Post on 13-Apr-2017
Serão as pessoas responsáveis pelo que fazem? Debate 10ºA
JORNAL DE FILOSOFIA
pois não mostravam qualquer
reacção emocional ao seu acto.
Darrow tirou partido disto:
Deveremos censurar Dickie Loeb
por causa das forças infinitas que
conspiraram para o formar, das
forças infinitas que actuaram na sua
criação muito antes de ele ter
nascido, sabendo que, por causa
dessas combinações infinitas, ele
nasceu sem [o tipo correcto de
emoções]? Se devemos, então tem
de haver uma nova definição de
justiça. Deveremos censurá-lo pelo
que não teve e nunca teve?
Quanto a Leopold, ele era fraco e
não tinha amigos. Cresceu obcecado
com a filosofia do "super-homem"
de Nietzsche, desprezando as outras
pessoasquerendo desesperadamente
provar a sua superioridade.
Em 1924, dois adolescentes de
Chicago, Richard Loeb e Nathan
Leopold, raptaram e assassinaram
um rapaz chamado Bobby Franks
apenas para provar que conseguiam
fazê-lo. O crime impressionou o
público. Apesar da brutalidade do
seu acto, Leopold e Loeb não
pareciam especialmente perversos.
Provinham de famílias ricas e eram
ambos estudantes excelentes. Aos
dezoito anos, Leopold era o
licenciado mais jovem na história
da Universidade de Chicago, e, aos
dezanove anos, Loeb era a pessoa
mais nova que se tinha licenciado
na Universidade de Michigan.
Leopold estava prestes a entrar na
Escola de Direito de Harvard.
Como era possível que tivessem
cometido um assassinato absurdo?
Clarence Darrow (advogado de
defesa) falou durante mais de doze
horas. Não sustentou que os
rapazes eram loucos. Ainda assim,
disse, não eram responsáveis pelo
que tinham feito. Darrow apelou a
uma nova ideia que os psicólogos
tinham proposto, nomeadamente
que o carácter humano é moldado
pelos genes do indivíduo e pelo
ambiente. Disse ao juiz: "As
pessoas inteligentes sabem agora
que todo o ser humano é o produto
de uma hereditariedade infindável
que o precede e de um ambiente
infinito que o rodeia".
Não sei o que levou estes rapazes a realizar
esse acto louco, mas sei que houve uma razão
para que o tenham realizado. Sei que não o
produziram por si. Sei que qualquer uma de
um número infindável de causas que
remontam ao começo pode ter actuado na
mente destes rapazes — que vos pedem para
enforcar por malícia, ódio e injustiça —
porque, no passado, alguém pecou contra
eles.
Os psiquiatras tinham atestado que os
rapazes não tinham sentimentos normais,
“Todo o ser humano é
produto de uma
hereditariedade
infindável que o precede
e de um ambiente infinito
que o rodeia”
Página 1
James Rachels, Problemas da Filosofia
Sumário: As Pessoas Serão Responsáveis pelo que Fazem? .…...… .1, 2 e 4 Poderemos avaliar as pessoas como boas ou más se elas não tiverem Livre -Arbítrio..…………3 12 Homens em Fúria/ Debate….3 Será moralmente correto dizer às crianças que o Pai Natal existe? …………………………………..4
Nº2
( E dição em Papel )
Nov/ Dez 2015
Especial Natal Online - Blogue
Jornal de Filosofia/ Blogue|Versão de Papel
Página 2 Jornal de Filosofia/ Blogue|Versão de Papel
JORNAL DE FILOSOFIA| nº 2
Maria Beatriz
Na situação apresentada, Clarence
Darrow defende os adolescentes,
que cometeram um homicídio, com
base na ideia de que todo o ser
h u m a n o é p r o d u t o d a
hereditariedade e do ambiente que
o rodeia, estando as suas ações
determinadas, e não sendo,
portanto, responsável por elas.
Assume, assim a perspetiva do
determinismo radical, segundo a
qual todos os acontecimentos,
incluindo as ações humanas, são
e fe i t o s d e ac o nt ec i ment o s
anteriores; as ações resultam de
crenças e desejos que são
determinados por fatores biológicos
e culturais. Assim, tudo o que
fazemos é causado por forças que
não controlamos.
Joana Valadas
Mas esta posição tem uma forte
objeção: se as nossas ações são
efeitos de causas anteriores e, por
isso, inevitáveis, não poderíamos
ter escolhido outra coisa e não
existiria responsabilidade moral.
Não faria sentido punir ou afirmar
o mérito de alguém.
