Post on 11-Nov-2018
* Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ), bacharelando em Relações
Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).
JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA: O CASO
DA IMPORTAÇÃO DE PNEUMÁTICOS USADOS
Ênio Saraiva Leão*
Introdução
A elaboração e execução da política externa, segundo os acadêmicos mais clássicos
da ciência política e das relações internacionais, compete ao chefe Poder Executivo, auxiliado
pelo Ministro das Relações Exteriores e por todos os órgãos burocráticos vinculados a este
Poder. Ao Poder Legislativo é atribuída uma participação secundária, quase abstencionista no
caso brasileiro, restringindo-se basicamente a autorização do chefe do Executivo declarar a
paz ou a guerra, bem como a permissão para a assinatura de tratados internacionais (FARIA,
2008; LINDSAY, 1994; HILL, 2003).
Santos (apud FARIA, 2008), demonstra que a política externa, e muito
particularmente o comércio exterior, “são objeto natural de delegação de poder decisório do
Legislativo para o Executivo”, em razão da sensibilidade às pressões distributivas do tema,
requerer elevada expertise e o comércio exterior demandar estabilidade das decisões.
As mudanças ocorridas no último século, conseqüência do fortalecimento do
comércio internacional, do desenvolvimento de novas tecnologias, com forte efeito na
redução das distâncias, resultou numa crescente vinculação entre questões domésticas e
internacionais, surgindo durante todo este período novos atores internos e externos, tais como:
organizações civis, grupos empresariais, organismos supranacionais, dentre outros,
demandando a satisfação de interesses e uma maior participação na vida política do país,
inclusive em relação à política externa. Alguns pesquisadores apontam ainda a crescente
importância da opinião pública como ator no processo da tomada de decisão de política
externa no país, outros apontam uma tentativa do Legislativo em se inteirar de tais questões e
recuperar o espaço perdido, porém são raras as pesquisas que tratam do Judiciário como um
ator capaz de exercer forte influência de controle da agenda política do Executivo (TAYLOR,
2006; KING e MEERNIK, 1999).
Partindo da análise da proibição brasileira da importação de pneumáticos usados,
este trabalho busca apontar a crescente importância do Poder Judiciário na fase de execução
da política externa brasileira, haja vista a possibilidade do mesmo através do exercício da
revisão judicial alterar o rumo da política pública nacional, podendo ser um elemento de
democratização da política externa ou um ator de desestabilização da política nacional.
Com este objetivo, foi realizado um levantamento bibliográfico sobre a questão, com
a leitura de artigos acadêmicos, documentos oficiais e reportagens relacionadas à importação
de pneumáticos, bem como a análise das normas pertinentes ao caso. Foi efetuado ainda um
levantamento das ações judiciais atinentes ao caso, que possibilitou o acompanhamento
processual das mesmas e a leitura de petições e decisões, quando disponíveis no sítio do
Tribunal de origem.
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Controle de constitucionalidade
O Estado moderno fundamenta suas bases em um sistema normativo, voltado para
regular as relações sociais, as questões políticas e todas as questões atinentes a vida humana.
É pressuposto deste sistema a unidade e coerência entre os elementos que o compõe, da
supremacia dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição. Quando uma
norma integrante desse sistema entra em desarmonia com o mesmo, logo, a mesma deverá ser
extirpada do mundo jurídico. Um dos mecanismos que serão deflagrados, quando configurado
o elemento desintegrante é o controle de constitucionalidade.
O controle de constitucionalidade é, portanto, um processo, por meio da qual o
detentor da atividade jurisdicional verifica se existe ou não compatibilidade formal e material
entre o ato normativo e o objeto paradigma, a Constituição (MONTEIRO, 2007). Este
mecanismo tem como objetivo a uniformização do ordenamento jurídico, como forma de
pacificação social, a partir da segurança jurídica.
Assim sendo, a inobservância das normas constitucionais durante o processo
legislativo há como conseqüência a possível declaração da inconstitucionalidade formal da lei
ou ato normativo produzido. O exercício deste controle de constitucionalidade pelo Judiciário
brasileiro pode ocorrer de forma concentrada ou difusa.
Controle concentrado de constitucionalidade
O controle concentrado de constitucionalidade é de competência do Supremo
Tribunal Federal – STF e sua finalidade primordial, no entender de Moraes (2000) é a guarda
da Constituição. Silva (2005) destaca que o exercício do controle concentrado pode ocorrer de
duas formas: originária, quando do ajuizamento de ações cuja apreciação é de sua
competência, ou recursal, quando o Supremo exerce o duplo grau de jurisdição, apreciando
questões julgadas por Tribunais de instâncias inferiores.
Uma característica do julgamento das ações pelo STF é de que as mesmas não são
voltadas a análise de questões fáticas ou de direito do caso concreto, mas tão somente acerca
da (in)constitucionalidade da norma questionada. Este exercício in abstrato do controle de
constitucionalidade, concebido pelo jurista austríaco Hans Kelsen, foi introduzido no direito
pátrio com o intuito formar, desde logo, precedentes que orientassem o julgamento dos
processos congêneres nas instâncias a quo.
O controle concentrado de constitucionalidade apresenta como vantagem o fato da
matéria decidida ter eficácia erga omnes e efeitos ex tunc, assegurando economia para as
partes, segurança e estabilidade jurídica, além da correção de possíveis injustiças surgidas
pela multiplicidade e contradição dos julgados proferidos pelos juízes ou tribunais sobre
matéria idêntica.
Dentre as ações de controle concentrado de constitucionalidade existentes, destacam-
se apenas as necessárias para a compreensão do presente trabalho, são elas: Ação Direta e
Inconstitucionalidade – ADI (utilizada para se obter a declaração de inconstitucionalidade de
lei conflitante com o ordenamento jurídico, cujos efeitos serão vinculantes aos demais órgãos
do Judiciário e à administração pública, bem como retroativo e para todos, desfazendo, desde
sua origem, o ato declarado inconstitucional) e Argüição de Descumprimento de Preceito
Fundamental – ADPF (tem por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental
resultante de ato do poder público, de eficácia erga omnes e vinculante aos órgãos públicos,
além de possuir efeito repristinatório, podendo sua eficácia ser declarada ex tunc ou ex nunc,
conforme a decisão da Corte), haja vista a existência de cinco ADI e uma ADPF, aguardando
julgamento e diretamente relacionada com a importação de pneumáticos usados. Após a
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apresentação do controle concentrado, passemos ao controle difuso, também de fundamental
importância para a compreensão do caso concreto.
Controle difuso de constitucionalidade
A idéia de controle de constitucionalidade realizado por todos os órgãos do Poder
Judiciário nasceu do caso norte-americano Madison versus Marbury (1803), em que o juiz
Marshall da Suprema Corte Americana afirmou que é próprio da atividade jurisdicional
interpretar e aplicar a lei. Ao fazê-lo, em caso de contradição entre a legislação e a
Constituição, o Tribunal deve aplicar esta última, haja vista sua superioridade a qualquer outra
espécie de lei.
O controle difuso caracteriza-se, principalmente, pelo fato de ser exercitável somente
perante um caso concreto a ser decidido pelo Poder Judiciário. Assim, posto um litígio em
juízo, o Judiciário deverá solucioná-lo e para tanto, incidentalmente, deverá analisar a
constitucionalidade ou não da lei ou do ato normativo. A declaração de inconstitucionalidade
é necessária para o deslinde do caso concreto, não sendo, no entanto, o objeto principal da
ação, como no controle concentrado.
A declaração de inconstitucionalidade será analisada como um quesito anterior a
apreciação do mérito da demanda, com o objetivo de obrigar ou isentar o interessado do
cumprimento da lei questionada. Entretanto, a lei ou ato permanecerão válidos no que se
refere à sua força obrigatória com relação a terceiros não vinculados ao processo.
Mauro Cappelletti (1992) aborda com muita propriedade o problema do sistema
difuso nos países de base romanística, que por não possuírem um sistema de harmonização
das decisões, o stare decisis existente nos países seguidores da common law, resulta em
pensamentos contrastantes sobre a (in)constitucionalidade de uma norma, entre órgãos
jurisdicionais de mesmo grau ou de graus distintos, sendo um forte elemento de instabilidade.
Judicialização da Política
Desde os pensadores clássicos, como Locke e Montesquieu, responsáveis pela
elaboração e desenvolvimento da teoria tripartite de separação de poderes, coube ao Poder
Executivo a consecução das políticas, com ampla margem de discricionariedade; ao
Legislativo o dever de elaboração das normas; e ao Judiciário o de decidir sobre questões de
ordem criminal e civil (FREIRE JUNIOR, 2005).
O ideal democrático, segundo Couto (2004), vem reforçar no Poder Legislativo, o
papel de controle do Poder Executivo, principalmente em questões cujos efeitos repercutam
na ordem externa, porém, a história política brasileira nos demonstra certa inércia daquele no
controle deste. Para o autor, os prováveis motivos para essa falta de atuação do Legislativo
são: a dificuldade em processar questões técnicas distantes da realidade dos parlamentares e
também a sobrecarga da agenda política interna, que elimina o espaço para questões externas
sem efeitos perceptíveis no curto prazo.
Em conformidade com este ideal, Couto (2004) e Freire Junior (2005) destacam que
o Judiciário, detentor do monopólio jurisdicional, pode desempenhar um papel importante,
principalmente considerando as atribuições constitucionais que lhe foram conferidas pela
Carta de 1988, que ampliou sua capacidade de atuação, e desde então, vem suprindo lacunas
não preenchidas pelo Poder Legislativo e aferindo o grau de vinculação dos atos dos demais
Poderes às normas constitucionais e infraconstitucionais, ocorrendo o fenômeno da
judicialização da política.
