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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
sapiens editora
A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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2007,Sapiens Editora
Obras da série Estudos da Sociedade:
Volume 1 A organização das sociedades na história da humanidade
Volume 2 O pensamento Humano na história da Filosofia
Volume 3 O desenvolvimento brasileiro – Colônia, Império e República
Volume 4 A Humanidade em seu transcurso histórico
Volume 5 Sociologia Rural: Breve Introdução
Catalogação na Fonte
Copyright ®
Fiorin, José Augusto (org.). A organização das sociedades humanas na história da humanidade. Ijuí: Sapiens Editora, 2007.145 p.
1.Sociedade 2.História 3.Sociologia 4.Cultura 5.Estado I.Título II.Série
A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
3
JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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SAPIENS EDITORA
A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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Uma introdução à Sociologia
Disciplina que se distingue das demais ciências sociais pela
abrangência de seu objeto, a sociologia busca conhecer, mediante
métodos científicos, a totalidade da realidade social como tal, sem
proposta de transformação.
Sociologia é a ciência que estuda a natureza, causas e
efeitos das relações que se estabelecem entre os indivíduos organizados
em sociedade. Assim, o objeto da sociologia são as relações sociais, as
transformações por que passam essas relações, como também as
estruturas, instituições e costumes que têm origem nelas. A abordagem
sociológica das relações entre os indivíduos distingue-se da abordagem
biológica, psicológica, econômica e política dessas relações. Seu interesse
focaliza-se no todo das interações sociais e não em apenas um de seus
aspectos, cada um dos quais constitui o domínio de uma ciência social
específica. As preocupações de ordem normativa são estranhas à
sociologia e não lhe cabe a aplicação de soluções para problemas sociais
ou a responsabilidade pelas reformas, planejamento ou adoção de
medidas que visem à transformação das condições sociais.
Vários obstáculos impediram a constituição da sociologia
como ciência, desde que ela surgiu, no século XIX. Entre os mais
importantes citam-se a inexistência de terminologia clara e precisa; a
tendência a subjetivar os fatos sociais; a multiplicidade de temas de seu
interesse e aplicação; as afinidades partilhadas com outras ciências
sociais; a dificuldade de experimentação, já que os elementos com que
lida são seres humanos; e a proliferação de métodos, técnicas e escolas
que tentaram elaborar uma teoria sociológica unificada como instrumento
adequado de análise, descrição e interpretação dos fenômenos sociais.
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Antecedentes. O interesse pelos fenômenos sociais já existia
na Grécia antiga, onde foram estudados pelos sofistas. Os filósofos
gregos, porém, não elaboraram uma ciência sociológica autônoma, já
que subordinaram os fatos sociais a exigências éticas e didáticas. Assim,
a contribuição grega à sociologia foi apenas indireta.
Um pensamento social existiu na Idade Média, mas sob uma
forma não-sistemática de raciocínio e análise dos fenômenos sociais, pois
se baseava na especulação e não na investigação objetiva dos fatos.
Além disso, nesse período anulou-se a distinção entre as leis da natureza
e as leis humanas e impôs-se a concepção da ordem natural e social
como decorrência da vontade divina, que não seria passível de
transformação. Assim, eivado de conotações ideológicas, éticas e
religiosas, o pensamento social medieval pouco evoluiu.
As profundas modificações econômicas, sociais e políticas
ocorridas na sociedade européia nos séculos XVIII e XIX, em decorrência
da revolução industrial, permitiram o surgimento do capitalismo e
libertaram pensamento dos dogmas medievais. Assim, as ciências
naturais e humanas fizeram rápidos progressos.
Os principais antecedentes da sociologia são a filosofia
política, a filosofia da história, as teorias biológicas da evolução e os
movimentos pelas reformas sociais e políticas, que ensaiaram um
levantamento das condições sociais vigentes na época. Nos primórdios da
sociologia, foram mais influentes a filosofia da história e os movimentos
reformistas.
