Post on 24-Nov-2015
Da universidade escola, da escola periferia:
A centralidade estratgica da juventude ante aos desafios da esquerda na atualidade
Carlos Henrique Metideiri Menegozzo1
Foras dinmicas e seus deslocamentos desde fins dos anos 1970
No Brasil, desde o fim dos anos 1970 e ao longo dos anos 1980, as foras progressistas e de
esquerda se apoiaram no dinamismo encontrado no meio operrio e nos bairros perifricos dos
grandes centros urbanos. Disso surgiram algumas das mais avanadas experincias de organizao
popular que experimentamos nas ltimas dcadas, como o PT e a CUT. Em seguida, vieram o
desmonte do parque industrial, o desemprego, o desmantelamento dos servios pblicos com as
privatizaes, e a reestruturao produtiva, impostos sob a batuta do neoliberalismo. Nesse
contexto, o dinamismo das foras progressistas e de esquerda em parte se transferiu para o campo.
A, o excedente humano descartado pelo capitalismo encontrou no MST uma alternativa de
organizao. E acabou por encabear algumas das mais avanadas mobilizaes ocorridas ao longo
da dcada de 1990.
Nos dias hoje, um outro deslocamento de foras pode estar em curso. E impe novos
desafios esquerda. Desde meados de 2006, o cenrio poltico brasileiro vem passando por
profundas transformaes. Diversos pesquisadores tm percebido e descrito essas mudanas e
apontam, com diferentes matizes, o fato de que na base da pirmide social tm ocorrido um
processo de mobilidade ascendente. Esse fenmeno expresso de uma tendncia redistributiva
tmida, mas cujo impacto brutal considerando as condies at ento existentes. Tal tendncia se
intensifica a partir do segundo mandato de Lula na Presidncia da Repblica, em decorrncia da
integrao e ampliao da cobertura de programas assistenciais, bem como de uma poltica de
gerao de empregos e de recuperao do salrio mnimo. Mas seu efeitos j se fazem sentir na
eleio de 2006, quando Lula foi reeleito com apoio dos setores mais pauperizados da sociedade.
Uma anlise em pormenores das variveis envolvidas neste complexo processo um
propsito que extrapola os limites da reflexo proposta. O que importa ressaltar aqui, primeiro,
que esse segmento emergente da classe trabalhadora no configura, rigorosamente, uma nova classe
mdia, como tem sido alardeado pela imprensa e pelo prprio governo. Segundo, essa
1 Socilogo, bibliotecrio, especialista em arquivologia. Dedica-se histria da esquerda e dos movimentos estudantis no Brasil nos anos 1970 e 1980; bem como ao tratamento de fontes documentais relacionadas a essas temticas. Trabalha atualmente no Centro Srgio Buarque de Holanda/Fundao Perseu Abramo.
caracterizao tem se somado a outros fatores e dificultado a politizao classista deste segmento,
cuja experincia imediata tem reforado valores conservadores sobretudo uma ideologia da
ascenso social que, encobrindo os fatores estruturais que a determinam, refora a questo do
esforo e do mrito individuais.
A nova classe trabalhadora e o desafio de acumular foras para um novo ciclo de lutas
Apesar da influncia conservadora, esse segmento emerge como um novo agente dinmico
no cenrio nacional, em condies materiais potencialmente mais favorveis que outrora. Analistas
de mercado h anos j identificam essa tendncia, cujo impacto tem se traduzido desde na
renovao da abordagem em peas de propaganda, at a formao de institutos de pesquisa
inteiramente dedicados compreender este segmento do ponto de vista de seu comportamento,
aspiraes e padro de consumo. Mas esse dinamismo no se restringe esfera da economia,
atingindo tambm o campo da poltica, direta ou indiretamente.