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Ressalta Appio (2004) que inúmeras questões de índole estritamente política, as
quais até recentemente eram discutidas e resolvidas dentro da esfera política, agora são
trazidas ao exame do Poder Judiciário, dada a complexidade das atividades desempenhadas
pelo Estado e as colisões de tais atividades com os interesses de muitos grupos de interesses,
ocorrendo o fenômeno denominado Judicialização da Política.
Judicialização da política pode ser definido como a intervenção decisória do Poder
Judiciário em matérias de ordem públicas, provocado por grupos de interesses opositores a
política pública implementada pelo Executivo ou Legislativo, que se utilizam do Judiciário
para a satisfação de seus interesses, no sentido de conseguir bloquear ou reverter ao menos
temporariamente a política executada (PEIXINHO, 2008; OLIVEIRA, 2005; GOLDSTEIN et
alli., 2000).
Este fenômeno decorre em razão das políticas públicas serem resultado de um
alinhamento das preferências de agentes políticos com os interesses de organizações ou
instituições, não representando, necessariamente, a vontade pública de toda a sociedade, que
não participam da discussão política junto ao Executivo e Legislativo e se socorrem ao
Judiciário (GOLDSTEIN e MARTIN, 2000; DOMINGO, 2004). Flexor e Leite (2007)
aduzem que o Executivo e o Legislativo, por serem suscetíveis ao voto, procuram estabelecer
relações que sejam benéficas para ambos, de forma a evitar desgastes junto ao eleitorado,
tendendo a ser influenciado por grupos organizados quando da elaboração das políticas
públicas.
O Judiciário tem aumentado sua força na tomada de decisões (positivas ou negativas)
das políticas públicas do país, através da revisão judicial, atuando como pontos de vetos, vez
que grupos perdedores se aproveitam dos diversos mecanismos recursais resultantes de um
sistema judicial descentralizado, para rediscutir as ações governamentais, não alcançados na
arena política (COSTA JÚNIOR, 2006; FERREIRA et alli, 2004; TAYLOR, 2006). Já
Ferreira et alli (2004) afirmam que a interferência do Judiciário no processo político dificulta
a governabilidade, pois o Executivo passa a depender da concordância do Judiciário para a
implementação das políticas públicas, implicando numa maior dispersão de poder no contexto
decisório, com o aumento de custos e de novas possibilidades institucionais de veto.
Uma série de fatores são apontados como determinantes para a ocorrência da
judicialização da política, dentre eles: a ampliação da legitimação para propositura da ADI, a
hipertrofia do sistema legislativo, a excessiva constitucionalização de temas e a
incompetência do Executivo e do próprio Legislativo em sanar suas falhas burocráticas
(CARVALHO NETO, 2000; ARANTES, 2004).
A jurisdição constitucional não pode ser um instrumento de execução dos projetos
políticos das minorias políticas, na medida em que, apesar do déficit democrático, o Poder
Judiciário deve zelar pela manutenção do confronto político em seu campo próprio, bem
como o operador do Direito deve ter consciência de que um órgão técnico não pode julgar as
causas políticas apenas sob um ponto de vista meramente técnico. A observância destas
questões é de fundamental importância para a democracia e o respeito à repartição de poderes,
evitando principalmente a invasão do Judiciário em matéria diversa de sua competência.
A importação de pneus no Brasil
Ao final da década de 1980, a expansão do comércio de pneumáticos no Brasil
implicou no início da importação de três itens: pneus reformados, pneus usados e carcaças de
pneus usados. Os pneus reformados são os que já foram utilizados uma vez e sofrem um
processo que possibilita o seu reaproveitamento por mais um ciclo de vida. Após esse último
ciclo, o pneu reformado torna-se passivo ambiental para o país que o recebeu de difícil e
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onerosa destinação. Os pneus usados, não passam por processo industrial, chegando ao país
somente para encerrar o curto período de vida útil que lhes resta, tornando-se, igualmente,
lixo não degradável. Já as carcaças de pneus, são utilizadas como matérias-primas para a
indústria nacional de reforma de pneus (MOROSINI, 2008). Hoje, proíbe-se, expressamente,
a importação dos pneus usados, porém seguem as importações de carcaças de pneus e de
pneus reformados, estes resultantes de uma decisão do Tribunal arbitral ad hoc do Mercado
Comum do Sul - MERCOSUL, aqueles por liminares concedidas pelo Judiciário brasileiro.
Afirmam Deitos (2007) e Morosini (2008) que as indústrias fabricantes de pneus no
Brasil, até o início da indústria de remoldagem, compunham-se, exclusivamente, de empresas
transnacionais (Goodyear, Michelin, Pirelli e Firestone), que dominavam o mercado e
estabeleciam um visível oligopólio. Os pneus reformados e os pneus usados com preços
inferiores aos novos agradaram o mercado consumidor, gerando concorrência entre os pneus
novos e reformados, acarretando além do barateamento e melhoria da qualidade dos
primeiros, a instalação da “Guerra dos Pneus”.
O embate existente resultou na organização do empresariado em associações
representativas das respectivas classes: a Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos -
ANIP reunindo as empresas estrangeiras instaladas no país; Associação Brasileira do
Segmento de Reforma de Pneus - ABR e a Associação Brasileira da Indústria de Pneus
Remoldados - ABIP agregando os importadores de pneus reformados e de carcaças usadas,
todas com grande poder de lobby, exigindo incentivos econômicos ao governo,
regulamentação do setor pelo Poder Legislativo e retaliações para o segmento oposto
(GOLDSTEIN e MARTIN, 2000).
A ABIP afirma que o paradigma sobre os pneus usados foi erigido a partir do ano de
1991, quando o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis -
IBAMA, o Ministério do Meio Ambiente - MMA e o Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio - MDIC lutavam contra as importações dos pneus “meia-vida” ou “semi-
novos, para “proteger a indústria nacional” (Goodyear, Michelin, Firestone e Pirelli), pois na
época, apenas se fabricavam no Brasil pneus novos, já que os remoldados nacionais só
começariam a ser importados ou produzidos no Brasil a partir de 1995.
Das normas proibitivas
Em virtude das pressões exercidas pelos fabricantes de pneus, o governo,
representado por suas autarquias executivas de Comércio Exterior e de Meio Ambiente,
proibiu através de resoluções, decretos e portarias a importação de pneus usados e
reformados, mesmo aqueles importados como bem de produção1, inicialmente em defesa a
indústria nacional e posteriormente em defesa do meio ambiente2.
Logo após a edição das referidas normas, os importadores de pneus usados
questionaram judicialmente a proibição da importação, obtendo, junto a Tribunais brasileiros,
o direito de continuar com as importações, sob o argumento jurídico de que apenas a lei em
sentido formal – e não uma portaria, resolução ou decreto – seria o instrumento adequado para
a edição da norma em questão. Outros argumentos levantados foram: a incompetência de
algumas autarquias para a intervenção em matéria de Comércio Exterior, com a imposição de
1 Foram editados cronologicamente as seguintes normas proibitivas: portaria DECEX n.º 08/91; portaria
IBAMA n.º 138-N/92; resolução CONAMA n.º 23/96; resolução CONAMA n.º 235/98; resolução CONAMA
n.º 258/99; portaria SECEX n.º 08/00; decreto n.º 3.919/01; portaria SECEX n.º 02/02; portaria SECEX 17/03; e portaria SECEX n.º 14/04. 2 Contraditoriamente, o DECEX publicou o Comunicado n.º 02/97 e o CONAMA as resoluções n.º 08/96 e
228/97, que permitiam a importação de materiais usados, de maneira geral, para fins de reciclagem.
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penalidades, ou ainda a “demonstração” do cumprimento das obrigações ambientais
devidamente cumpridas.
O Executivo então tentou consumar a proibição através de projeto de lei
encaminhado ao Legislativo (4.109/93 e 6.136/05), no entanto, em face do forte lobby dos
importadores no Legislativo, o Executivo acabou por retirar de votação os referidos projetos,
ante a iminência de ao invés de proibir a importação, regulamentar o setor de remoldados.
O governo brasileiro defende que o processo de reforma só faz sentido do ponto de
vista ambiental se as carcaças a serem reformadas forem aquelas que já se encontram no
território nacional, pois importar carcaças de pneus usados para reformar no país somente
atenderia aos interesses do país exportador.
Dando cumprimento ao laudo arbitral proferido em favor do Uruguai, pelo Tribunal
ad hoc do MERCOSUL, que será comentado posteriormente, o Brasil editou a portaria
SECEX n.º 02, de 08 de março de 2002, que reconheceu o direito dos países do MERCOSUL
de exportarem para o Brasil pneus remoldados.
O Estado do Rio Grande do Sul baniu através das leis n.º 12.114/2004 e 12.182/2004,
a comercialização de pneus usados, incluindo os remoldados que foram remanufaturados fora
do Brasil. Esta lei foi emendada em 2005 pela lei n.º 12.381/2005, quando a importação e
comercialização foram permitidas, desde que importador comprovasse a destruição de dez
pneus usados brasileiros para cada pneu importado.
Hoje, através da portaria SECEX n.º 14/2004, a importação de pneus usados segue
proibida, porém, com forte discussão acerca da proibição no âmbito judicial.
