, o conceito de
raça, do ponto de vista jurídico, ganhou uma nova definição, bem como o do crime de
racismo".
4.6 Discriminação
Etimologicamente, segundo o dicionário Priberam, a discriminação pode ser associada
à ideia de diferenciar, discernir, distinguir. Não obstante, também apresenta a acepção que
aponta para o tratamento desigual ou injusto, com base em preconceitos de alguma ordem,
notadamente o relacionado à opção sexual, religião, gênero, étnico, entre outros.
Noberto Bobbio (apud MEYER-PFLUG, 2009, p. 109, 110) argumenta que "a
discriminação é mais forte do que a simples diferença, pois ela é utilizada em um sentido
pejorativo e tem por fundamento critérios ilegítimos, normalmente relacionados à ideia de
superioridade de um grupo em relação ao outro".
55
Samantha Meyer-Pflug (2009, p. 111), complementa que "está-se diante de uma situação de
discriminação quando um determinado grupo, segundo critérios adotados naquela sociedade,
deve receber um determinado tratamento isonômico e não o obtém, porque uma parcela da
sociedade entende que eles não fazem jus a esse tratamento".
A autora ainda diferencia ainda que as discriminações podem ser diretas, ou seja,
aquelas em que o impedimento de um exercício de direito de determinado grupo é claramente
tolhido, que resulta é evidente desigualdade e aquelas ações aparentemente neutras, mas que
possuem impacto considerável, devido a ausência de justificações.As discriminações podem
ser diretas, sendo aquelas em que se pode identificar com facilidade o impedimento de
determinados grupos a exercerem seus direitos, geralmente tratados de forma desigual. Já a
indireta é aquela baseada em condutas aparentemente neutras, mas que possuem um grande
impacto, devido à carência de justificação (MEYER-PFLUG, 2009, p. 112).
Tendo sido elucidados sinteticamente os conceitos anteriores, podemos analisar as
relações entre o discurso de ódio e implicações da restrição da liberdade de expressão.
4.7 O discurso de ódio e as limitações à liberdade de expressão
No Brasil hoje vivemos sob a tutela do Estado Democrático de Direito, onde se
destacam a pluralidade de opiniões Na sociedade moderna firma-se a ideia de que não se deve
reprimir a liberdade de expressão, mas tal proteção impõe grandes desafios, um dos principais
é como coadunar liberdade de expressão e tolerância, respeito às diferenças e promoção de
um sistema igualitário. Segundo o ministro Gilmar Mendes (p. 1): " Liberdade e igualdade
constituem os valores sobre os quais está fundado o Estado constitucional. A história do
constitucionalismo se confunde com a história da afirmação desses dois fundamentos da
ordem jurídica. Não há como negar, portanto, a simbiose existente entre liberdade e igualdade
e o Estado democrático de direito.”
Daniel Sarmento (2010, p. 209-210) enfatiza que a liberdade de expressão não deve
ser um direito evocado apenas para proteger opiniões de consenso, mas também aquelas para
as quais a sociedade possa não estar preparada, que tragam novos problemas e fomentem as
soluções para conflitos. Entretanto a liberdade de expressão está associada à tolerância em
virtude da pluralidade social e do direito de cada um expressar-se livremente, tanto expondo
seus pensamentos, mas também seu estilo de vida. Ou seja, há que se defender a livre
manifestação do pensamento, mas deve haver também a preocupação com aquele que recebe
56
o discurso, pois nem sempre a exteriorização do pensar se faz de forma pacífica, de modo que
não traga prejuízos aos diferentes.
A liberdade de expressão está conectada à tolerância pela pluralidade social e pelo
direito de cada um expressar-se livremente, expondo o que pensa. Esse caráter livre da
manifestação do pensamento será exercido em sua plenitude, desde que haja tolerância da
parte que está recebendo o discurso, já que, essa exposição do pensar traz ideias que acabam
por desagradar à maioria das pessoas.
Desta forma é indispensável que em uma sociedade que se quer democrática a
tolerância seja utilizada como uma ferramenta contra o discurso de ódio. O fato de que temos
uma sociedade plural, não afasta a igualdade, mas sim demanda ainda mais compreensão
desta, uma vez que somos cidadãos iguais ainda que consideradas as diferenças. Como vimos
existem entendimentos diferenciados acerca do tratamento dado ao discurso de ódio, e não
propósito deste trabalho sugerir o cerceamento da liberdade de expressão, mas forçoso
reconhecer que quando o discurso ultrapassa os limites da tolerância e passar a tratar
diretamente de desqualificar o diferente, é necessário que se faça uma leitura detalhada de
como mitigar seus efeitos, sem que implique subtrair dos cidadãos sua liberdade de
pensamento. O comentário de Norberto Bobbio a respeito dessas limitações é bem claro ao
defender a liberdade de pensamento como forma de evolução social: “É melhor uma liberdade
sempre em perigo, mas expansiva, do que uma liberdade protegida, mas incapaz de se
desenvolver. Somente uma liberdade em perigo é capaz de se renovar. Uma liberdade incapaz
de se renovar transforma-se mais cedo ou mais tarde, numa nova escravidão.” (apud
SARMENTO, 2010, p. 244).
Não podemos, contudo esquecer que o discurso de ódio, em seu estado mais latente,
não busca um conciliamento de opiniões ou a discussão de ideias, mas sim reforçar os
preconceitos, discriminação e intolerância contra grupos sociais, minimizando sua condição
humana, tendo que enfrentar nesse sentido, algum tipo de objeção legal, ainda que tenhamos
que avaliar cada caso de forma isolada, para que de acordo com critérios objetivos possamos
proteger tanto a liberdade de expressão como o direito de uma vida digna a todos os cidadãos,
independente do grupo social ao qual pertençam.
4.8 Tratamento da jurisprudência internacional sobre o discurso do ódio
Em interessante artigo intitulado “A Liberdade de Expressão e o Problema Do “Hate
Speech” o professor Daniel Sarmento traz uma exposição acerca do tratamento dado ao
57
discurso de ódio na esfera internacional, com objetivo de comparar à maneira como o assunto
é tratado em nosso ordenamento jurídico.
Ele aborda de forma concisa o tratamento dado à questão em três países: Estados
Unidos, Alemanha e Canadá, possuidores de sistemas jurídicos diferentes e que trazem, por
conseguinte experiências diferentes acerca do tratamento jurisprudencial da questão.
Segundo o autor, os Estados Unidos da América tem na proteção do direito de livre
expressão um dos principais pilares da sua democracia. O resguardo a essa garantia já
constava na Primeira Emenda, adicionada à constituição americana em1791, que assegurava
em seu texto a proibição de que o Congresso daquele país editasse qualquer lei que viesse a
impedir ou limitar a liberdade de expressão. (SARMENTO, p. 5).