Maria Beatriz
Por isso concordo com o
libertismo; esta teoria refuta o
determinismo radical contra-
argumentando que há ações livres,
logo o deter minismo é falso. Só os
fenómenos físicos estão sujeitos às
leis da natureza, as ações resultam
de uma causalidade livre porque
dependem da vontade, da
capacidade de deliberar e decidir.
Assim, quando fazemos uma coisa
podendo ter feito outra, estamos a
agir livremente. E, se somos livres,
somos responsáveis pelas nossas
ações.
Joana Valadas
Mas, penso que para afirmar a
responsabilidade moral não é preciso negar o
determinismo (raciocínio das teorias
incompatibilistas, o determinismo radical e o
libertismo). Concordo com o determinismo
moderado segundo o qual podemos conciliar o
facto de todas as ações serem causadas por
acontecimentos anteriores, desde a
hereditariedade às crenças e desejos, com o
livre-arbítrio. Embora uma ação seja causada,
se a desejo fazer, se não me sentindo coagida
ou obrigada, significa que escolhi fazer isto em
vez de outra coisa e a minha ação é livre.
E se há liberdade, há responsabilidade moral.
Ana Lopes
Para mim o libertismo está mais correto
porque não basta não me sentir coagida a fazer
algo, eu tenho a experiência da deliberação, de
escolher entre desejos, de optar livremente por
uma ação, tendo outra alternativa. Sem este
sentimento de liberdade, que experienciamos
fortemente, não fazia sentido a nossa ação.
O Problema do Livre-Arbítrio
Serão as pessoas responsáveis pelo que fazem?
Joana Valadas
Essa experiência de liberdade, de
que falas, é uma ilusão segundo o
determinismo radical e resulta
apenas do desconhecimento das
verdadeiras causas de uma ação. A
crença de que o determinismo é
verdadeiro é muito forte.
Raquel Azeda
A ideia de responsabilidade moral é
essencial para que seja possível
viver em sociedade. Sem ela não
procuraríamos agir corretamente
tendo presente as consequências
das nossas ações para os outros.
A hereditariedade, a sociedade
onde o ser humano vive e a
educação que lhe foi transmitida
são fatores que influenciam as suas
decisões. Mas, se os jovens
a s s a s s i n o s a g i r a m s e m
constrangimentos, a sua ação não
foi inevitável,(continua pág 4)
Será que temos
capacidade de escolha
e de decisão?
Ou a nossa ação está
ligada a
acontecimentos
anteriores, sendo um
efeito de um
acontecimento
anterior?
Muitos acontecimentos
do mundo estão
sujeitos a um
determinismo causal.
Mas são também as
nossas ações o
resultado de causas
anteriores e não o
resultado da nossa
vontade?
Debate 10ºA
Poderemos avaliar as pessoas como boas ou más se
elas não tiverem livre arbítrio?
Um júri composto por doze jurados
reúne-se para decidir a sentença no
julgamento de um jovem de 18 anos
acusado de matar o pai. As
orientações do juiz são as de que
devem chegar a uma decisão unânime
e de que o réu deve ser considerado
inocente no caso de existir uma
dúvida legítima quanto à sua culpa. O
veredicto de «culpado» conduzirá
obrigatoriamente a uma pena de
morte.
Numa primeira votação, onze dos
doze jurados votam pela condenação.
O jurado número 8 recusa-se a
concordar com os restantes,
argumentando a favor da existência
de uma dúvida legítima quanto à
culpa do réu. Sem nunca afirmar que
sabe que este é inocente, o jurado
número 8 procura persuadir os
restantes a repensarem a sentença e
alterarem o sentido do seu voto.
12 Homens em Fúria é um
desfile de argumentos de ambas
as partes, que sustentam ambos
os vereditos
12 Homens em Fúria Filme seguido de debate 11ºA e 11ºB
Página 3 Jornal de Filosofia/ Blogue|Versão de Papel
Um dos primeiros argumentos a favor da sentença de «culpado» é uma falácia de apelo à ignorância Surgem alguns entimemas É cometida a falácia ad hominem Alguns dos argumentos apresentados têm premissas meramente plausíveis O jurado número 8 procura persuadir racionalmente os restantes
JORNAL DE FILOSOFIA| nº 2
Avaliar as pessoas de boas ou más.
Poderemos continuar a considerar
as pessoas boas ou más se elas não
tiverem livre-arbítrio?
Pode parecer surpreendente que diga
isto, mas não vejo razão para pensar
que não. Mesmo que não tenham
livre-arbítrio, as pessoas não
deixarão de ter virtudes e vícios.
Continuarão a ser corajosas ou
cobardes, benevolentes ou cruéis,
generosas ou gananciosas.