Questão ambiental e de saúde pública
Para Motta (2008), o acúmulo dos resíduos dispostos inadequadamente resultante do
consumo da sociedade é um problema ambiental que, embora haja diversos encaminhamentos
na tentativa de minimizar o impacto gerado, não foi ainda resolvido. Ela afirma que tal
acúmulo ocorreu porque esta questão foi tratada por vários anos como uma conseqüência
indesejada, mas inevitável, do desenvolvimento econômico, e sempre foi carente de regulação
e fiscalização ambientais intensivas.
Os associados da ABIP afirmam que a remoldagem se trata de um processo de
reciclagem, pois compreende um importante método para a economia de recursos naturais
não-renováveis, haja vista a considerável economia no uso de petróleo que cada pneu
remoldado, além de custar 40% menos que um pneu novo.
No entanto, a gestão do pneu é extremamente complexa e onerosa, em virtude da
diversidade de materiais e produtos químicos envolvidos em sua fabricação, o que dificulta a
destinação adequada dos mesmos, ante a inexistência de métodos eficazes ou a
disponibilidade apenas em países desenvolvidos.
A questão da proibição ganha importância, quando se verifica que a gestão de pneus
é um problema global. A União Européia – UE e os Estados Unidos não sabem o que fazer
com esses resíduos, cuja destinação adequada custa em torno de € 1.2 por pneu de automóvel
(MRE, 2006). A solução encontrada, tanto por um quanto por outro, principalmente com o
endurecimento das legislações ambientais internas, é exportação destes produtos para os
países em desenvolvimento (CASOTECA). Dessa forma, livram-se de um resíduo
extremamente danoso ao meio ambiente e à saúde pública, além de reduzir o passivo
ambiental interno, já que esse é transferido aos países importadores dos pneus usados. No
Brasil, o método mais utilizado de destinação dos resíduos inservíveis dos pneus é a
laminação (uso do pneu pela indústria calçadista, moveleira e de construção civil, porém, há
apenas o retardamento do dano, vez que ao final da vida destes produtos, torna-se da mesma
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forma, passivo ambiental de difícil destinação), seguido pela incineração em fornos de
cimenteiras3 (resultante na emissão de compostos químicos altamente tóxicos e cancerígenos:
furanos, dioxinas4, cujo índice tolerado de emissão desses compostos na Europa é de
0,1ng/Nm3 e no Brasil, 0,5ng/Nm3, além de monóxido de carbono, gás carbônico, óxido de
enxofre e nitrogênio). Em seguida, é utilizado o co-processamento de pneus em usinas de
xisto-betuminoso, para a produção de gás natural e óleo combustível, mas que produz como
rejeito uma “borra oleosa” que contém metais pesados de elevado nível de toxidade e que
representa 40% do produto da incineração. Outro método adotado é a produção do asfalto de
borracha, de maior durabilidade, mas de custo mais elevado (DEITOS, 2007). Todos os
métodos são questionáveis do ponto de vista ambiental e da saúde pública, visto que só dão
destinação “adequada” a apenas 1/3 dos pneus inservíveis em território nacional.
Aos pneus é atribuída ainda à responsabilidade pelo aumento de casos de dengue,
malária, febre amarela e leptospirose, pois quando abandonados em aterros se transformam no
criadouro ideal para seus respectivos transmissores. A acumulação de pneus em pilhas cria o
risco de incêndios de difícil controle e a lixiviação tóxica de chumbo, níquel, cromo e cádmio.
Este método é condenado, inclusive, pela Convenção de Basiléia, que entende que “o aterro e
o armazenamento em pilhas são as opções menos desejáveis.”
Dossiê elaborado pela FGV (2007) destaca que dentre os países em desenvolvimento
que proíbem a importação de pneus usados e reformados, o Brasil é o de maior população e
frota de veículos, sendo o seu mercado o maior objetivo de toda indústria de pneus
reformados, ao ponto de ter sido o único país em que a União Européia efetuou estudo acerca
de sua legislação e a requer a instauração de painel junto a OMC. Este mesmo estudo cita
ainda dado da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento -
UNCTAD que adverte que entre 1990 a 1994 o comércio de pneus usados em geral dobrou,
sendo que as exportações desses produtos de países da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico - OCDE para países que não integram a organização – ou seja,
de países desenvolvidos para países em desenvolvimento – cresceu cerca de 700%.
O Brasil alega que a proibição de importações é a única opção conhecida de
gerenciamento de resíduos de pneus capaz de reduzir os efeitos danosos de maneira que não
ponha em risco a saúde humana e o meio ambiente, vez que a medida evita a criação de
resíduos adicionais de pneus que precisarão ser coletados, reduzindo os perigos causados pela
acumulação e destinação de resíduos de pneu.
A Convenção da Basiléia - CB constitui um documento contrário a exportação, na
direção desenvolvidos/subdesenvolvidos, de resíduos perigosos. A CB tem origem em uma
reação internacional liderada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente -
PNUMA, em razão da descoberta de inúmeros casos de transporte de resíduos tóxicos para a
deposição em países pobres5.
No mínimo curioso é o fato da proibição de pneus, caso exemplar da defesa
ambiental contra a destinação inadequada e desnecessária de resíduos nacionais e
estrangeiros, existir há cerca de dezenove anos, mas inexistir, até hoje, um plano de gestão de
resíduos sólidos, que regulamente e oriente a coleta e destinação dos mesmos, possibilitando,
3 De acordo com a Agência Européia de Meio Ambiente, a incineração é apropriada apenas “se nenhuma outra
saída for possível.” (MRE, 2006a). 4 Pertence ao rol dos 12 contaminantes a serem retirados pela Convenção de Estolcomo. 5 Em 1988, o custo da disposição final de uma tonelada de resíduos industriais, conforme o rigor ambiental
aplicado, variava entre US$100 e US$2000 dólares nos países desenvolvidos. Essa mesma tonelada, depositada
na África, com os custos de transporte, se estabelecia entre US$2,50 e US$50. Durante esse período cinco milhões de toneladas de resíduos tóxicos foram exportados para os países em desenvolvimento, conforme o
PNUMA. Atualmente, cálculos do mesmo órgão das Nações Unidas estimam que cerca de 40 milhões de
toneladas de resíduos tóxicos continuam cruzando as fronteiras dos países (DEITOS, 2007).
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inclusive, a permanente e intensa fiscalização dos órgãos ambientais. Isto leva a crer que
mesmo que a proibição ganhe a plenitude desejada pelo governo, ou seja, proíba a importação
de pneus usados e reformados, milhões de pneus produzidos no território nacional ou
importados continuarão a ser destinados de forma inadequada, degradando o meio ambiente e
ferindo as normas ambientais, limitando apenas um dos segmentos poluidores.
Das pressões e justificativas dos setores empresariais
Os associados da ANIP defendem a proibição da importação em defesa da saúde
pública e do meio ambiente, porém suas associadas são autoras de Ação Judicial6, cujo
objetivo é extirpar do mundo jurídico a resolução CONAMA n.º 258/99, que obriga
igualmente fabricantes e importadores de pneus a destruir, de forma ambientalmente
adequada, pneus inservíveis a serem coletados em território nacional, na proporção dos pneus
colocados no mercado brasileiro. Em 08/09/05 os associados, apesar de responsáveis por 73%
do “lixo-pneu” existente no Brasil (ABIP, [s.d.]) e cumpridores de apenas 35% de sua
obrigação ambiental, obtiveram a suspensão da exigibilidade das multas lavradas pelo
IBAMA. As empresas associadas, defensoras da proibição em prol do meio ambiente, não
cumpriram a legislação e deixaram de recolher, apenas em 2004, 70 milhões de pneus
inservíveis, tendo recebido, de acordo com os cálculos do IBAMA, multa de R$ 0,30 por pneu
não recolhido, valor muito inferior ao que seria gasto na operação de destinação final (R$
1,80).
A ABIP ressalta ainda que em 2006 as importações de pneus usados representaram
9,63% do total de quilos de pneus colocados no mercado brasileiro. Os pneus novos
importados somaram 17,41%, 81% a mais que os usados importados, devendo-se considerar
que aqueles também ficarão velhos e serão problemas para o meio ambiente e saúde pública.
Já os pneus novos fabricados no Brasil representaram 72,75% e estes fabricantes cumprem
apenas 1/3 de suas obrigações ambientais.
A ABIP “buscando” garantir a eficácia da resolução CONAMA n.º 258/99, ajuizou
em 2002, Ação Civil Pública7 com o objetivo de impedir qualquer mudança no texto da
mesma e, garantir o cumprimento imediato da obrigação nela estabelecida, por parte de todas
as empresas fabricantes e importadoras, indistintamente. Todavia, a própria ABIP, através da
Associação Brasileira dos Importadores de Pneus Chineses – ABIPEC8, também ingressou
com ação judicial9 na busca de suspender os efeitos da citada Resolução (VÉGAS, 2008).
A ABIP argumenta ainda que a proibição ocorre por estar desestabilizando o
oligopólio dominante no mercado de reposição, vez que no mercado de trocas de pneus de
automóvel e de caminhonete a BS Colway, a maior indústria de remoldagem do país, já teria
ocupado uma grande fatia do mercado (ABIP, [s.d.]).
Essa evidência também foi expressa em audiência pública na Câmara Federal, em
abril de 2002, quando Henrique Augusto Gabriel, representando o ministro Alcides Tápias,
declarou: "Ao editar a portaria DECEX 08/91 e SECEX 08/2000, proibindo as importações de
pneus usados, a intenção do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio foi
defender a indústria nacional contra a concorrência predatória de produtos sem valor nos
países de origem" (ABIP, [s.d.]).