A tradição americana diverge bastante em relação a outros países considerados
fundamentalmente por alguns fatores preponderantes: o constitucionalismo americano atribui
uma valorização maior à liberdade de expressão do que a direitos relacionados à igualdade ou
mesmo à privacidade, sendo reflexo da própria cultura norte-americana que rejeita fortemente
o intervencionismo estatal a fim de prover direitos sociais e regulação econômica, a sociedade
americana nutre uma profunda desconfiança em relação ao estado em oposição a um
otimismo em relação ao mercado, e por fim muitas vezes o estado e sua capacidade
regulatória é vista como uma entidade que visa proteger os mais fracos ou menos hábeis em
face dos direitos dos mais fortes, interpretados como os vencedores e portanto merecedores
desse direito. (SARMENTO, p. 11)
Essa liberdade aparentemente absoluta encontra poucas limitações no cotidiano
jurídico americano ocorre à custa de um enfraquecimento dos direitos contrapostos como a
igualdade e a liberdade de expressão bem como fomentou a solidificação de uma
jurisprudência que tende a proteger mesmo as mais violentas e insidiosas manifestações de
ódio contra minorias.
O autor pontua que o direito americano resguarda algumas limitações, enfatizando que
“desde sempre se aceitou a necessidade de estabelecer algumas limitações excepcionais ao
exercício deste direito sem as quais a vida social tornar-se-ia inviável” (Sarmento, p.6), mas
observa que são limitações pontuais e complexas, como no caso da obscenidade que se
encontra fora do alcance da Primeira emenda ou da propaganda comercial que conta com
proteção menos intensa.
Mesmo com essas limitações, os EUA são hoje o país que mais privilegia e protege o
direito à livre expressão, sendo esse um dos direitos fundamentais mais importantes para o
58
povo americano. É, ainda, condição essencial para a estrutura da democracia, já que trabalha a
autodeterminação da sociedade (MEYER-PFLUG, 2009, p. 132).
Para Michel Rosenfeld (apud MEYER-PFLUG, 2009, p. 133), existem quatro fatores
que possibilitam esse tratamento diferenciado à liberdade de expressão: "a necessidade de
preservação da democracia, a justificação do contrato social, a busca da verdade e a
autonomia individual".
Daniel Sarmento ilustra esse entendimento com vários casos, porém salienta que um
dos mais emblemáticos seria o que envolveu o Partido Nacional-Socialista da América e a
População da cidade americana de Skokie, em o Partido desejava promover uma passeata
apresentando pessoas trajando uniformes nazistas e portanto outras referências à suástica, no
Município de Skokie, no subúrbio de Chicago, que contava com 70.000 habitantes, em sua
maioria judeus, muitos sobreviventes do Holocausto. O Município tentou impedir essa
manifestação de várias formas, tendo sido em todas impedidos pelo poder judiciário
americano. O partido de orientação nazista conseguiu a permissão para manifestarem-se, mas
preferiram realizar a passeata na cidade de Chicago e não em Skokie, e contaram com
proteção policial, para que não fossem atacados pela população (SARMENTO, 2010, p. 8).
Para Sarmento:
"o entendimento jurisprudencial que se firmou ao longo do tempo foi de que, como
as restrições ao hate speech envolvem limitações ao discurso político baseadas no
ponto de vista do manifestante, elas são, em regra, inconstitucionais. Assim, nem a difusão das posições racistas mais radicais e hediondas pode ser proibida ou
penalizada. Isto porque, entende-se que o Estado deve adotar uma postura de
absoluta neutralidade em relação a diferentes ideias presentes na sociedade, ainda
que considere algumas delas abjetas, desprezíveis ou perigosas". (2010, p. 9)
Samantha Meyer-Pflug (2009, p. 143) argumenta, entretanto, que a proteção concedida
à liberdade de expressão não exclui de responsabilidade o autor do discurso, e que as vítimas
podem buscar seus direitos, inclusive exigindo verbas indenizatórias, junto à Justiça Estadual.
O Canadá segue uma legislação democrática no que tange à liberdade de expressão. A Carta
de direitos desse país assegura entre os direitos fundamentais a livre expressão do
pensamento, crença, gênero e também o direito à igualdade e o estimulo à prática de ações
afirmativas àqueles incluídos em uma situação de desvantagem social ou econômica. As
limitações aos direitos de expressão visam sobremaneira o convivo harmônico em uma
sociedade plural e a garantia da democracia, sendo observada a proporcionalidade, tendo em
vista que esses direitos não prevalecem uns sobre outros. (SARMENTO, 2010, p. 15).
59
Daniel Sarmento (2010, p. 16) demonstra o posicionamento da jurisprudência
canadense apresentando o caso Regina vs. Kegstra, julgado em 1990, que confirmou um
caráter menos individualista da liberdade de expressão adotado no Canadá. O caso em questão
trata de um professor de 2º grau, James Kegstra, que não só defendia o antissemitismo, como
também ensinava a seus alunos práticas antissemitas, dizendo que os judeus inventaram o
Holocausto ( baseado na teoria revisionista) com a intenção de ganhar simpatia internacional.
Dizia ainda, que judeus eram traiçoeiros, queriam destruir a cristandade assassinos de
crianças, ávidos por dinheiro e responsáveis pelos males do mundo, inclusive guerras. A
Suprema Corte decidiu manteve a condenação ao professor e confirmou, com essa decisão, a
constitucionalidade da lei que criminalizou o hate speech no Canadá. O crime imputado ao
professor foi o de promover intencionalmente o ódio contra algum grupo identificável,
utilizando-se de uma comunicação que não fosse apenas uma simples conversa, como dispõe
o art. 319 do Código Penal Canadense.
Na Alemanha, ao contrário dos EUA, o direito à liberdade de expressão está previsto
na constituição mas não goza de superioridade face aos demais direitos. O caso Lebach é
exemplo desse posicionamento. Nesse exemplo a Corte Constitucional proibiu a veiculação
de um programa de televisão que pretendia reconstituir um crime acontecido a muitos anos,
por entender que o mesmo poderia a impedir a ressocialização do réu, que estava prestes a ser
julgado, por não entender que havia interesse público no debate do caso. Nesse precedente,
percebe-se nítida proteção ao direito de privacidade do réu em face do livre direito de
informar. (SARMENTO, 2010, p. 19).
Daniel Sarmento ainda salienta que, na Alemanha, a liberdade de expressão desempenha um
duplo papel:
“Por um lado, trata-se de direito subjetivo essencial para a auto-realização do
indivíduo no contexto da vida social. Por outro, a liberdade de expressão, na sua
dimensão objetiva, é um elemento constitutivo da ordem democrática, por permitir a
formação de uma opinião pública bem informada e garantir um debate plural e
aberto sobre os temas de interesse público. (2010, p. 20)”
O autor continua esclarecendo que na Alemanha, em virtude do doloroso histórico
envolvendo a experiência com o Nazismo, se mostra bastante preocupada com a regulação do
direito de liberdade de expressão. (SARMENTO, 2010, p.25).