Conforme apontam os nmeros divulgados este ano pelo Dieese, a quantidade de greves ou
de horas de paralisao em 2009 e 2010 so os maiores desde 2004. E o volume de greves
propositivas, isto , pela conquista de novos benefcios como vale-refeio, plano de cargos e
salrios, ou participao nos lucros, supera o de greves defensivas (pela manuteno das condies
existentes ou contra a perda de direitos). Esse processo resulta, possivelmente, da ampliao do
mercado formal de trabalho e da reduo relativa da reserva de mo-de-obra. Se essa estatstica
configurar uma tendncia, ento podemos estar frente a condies materiais mais favorveis a um
possvel novo ciclo de lutas o que nos lembra, de resto, que a hegemonia, mais que simplesmente
uma luta de ideias, passa tambm pela consolidao das condies materiais que produzem e
potencializam as ideias que nos interessam e interessam a um bloco de poder referenciado na
maioria explorada da sociedade.
Lideranas esquerda e direita do espectro ideolgico tm percebido esse fenmeno e
tentado incidir sobre ele. Do ponto de vista das organizaes de esquerda, por outro lado, a
discusso ainda encontra-se bastante restrita a certos crculos petistas. O tom geral desses debates,
que retomam de forma consequente a reflexo sobre estratgia no PT, apontam que tarefa do
partido, ou do petismo, hegemonizar pela esquerda o lulismo enquanto ideologia poltica
articulada a partir da figura de Lula, que organiza amplas parcelas desse segmento ascendente das
classes trabalhadoras, e cujo contedo combina elementos progressistas e conservadores em
propores que refletem uma correlao de foras na sociedade.
Embora centradas no PT, o que tais contribuies pressupem, no fundo, a hiptese de que
as correntes polticas capazes de se vincular a esse segmento emergente so as que tero melhores
condies de se fortalecer e, portanto, de exercer ou disputar a hegemonia no prximo perodo. E
isso impe um desafio de dimenses considerveis: identificar os anseios e expectativas deste novo
segmento, imprimindo-lhes consequncia poltica.
Desafios impostos organizao da nova classe trabalhadora
A tarefa de compreender e organizar este segmentos ascendente da sociedade brasileira
poderia, a primeira vista, parecer uma tarefa pontual num quadro de formulaes estratgicas j
consolidado. A verdade, todavia, que consiste na ponta do iceberg de um profundo processo de
atualizao estratgica que se impe aos lutadores e lutadoras socialistas neste novo perodo que se
abre, balizado pela caracterizao de um novo sujeito dinmico que desponta , e cuja dinamicidade
poder se intensificar no caso do impulso econmico que sustenta esse movimento ascendente se
esgotar ou se inverter.
Concretamente, aquela tarefa se traduz em alguns desafios que incluem a identificao das
expectativas e frustraes desse segmento dinmico da sociedade; sua traduo num programa
transitrio no qual as mudanas estruturais possveis sob a atual correlao de foras possam se
fazer entender por esse segmento; e o refinamento das formas organizativas capazes, ao mesmo
tempo, de alcanar e mobilizar tais setores, sentido e sistematizando em programa suas frustraes e
expectativas.
Precisamos admitir, todavia, que os obstculos que impedem o cumprimento destas tarefas
so muitos e encontram-se dentro e fora das organizaes de esquerda. De um lado, diversas
organizaes encontram-se tensionadas pela burocratizao e pelo eleitoralismo, que so tambm
mas no unicamente resultantes do descenso das lutas provocada pelo avano neoliberal. De
outro, h grupos dissidentes destas organizaes. Muitos, todavia, esto ocupados demais com a
necessidade de se auto-afirmar em oposio ao governo para perceber, nos resultados contraditrios
que temos obtido at aqui, a melhora relativa das condies materiais para a luta e, portanto, das
condies objetivas necessrias a um novo ciclo poltico.