6 Processo n.° 2005.34.00.022604-1, que tramita na 9ª Vara Federal do Distrito Federal. 7 Processo n.º 2002.34.00.002356-8, que tramita na 14ª Vara Federal do Distrito Federal. 8 As indústrias de remoldagem, temendo pela consumação da proibição de pneus usados como matéria-prima para a indústria de reforma nacional, começaram a importar pneus novos, permitidos por lei, originados da
China, já tendo se organizado na referida Associação. 9 Processo n.º 2008.34.00.019883-1, que tramitou na 9ª Vara Federal do Distrito Federal.
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Verifica-se, portanto, uma constante e incansável disputa entre as associações
empresarias, na busca por resguardar seus interesses. Os grupos se utilizam do Poder
Judiciário para bloquear a implementação da política pública do governo federal. Apesar da
forte questão ambiental e de saúde pública envolvida, há em segundo plano, uma grande
questão comercial e concorrencial envolvida. Disputa-se o mercado de reposição de pneus,
pendendo o governo em favor do oligopólio dos fabricantes de pneus.
Das conseqüências externas e internas da proibição
A proibição brasileira à importação de pneumáticos importados usados e remoldados
é alvo de uma série de questionamentos tanto interna quanto externamente, resultado da
ausência de coordenação política entre os três poderes brasileiros e a ausência de uma
uniformização da questão nos Tribunais Federais brasileiros. No plano doméstico, as
contestações são originadas pelas empresas importadoras e de remoldagem, já
internacionalmente, os protestos ocorrem tanto no âmbito regional, através do Tribunal ad hoc
do MERCOSUL, promovido pelo Uruguai, quanto pelo painel da OMC, originado de uma
reclamação da Comunidade Européia. Como resultado destas contestações, a proibição
brasileira se encontra fragilizada e o Brasil passível de uma série de penalidades.
Internamente a questão ainda se encontra longe de estar pacificada, com ações de
grande importância tramitando vagarosamente em todas as instâncias do Judiciário, tornando-
se este ao invés de um solucionador de conflitos, um elemento de desestabilização da política
comercial brasileira.
O tribunal ad hoc do MERCOSUL
O MERCOSUL é uma União Aduaneira criada pelo Tratado de Assunção em 1991,
com objetivos, sobretudo, de ordem econômica, buscando o desenvolvimento comercial dos
países membros, através da criação e eliminação de barreiras não-tarifárias nas importações
de outros membros, além do estabelecimento de uma tarifa externa comum e a harmonização
das leis domésticas e regulamentos.
Em 2002, o Uruguai, país membro do bloco, requereu a instauração de um
procedimento arbitral contra o Brasil em razão da proibição brasileira a importação de
pneumáticos recauchutados, por meio da portaria SECEX n.º 08/00, afirmando que a citada
portaria violou a decisão do Conselho do Mercado Comum - CMC n.º 22/2000, que
determinou que, a partir de 29 de junho de 2000, “os Estados Partes não adotarão nenhuma
medida restritiva ao comércio recíproco, qualquer que seja sua natureza”.
Já vigorava no país, desde 14 de maio 1991, a portaria DECEX n.º 08/91, que proibia
todo o comércio de bens usados, inclusive de pneus. No entanto, não especificava que os
pneus reformados também estavam proibidos, tendo o Brasil alegado que a edição da portaria
combatida se deu para sanar um problema de interpretação da norma anterior, afirmando o
governo, que o comércio nesse período ocorreu somente devido a falhas no sistema de
comércio exterior e que o silêncio da portaria n.º 08/91, sobre bens recondicionados, não
implicaria numa permissão, visto que todas as suas exceções eram expressamente definidas.
Como conseqüência, o Tribunal arbitral ad hoc ao dirimir a controvérsia estabelecida
entre o Uruguai e o Brasil, entendeu no ano de 2002, que a portaria DECEX n.º 08/91 refere-
se, exclusivamente, à proibição de importação de pneus usados e que, portanto, a portaria
SECEX n.º 08/00 estaria ampliando as restrições, com a inclusão dos pneumáticos
recauchutados, após quase uma década de permanente e intensa comercialização desta espécie
10
de pneus, ferindo princípios, como: o da livre circulação e o da previsibilidade comercial. Foi
imposto ao Brasil o dever de alterar as legislações conflitantes, ante a irrecorribilidade da
decisão, vez que a criação da Corte de Apelação se deu apenas no ano de 2004, tendo o Brasil
revisto suas normas e editado a portaria SECEX nº 02/2002 e o decreto nº 4.592/2003
anteriormente comentados, que mantiveram a proibição, mas autorizando a importação de
pneumáticos remoldados procedentes do MERCOSUL.
Para Morosini (2008) a falha brasileira no MERCOSUL é resultado da pouca
comunicação e articulação entre os Ministérios brasileiros, vez que exceções ambientais não
foram levantadas durante a disputa. Segundo ele, membros do Ministério do Meio Ambiente
não tinham conhecimento da disputa e o próprio Ministro apenas tomou ciência do mesmo
após o relatório final da disputa Uruguai-Brasil.
Morosini (2008) ressalta ainda que, após a internalização do laudo arbitral
Mercosulino, o Ministério Público Federal – MPF apresentou, Ação Civil Pública10
combatendo o decreto presidencial n. º 4.582/03, levantando os questionamentos ambientais
que o Brasil não suscitou quando dos procedimentos do MERCOSUL. O MPF buscou a
manutenção das penalidades para a importação de pneus remoldados de todos os países, sem
exceção, não observando a validade constitucional da decisão do Tribunal Mercosulino, o que
para Celso Amorim, Ministro das Relações Exteriores, foi “um tiro no pé”, pois para um país
que deseja a liderança do bloco, questionar a decisão arbitral resulta na perda de legitimidade
em outras disputas de seus interesses.
Todavia, o juízo, com base na determinação do VI° Laudo do TAHM, negou o
pedido de proibição feito pelo MPF, ressaltando, em particular, que “a proibição de
importação de pneus remoldados dos países do MERCOSUL, contrariando a determinação do
Tribunal Arbitral, provavelmente viria a gerar problemas no processo de integração, o que não
seria desejável”, tendo a decisão sido confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª região.
O painel da OMC
A OMC iniciou suas atividades em 1995 e tem como principais funções a
administração de acordos comerciais, servindo também como instância para sua negociação,
solucionar controvérsias comerciais, monitorar as políticas comerciais nacionais, fornecer
assistência técnica e formação aos países em desenvolvimento, além de cooperar com outras
organizações internacionais.
O mecanismo de solução de controvérsias da OMC é considerado um dos grandes
resultados das negociações da Rodada Uruguai, pois representa o pilar do sistema multilateral
de comércio. É ele que garante a executoriedade dos acordos da organização. Esta obrigação é
executada pelo Órgão Solucionador de Controvérsias – OSC e pelo Órgão de Apelações - OA,
responsável por receber os recursos contra as decisões dos painéis julgados pelo OSC.
Com o julgamento do recurso, o Estado perdedor deverá tomar as medidas
necessárias ao seu restabelecimento as normas da OMC, podendo o país demandante negociar
compensações comerciais mútuas ou, mediante autorização do OSC, adotar contramedidas,
suspendendo concessões comerciais previamente conferidas ao país demandado. Como a
alteração de legislações usualmente implica uma série de procedimentos legislativos internos
que precisam ser levados em consideração, é natural que para o Estado-Membro retirar de seu
quadro legislativo a medida considerada violadora dos acordos da OMC necessite de tempo
razoável para fazê-lo (SALVIO, 2006).
10 Processo n.º 2003.71.00.033004-2, que tramitou na 6ª Vara Federal de Porto Alegre.
11
Em 05/11/2003, o Bureau International Permanent dês Associations de Vendeurs et
Rechapeurs de Pneumatiques - BIPAVIER, associação internacional que representa os
interesses das empresas de recauchutagem de pneus europeus, efetuou uma queixa acerca das
práticas comerciais brasileiras que previnem a importação de pneus remoldados e que
estariam causando efeitos comerciais adversos aos reformadores da CE, sendo, portanto,
inconsistentes com a normatização do General Agreement on Tariffs and Trade - GATT
1994.
A investigação européia (CE, 2004) demonstrou que o Brasil era um importante
mercado para a indústria de remoldagem européia, até a introdução da proibição em
25/09/2000. Entre o período de 1995-2000, o Brasil foi o destino de 58% dos pneus
remoldados europeus para carros de passeio, em 2001, após a imposição do banimento, caiu
para 32% e nos dois anos seguintes passou a representar apenas 10% do volume anual das
exportações anteriormente percebidas.
Devido a ausência de consenso, em 17 de novembro de 2005, a Comunidade
Européia requereu a instalação de um painel à OMC, cuja instalação ocorreu em 20 de janeiro
de 2006, autuado sob a sigla DS332. O argumento foi de que as restrições brasileiras estavam
em desconformidade com a normativa do GATT/94, pois: se trataria de uma medida
discriminatória aos pneus reformados europeus, haja vista que o comércio era autorizado entre
os países do MERCOSUL, individualmente integrantes da OMC; empresas nacionais
obtinham liminares concedidas pelo Poder Judiciário que autorizam a importação de pneus
usados para a indústria nacional de reforma; inexistia qualquer restrição a importação de
pneus europeus novos; a imposição pelo Brasil de multa sobre a importação, comercialização,
transporte, armazenagem, guarda ou manutenção em depósito de pneus reformados
importados ia colidia com as normas do GATT; as leis Estaduais do Rio Grande do Sul, que
proíbem a comercialização de pneus reformados, constituiriam uma barreira não-tarifária.