Nesse contexto o direito alemão tem uma preocupação evidente em combater o
discurso de ódio cuja restrição é prevista na legislação infraconstitucional. O Código Penal
alemão trouxe diversos dispositivos que visam coibir este discurso: a criminalização da
60
incitação ao ódio com discursos dirigidos a grupos étnicos, religiosos, insulto à dignidade
humana; participação em organizações neonazistas e até mesmo a exibição de símbolos, como
a suástica, que possam identificar relação com o nazismo (SARMENTO, 2010, p. 22).
O caso mais notável envolvendo limitação da liberdade de expressão na Alemanha
envolveu mais uma vez a teoria revisionista. O tribunal alemão reconheceu a
constitucionalidade de um ato do governo da Baviera que autorizava a presença de um
historiador David Irving, revisionista conhecido, desde que ele não defendesse a tese de que o
Holocausto não existiu. A Corte compreendeu que tal afirmação ultrapassava os limites da
liberdade de expressão, sendo na verdade a promoção de fatos inverídicos com o objetivo de
reforçar a discriminação contra os judeus, sem que nada acrescentasse de relevante à
sociedade. (SARMENTO, 2010, p. 22-23).
Existe ainda dispositivo constitucional que prevê a perda de direitos fundamentes para
aqueles que ultrapassarem os limites de casa direitos, com objetivo que se mantenha a "ordem
fundamental livre e democrática". O Tribunal Constitucional tem competência para julgar as
causas dessa natureza e sustenta o entendimento que "tem reconhecido a liberdade de
expressão como um direito de defesa, de autoexpressão e um direito que constitui os pilares
do Estado Democrático" (MEYER-PFLUG, 2009, p. 175).
Nota-se portanto, que no direito desse país o sistema de controle da liberdade de
expressão está ligado a proporcionalidade entre o dano causado no caso de ausência de
restrição, sendo admitido, em alguns casos o cerceamento da liberdade de expressão em
função de outros direitos. Outras mensagens, entretanto, ainda que possuam conteúdo racista,
podem ser permitidas, se não incitarem a violência ou a promoção do ódio. (MEYER-
PFLUG, 2009, p. 222).
4.9 O discurso de ódio no Brasil
Como vimos anteriormente o ordenamento jurídico brasileiro considera tanto a
liberdade de expressão como a dignidade da pessoa humana como direitos fundamentais.
Inúmeros fatores implicaram para que chegássemos ao patamar jurídico do momento atual,
em especial os governos autoritários que subtraíram significativamente o gozo desses direitos.
A CF/88 não admite o caráter absoluto da liberdade de expressão, já que admite a
possibilidade de reparação observado o princípio da proporcionalidade. Considerando que o
texto constitucional e a legislação infraconstitucional vedam a prática do racismo e sendo o
Brasil signatário de grande parte dos tratados internacionais que proíbem as práticas, ainda
61
inexiste no direito brasileiro uma legislação específica que proíba o discurso de
ódio(MEYER-PFLUG, 2009, p. 198; SARMENTO, 2010, p. 250).
Daniel Sarmento salienta que a prática de racismo, intolerância, discriminação é
vedada aos cidadãos, ao Estado e a entidades privadas e que a Carta Magna possibilita que a
liberdade de expressão e os direitos correlatos sejam exercidos, mas também garante às
vítimas do discurso de ódio o direito de buscar reparação, por meio de denúncias que apontem
manifestações que venham a lesionar ou oprimir a dignidade da pessoa humana. Manifesta
ainda que em caso de colisão entre direitos fundamentais este princípio deverá ser
considerado com o intuito de equacionar os interesse envolvidos no caso concreto. (2010, p.
252)
Um caso real de restrição da liberdade de expressão se deu durante o Carnaval carioca
no ano de 2008, durante o qual a escola de Samba Unidos do Viradouro precisou adaptar um
de suas alegorias para que pudesse se apresentar. O carro alegórico em questão trazia
esculturas de pessoas mortas, sobre as quais desfilava um figurante fantasiado de Adolf Hitler.
Ainda que o objetivo da escola não fosse homenagear ou fazer apologia ao Nazismo, o juízo
de primeira instância acolheu o pedido da Federação Israelita do Rio de Janeiro (FIERJ),
tendo sido concedida liminar impondo uma multa de 200 mil reais caso a escola de samba
Unidos do Viradouro desfilasse com o carro na Marquês de Sapucaí e ainda uma multa
adicional de 50 mil reais se houvesse algum membro da escola com fantasias que lembrassem
a figura de Hitler (MEYER-PFLUG, 2009, p. 217, 218).
4.10 Posicionamento do STF acerca do discurso de ódio
O caso mais emblemático relacionado a discurso de ódio no Brasil chegou ao STF no
ano de 2003, no momento em que a Corte Suprema teve que se manifestar sobre o HC
82.424/RS, que tratava de uma ação penal por crime de discriminação racial proposta contra
Siegfried Ellwanger, que além de autor de livros de conteúdo caracterizado como antissemita,
também era sócio da Revisão Editora Ltda. que publicou os livros. O posicionamento do STF
sobre a matéria foi decisivo para estabelecer um parâmetro para o ordenamento jurídico pátrio
decidir acerca de casos envolvendo o discurso de ódio. (SARMENTO, 2010, p. 253;
MEYER-PFLUG, 2009, p. 198). O HC foi impetrado no STJ como consequência da
condenação proferida pelo TJRS. O STJ indeferiu o pedido e este foi até o STF (MEYER-
PFLUG, 2009, p. 199).
62
Samantha Meyer-Pflug (2009, p. 198) sustenta que o discurso de ódio foi configurado
no caso concreto pois estavam plenamente caracterizados "o conceito de raça e o conflito
entre a liberdade de expressão, a dignidade do povo judeu e a prática do crime de racismo". O
crime foi denunciado em 1991, tendo sido o réu absolvido em 1ª instância e condenado em 2ª
instância a pena mínima, de dois anos de reclusão com base no art. 20 da Lei nº 7.716/89, em
seu art. 20 que estipula pena de reclusão de 2 a 5 anos e multa. Essa lei recebeu redação da
Lei nº 8.081/90 que considera crime de racismo o ato de "praticar, induzir ou incitar, pelos
meios de comunicação social ou por publicação de qualquer outra natureza, a discriminação
ou preconceito de raça, por religião, etnia ou procedência nacional" (MEYER-PFLUG, 2009,
p. 199).
A grande controvérsia deste habeas corpus, no entender de Samantha Meyer-Pflug
(2009, p. 199) era a possibilidade de estender o crime de racismo ao povo judeu, indagando:
"judeu é raça ou religião? (...) é possível a prática de crime de racismo contra os judeus, uma
vez que a realidade histórica do Brasil não demonstra qualquer perseguição a esse povo?". A
importância fundamental do alargamento do conceito de racismo é que este crime, por sua
natureza, é considerado imprescritível em nosso ordenamento jurídico. Caso entendesse
negativamente, o STF desqualificaria como crime de racismo e reconheceria a prescrição do
ato ilícito em questão, já que se trataria de outro tipo de preconceito.