A histria, uma vez mais, oferece uma oportunidade uma prova de fogo para que os
agrupamentos de esquerda desloquem suas energias da tarefa de autoconstruo sectria, de
viabilizao das condies objetivamente necessrias ao avano do processo revolucionrio. O
prprio PT j foi vtima desse desvio antes. Afirmando-se sectariamente em relao ao PCB e s
mais avanadas experincias de gesto e organizao popular protagonizadas pelo MDB nos anos
1970, no pde antecipar desafios que enfrentou em seguida, e que lhe custaram crises e
desacmulo poltico. Precisamos tirar as devidas lies de equvocos como esse. Isso, sem prejuzo
necessria crtica s posies petistas, ou de administraes encabeadas pelo PT at como
tarefa petista quando as mesmas estiverem aqum da correlao de foras j existente, impedindo
o aprofundamento das transformaes sociais.
Uma oportunidade de reforar as bases populares das organizaes de esquerda
Aos que escapam ou superam aqueles desvios a que nos referimos, uma tarefa se impe:
redobrar o esforo de organizao e politizao dos segmentos ascendentes da classe trabalhadora
urbana. Isto, visando no apenas a potencializao de um novo ciclo de lutas. Mas tambm o
reforo ou ampliao de sua prpria implantao, enquanto organizao de esquerda, no meio
popular. Essa tarefa se impem em contrapartida ao processo de relativa eroso das bases populares
de projetos radicalmente transformadores, ocorridos sob o neoliberalismo. E a origem disso se
encontra nas profundas derrotas sofridas na luta contra as classes dominantes entre a segunda
metade das dcadas de 1980 e 1990, materializadas na reestruturao produtiva e na deteriorao
das condies de vida e trabalho de amplas massas, no Brasil e em toda a Amrica Latina.
No toa que muito do movimento de resposta quelas derrotas tm sido dada nas urnas,
mediante uma combinao de elementos progressistas e conservadores: o desejo de mudana dos
estratos mais pauperizados, constrangido pelo medo de grandes abalos suscitado pela fragilidade de
sua condio socioeconmica, se projeta em lideranas carismticas sem mediao institucional. De
um ponto de vista de esquerda, devemos lutar para que esta projeo institucional se traduza em
reformas estruturais to amplas e profundas quanto a correlao de foras permitir. E lutar para que
as conquistas parciais obtidas dessa maneira conformem um patamar superior de mobilizao e
conscientizao das massas. So as condies para isso que podem estar se estabelecendo neste
momento.
Se esta hiptese estiver correta, quer dizer, se h condies objetivas mais favorveis pra
isso, impe-se como uma possibilidade e uma tarefa urgente a recuperao das bases populares das
organizaes de esquerda fragilizadas no perodo de descenso na perspectiva de acumulao de
foras polticas visando um novo ciclo de lutas. Mas essa tarefa exige uma transio. Quer dizer,
preciso refletir sobre as possibilidades concretas de aproximao com esse novo meio popular. Uma
aproximao que se opera, muitas vezes, a partir de organizaes que, tendo desacumulado no
perodo de descenso, esto agora restritas ou melhor implantas junto a estratos superiores da classe
trabalhadora e aos setores mdios, tais como os estratos melhor qualificados e remunerados da
classe trabalhadora e o movimento estudantil universitrio.
Um ponto de partida: a escola pblica transbordada no meio comunitrio
Uma reflexo acerca das possibilidade de transio entre os setores mais privilegiados da
classe trabalhadora e os setores mdios para o meio popular, pode revelar diversos caminhos ou
possibilidades de ligao. Aqui nos concentraremos em uma dessas possibilidades: a escola pblica.
As razes para isso so vrias. Em primeiro lugar, al encontram-se atores polticos acessveis s
organizaes de esquerda, considerando seu perfil atual: o funcionalismo pblico e o estudante
secundarista. Estes so atores que as organizaes de esquerda fragilizadas no meio popular tem
condies de compreender e organizar; ao mesmo tempo em que so atores cuja atividade alcana o
meio popular e a nova classe trabalhadora.
Esse alcance se deve, basicamente, localizao da escola pblica no contexto social.