A defesa brasileira perante o OSC justificou que a proibição da importação dos
pneumáticos e as multas anti-circunvenção estão amparados no artigo XX(b) do GATT, pois é
uma medida necessária para garantir a saúde da população e do meio ambiente e não se
tratava de uma descriminação arbitrária ou injustificável, pela inexistência de outra medida a
ser adotada de forma eficaz.
Convém destacar que a CE concorda que a acumulação de resíduos de pneus
apresenta riscos à saúde humana e ao meio ambiente e que a redução da acumulação de
resíduos de pneus é uma resposta legítima a tais riscos, o bloco afirma que a proibição não se
dá por questões ambientais ou de saúde pública, tanto que a portaria que proibiu a importação
de pneus usados foi assinada pelo Ministro da Indústria e Comércio e não do Meio Ambiente,
configurando, portanto, na visão européia, um método para possibilitar uma reserva de
mercado para os fabricantes “nacionais” de pneus.
Quanto às importações de carcaças através de medidas liminares, o Brasil defendeu
que as mesmas não reduzem a contribuição da proibição das importações, haja vista que
continua a reformar os pneus que consome. Limitar as importações de pneus usados reduziria
ainda mais os resíduos desnecessariamente criados. O Brasil aduz que se opõe vigorosamente
às liminares e que como resultado, a tendência da concessão de liminares foi revertida, vez
que em 92,5% dos casos em que medidas liminares foram concedidas, os tribunais de segunda
instância decidiram em favor do governo, mantendo a proibição das importações e revertendo
a autorização temporária para a importação de carcaças; ademais, em 67% dos casos, o
mesmo juiz que deferiu a liminar a cassou quando do julgamento do mérito. Buscando uma
maior efetividade a cassação das liminares ainda vigentes, o Presidente da República
ingressou com ação junto ao STF objetivando consumar a proibição e evitar ou reduzir
quaisquer penalidades impostas pela OMC. O Governo brasileiro acredita que a concessão
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dessas liminares é um equívoco legal e tem lutado para salvaguardar a integridade da
proibição das importações de pneus usados.
O OSC entendeu que, embora as liminares não serem resultados de uma medida
arbitrária e unilateral brasileira, as mesmas têm comprometido o objetivo do Brasil, haja vista
que a importação de pneus usados cresceu após a proibição, sendo a medida aplicada de
forma que configura uma discriminação injustificável, pois a discriminação ocorre entre
empresas e países que apresentam as mesmas condições.
O Brasil ressaltou ainda que possui uma obrigação jurídica de cumprir a decisão do
tribunal do MERCOSUL, no entanto, estaria trabalhando em conjunto com seus parceiros do
bloco para implementar uma política comum de resíduos e espera poder brevemente também
proibir importações de pneus reformados dos países membros do bloco.
Concluiu o OSC que o acúmulo de pneus contribui para o aumento das doenças
transmitidas por mosquitos, notadamente, a dengue, febre amarela e malária, acarretando
riscos à saúde humana, além de aumentar a probabilidade de incêndios em aterros sanitários,
trazendo outros riscos à vida animal e vegetal pela emissão de gases tóxicos e pelo acúmulo
de pneus velhos.
Ultrapassada esta questão, analisou-se a necessidade de uma medida restritiva e seus
impactos, tendo os relatores concluídos que os interesses e valores promovidos, pela proibição
da importação de pneus reformados, devem ser considerados importantes, vez que não
existem medidas alternativas benéficas, e que o impacto restritivo da medida é máximo, pois
proíbe a importação de pneus reformados à exceção dos Estados-membros do MERCOSUL,
cuja permissão se deu em decorrência de uma decisão de um Tribunal regional e o volume é
desprezível. A proibição de importação desses produtos contribui para a consecução dos fins
almejados pelo Brasil, pois reduz o número total de carcaças abandonadas no país e, como
conseqüência, diminui os riscos à vida e à saúde humana, animal e vegetal. As medidas foram
consideradas justificáveis, porém, no tocante as liminares - que concederam o direito a
empresas brasileiras de importarem carcaças de pneus europeus, contrariando o disposto na
Resolução CONAMA n.º 258/99, resultando no ingresso de mais de 40 milhões de pneus - foi
considerada uma medida injustificável, em virtude de ocorrer entre países nos quais estão
presentes as mesmas condições.
A CE solicitou ao Órgão de Apelação que revisasse a decisão inferior, tendo este
confirmado a constatação do painel, de que a proibição às importações é necessária, porém,
reformou o entendimento do mesmo nos seguintes pontos: entende que a isenção do
MERCOSUL às importações é aplicada de forma que constitui uma discriminação arbitrária
ou injustificável; que as liminares judiciais só se tornaram uma restrição ao comércio
internacional unicamente na medida em que tais importações se fizeram em quantidades que
reduziram significativamente o objeto da proibição;
No entender de Costa (2008), a sucumbência brasileira não decorre da isenção às
importações de pneumáticos remoldados do MERCOSUL, apesar do entendimento do Órgão
de Apelação da OMC, mas pelas liminares concedidas pelo Poder Judiciário, pois estas
geraram o aumento da importação de pneus, após a proibição brasileira, sendo incompatível
com os objetivos brasileiros de reduzir a acumulação, em seu território, de pneus. O autor
citado destaca a situação contraditória que se criou no Brasil, vez que apesar do Brasil ter
tomado uma medida restritiva ao comércio internacional, fundada na preservação ambiental, o
fluxo de entrada de pneumáticos usados e remoldados elevaram-se no mesmo período.
A questão, até o momento, não foi solucionada internamente, tendo a OMC
concedido prazo para o cumprimento de sua decisão, porém, o Ministério das Relações
Exterior dá como certa a retaliação por parte dos países Europeus contra produtos brasileiros
(MARIN e RECONDO, 2008), pelo descumprimento do prazo dado, que se venceu em
13
dezembro de 2008. A seguir, serão analisadas as questões internas discutidas no âmbito
judicial.
A guerra de liminares
Os importadores utilizam, em regra, o Mandado de Segurança contra a não
concessão ou morosidade do DECEX, SECEX ou IBAMA, na concessão do licenciamento
para a importação dos artigos desejados, questionando: a ilegitimidade da autoridade
elaboradora da proibição; o uso de mecanismos inadequados para a finalidade, vez que a
proibição se utiliza de portarias e decretos, para proibir atividade lícita; o descumprimento do
princípio da isonomia, em razão da permissão da importação de pneus remoldados originados
dos países membros do MERCOSUL; e o cumprimento da legislação ambiental.
Os Tribunais, representados neste momento pelos juízes singulares, apresentaram
uma forte tendência pela concessão das liminares e da segurança aos importadores, haja vista
que em 84% das ações ao menos a liminar foi deferida.
Os juízes favoráveis a importação, em regra, fundamentam suas decisões com base
apenas no direito interno, nos seguintes pontos: a existência de precedentes judiciais; a
importação de pneus usados não como bens de consumo, mas como bens de produção,
espécie não abarcada pela proibição; o cumprimento da legislação ambiental; a incompetência
das Autarquias para editar ato prejudicial à atividade econômica legalmente prevista; e a
aplicação do princípio da isonomia. Raros foram os julgados que levantaram alguma
discussão de ordem multilateral, discutindo-se uma questão interna com claros efeitos
externos, apenas segundo o direito brasileiro.
As partes se utilizam de todos os meios recursais para o alcance de seus interesses,
através de embargos de declaração, constantes agravos de instrumentos e apelações ao juízo
ad quem, quando se inicia a disputa pela concessão ou não do efeito suspensivo da decisão
inferior.
Quando as decisões chegam a Brasília, para apreciação do Superior Tribunal de
Justiça - STJ, a partir de 2006, mesmo ano em que o governo adota uma postura mais ativa
quanto a consumação da proibição, em razão do painel na OMC, a tendência favorável as
importadoras, no juízo de primeiro grau, se reverte, pois a regra se torna o não seguimento dos
Recursos Especiais interpostos, provavelmente pela Corte Superior estar mais suscetível as
pressões do Poder Executivo Federal.
Deve-se destacar que no momento em que o juiz brasileiro decide, por meio de
medidas liminares inaudita altera pars, permitir a importação de carcaças de pneus para a
indústria nacional de reforma de pneus, sua fundamentação e conhecimento dos fatos se dão
de uma forma parcial, pois só considera as alegações de uma das partes, que combinado com
a sobrecarga de processos nas varas, o controle misto de constitucionalidade e a ausência de
varas especializadas, pode levar a uma decisão que desconheça seus impactos na ordem
regional e multilateral.
Apesar de o juiz agir amparado segundo as normas internas, sua atuação em matéria
econômica pode, com a internacionalização dos mercados, gerar constrangimentos ao Estado
brasileiro, quando não são observados os tratados internacionais aos quais o Brasil é
signatário. Em parte a não observância se dá em virtude dos tratados serem manipulados com
maior freqüência por diplomatas e não juízes (CUNHA, 2007).