Outro ponto levantado relacionava-se com à garantia constitucional da liberdade
expressão, quando demonstrada pela exteriorização do pensamento por meio de atos como
escrever, publicar e editar livros de conteúdo desse tipo, seria possível a caracterização do
racismo. Essa questão foi levantada de ofício pelo Ministro Sepúlveda pertence e a Corte
entendeu que os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade racial deveriam
prevalecer em face da liberdade de expressão em respeito às vítimas atingidas pelo discurso.
A afirmação desse entendimento pode ser observada no excerto da ementa do acórdão
relatado pelo Ministro Maurício Corrêa:
“10. A edição e publicação de obras escritas veiculando ideias antissemitas, que buscam resgatar e dar
credibilidade à concepção radical definida pelo regime nazista, negadoras e subversoras de fatos históricos
incontroversos como o Holocausto, consubstanciadas na pretensa inferioridade e desqualificação do povo
judeu, equivalem à incitação ao discrímem com acentuado conteúdo racista, reforçadas pelas consequências
históricas dos atos em que se baseiam.
11. Explícita conduta do agente responsável pelo agravo revelador de manifesto dolo, baseado na equivocada
premissa de que os judeus não só são uma raça, mas, mais do que isso, um segmento racial atávica e
geneticamente menor e pernicioso.
12. Discriminação que no caso se evidencia como deliberada e dirigida especificamente aos judeus, que
configura ato ilícito de prática de racismo, com as consequências gravosas que o acompanham.
63
13. Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos.
O direito à livre expressão não pode abrigar em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que
implicam ilicitude penal.
14. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica,
observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5o, parágrafo 2o, primeira parte).
O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o ‘direito à incitação ao racismo’, dado que
um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os crimes
contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica.”
(SARMENTO, 2010, p. 254).
Os Ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio, adoram os princípios da
proporcionalidade e da ponderação de interesses. O primeiro concluiu que a condenação era
constitucional e que inexistia outro meio menos gravoso que garantisse a “preservação dos
valores inerentes a uma sociedade pluralista”, e “da dignidade humana” e compensava “o
ônus imposto à liberdade de expressão do paciente”. (idem, p. 254)
O Min. Marco Aurélio salientou a relevância da manifestação de ideias minoritárias ou
controversas para a salvaguarda da democracia, mas também reconheceu o caráter não
absoluto do livre direito de se expressar e concedeu a restrição observado o caso concreto, de
forma excepcional, sempre tendo com base a proporcionalidade. Considerou esse a punição
do réu nesse caso como a concretização de uma "jurisprudência simbólica" pois caracterizaria
uma relativização do direito à liberdade de expressão de forma a garantir uma imagem correta
perante a sociedade (SARMENTO, 2010, p. 256).
Os votos dos Ministros Marco Aurélio e Carlos Ayres Britto seguiram o Min. Moreira
Alves, relator do HC, e deferiram o habeas corpus por entender que inexistiu o crime de
racismo. Entretanto os Ministros Sepúlveda Pertence, Cezar Peluso, Ellen Gracie, Nelson
Jobim, Carlos Velloso, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Maurício Corrêa discordaram do
relator e denegaram a ordem (MEYER-PFLUG, 2009, p. 200-203).
4.11 O impacto da internet na difusão do discurso de ódio
Não há dúvidas que a internet é o grande marco do século XXI. Seu surgimento
mudou profundamente a forma como vemos o mundo e lidamos com a informação. Na época
da instantaneidade, a internet tornou acessível para todos, a qualquer momento, a informação.
Hoje, qualquer pessoa, munida de um dispositivo conectado à rede, pode difundir informação
para milhares, quiçá milhões de pessoas, sem nenhum crivo ou controle estatal. E o indivíduo
pode acessar informação produzida em qualquer lugar do mundo, a qualquer tempo. É
inegável a imensa influência do ambiente virtual em todas as esferas da sociedade, implicando
64
mudanças nunca vistas no curso histórico da humanidade. No sentido de virtualização da vida
humana, Pierre Lévy expõe que:
“Um movimento geral de virtualização afeta hoje não apenas a informação e a
comunicação mas também os corpos, o funcionamento econômico, os quadros
coletivos da sensibilidade ou o exercício da inteligência. A virtualização atinge
mesmo as modalidades do estar junto, a constituição do “nós”: comunidades
virtuais, empresas virtuais, democracia virtual... Embora a digitalização das
mensagens e a extensão do ciberespaço desempenhem um papel capital na mutação
em curso, trata-se de uma onda de fundo que ultrapassa amplamente a informatização” (LÉVY, 1997, p.11).
Com o advento da internet as redes sociais abandonam a necessidade do espaço físico
para socialização, e rompem com as barreiras geográficas anteriormente impostas. Ainda
assim são o reflexo do ambiente onde estão inseridas. Nessa nova configuração Wellman
(1996) observa, na rede, uma identidade singular em determinada situação, isto é, a as redes
estão fortemente relacionadas ao contexto, e ao mesmo tempo em que o influencia, também
sofre uma influência profunda deste, que molda suas características e vertentes. (WELMAN
apud Recuero, 2009 p.20)
Segundo Raquel Recuero o crescente aumento ao acesso à computadores e à internet
também possibilitou um intenso crescimento da rapidez e na facilidade como os conteúdos
são distribuídos, pois o ambiente virtual não encontra barreiras geográficas e nem
necessariamente uma categorização deste conteúdo em função de sua relevância. Nas palavras
da autora:
“Com o aumento do número de computadores, do acesso à Internet e das ferramentas para a comunicação mediada pelo computador, houve um aumento
também das informações difundidas. Além disso, com a estrutura de rede
proporcionada por essas ferramentas, essas informações passaram também a persistir
no tempo. (...)O que se observa é que muitas dessas informações que atingem
expressiva divulgação na Internet são informações que poderiam ser compreendidas
dentro da categoria do “digital trash”. São informações que, pelos padrões de
noticiabilidade dos veículos tradicionais, seriam consideradas lúdicas, alternativas,
desinteressantes ou mesmo, não passíveis de publicação. Essas informações, no
entanto, encontram nas redes sociais na Internet, um terreno fértil para sua
divulgação.”(2010, p. 24)
Dessa forma a internet tornou-se um campo fértil para a popularização e difusão do
discurso de ódio, não apenas pelas características mencionadas, mas também por favorecer
dois aspectos relevantes quando se analisa este tipo de discurso: o anonimato e a
internacionalização.
Sobre o anonimato gostaríamos de usar uma analogia proposta por Saul Levmore,
quando este compara a internet às portas de banheiro público. Nesse contexto a internet, em
65
especial as redes sociais, são comparadas às portas de banheiro público, onde uma pessoa
poderia escrever de forma anônima qualquer tipo de mensagem, sem que houvesse uma
facilidade de identificação, pois a mensagem é enviada de forma individual e particular em
determinado momento, no qual o autor se utiliza do anonimato propiciado pela proteção da
porta ou de um perfil falso nas redes sociais para exteriorizar qualquer tipo de discurso,
sentindo-se protegido pela falsa ideia de que o anonimato o protegeria de uma possível
responsabilização. Esse discurso, entretanto se torna disponível para todos os usuários que
vierem a utilizar a rede posteriormente, que podem inclusive, de forma igualmente anônima,
aprimorá-lo com mais elementos ou reforçá-lo, demonstrando seu apreço. (Levmore, 2012,
p.625).