Incrustada em bairros perifricos, frequentemente carentes de servios pblicos e de alternativas de
lazer para os jovens, a escola acaba se impondo como um polo de sociabilidade para o qual
confluem, e do qual se irradiam, diferentes experincias. Incluem-se a desde trabalhos de
organizaes no-governamentais dedicadas a questo das drogas, por exemplo; at os cursos de
alfabetizao de adultos; passando pela articulao projetos locais de trabalho comunitrio, como os
tocados por associaes de moradores e centros culturais; por campanhas pblicas as mais diversas,
como por exemplo as de vacinao, fazendo inclusive as vezes de posto de sade; e por atividades,
como a prtica esportiva e cursos de capacitao voltados a jovens e adultos. A manifestao mais
acabada desse processo se materializa na vulgarizao da concepo da escola integral, que
integral porque acolhe o jovem o dia todo, fazendo as vezes de creche, de entidade assistencial, de
clube esportivo, e de cadeia s avessas, mantendo afastados os jovens das drogas e da
criminalidade.
Esse processo, que alguns pesquisadores tem definido como o extravasamento ou
transbordamento da escola escola no contexto comunitrio, responde por boa parcela das
condies objetivas que permitem que iniciativas politicas articuladas desde a escola possam atingir
a comunidade em seu entorno. Uma comunidade, alis, onde latente a justa preocupao, quando
no indignao, com a situao geral da comunidade; com a baixa qualidade ou completa ausncia
de servios pblicos bsicos (que a concentrao de atividades na escola acaba por evidenciar); e
tambm com as precrias condies existentes em muitas das unidades de ensino, cujas causas vo
da insuficincia do corpo de professores s deficincias de infraestrutura, passando por problemas
como a violncia e a depredao do patrimnio pblico.
A um primeiro olhar, sobretudo se lanado a partir daquelas organizaes que hoje
enfrentam de modo mais premente a necessidade de reforar suas bases no meio popular, tais
questes podem parecer menores e at despolitizadas. Mas no se deve esquecer que a politizao
um processo que pressupe no a completa ausncia de poltica, mas sua presena discreta e difusa
num contexto de prticas e sentimentos na qual convivem, ecleticamente, crenas populares e
religiosas, preconceitos arraigados, e vises parciais isto , pouco sistemticas sobre os temas
que tocam a vida coletiva. Este o senso comum. aquele nvel de compreenso no sistemtica
ou cientfica mediante o qual todos na medida em que no possumos uma viso cientfica
rigorosa do conjunto de fenmenos que nos cerca nos movemos, em maior ou menor medida.
Considerar esse universo ecltico de prticas e valores como o patamar inicial e necessrio
do processo de politizao, bem como as condies objetivas que restringem no meio popular a
possibilidade de formas de engajamento politico mais sistemtico, nos faz lembrar que o
movimento real da classe trabalhadora exige, sempre, uma combinao entre elementos de direo
consciente e de espontaneidade. Na prtica, isto significa que ser impossvel sensibilizar e
mobilizar amplas massas, includos a o jovem secundarista e a nova classe trabalhadora, com um
discurso revolucionrio enlatado, daqueles que se compram prontos. s esquerdas exigido um
esforo genuinamente dirigente, qual seja, o de sensibilizar esse setores e ajud-los a desenvolver
uma compreenso poltica mais sistemtica a partir daquilo que concretamente os toca em termos de
experincia acumula, de frustraes e de expectativas futuras.
Estudantes secundaristas: um elo entre as esquerdas e o meio popular
Vimos como a escola pode corresponder, considerando sua localizao social, numa
instituio a partir da qual se pode estabelecer trabalhos de ligao com o meio popular. Veremos
agora qual exatamente o elemento de ligao que, tendo presena na escola e na comunidade,
encontra-se ao mesmo tempo acessvel s experincias e as bases sociais j acumuladas neste
momento no campo da esquerda. Este elemento de ligao corresponde, justamente, ao estudante
secundarista. Alis, vale assinalar desde j, que este um ator poltico muitssimo mal
compreendido pelas foras de esquerda. Isto porque aquelas foras tendem a ressaltar, quando o
avaliam em termos de limites e potencial contra-hegemnico, a identidade formal existente com o
movimento estudantil universitrio, sendo ambos integrados por alunos. O movimento estudantil
secundarista, todavia, possui uma qualidade prpria, com limites e potencial politico singulares. E
justamente nessa singularidade que encontraremos as ligaes com o meio popular.