Estas decisões, munidas muitas vezes de “meias verdades”, interferirão diretamente
em políticas comerciais, de competência do Poder Executivo, podendo gerar disputas
internacionais, que em razão da responsabilidade estatal em relação ao Direito Internacional
ser indivisível e independente de sua organização interna, será suportada pelo Executivo,
14
mesmo não tendo sido este o agente causador. Independentemente de culpa, se houveram
repercussões externas suficientes para constituí-lo em um ato ilícito conforme o direito
internacional, o Estado tem o dever de reparar a parte prejudicada com o ato ilícito. Couto
(2004) destaca que em razão da crescente judicialização da política, para garantir o
cumprimento dos compromissos assumidos internacionalmente, “o cálculo do Poder
Executivo, precisa ser muito mais meticuloso, pois aumentam as chances do Estado ser
condenado a pagar reparações, bem como aumentam os custos políticos da publicidade de
situações constrangedoras.”
Não se observa que por trás de argumentos jurídicos levantados, as empresas buscam
a manutenção de seus mercados e vislumbram a possibilidade de reversão da questão ou
minimização dos danos a baixos custos pelo questionamento da política pública pela via
judicial. Em virtude da inércia legislativa quanto à questão e a determinação do Poder
Executivo na manutenção da proibição em benefício dos fabricantes de pneus, os Tribunais
começam a ser utilizados como instrumentos empresariais na busca da legitimização de seus
interesses ou no bloqueio das políticas governamentais.
Apesar de o julgamento ocorrer perante um Tribunal brasileiro, com partes
processuais também nacionais, discute-se a (in)constitucionalidade de um ato emanado do
Poder Executivo com claros efeitos na política externa brasileira. Franck (1991), tratando do
sistema judicial norte-americano, destaca que muitos dos casos em que o Judiciário se recusa
a se envolver, possuem vínculos com a política externa, sendo esta abstenção apropriada, em
virtude da política externa demandar continuidade e uma única voz, sendo intolerável,
segundo o autor, que Cortes não detentoras de informações relevantes anulassem atos do
Executivo tomados com base em informações que não são de seu conhecimento.
É exatamente este acontecimento que tem ocorrido no Brasil: a política externa
brasileira tem sido questionada judicialmente e o Judiciário tem participado sem observar as
conseqüências externas de sua atuação divergente da política postulada pelo Poder Executivo,
sendo um óbice e um novo elemento que deve ser analisando quando da tomada de decisão da
política externa pelo Executivo.
Das ações no Supremo Tribunal Federal:
O STF é a mais alta instância do Poder Judiciário brasileiro e acumula competências
típicas de Suprema Corte e Tribunal Constitucional. Sua função institucional principal é de
servir como guardião da Constituição Federal, apreciando casos que envolvam lesão ou
ameaça a esta última, sendo de vital importância para o Executivo, já que cabe a ela decidir as
ações que versem sobre a constitucionalidade das normas.
Entre suas principais atribuições está a de julgar a ação direta de
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, a ação declaratória de
constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, a argüição de descumprimento de preceito
fundamental decorrente da própria Constituição e a extradição solicitada por país estrangeiro.
Como resultado da ampla discussão judicial da proibição da importação de
pneumáticos usados e remoldados, tramitam no Pretório Excelso cinco Ações Diretas de
Inconstitucionalidade e uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.
Algo interessante nestas ações que tramitam no STF é o fato de algumas delas terem
como proponentes o Governador do Estado de Paraná, Estado onde estão instaladas as
maiores indústrias de remoldagem, o Partido PFL, hoje Democratas, o Procurador-Geral da
República e o próprio Presidente da República, demonstrando de forma clara toda a
politização da questão. Merece destacar ainda a participação das empresas e de suas
respectivas associações de classes, bem como de organizações não governamentais em defesa
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dos direitos humanos e do meio ambiente, como amici curiae, que despendem recursos na
busca de salvaguardar seus interesses.
Convém destacar que todas as ações estão em tramitação, o que impede uma
afirmação mais contundente acerca dos efeitos das mesmas, no entanto, as mesmas são de
fundamental importância, não apenas para a proibição, mas também para a uniformização do
entendimento do Judiciário brasileiro, evitando de tal forma maiores problemas. Certamente,
a ação que for julgada primeira, ao que indica a ADPF n.º 101, será um importante norte
sobre as demais ações em trâmite no Supremo e nas demais instâncias judiciais.
ADI 3.241
A Ação Direta e Inconstitucionalidade n.º 3.241, ajuizada pelo Partido da Frente
Liberal – PFL, hoje Democratas, em 25/06/2007 e ataca o Decreto n.º 4.592/03 (isenta do
pagamento da multa de R$ 400, por unidade, as importações de pneumáticos reformados
procedentes dos Estados parte do MERCOSUL), sob o argumento de que se trata de uma
excepcionalidade à regra prevista pelo Decreto n.º 3.919/01, considerando-a, ilegítima.
O partido questiona a proibição, e eventual punição, da importação de pneus
reformados de outros países, quando o próprio governo permite a importação dos mesmos
pneus, porém oriundos de países membros de um determinado bloco econômico, violando de
tal forma o princípio constitucional da isonomia e da proporcionalidade, deitando por terra
qualquer justificativa de caráter ambiental.
Adverte ainda sobre a ineficácia de tal medida, pois a isenção permitirá que os países
estrangeiros não contemplados pela mesma, importem seus pneus para países membros do
MERCOSUL, que ficarão responsáveis pelo envio dos mesmos para o mercado brasileiro.
ADI 3.801
A ADI n.º 3.801, promovida pelo Procurador-Geral da República, tem por objetivo a
declaração de inconstitucionalidade das Leis n.º 12.114 de 5 de julho de 2004, 12.182 de 17
de novembro de 2004 (proíbem a comercialização de pneus usados importados,dentre os
quais, incluem-se os reformados) e 12.381 de 28 de novembro de 2005 (permite a importação
de pneus usados, desde que todo pneu usado importado tenha um destino final
ambientalmente adequado e para cada pneu reformado importado, outros 10 pneus usados
tenham uma destinação final adequada), todas do Estado do Rio Grande do Sul.
Para o Procurador-Geral, os interesses dos Estados encontram-se cada vez mais
afinados com o viés comercial e econômico, ficando cada vez mais tênue a distinção entre o
interesse público ou privado, mesmo nessa esfera mais ampla. Para ele, tratativas comerciais
são, via de regra, componentes das pautas de discussões nas arenas diplomáticas, devendo,
portanto, as normas de comércio exterior serem de competência legislativa privativa da
União, tendo esta se posicionado por não permitir a importação de pneus usados, reformados
ou recauchutados. O procurador destaca ainda que as leis do Rio Grande do Sul vão de
encontro ao que a União propõe em debates internacionais sobre comércio, como, por
exemplo, na OMC, gerando incerteza judicial e política quanto ao caso.
As citadas normas também foram alvos do painel na OMC, que entendeu que os
reformadores nacionais de pneus foram favorecidos em detrimento dos importadores de pneus
reformados, pois a destinação final adequada para pneus inservíveis era menos onerosa para
os primeiros em relação ao segundos. Vale salientar que as normas ora atacadas, sob o
16
argumento das mesmas prejudicarem os interesses nacionais foram defendidas pelo Governo
brasileiro, perante o OSC.
ADI 3.938
Na ADI.º 3.938, datada de 06/08/2007, que é contra o art. 47-A, do decreto n.º
3.179/99, inserido pelo Decreto n.º 3.919/01, o então governador do Paraná, Roberto Requião,
contesta a penalidade de R$ 400 reais imposta pelo citado dispositivo, sob o argumento de
que: 1) o decreto foi elaborado apenas para satisfazer os interesses dos fabricantes de pneus
novos; 2) a penalidade foi criada sem previsão legal, ressaltando que existiram dois projeto de
lei (4.109/93 e 6.136/05), mas que no entanto, foram retirados de pauta pelo Executivo, frente
a possibilidade de regulamentação do setor, ao invés da proibição; 3) a multa imposta não
observa a individualização da pena, quando de sua aplicação; 4) que o dispositivo inserido não
possui relação material com o art. 47, que trata da infração ambiental para a importação de
veículos sem a respectiva licença expedida pelo IBAMA, tratando o pneu como acessório; 5)
não observa que é permitida a importação de pneus novos, que após o uso ficarão usados e
caso o possuidor dos mesmos não possa comprovar sua entrada lícita será penalizado. Na
visão de Requião, o dispositivo ofende o artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, ao
restringir a liberdade de atividade profissional lícita (art. 5º, XIII) e prejudicar a livre
concorrência em prol da manutenção do mercado da indústria fabricante de pneus.
O Procurador-Geral da República, Antonio Fernando Souza, considera o governador
do Paraná incompetente para o questionamento de questões atinentes a pauta de importação
nacional, de responsabilidade exclusiva do Executivo Federal, que segundo ele, está obrigado
a detectar e banir práticas comerciais que se demonstrem lesivas ao meio ambiente e a saúde
pública.
ADI 3.939
No dia posterior ao ajuizamento da ADI n.º 3.938, Roberto Requião, ajuizou nova
ADI objetivando a suspensão do caput do artigo 41 da portaria nº 35/2006, da Secretaria de
Comércio Exterior, que proibiu a concessão de licenças para a importação de pneus
recauchutados e usados.
Requião aduz que a norma impugnada discrimina a importação de pneus usados
como matéria-prima, enquanto autoriza (até com isenção ou suspensão de tributos) a
importação de outros bens usados para a finalidade de recondicionamento, tudo isso em
confronto com o artigo 5º da Constituição Federal.
O Proponente alega que a portaria é o instrumento adequado para disciplinar um lei,
portanto, a mesma seria inconstitucional, pois inexiste lei que proíba a importação de pneu
usado ou recauchutado, vindo à mesma inovar no mundo jurídico, ao proibir uma atividade
lícita.