Sobre esse assunto, Daniel Sarmento destaca ainda o seguinte:
“[..] o tema do hate speech foi exaustivamente debatido na III
Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação
Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, ocorrida em Durban
em 2001, que salientou, tanto na sua Declaração (itens 86 a 91)
como no seu Plano de Ação (itens 143 a 147), a necessidade
impostergável de repressão às manifestações de ódio e preconceito
voltadas contra grupos raciais e étnicos, dando ênfase especial ao novo perigo relacionado à difusão das idéias racistas através de
novas tecnologias, como a Internet.”(2010, p. 26)
Importante salientar ainda que a internet não conhece as barreiras geográficas
tradicionais, podendo um site hospedado em um país como os Estados Unidos, cuja legislação
protege o direito à liberdade de expressão em detrimento de outros, atingir usuários em todo
território planetário, tornando as eventuais medidas de restrição adotadas por um país menos
tolerante com os abusos do direito de livre expressão ineficazes contra esse site.
A responsabilização por conteúdo postado na internet também é mais complicada do
que em outros meios de divulgação, pois o usuário pode esconder-se atrás de perfis falsos ou
mesmo colocar-se anonimamente para expor suas ideias. A identificação é possível por meio
de IP´s ou outros mecanismos, mas essa busca demanda tempo, equipamento e pessoal
especializados, a ainda assim pode resultar mal sucedida.
Antes de passarmos a alguns exemplos que poderiam caracterizar o discurso de ódio
em redes sociais, é necessário que se faça uma breve explanação sobre o que constituem essas
redes.
4.12 Redes Sociais
Para existir uma rede social são necessários dois elementos: atores e conexões. “Uma
66
rede, assim, é uma metáfora para observar os padrões de conexão de um grupo social, a partir
das conexões estabelecidas entre os diversos atores” (RECUERO, 2009, p.24). Nós somos os
atores que participamos destas redes e as construímos de acordo com nossas conexões e trocas
com outros que nos cercam.
“Esses sites, defenderemos, não são exatamente um elemento novo, mas uma
consequência da apropriação de ferramentas de comunicação mediada pelo computador pelos atores sociais” [(...) Os sites de redes sociais são as esferas onde
as redes sociais encontram-se na internet]. A grande diferença entre esses sites e
outras formas de interação mediada por computador é a forma como a elas se
articulam, principalmente no que tange a visibilidade e a articulação das redes
sociais é vista, bem como a manutenção de laços estabelecidos no espaço offline.”
(RECUERO, 2009)
De acordo Boyd & Ellison, esses SRSs podem ser definidos como ferramentas que
possibilitam que os atores construam personagens com identidades, por meio de um perfil ou
página social e interajam com outras pessoas através de modalidades comunicativas
oferecidas por esses sistemas, como comentários, “curtidas” ou compartilhamentos. (2007
apud RECUERO 2009). Recuero salienta ainda que:
“Embora os sites de redes sociais atuem como suporte para as interações que
constituirão as redes sociais, eles não são, por si, redes sociais. Eles podem apresentá-las, auxiliar a percebê-las, mas é importante salientar que são, em si,
apenas sistemas. São os atores sociais, que utilizam essas redes, que constituem
essas redes.” (RECUERO, 2009)
A ideia de comunidade também está presente desde o surgimento da World Wide Web
(WWW). Nesse aspecto, a comunidade caracteriza-se pelo grupo que atua em determinado
ambiente e os interesses comuns que unem os membros do grupo. As comunidades virtuais,
normalmente possuem como ponto de inflexão o tema de qual tratam, podendo-se inserir
nelas, quaisquer pessoas interessadas em tal tema, sem a necessidade que haja outras
características comuns, como demográficas, sociológicas e geográficas.
Conforme Lemos e Levy, uma comunidade virtual é: “um grupo de pessoas que estão
em relação por intermédio do ciberespaço, denotando um alto grau de intimidade pessoal,
coerção social e continuidade no tempo”. Mais enfatiza que para ser caracterizada como uma
comunidade é necessário que haja o fator agregador, que intenciona interagir com quantos
usuários se interessem para atuar nesse grupo, ou pelo menos com usuários que atendam aos
requisitos impostos para a participação em determinada comunidade.(LEMOS E LEVY apud
RECUERO, 2009, p. 112)
67
Feita essa breve caracterização demonstraremos alguns exemplos de como as redes
sociais utilizam a ferramenta online para estabelecer discursos que atingem outros grupos,
seja em sua dignidade, seja difundindo ideias inverídicas a respeito de questões de raça,
gênero ou posicionamento político.
4.13 Manifestações de pensamento online e discurso de ódio
O Facebook, como rede social mais utilizada no Brasil tornou-se terreno fértil para o
surgimento de toda sorte de página, inclusive aquelas voltadas para a promoção da
discriminação. Em rápida consulta encontramos a página “Orgulho de ser Branco”, que entre
outras ideias defende conceitos deturpados sobre a doutrina Nazifascista, como podemos ver
na figura abaixo:
A página defende abertamente que o Nazismo seria uma “mescla entre liberalismo e
socialismo, tratando-se de uma versão “adaptada” e “melhorada” destes sistemas, sendo
considerado uma “Terceira Via”.
Em outras páginas como ”Moça, não sou obrigado ser feminista” o discurso é voltado
contra a desqualificação do movimento feminista. A página trabalha especialmente com a
desinformação da audiência sobre o que seria feminismo, confundindo muitas vezes com
posicionamento político (o feminismo é frequentemente ligado aos partidos de esquerda ou ao
socialismo) e transmitindo ideias que feministas odeiam os homens que se utilizam do
discurso “vitimista” para obter vantagens sociais indevidas. O tom é normalmente
desrespeitoso e as feministas são mostradas como mulheres incapazes de competir com os
68
homens, tendo que buscar nas políticas de gênero, uma “desculpa” para sua própria
incompetência. Algumas figuras abaixo denotam o teor desse tipo de página:
69
A página ainda faz apologia ao uso de armas e condena quaisquer políticas que visem
a promoção social de grupos em desvantagem social, por considerar que políticas de
afirmação de gênero ou raça são desserviços à sociedade.
Esses dois exemplos são páginas de conteúdo “suave” considerado o tipo de discurso
que se pode encontrar online. Existem páginas que compartilham vídeos de linchamentos,
com um claro estímulo à sociedade para que execute o justiçamento, com a alegação que a
justiça penal brasileira é falha e “serve apenas para proteger bandidos”. É possível ainda
encontrar fóruns online onde as mulheres são reduzidas à condição de objetos e os integrantes
compartilham formas de abusar sexualmente destas, em virtude de considerarem o gênero
masculino “superior” e detentor deste “direito”.