De uma forma geral, os movimentos estudantis como qualquer outro movimento se
desenvolvem a partir de condies sociais concretas. Sua emergncia deriva essencialmente dos
processos sociais que geram e que coesionam, sob uma identidade comum, um contingente jovem
que, vivenciando uma crise que caracteriza essa particular etapa da vida, se encontra vinculado a
instituies educacionais na condio de alunos. Tais condies no se apresentam do mesmo modo
entre os alunos de nvel mdio e superior. Isso significa que o movimento que os alunos de nvel
mdio possuem qualidades e limites prprios. E que ao negligenciamento destes limites e
particularidades conduz a um erro: mais especificamente, a uma prtica incapaz de extrair desse
movimento toda a sua capacidade poltica e potencial estratgico.
O primeiro fator a diferenciar os alunos do ensino mdio em relao ao superior a natureza
da crise que os atinge. No nvel superior o aluno atravessa, tendencialmente, uma crise marcada
pelo reforo da prpria personalidade e pela possibilidade ou necessidade, condicionadas pela
conjuntura econmica, de autonomia em relao ao ncleo familiar de origem. Identificados com
base em aflies comuns e em expectativas de ascenso social projetadas sobre a formao
acadmica, muitas vezes frustradas, os alunos do ensino superior, quando agregados pelas
condies objetivas impostas pelo prprio funcionamento das instituies universitrias (a
configurao atual do sistema de ensino superior no favorece tanto esse processo), acabam se
aglutinando num movimento coletivo que adquire visibilidade prpria e propores societrias. O
estudante secundarista, por seu turno, atravessa tendencialmente uma outra crise, que no da
juventude, mas da adolescncia.
Tal crise, ainda que envolva um processo de definio da prpria personalidade e se realize
sob a tenso provocada pelo contato com pares (amigos de escola, por exemplo), ocorre sob o
predomnio de laos de dependncia econmica e emocional em relao ao ncleo familiar de
origem e corresponde aos estgios iniciais de desenvolvimento do pensamento abstrato e das
representaes acerca do prprio papel no contexto social mais amplo.
Por estas razes, e tambm pelas particulares condies de funcionamento da rede de ensino
de nvel mdio dispersivas, em decorrncia da amplitude de sua cobertura , o estudante
secundarista enfrenta condies objetivas e subjetivas muitssimo menos favorveis para afirmar-se
enquanto categoria social e para manifestar-se autonomamente por meio de instrumentos coletivos
com real capacidade de centralizao e organizao polticas. Tais fatores fazem circunscrevem o
impacto imediato da crise da adolescncia ao mbito da famlia, e tambm ao contexto escolar
manifestado, por exemplo, na resistncia ativa do jovem secundarista ao processo de aprendizagem.
Isso no anula, em termos absolutos, a possibilidade de que o movimento secundarista
adquira em conjunturas especficas a dimenso e a fora que so historicamente atribudas ao
movimento estudantil de nvel universitrio. Isso se reflete na existncia, embora precria, de
entidades representativas como as unies municipais e a UBES, por exemplo; ou no peso que
podem a vir adquirir em manifestaes de massa, como se observou no movimento pelo Fora
Collor lembrando que o movimento estudantil particularmente suscetvel manipulao
externa e que esse episdio reflete muito mais a capacidade de tutelagem do movimento estudantil
pelas classes dominantes, atravs da grande mdia, que um real processo de articulao desde as
bases.