O demandante afirma ainda ser a SECEX, órgão do Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior, incompetente para a elaboração da portaria combatida,
invadindo competência do Congresso Nacional, pois a referida secretaria não pode se valer da
prerrogativa conferida ao Ministério da Fazenda pelo art. 237 da Constituição de 88, em
matéria de lei fazendária para proibir, por questões ambientais, a importação de matéria-
prima, sem lei que expressamente a autorize.
Ademais, o governador adverte que o Pretório Excelso não poderá se manifestar de
forma semelhante quando da declaração da constitucionalidade da Portaria DECEX n.º 08/91,
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pois este departamento é integrante do Ministério da Fazenda, o que não ocorre com a
SECEX, além do fato da aludida portaria ter tido claro interesse fazendário, em razão da
disparidade de preço entre o produto novo nacional e o produto usado importado.
Roberto Requião sustenta, também, que a portaria privilegia as indústrias de pneus
remoldados do MERCOSUL em detrimento das indústrias de pneus remoldados do Brasil em
confronto com o artigo 170, inciso IX, da Constituição, que prevê tratamento favorecido para
empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e
administração no País; e, por fim, priva o livre exercício de atividade econômica sem lei que
proíba, amplamente regulamentada (art. 170, parágrafo único, CF), criando uma indevida
limitação a uma atividade lícita e uma distinção entre atividades econômicas similares
(importação, para consumo ou para uso como matéria-prima).
O governador recorda, neste contexto, que a Resolução nº 258/99 CONAMA apenas
se refere à primeira categoria de pneus usados (bens de consumo) como problema ambiental,
ao determinar às empresas fabricantes e às importadoras de pneumáticos que dêem destinação
final ambientalmente adequada a eles. Não trataria, no entanto, da mesma forma os pneus
usados como matéria-prima (bens de produção).
ADI 3.947
Em 28/08/2007, o Governador do Paraná ingressa com nova ADI, desta vez contra o
art. 4º in fine e anexo da resolução de n.º 23/96 do CONAMA, elaborada com o fito de
regulamentar a Convenção de Basiléia, aprovada pelo Decreto n.º 875/93.
Ele afirma que o citado decreto estabeleceu os critérios e padrões relativos à
movimentação transfronteiriça de resíduos, atribuindo duas classes (perigosos e não-
perigosos), no entanto, a resolução em comento atribuiu quatro classes, declarando ainda que
os resíduos inertes - classe III não estão sujeitos a restrições de importação, com exceção dos
pneus usados.
Novamente sua defesa é o fato da ausência de lei que proíba tal importação, motivo
pelo qual a citada resolução inovaria no mundo jurídico, ao proibir atividade lícita. Porém,
destaca o fato da resolução ser omissa quanto ao Anexo IV A do decreto n.º 875/93, o qual
especifica quais as operações que não condizem à possibilidade de recuperação, reciclagem,
regeneração, reutilização direta ou usos alternativos de resíduos. Afirma ainda que a
importância do citado anexo foi ratificada com a emenda à Convenção de Basiléia,
promulgada pelo Decreto n.º 4.581/03, que estabeleceu nova lista de resíduos, dispondo em
seu anexo IX B, sobre resíduos não perigosos.
Requião ressalta ainda algo interessante no tocante a justificativa ambiental, que em
1997 o CONAMA revogou a resolução n.º 37/94, através da Resolução n.º 23/96, mantendo a
mesma orientação da Resolução revogada, exceto para pneus usados, cuja proibição abarcou
também para fins de recondicionamento. No entanto, no mesmo ano o CONAMA publicou a
resolução n.º 08/96, autorizando pelo prazo de seis meses a importação de sucatas de chumbo
sob a forma de baterias usadas. Em 1997, através da resolução n.º 228/97, autorizou por
tempo indeterminado a importação de desperdícios e resíduos de acumuladores elétricos de
chumbo na forma de bateria usada, com fundamento no art. 2º, da resolução CONAMA n.º
23/96, que prevê a hipótese de importação de resíduos perigosos em situações excepcionais.
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ADPF 101
O Presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva, ingressou em 21/09/2006 com
a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental de n.º 101, a fim de reparar lesão a
preceito fundamental resultante de ato do poder público, representado por decisões judiciais
que violam o mandamento constitucional previsto no art. 225 da Constituição Federal de
1988.
Lula informou que desde a edição da Portaria DECEX n.º 08, de 13 de maio de 1991,
existe norma legal no Brasil proibindo a importação de bens de consumo usados, dentre os
quais se incluem os pneus e que na época, instado a se manifestar sobre a constitucionalidade
e legalidade da vedação imposta à importação de bens de consumo usados em sede de mera
portaria, o pleno do Excelso Pretório reconheceu a constitucionalidade da medida, quando do
julgamento do RE 203.954/CE, assentando que a citada portaria encontraria fundamento no
art. 237 da Constituição Federal, que expressamente submeteu ao Ministério da Fazenda,
órgão à época que detinha a atribuição legal para a fiscalização e controle sobre o comércio
exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais, ou seja, questões fazendárias
e não ambientais motivaram a proibição.
O Presidente, com apoio das ONG’s e da ANIP, aduz que se por um lado o
fundamento genérico da vedação de importação de bens de consumo usados se justificava em
razões de índole comercial e de interesses da Fazenda Nacional, como reconhecido pelo
Supremo Tribunal Federal, por outro, não se poderia olvidar que tal vedação, especialmente
no que concerne a pneus usados, também encontraria respaldo na defesa do meio ambiente,
que fora elevada a princípio geral da atividade econômica pelo art. 170, VI, da Constituição
Federal e por força o art. 225 da Carta Magna, que garante a todos o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida,
impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para a
presente e futuras gerações, cabendo aquele controlar a produção, a comercialização e o
emprego de técnicas, métodos e substância que comportem risco para a vida, a qualidade de
vida e o meio ambiente, pois é direito de todos e dever do Estado adotar políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença.
Para ele, não obstante os dispositivos acima expostos, dos quais se depreende a
existência de proibição legal à importação de pneus usados, tal medida vem sendo ameaçada
por uma série de decisões judiciais que vêm autorizando, por vários anos, a importação de
milhões de pneus usados provenientes de países não integrantes do MERCOSUL, tendo sido
importados cerca de 12 milhões só em 2005, pondo em risco a proteção ao preceito
fundamental, representado pelo direito à saúde e a um meio ambiente ecologicamente
equilibrado.
As empresas a favor da importação de pneus requerem a improcedência da demanda,
com base nos seguintes fundamentos: 1) ofensa ao regime constitucional de livre iniciativa e
da liberdade de comércio (art. 170, IV, parágrafo único, da CF/88); 2) ofensa ao princípio da
isonomia (art. 5º caput, da CF/88), uma vez que o poder público estaria autorizando a
importação de pneus remoldados provenientes de países integrantes do MERCOSUL; 3) que
os mencionados atos normativos só abarcariam pneus usados, nos quais não estariam
compreendidos os pneus recauchutados; 4) que tais restrições não poderia ser veiculada por
meio de ato regulamentar, mas apenas por lei em sentido formal, ferindo o princípio da
legalidade estrita; 5) que a resolução CONAMA n.º 258/99, com redação determinada pela
Resolução CONAMA n.º 301/2002, teria revogado a proibição de importação de pneus
usados, na medida em que teria previsto a destinação de pneus importados reformados; 6) que
os pneus produzidos no Brasil são inservíveis para a remoldagem realizada pelas empresas
nacionais; 7) que em razão da existência de legislação ambiental e inscrição das empresas no
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IBAMA e a conseqüente sujeição à sua fiscalização, o ambiente está adequadamente
protegido.
Lula destaca ainda a existência do contencioso da OMC e que caso o Brasil saia
vencido do mesmo, poderá ser obrigado a receber, via importação, pneus reformados de toda
a Europa, que detém um passivo de pneus usados da ordem de 2 a 3 bilhões de unidades,
abrindo-se a temível oportunidade de receber pneus usados do mundo inteiro, inclusive dos
Estados Unidos da América, que também possuem um número máximo de 3 bilhões de pneus
usados.
O interesse dos importadores brasileiros, segundo o presidente, pode ser explicado
unicamente por razões de ordem econômica, vez que, por mais surpreendente que seja, as
carcaças importadas são substancialmente mais baratas do que as carcaças brasileiras.
A alegação de que a vedação da importação de pneus usados para serem empregados
como matéria-prima para reforma de pneus consubstanciaria ofensa ao regime constitucional
da livre iniciativa e liberdade de comércio não procederia, uma vez que deve ser pautada para
a defesa do meio ambiente e não impede o exercício da atividade de reforma de pneus, pois
existe um passivo de 100 milhões de pneus no país. O fato de supostamente não se tratar da
melhor opção comercial no que se refere à lucratividade não teria o condão de significar a
inviabilidade do empreendimento.
Lula entende ainda ser descabido se falar em ofensa ao princípio da igualdade pelo
fato de a proibição de importação de pneus usados não se estender aos países membros do
MERCOSUL, uma vez que tal exceção é resultado da internalização do laudo arbitral
proferido pelo Tribunal ad hoc do bloco, ao qual o Brasil é submetido a sua jurisdição.