Páginas com conteúdo desta natureza tem se proliferado no ambiente online, e,
claramente, postulam ideias que inferiorizam e desprezam grupos sociais específicos em
virtude de condições de gênero, raça ou posição social.
Ainda que no ordenamento jurídico brasileiro existam maneiras de coibir tais
excessos, a apuração judicial deve respeitar o direito fundamental da liberdade de expressão, o
que torna o difícil a restrição de tais conteúdos, sem que antes seja analisada uma série de
fatores. A discussão legal tende a ser controversa, e as decisões nesse sentido deverão sempre
obervar o conflito de direitos fundamentais, o que por si só, já apresenta uma dificuldade visto
que o tema não tem solução unânime dentro da nossa jurisprudência.
4.14 A ação do #HumanizaRedes
Entre os anos de 2013 e 2014, houve um aumento de 300% em número de
manifestações de ódio por meio da internet, em especial das redes sociais1. No período
eleitoral, a quantidade de posts e páginas voltadas a promoção da intolerância também foi
marcante2. A ONG Safernet tem sido um das maneiras mais acessíveis para o usuário realizar
denúncias online e em nove anos de trabalho contabilizou um total de: 3.606.419 denúncias
anônimas envolvendo 585.778 páginas (URLs) distintas (das quais 163.269 foram
removidas). As páginas estavam escritas em nove idiomas e hospedadas
em 72.739 hosts (servidores) diferentes, conectados à Internet através
de 41.354 números IPs distintos, atribuídos para 96 países em cinco continentes. As
1 Jornal O Globo. 20/11/2014: http://oglobo.globo.com/sociedade/governo-vai-usar-aplicativo-para-monitorar-
crimes-contra-direitos-humanos-na-internet-14614288 2 Revista Fórum: http://revistaforum.com.br/digital/169/eleicoes-2014-o-odio-que-transborda-das-redes/
70
denúncias foram registradas pela população através dos sete hotlines brasileiros que integram
a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos3.
Em vista da proliferação desse tipo de discurso, o Governo Federal, por meio da
Secretaria de Direitos Humanos, criou o projeto Humaniza Redes, uma alternativa
extrajudicial que visa mitigar o avanço dos discursos de ódio na internet.
O projeto funciona por meio do endereço eletrônico
http://www.humanizaredes.gov.br/ , no qual é possível denunciar páginas cujo conteúdo seja
manifestadamente de promoção do ódio racial, da discriminação de gênero, de incitação da
violência, de ações de pedofilia, entre outras opções disponíveis.
O denunciante deve colocar o endereço da página eletrônica denunciada bem como
seus comentários acerca da mesma. A denúncia é anônima e será encaminhada aos órgãos
compatíveis para avaliação e possível investigação criminal nos casos em que configure
crime.
Caso seja verificado conteúdo que fira a legislação pátria ou que atinja os direitos
humanos, existe a possibilidade que a página seja retirada do ar. O projeto conta com a
parceria de grandes empresas de internet como o Google, o Facebook, o Twitter, entre outros.
Já no seu lançamento, essa iniciativa gerou grande repercussão em parte da sociedade,
uma vez que muitos advogaram que se trata de censura ao direito da liberdade de expressão e
não um projeto por uma internet mais segura e humana. Muitos formadores de opinião e
jornalistas se posicionaram contra a medida, inclusive incitando seus “seguidores” a fazer um
protesto contra o site4, que estes consideram como censura e abuso do poder do Estado em
face do direito de expressão garantido ao cidadão.
Tal reação encontra-se longe da verdade uma vez que o projeto não tem como
atribuição impedir a circulação de ideias e opiniões, nem pode de forma discricionária retirar
conteúdos do ar. A lei nº 12.965, conhecida como Marco Civil da Internet, reforça em seus
art. 19 e 20 as garantias à liberdade expressão previstas na CF/88, especificando claramente a
necessidade de determinação judicial para que certo conteúdo seja removido da rede. São
assegurados ainda o contraditório e a ampla defesa e exige especificidade acerca do quê
deverá ser ocultado.
Como se trata de uma medida relativamente recente, ainda não existe casos no
judiciário envolvendo a ação e possíveis autores de páginas, cujo teor tenha sido retirado do
3 Portal Safernet – Indicadores: http://indicadores.safernet.org.br/
4 Revista Forum: http://www.revistaforum.com.br/blog/2015/04/danilo-gentili-lanca-campanha-de-ofensas-na-
internet/
71
ar, mas é evidente que, caso aconteça, gerará muita discussão doutrinária acerca do tema, uma
vez que o mesmo está longe de ser uma questão pacífica.
O projeto, portanto não tem caráter censório, enquadra-se mais como uma forma de
desestimular postagens ou disseminação de discursos eivados de intolerância e que possam vir
a gerar danos a dignidade de terceiros e de grupos, em especial àqueles que se encontram em
situação de fragilidade social.
A decisão sobre como balancear estes direitos, tão fundamentais ao exercício da
cidadania a ao estado democrático, ainda caberá ao Poder Judiciário, que como visto, deverá
valer-se dos princípios da ponderação e proporcionalidade, para na avaliação caso a caso,
proferir uma decisão.
Este posicionamento está de acordo com os postulados constitucionais que garantem
ao indivíduo a liberdade para manifestação de pensamento e opiniões, mas sem esquecer o
direito das pessoas a uma existência digna e, na medida do possível, livre de intolerância,
desrespeito e ódio. Assim, verifica-se que a ação do #HumanizaRedes coaduna-se com a ideia
de busca da paz social, em especial em um ambiente razoavelmente novo, e tão dinâmico e
cheio de possibilidades como a internet.
É ainda um mecanismo de acompanhamento do crescimento desse tipo de discurso na
sociedade brasileira, uma vez que poderá no futuro prover dados acerca desse tipo de
manifestação, bem como apontar os rumos que devem ser tomados a fim de tornar o ambiente
virtual mais seguro e humano para todos os usuários.
72
5 CONCLUSÃO
O direito não pode ser considerado como uma ciência imutável. Tampouco se baseia
em premissas eternas, nem se utiliza de axiomas perenes. O direito é o reflexo de uma
sociedade. É desta (e para esta) que delineia seus comandos normativos e assim passam a
evoluir juntos, em uma integração que deve buscar sempre a razoabilidade e a
proporcionalidade como determinantes de eficiência.
A sociedade atual encontra-se em meio a uma de suas maiores revoluções: a revolução
tecnológica. Há uma intensa influência da concepção inventiva do homem diretamente sobre
todos os segmentos sociais. O cotidiano da contemporaneidade está pleno de situações que
permeavam somente a imaginação dos escritores de ficção científica. Estamos vivendo a era
da Sociedade da Informação, onde a globalização, fenômeno profundamente conectado à
expansão capitalista, e que foi a propulsora das relações tecnológicas de âmbito mundial, na
qual as redes de informação foram urdidas para unir lugares e pessoas de todas as partes do
planeta em uma grande teia social. É este intercâmbio motivado pela globalização que permite
a intensa circulação de conhecimento, de cultura e de informação que vivenciamos na
contemporaneidade.