Por outro lado, ao mesmo tempo que existem aproximaes possveis entre a dinmica e a
repercusso societria dos movimentos estudantis secundaristas e universitrios, h que se
considerar tambm os limites da prxis secundarista relativamente universitria. Vale lembrar, a
esse respeito, o processo de reconstruo das entidades estudantis na segunda metade dos anos 1970
quando, no obstante a rearticulao de grmios e unies municipais de estudantes, o movimento
secundarista encontra no meio universitrio o ponto de apoio para a reorganizao nacional: no
congresso de reconstruo da UNE, realizado em Salvador em 1979, que ocorre a reunio nacional
de secundaristas que desencadeia a refundao da UBES em 1981.
Mas no se pode esquecer que aos seus limites especficos que a atividade do jovem
secundarista deve tambm o seu maior potencial: em razo dos processos psicolgicos envolvidos,
das localizao social e das condies de funcionamento dos estabelecimentos educacionais de
nvel mdio, e das condies materiais e emocionais que vinculam o adolescente famlia, o
movimento secundarista possui um carter local acentuado, um profundo envolvimento com o
meio familiar e comunitrio. Em outras palavras, encerra uma capacidade de incidncia sobre o
contexto social, mas sempre mediada pela famlia e a escola em funo da incapacidade de afirmar-
se como categoria social autnoma. Exemplo prtico desse potencial de incidncia social mediada,
que a histria j nos oferece, o peso significativo de jovens secundaristas em lutas comunitrias
relacionadas ao transporte urbano, como observamos no Brasil nas ltimas dcadas.
A isso, se soma o alcance da condio e da prtica do jovem secundarista s vises de
mundo, s formas de militncia e base real das organizaes de esquerda atualmente existentes. E
tambm sua projeo futura na sociedade: se o trabalho com jovens nas escolas permite o acesso
comunidade em seu entorno, num plano mais imediato; em termos de projeo futura o estudante
secundarista se qualifica na escola para ocupao de uma posio no mercado de trabalho ou para o
ingresso no ensino superior. Nesses casos, tem-se como resultado potencial futuro a renovao de
bases e quadros polticos para o trabalho sindical e para o trabalho do movimento estudantil
universitrio. Num ou noutro caso, abre-se a possibilidade de renovao do grupo de vanguarda
articulado na comunidade e a potencializao daquela iniciativa originria. A histria j deu provas
dessas possibilidades: o caso da Frente Sandinista de Libertao Nacional, na Nicargua dos anos
1970; e as iniciativas da esquerda brasileira, desde os anos 1970 e at hoje, com turmas de
alfabetizao de adultos e cursinhos pr-vestibulares; so algumas dentre muitas outras experincias
a se recuperar e estudar.
Isso tudo no significa que o movimento estudantil secundarista tenha condies de se
estabelecer como um vetor de politizao, como uma espcie de vanguarda. O movimento
estudantil de uma forma geral, em funo sobretudo da intensa rotatividade que lhe intrnseca, do
carter transitrio que lhe confere uma vida til militante muito breve e das presses as quais se
v submetido, premido entre a famlia, os estudos a militncia e o trabalho, no tem condies de se
viabilizar autonomamente como movimento de massa. um movimento particularmente
dependente de agentes externos e bastante sensvel tutelagem e manipulao, sobretudo por
parte da imprensa. Hoje, no meio universitrio, a situao ainda mais grave que outrora: mudanas
ocorridas ao longo da dcada de 1970, como a reestruturao do sistema de ensino superior e a crise
econmica, com seus impactos sobre a classe mdia, deterioram as condies de politizao do
estudante e de sua conformao enquanto agente coletivo vale dizer, enquanto categoria social
fragmentando e enfraquecendo as mobilizaes. Essa uma situao, enfim, que s refora a
necessidade dos partidos enquanto instrumento de sustentao e projeo estratgica dos
movimentos de juventude.