Um assassino não deixará de ser um
assassino - e continuará a ser mau
ser um assassino. Obviamente, pode
ser possível explicar as más acções
de uma pessoa como resultado dos
seus genes, da sua história ou da
química do seu cérebro. Isto pode
levar-nos a ver essa pessoa como
alguém que teve azar nas
circunstâncias que a fizeram tornar-
se naquilo que é.
Porém, isto não significa que ela não
seja má. Precisamos de distinguir a)
a questão de saber se alguém é má
pessoa de b) a questão de saber
como alguém se tornou má pessoa.
Uma explicação causal do caráter de
uma pessoa não implica que ela não
seja má. Mostra apenas como ela se
tornou má.
James Rachels, Problemas da Filosofia
É moralmente errado dizer às crianças que
o Pai Natal existe? Domingos faria, in http://manualescolar2.0.sebenta.pt/projectos/fil10/posts/1077
Página 4 Jornal de Filosofia/ Blogue|Versão de Papel
JORNAL DE FILOSOFIA| nº 2
Lamento, o Pai Natal não existe! Porém,
comummente os pais ensinam aos filhos
que ele existe, alertando-os para se
comportarem bem ao longo de todo o
ano a fim de serem presenteados pelo
Pai Natal. Mas será correto ensinar às
crianças que o Pai Natal existe, que viaja
num trenó puxado por renas voadoras
com o saco cheio presentes? Que
argumentos se podem avançar a favor e
contra isto?
Por um lado, pode-se argumentar que a
crença no Pai Natal é inócua. Não é
como a crença do proprietário de navios
de William Clifford, que enviou para o
mar um navio em mau estado com
emigrantes, convencido de que o navio
estava em bom estado; mais tarde, o
navio acabou por naufragar em pleno
mar sem deixar rasto. Uma crença como
esta leva a ações nocivas. Porém, a
crença no Pai Natal é inofensiva e, com
toda a imaginação suscitada por este
mito, até pode estimular o
desenvolvimento da criatividade da
criança.
Além disso, parece que as consequências
de acreditar no Pai Natal são
globalmente boas para as crianças,
gerando uma imensa alegria e
entusiasmo – como se pode constatar ao
escreverem as cartas ao Pai Natal, ao
abordarem o assunto do Natal ou ao
receberem os presentes. Logo, parece
que não é errado falar às crianças da
existência do Pai Natal e de todo o mito
que o acompanha.
Por outro lado, pode-se argumentar que
é bom que os filhos tenham confiança na
palavra dos pais. É a partir destas
relações de confiança que os filhos
aprendem e se desenvolvem. Se os filhos
descobrirem que os pais estão a enganá-
los com a crença da existência do Pai
Natal, isso pode colocar em causa a
relação de confiança: afinal quando é
que os filhos devem dar crédito ao
testemunho dos pais?! Portanto, para
não haver risco de perda de confiança,
é melhor não ensinar a crença do Pai
Natal.
Do mesmo modo, incutir crenças
falsas às crianças silenciando ou
contornando as suas dúvidas é errado
(como por exemplo a criança
questionar “Como entra o Pai Natal
nas casas que não têm chaminé?” ou
“As renas do Pai Natal voam
mesmo?”, ao que os pais respondem
condescendentement com algo como
“Isso é magia!”). Isto é errado, uma
vez que promove maus hábitos
mentais, enfraquecendo o hábito de
exigir indícios a favor das nossas
crenças. Assim, há o perigo da
credulidade, do perder o hábito de
testar as coisas e de as investigar.
São estes argumentos plausíveis ou
sofrem de alguma fragilidade?
Quais são os melhores argumentos?
Que mais argumentos se podem
avançar a favor e contra a
transmissão da crença da existência
do Pai Natal às crianças?
Afinal, será ou não moralmente
errado dizer às crianças que o Pai
Natal existe?
poderiam ter escolhido fazer outra
coisa e devem ser responsabilizados
pelo que fizeram.
Nicole
Com este debate conseguimos
realmente entender em que consiste o
problema do livre arbítrio e a
dificuldade das questões que coloca. É
realmente muito difícil defender
apenas uma teoria e defende-la de
maneira correta. O problema do livre
arbítrio é por isso um problema
intemporal, bastante discutido, que
origina várias respostas/ teorias,
todas elas com boas razões, mas sem
uma resposta definitiva. Todas as
perspetivas sobre este problema
apresentam argumentos válidos, mas
ao mesmo tempo estão sujeitas a
fortes objeções, difíceis de
responder.
É isto que torna a filosofia
interessante e importante, pois
ensina-nos a defender as nossas
opiniões e teorias, mas ao mesmo
tempo a aceitar e respeitar outras
perspetivas e pontos de vista que
apresentem bons argumentos.
Serão as pessoas responsáveis pelo que fazem? Continuação pág 2