Sem dúvida, o grande cerne da Sociedade da Informação está consubstanciado na
Rede Mundial de computadores, ou seja, a Internet. Esta se constitui em uma rede de tráfego
de dados e informações, que evoluiu de um experimento militar e tornou-se parte inseparável
do cotidiano social e base primordial para a circulação informacional. Desta forma, o virtual
torna-se realidade jurídica, na medida em que novas relações se constituem, tanto no âmbito
privado como no público.
A virtualização rompe barreiras nacionais e individuais e as fronteiras acabam por se
diluir. E o indivíduo é apresentado ao livre acesso ao conhecimento e à informação em
quantidades nunca antes experimentadas. Neste ambiente abrem-se espaços para novas
discussões e novos conflitos. O choque de direitos torna-se inevitável e
Este, Direito Fundamental que é, vem protegido no âmbito constitucional brasileiro,
sendo perfeitamente adequado ao universo do ciberespaço. É neste que o indivíduo pode
exercer plenamente seu direito de livre expressão e de pleno acesso ao conhecimento
disponível, bem como o direito de utilizar-se destes mecanismos para, ele próprio, conceber
conteúdos que serão partilhados com seus semelhantes.
Nesse cenário as questões relativas a liberdade de expressão e suas consequências
frente a outros direitos fundamentais, ganham contornos novos e uma magnitude que
73
extrapola fronteiras e muitas vezes se coloca como desafio para a legislação existente. Assim,
faz-se necessário conhecer essa realidade social e jurídica para que possamos enfrentar tais
conflitos e buscar soluções efetivas para tais incompatibilidades, sem desconsiderar os
direitos individuais tão bem definidos em nossa Constituição, mas sim buscando a
proporcionalidade e a razoabilidade entre eles, pois o respeito a estes direitos é característica
fundamental do Estado Democrático de Direito.
Neste trabalho discutimos o papel do direito em face do discurso de ódio, uma variável
da livre manifestação do pensamento que agride fundamentalmente outro princípio inviolável:
a dignidade humana. Pudemos perceber que não é tarefa simples resolver os conflitos
oriundos desta oposição, mas também que não é possível furtar-se a eles, sob risco de
tornarmos a internet, e em especial as redes sociais, em plataforma para a promoção da
intolerância, do racismo, do preconceito e intimidação de grupos e pessoas.
As alternativas extrajudiciais tem um papel de monitoramento, e de acompanhamento
dessas manifestações, sem, contudo dispor de poderes para eliminá-las. Não que se pretenda
eliminar a diversidade de pensamentos ou o direito individual de expressar opiniões, mas
deve-se ter em mente que certas opiniões carregam em si um potencial destrutivo que em
certos casos pode e deve ser coibido.
As novas gerações tem na internet seu principal meio de pesquisa, e decerto, um dos
principais meios de aquisição de informação sobre ideias, pessoas e valores, e o direito deve
ser um instrumento para reforçar o entendimento que nenhuma opinião está livre de avaliação,
e possível responsabilização. Um estado democrático, não pode censurar seus cidadãos, mas
deve, sobremaneira, desestimular discursos que não agreguem nada senão o ódio a grupos ou
pessoas em virtude de raça, religião, gênero ou orientação sexual ou política.
A internet, apesar de seu alcance e dinamicidade, não pode ser considerada “terra de
ninguém” onde tudo pode ser dito e estimulado impunemente. As pessoas, quando cientes que
seus discursos e opiniões podem gerar responsabilização, e conscientes também que existem
meios de combater discursos perniciosos, estarão em melhores condições para exercer e exigir
seus direitos, resultando em uma sociedade mais democrática e harmônica.
74
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando -
Introdução à Filosofia. São Paulo: Editora Moderna, 4ª edição, volume único, 2009.
BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais. O
Princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
BARROSO, Luís Roberto. Colisão entre liberdade de expressão e direitos da
personalidade. Critérios de Ponderação. Interpretação constitucionalmente adequada
do Código Civil e da Lei de Imprensa. Disponível em
<http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art_03-10-01.htm>. Acesso em: 1º jun 2015
BOBBIO, Norberto, PASQUINO, Gianfranco, MATTEUCCI, Nicola. Dicionário de
Política, 11. ed., Brasília: UnB, 1983
_________. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Editora Campus,1992.
BOMENY, Helena; FREIRE-MEDEIROS, Bianca; EMERIQUE, Raquel Balmant;
O'DONNELL, Julia. Tempos Modernos, Tempos de Sociologia. São Paulo: Editora do
Brasil - FGV, 1ª edição, 2010.
BOYLE, Kevin. Hate Speech: the United States versus The rest of the World? 2010.
Disponível em: <http://www.article19.org/data/files/pdfs/publications/striking-a-
balance.pdf>. Acesso em: 2 jun 2015.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília,
DF, Senado, 1988.
________. Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 1º jun. 2015.
________. Legislação Histórica - Constituições. Disponível em:
<http://www4.planalto.gov.br/legislacao/legislacao-historica/constituicoes-anteriores-1>.
Acesso em: 1º jun. 2015.
________. Lei nº 12.965, de 23 de Abril De 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e
deveres para o uso da Internet no Brasil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 1º
jun. 2015.
________. Lei nº 7.716, de 5 de Janeiro de 1989.. Estabelece princípios, garantias, direitos e
deveres para o uso da Internet no Brasil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm>. Acesso em: 1º jun. 2015.
CHALLITA, Gabriel. A sedução no discurso - O poder da linguagem nos tribunais do
júri. -. São Paulo: 4. ed. Saraiva, 2007.
CHAVES, Cristiano; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Parte Geral e LINDB.
11. ed. Salvador: Juspodivm, 2011.
75
CHEQUER, Cláudio. A Liberdade de Expressão como Direito Prima Facie – análise
crítica e proposta de revisão ao padrão jurisprudencial brasileiro. RJ: Lumen Juris, 2011.
Council Of Europe, Committee Of Ministers, Recomendation no. R (97)20. The Commitee
Of Ministers To Member States On “Hate Speech”. Principle 1. Disponível em:
<http://www.coe.int/t/dghl/standardsetting/hrpolicy/other_committees/dh-
lgbt_docs/CM_Rec%2897%2920_en.pdf>. Acesso em: 05 jun. 2015.
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em:
<http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em: 05
jun. 2015.
DICIONÁRIO PRIBERAM – Versão Online. Disponível em:
<http://www.priberam.pt/dlpo/discrimina%C3%A7%C3%A3o> Acesso em 20 maio 2015.
Discurso de Ódio e Crimes de Ódio contra a População LGBT. Disponível em:
<http://fra.europa.eu/sites/default/files/fra_uploads/1226-Factsheet-homophobia-hate-speech-
crime_PT.pdf> Acesso em 20 maio 2015.