Da teoria prtica: desafios organizativos
De nada adiantam avaliaes e linhas polticas se estas no se traduzem no plano da prtica
poltica. E essa traduo passa por compreendermos a aplicao dessa linha em termos
organizativos. Em outras palavras, quando refletimos sobre como podemos nos organizar para o
cumprimento daquela linha, o que estamos fazendo objetivar no nvel da prtica uma dada
formulao poltica. Pois, considerando as formulaes expostas at aqui, impe-se a questo: como
realizar efetivamente esse trabalho? Quais so os meios concretos para se avanar na tarefa de
robustecer as bases populares das organizaes de esquerda mediante o trabalho no meio juvenil?
O primeiro passo formar um grupo de vanguarda, constitudo por jovens universitrios ou
por professores (que podem ter sido formados no movimento estudantil universitrio), que tenha a
disposio de dedicar-se ao trabalho. Esse grupo deve abrir os primeiros contatos nas escolas. No
caso dos professores, isso pode acontecer com a abertura de espaos formais que permitam o
contato com o grupo de vanguarda: indicar o grupo para entrevista em algum trabalho escolar,
chamar para dar uma palestra em sala de aula, ou indicar a interveno do grupo em algum espao
j existente na comunidade. Vale lembrar que o papel do professor enquanto integrante desse grupo
de vanguarda mediadora: a escola, mesmo no socialismo, um instrumento de socializao do
saber historicamente acumulado pela humanidade com vistas consolidao de uma cultura
referenciada na satisfao das mais bsicas necessidades do ser humano, e no um aparelho de
doutrinao poltica.
O contato dos secundaristas com os elementos jovens do grupo de vanguarda, dever se
apoiar inicialmente em aspectos estticos relacionados identidade coletiva, como aqueles
produzidos em aes de agitao e propaganda, em aes de interveno cultural. A capacidade
agregadora dessas iniciativas est diretamente relacionada a sua visibilidade pblica, seja em
espaos de concentrao massiva, seja indiretamente pelos meios de comunicao de massa. Esse
elemento decisivo, pois prprio da condio juvenil o esforo por aglutinar-se, tendo em vista a
experimentao de prticas e valores com os quais ele acha que pode se identificar, buscando para
isso grupos com capacidade de se impor e se legitimar socialmente.
O trabalho pode ganhar uma nova qualidade com a aproximao de coletivos locais, como
grupos de hip-hop ou rap, por exemplo. Nesse caso, importante a perspectiva de no assimilar ou
centralizar politicamente essas iniciativas questo que nos remete para o debate sobre a relao
entre partido e movimentos sociais: no funo do partido subordinar completamente as
iniciativas dos movimentos; como tambm no sua funo deixar os movimentos sorte de sua
prpria espontaneidade. Aos partidos de esquerda, representados nessa iniciativa concreta por um
grupo jovem de vanguarda, cabe estimular, reforar e difundir os elementos mais avanados e
progressistas j presentes na cultura e na experincia da comunidade em que se trabalha. E ao
mesmo tempo, apoiar e conduzir esses elementos iniciativas prticas que permitam sua crescente
elevao poltica.
Falando concretamente: se a comunidade identifica um problema como a insuficincia do
servio de transporte pblico e acredita que a melhor forma de resolver isso fazendo um abaixo
assinado, a funo do grupo de vanguarda ajudar na redao do documento, na logstica da coleta
de assinaturas, na entrega do documento s autoridades e, por fim, na avaliao poltica dos
resultados que podem e devem conduzir a uma elaborao superior das condies que se impe
quela luta especfica por transportes. A vitria pode reforar o espirito de luta, o protagonismo,
enquanto a derrota conduz a uma elaborao superior a respeito das condies em que a luta se
realiza: se essa autoridade no resolve, qual resolveria? E no caso de nenhuma resolver, que fazer?
Esses questionamentos, que nas condies extremas a que esto submetidas as amplas parcelas da
classe trabalhadora e que dificultam a disposio e disponibilidade para estudos tericos s
poderiam advir da experincia direta, tm uma dimenso pedaggica e formativa cuja busca um
dos objetivos centrais do trabalho na comunidade.