Diante deste cenário, é possível que, mesmo em face de uma decisão favorável à
proibição no âmbito da ADPF 101 (o que implicaria, portanto, na cassação de todas as
decisões favoráveis à importação de pneus usados), as importadoras ingressarão judicialmente
com novos argumentos que justifiquem o levantamento da proibição. Nada impede, assim,
que novas liminares favoráveis à importação de pneus usados sejam concedidas. Obviamente,
em virtude do efeito erga omnes da ADPF, isto seria muito mais difícil – mas não impossível,
o que ameaçaria a implementação da decisão do painel da OMC nos moldes delineados pelo
Ministério das Relações Exteriores.
A argüição em comento encontra-se suspensa, após o pedido de vista do Ministro
Eros Grau, no entanto, a relatora do processo, Ministra Carmen Lúcia, apresentou seu voto em
audiência ocorrida em 11 de março deste ano, no sentido de julgar parcialmente procedente a
demanda, validando os atos normativos do Poder Executivo, que desde a última década vedam
a compra de pneus usados ou remoldados de outros países, no entanto, mantendo intactas as
ações judiciais que já transitaram em julgado no sentido de autorizar a importação de pneus,
pois, segundo a relatora, a ADPF não é o meio pelo qual se possa atingir a coisa julgada.
A matéria está longe de ser pacificada e o tramite nos Tribunais não tem ocorrido de
forma célere, prejudicando o Estado brasileiro no plano externo. Apesar da Ministra Relatora
já ter apresentado seu voto, verifica-se que os Tribunais inferiores continuam seguindo o
entendimento diverso do Pretório Excelso, a exemplo do Tribunal Regional Federal da 2ª
Região, parte argüida na referida ADPF, concedeu no dia 25 de maio deste ano o direito à BS
Colway a importar pneus estrangeiros.
Pode-se verificar, portanto, que a atuação dos Tribunais, quanto mais elevada à
instância, costuma considerar não apenas questões jurídicas em sua decisão, mas também os
custos envolvidos, principalmente se relacionado à política externa (GOLDSTEIN et alli.,
2000). Lindsay (1994) afirma uma tendência das Cortes decidirem de forma mais reduzida à
legislação nacional e mais ampla as prerrogativas do Executivo, quando em matéria de
política externa, pois os Tribunais são mais relutantes em anular atos executivos relacionados
a questões externas que domésticas. Verifica-se que no Brasil esta tendência não é diferente,
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em virtude dos juízos inferiores se deterem mais a lei que o STF, que demonstra que apesar da
proibição ter ocorrido de uma forma juridicamente incorreta, terá sua constitucionalidade
declarada.
Considerações Finais
As empresas importadoras, buscando a preservação de seus direitos, se utilizam do
Poder Judiciário e de sua capacidade de revisão judicial, para bloquear esta política
governamental, levando, deste modo, à judicialização da política pública. As empresas e o
Poder Executivo, por sua vez, vão percorrer todas as instâncias judiciais em defesa de seus
interesses, não tendo a Justiça Federal respondido a esta questão de maneira uniforme, ora
concedendo a segurança a empresas importadoras, ora defendendo a proibição imposta pelo
Poder Público.
A ausência de consenso do Poder Judiciário e sua morosidade em dirimir esta
questão, têm aumentado a complexidade e os efeitos da mesma, haja vista que a aplicação
desigual tem resultado em constrangimentos para o Estado brasileiro, na ordem multilateral.
Com o risco de imposição de penalidades ao Estado brasileiro, o Judiciário é convocado
novamente a solucionar esta questão, através do Supremo Tribunal Federal, que deverá
declarar ou não a constitucionalidade da proibição emanada do Executivo Federal, para que a
sua uniformização de entendimento possibilite a consumação da proibição e a conseqüente
minoração dos transtornos externos ocasionados.
A dogmática jurídica tradicional brasileira, de base romanística, não se coaduna com
o surgimento de novos conflitos de interesses oriundos de relações jurídicas cujos efeitos
desconhecem fronteiras. No caso da importação de pneus, o ordenamento jurídico e a atuação
do Poder Judiciário tem se mostrado inapta para agir nesta conjuntura.
O tema proposto ganha maior relevância ante o atual contexto de globalização e de
crescimento da interdependência entre os Estados, pois a linha limítrofe entre público e
privado, interno e externo tem se tornado cada vez mais tênue, sendo de fundamental
importância, portanto, a harmonização das instituições políticas nacionais de forma a evitar o
descumprimento de obrigações internacionais. Ademais, a questão torna-se ainda mais
interessante, uma vez que o ato violador origina-se no Poder Judiciário, sendo o agente
transgressor convocado para ordenar, ele mesmo, esta situação, quando do ingresso ações
junto ao STF.
Empresas reformadoras, como a BS Colway, acreditando na dificuldade de reversão
da questão em favor de seu segmento, já mostra sinais de que serão adotadas três novas
condutas, são elas: a importação de pneus novos chineses, tanto que já houvera a criação da
ABIPEC. São pneus mais caros que o remoldados, mas cerca de 30% mais barato que o pneu
nacional; a remoção das indústrias nacionais de remoldagem para países membros do
MERCOSUL que permitam a importação de carcaças de pneus européias, para que sejam
processadas e destinadas ao mercado brasileiro, em razão da exceção existente; a fusão das
empresas de remoldagem nacionais com as empresas detentoras de decisões permissivas à
importação já transitadas em julgado, caso a ADPF seja julgada procedente nos moldes do
voto da Relatora e o governo não adote outra medida de cassar estas decisões.
Convém destacar que apesar do governo brasileiro há anos preocupar-se com os
danos ambientais e de saúde humana causados pelos pneus importados, esta preocupação não
se reflete na contenção da importação de outros produtos usados tão poluidores quanto os
pneus, bem como não se preocupa com a importação de pneus novos pelos fabricantes
nacionais de pneus, empresas estas que há décadas dominam e ditam os preços do setor e
responsáveis pelo passivo ambiental existente.
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A proibição da importação de pneus usados tem, deste modo, prejudicado em
demasia o exercício da concorrência no setor em discussão, favorecendo a situação dos
fabricantes de pneus, que dominam todo o setor de pneus novos, eliminando a concorrência
no mercado de reposição. O prejuízo em decorrência desta postura do Executivo Federal não
recai apenas para o consumidor, mas também para o meio ambiente, a que o governo estava
supostamente protegendo, pois as empresas atuando em um mercado sem concorrência não
terão interesse em desenvolver tecnologia mais eficiente e menos prejudicial ao meio
ambiente, bem como não se importarão com a preservação do mesmo, haja vista que as
penalidades que lhes são impostas são inferiores aos custos operacionais da preservação,
sendo mais barato para a empresa poluir o meio ambiente e ser penalizada pelos órgãos de
preservação ambiental, que adotar medidas de controle a degradação do meio ambiente. O
judiciário exerce, então, um papel fulcral na correção de tais distorções, devendo o julgador
levar em consideração não apenas as normas, mas as conseqüências da mesma entre as partes
e toda a sociedade, como forma de decidir de forma eficaz e efetiva, sendo a análise
econômica do direito um instrumento de fundamental importância para auxiliar o juiz, pois o
mesmo observará o caso concreto sob todas perspectivas plausíveis.
Deve-se levar em conta, ainda, que os importadores estão sendo prejudicados, mas os
mesmos importam matéria-prima para sua atividade não porque não existe no país, mas
porque é muito mais lucrativa a importação de produtos que no exterior são considerados
custos e acabam vendidos por qualquer valor. No entanto, não se pode esquecer que a forma
em que a proibição vem sendo realizada, demonstra inicialmente a ausência de consenso
sobre a matéria, haja vista que o Executivo não conseguiu aprovar lei no Congresso Nacional
que proibisse a importação, recorrendo a decretos e portarias, que não tem força de lei, para
proibir o exercício de uma atividade até então lícita.
Verifica-se na primeira perante o juízo singular e os Tribunais Regionais, uma
atuação do Judiciário mais legalista e pró-importadores, voltada ao rigor da norma, enquanto
nas Cortes Superiores, mais suscetíveis as questões políticas, uma atuação pró-governo,
homologando, inclusive, as normas proibitivas, apesar do vício em relação ao processo
legislativo.
O julgador se vê numa situação de enorme conflito, pois ao defender a proibição em
busca de preservação do meio ambiente e da saúde pública, reconhece como válida uma
norma que descumpre os preceitos mais básicos do ordenamento jurídico pátrio,
descumprindo todas as regras que regem o processo legislativo, bem como favorece o
oligopólio existente, prejudicando de forma indireta não só o meio ambiente que buscou
proteger, mas toda a sociedade, por consumidores que são e que serão prejudicados com a
ausência de concorrência.
Por outro lado, ao reconhecer a ilegitimidade da proibição, o julgador atende aos
interesses dos importadores nacionais e dos exportadores estrangeiros, bem como prejudica a
argumentação brasileira em órgãos internacionais de comércio na busca pela preservação
ambiental, causando constrangimentos ao Estado, mas que não serão arcados pelo Poder que o
causara.
Infere-se, portanto, a necessidade do Judiciário avaliar não apenas questões jurídicas,
mas se inteirar mais sobre a causa, levantando tudo o que está em jogo, para que assim possa
exercer de forma satisfatória o controle das políticas públicas de forma responsável. Todo o
conflito demonstra que o judiciário não estava preparado para dirimir controvérsias, até então
discutidas em outras arenas, como no caso comentado, tornando-se um elemento de
instabilidade ao Estado brasileiro, não apenas pela ausência de consenso, mas também pela
não observância de algumas normas e jurisdição internacional e morosidade com que a
questão, de relevante interesse interno e externo tem sido tratada.
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