FARBER, Daniel A. The First Amendment. New York: Thomson Reuters, 2010.
FARIAS, Edilson Pereira de. A Honra, a Intimidade, a Vida privada e a Imagem Versus a
Liberdade de Expressão e Informação. 2 ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2000.
FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. Tradução de Laura Fraga de Almeida
Sampaio. São Paulo: Edições Loyola, 5ª edição, 1999.
FREITAS, Riva Sobrado de; CASTRO , Matheus Felipe de. Liberdade de expressão e
discurso do ódio: um exame sobre as possíveis limitações à liberdade de expressão. 2013.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S2177-
70552013000100014&script=sci_arttext> Acesso em 20 maio 2015.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil:
parte geral. vol.1, 2. ed. São Paulo: Método, 2012.
GELBER, Katharine. Speaking Back: The free speech versus hate speech debate
(Discourse Approaches to Politics, Society and Culture). Philadelphia: John Benjamins
Publishing Company, 2002.
KNECHTLE, John C. Papers from the First Amendment Discussion Group: Holocaust
Denial and the Concept of Dignity in the European Union, Florida State University Law
Review, 2008. Disponível em:
<https://litigationessentials.lexisnexis.com/webcd/app?action=DocumentDisplay&crawlid=1
&srctype=smi&srcid=3B15&doctype=cite&docid=36+Fla.+St.+U.L.+Rev.+41&key=2ee323
9eaf3191d445a4893a83a4e6e4> Acesso em 20 jun. 2015.
HONNETH. Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos
sociais. São Paulo: Editora 34, 2003.
76
JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro,
3ª ed. Jorge Zahar Editor, 2001.
LEAL DA SILVA, Rosane et al. Discursos de ódio em redes sociais: jurisprudência
brasileira. Revista Direito – GV, São Paulo, v. 7, n. 2, p.445-468, jul.-dez. 2011. Disponível
em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-24322011000200004>
Acesso em 5 jun. 2015.
LEVMORE , Saul (Editor); NUSSBAUM, Martha C. (Editor). The Offensive Internet:
Speech, Privacy, and Reputation. Massachusetts: 2 ed. Harvard University Press, 2012.
LÉVY, Pierre. O que é o virtual? Tradução Paulo Neves. São Paulo: Editora 34, 1997.
________. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.
MAITRA, Ishani ; MCGOWAN, Mary Kate. Speech and Harm: Controversies Over Free
Speech. Oxford: University Press; 1ª ed. 2012.
MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2013.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.
Curso de Direito Constitucional. 4ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2009.
_______, Gilmar. A Jurisdição constitucional no Brasil e seu significado para a liberdade
e a igualdade. Disponível em
<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaArtigoDiscurso/anexo/munster_port.pdf>. Acesso
em 10 maio 2015.
MEIRA, Miguel Salgueira, Limites à Liberdade de expressão nos discursos de
incitamento ao ódio. Disponível em:
<http://www.verbojuridico.net/doutrina/2011/miguelmeira_limitesliberdadeexpressao.pdf>
Acesso em 20 maio 2015.
MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro. Liberdade de Expressão e Discurso do Ódio. São
Paulo: RT, 2009.
MILL, John Stuart. Sobre a Liberdade. Rio de Janeiro: Vozes, 1991.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 6. ed. Rio de Janeiro – Forense; São Paulo:
Método, 2012.
O'NEIL, Robert M. Hate Speech, Fighting Words, And Beyond-Why American Law Is
Unique. 2012. Disponível em:
<http://www.law.virginia.edu/pdf/faculty/hein/oneil/oneil76alblrev467.pdf>. Acesso em: 20
maio 2015.
PIOVESAN , Flávia e GUIMARÃES , Luis Carlos Rocha. Convenção sobre a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação Racial. Disponível em:
<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/direitos/tratado8.htm>. Acesso
em: 20 maio 2015.
PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral das Constituições e Direitos Fundamentais
– Sinopses Jurídicas. São Paulo: Saraiva, 11ª edição, volume 17, 2011.
77
RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2009.
__________. Rede Social. In SPYER, Juliano (Org). Para Entender a Internet: noções,
práticas e desafios da comunicação em rede. E-livro: Nãozero, 2009, p.25-26.
Disponível em:
<http://www.next.icict.fiocruz.br/arquivos/Para+entender+a+Internet.pdf>. Acesso em: 02
maio 2015.
__________. Diga-me com quem falas e dir-te-ei quem és: a conversação mediada pelo
computador e as redes sociais na internet. Revista FAMECOS. Porto Alegre, n. 38, abr.
2009, p.118-128. . Disponível em:
<http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/viewFile/5309/3879>.
Acesso em: 10 jun. 2015.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na
Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
SARMENTO, Daniel. Livres e Iguais, Estudos de Direito Constitucional. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2ª tiragem, 2010.
SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Direito Constitucional - Teoria,
História e Métodos de Trabalho. Belo Horizonte, Editora Fórum,1ª edição, 2012
SARMENTO, Daniel. A Liberdade de expressão e o problema do “hate speech”.
Disponível em: <http://www.danielsarmento.com.br/wp-content/uploads/2012/09/a-liberade-
expressao-e-o-problema-do-hate-speech.pdf.> Acesso em: 20 maio 2015.
SARMENTO, Leila Lauar; TUFANO, Douglas. Português - Literatura, Gramática e
Produção de Texto. São Paulo: Editora Moderna, 1ª edição, 2010.
SILVEIRA, Renata Machado da. Liberdade de Expressão e Discurso do Ódio. Belo
Horizonte, 2007. Disponível em:
<http://www.biblioteca.pucminas.br/teses/Direito_SilveiraRM_1.pdf> Acesso em 10 maio
2015.
SOARES, Ricardo Maurício Freire. O princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana: em busca do direito justo. São Paulo: Saraiva, 2010.
SUPREMO Tribunal Federal. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/nova/jurisp.asp> Acesso em: 01 jun. 2015.
THWEATT, Elizabeth. Bibliography of Hate Studies Materials. Disponível em:
<https://journals.gonzaga.edu/index.php/johs/issue/view/1/showToc> Acesso em: 20 jun.
2015.
WALDRON, Jeremy. Dignity and defamation: the visibility of hate. Harvard Law Review,
v. 123, n. 1.596, p. 1.597-1.657, 2010. Disponível em:
<http://www.law.nyu.edu/sites/default/files/ECM_PRO_063312.pdf> Acesso em: 20 jun.
2015.
78
WALDRON, Jeremy. The Harm in Hate Speech. Cambridge, Massachusetts: Harvard
University Press, 2012
WACHOWICZ, Marcos. Os Direitos da Informação na Declaração Universal dos Direitos
Humanos. In: WACHOWICZ, Marcos (coord.). Propriedade Intelectual & Internet: uma
perspectiva integrada à Sociedade da Informação. Curitiba: Juruá Editora, 2002.