Em termos de pauta, qual a melhor abordagem? Em relao a isso realmente no h
frmulas prontas. Deve-se, inicialmente, evitar uma associao meramente formal entre o estudante
secundarista e um movimento que, sendo de alunos, deveria lutar por educao. Educao um
dentre outros temas que atravessam a vida do jovem e da comunidade em que ele se insere, o que
coincide com a ideia de um jovem secundarista pode se engajar e se identificar de formas que no
se enquadram naquilo que entendemos como movimentos estudantil secundarista, referenciado na
UBES. a comunidade e o estudante que vo dizer qual tema lhes interessam. A funo do grupo
de vanguarda ajudar a identificar e sistematizar essas preocupaes, imprimindo-lhes
consequncia prtica e poltica.
Nesse esforo, todavia, preciso estar alerta para uma outra questo envolvendo os partidos,
referente no relao que estabelecem com os movimentos sociais, mas uns com os outros. No
trabalho popular importante que se tenha em mente o real nvel de organizao e politizao das
lutas, no se deixando dividir por divergncias polticas que no tem consequncia imediata
relevante no que tange potencializao do protagonismo popular, mas servem seno
autoconstruo sectria. Nesses termos, tarefa central e pedaggica das foras polticas mais
conscientes, comprometidas com o trabalho de base, apontar e corrigir os desvios vanguardistas e
sectrios de outros grupos, contribuindo para um clima de compartilhamento da funo de
vanguarda em torno deste objetivo primeiro e central: a inverso da correlao de foras com vistas
ao avano da luta. No fundo, essa atitude nos lembra que a organizao apenas um meio, um
instrumento, e que sua importncia se deve a sua absoluta necessidade enquanto uma condio
geral. O apego sectrio a instrumentos organizativos particulares, por outro lado, mais que a
converso da organizao num fim, representa um enorme atraso em termos de construo do poder
popular.
Uma vez implantado o trabalho, importante definirmos o resultado que podemos e
queremos obter. O desenvolvimento da iniciativa pode nos conduzir a uma srie de reivindicaes e
contatos direcionados ao trabalho no bairro. Nesse caso, o grupo de vanguarda deve trabalhar para a
formao de lideranas locais, incentivando o protagonismo popular. Por outro lado, as questes
levantadas e os contatos podem conduzir experincia dos jovens no mundo do trabalho. Nesse
caso, abre-se a possibilidade de consolidao de algum tipo de iniciativa de natureza sindical. Por
fim, os jovens estudantes referenciados no grupo de vanguarda podem eventualmente se
encaminhar universidade. Nesse caso, tem-se a possibilidade de ampliar nosso trabalho no
movimento estudantil universitrio.
Em todo caso, vale lembrar, uma objetivo no deve jamais se perder de vista, qual seja, o de
formar lideranas capazes de renovar e multiplicar os grupos de vanguarda que j tivermos
condies de estabelecer; isto, lembrando sempre da necessria sustentao da ao partidria, a
partir da qual se poder oferecer um contraponto incapacidade do movimento juvenil se viabilizar
autonomamente; e das dificuldades que apresenta o movimento popular em impulsionar um ciclo de
lutas continuadas, em funo das condies de vida e trabalho restritivas a que amplas parcelas da
sociedade encontra-se hoje submetidas. E que, de resto, reafirmam a atualidade e a urgncia de um
projeto de sociedade onde as necessidades bsicas da maioria sejam a primeira condio de
distribuio de riqueza e poder.
Nota do autor: agradeo a Joana Borges, Joo Carlos Ribeiro e Rodrigo Csar de Arajo Santos
pela leitura crtica e pelas sugestes. A Paulo Henrique Lima, agradeo pela referncia sobre o
papel dos estudantes nas lutas da Nicargua nos anos 1970.
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