A história permitiu o acesso ao conhecimento de dados
objetivos sobre a sociedade, acumulados ao longo do tempo. Além disso,
a evolução da historiografia contribuiu em parte para o aperfeiçoamento
dos métodos empíricos de compilação de dados e a análise dos fatos
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sociais. Em relação aos movimentos reformistas, a sociologia partilhou
com eles sua preocupação com os problemas sociais e não mais aceitou
como fato natural condições como a pobreza, seqüela da industrialização.
Incorporou também os procedimentos dos reformistas, que se basearam
nos métodos das ciências naturais para fazer levantamentos sociais,
numa tentativa de classificar e quantificar os fenômenos sociais.
A pré-história da sociologia situa-se, assim, num período
aproximado de cem anos, de 1750 a 1850, entre a publicação de L'Esprit
des lois (O espírito das leis), de Montesquieu, e a formulação das teorias
de Auguste Comte e Herbert Spencer. Sua constituição como ciência
ocorreu na segunda metade do século XIX.
O termo sociologia foi consagrado por Auguste Comte na
obra Cours de philosophie positive (1839; Curso de filosofia positiva), em
que batizou a nova "ciência da sociedade" e tentou definir seu objeto. No
entanto, a palavra sociologia continuou suscetível de inúmeras
interpretações e definições no que diz respeito à delimitação de seu
objeto, pois cada escola sociológica criou suas próprias definições, de
acordo com as perspectivas teóricas, filosóficas e metodológicas
adotadas. Todas essas definições, no entanto, partilhavam um substrato
comum: o estudo das relações e interações humanas.
Abrangência. As ciências sociais se constituem a partir de
dois pilares: a teoria e o método. A teoria se ocupa dos princípios,
conceitos e generalizações; o método proporciona os instrumentos
necessários para a pesquisa científica dos fenômenos sociais.
A sociologia subdivide-se em disciplinas especializadas: a
sociologia do conhecimento, da família, dos meios rurais e urbanos, da
religião, da educação, da cultura etc. A essa lista seria possível
acrescentar um sem-número de novas especializações, como a sociologia
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da vida cotidiana, do teatro, do esporte etc., já que os interesses do
pesquisador se orientam para a compreensão e explicação sistemática,
mediante a utilização das teorias e dos métodos mais adequados, dos
aspectos sociais de todos os setores e atividades da vida humana.
Teorias sociológicas. Na sociologia, a teoria é o instrumento
de entendimento da realidade, dentro da qual se enunciam as leis gerais.
Difere, por isso, da doutrina social, de cunho normativo e ideológico, e a
ela se opõe.
As teorias sociológicas enunciadas ao longo dos séculos XIX
e XX centralizaram-se em algumas questões básicas. Entre elas
distinguem-se a determinação do que representam a sociedade e a
cultura; a fixação de unidades elementares para seu estudo; a
especificação dos fatores que condicionam sua estabilidade ou sua
mudança; a descoberta das relações que mantêm entre si e com a
personalidade; a delimitação de um campo; e a especificação de um
objeto e de métodos de estudos próprios à sociologia.
O desenvolvimento da teoria sociológica pode ser analisado
de acordo com três grandes temas: os tipos de generalização
empregados, os conceitos e esquemas de classificação e os tipos de
explicação.
São seis os tipos de generalização geralmente aceitos: (1)
correlações empíricas entre fenômenos sociais concretos; (2)
generalizações das condições sob as quais surgem as instituições e
outras formas sociais; (3) generalizações que afirmam que as mudanças
que determinadas instituições experimentam estão regularmente
associadas às mudanças que ocorrem em outras instituições; (4)
generalizações sobre a existência de repetições rítmicas de vários tipos;
(5) generalizações que enumeram as principais tendências evolutivas da
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humanidade; e (6) elaboração de leis sobre as repercussões e hipóteses
relacionadas ao comportamento humano.
A sociologia se mostrou mais fecunda no campo da
elaboração de conceitos e esquemas de classificação. No entanto, e
apesar de terem sido criados muitos conceitos, as definições existentes
continuam ainda insatisfatórias, o que impede a classificação adequada
das sociedades, dos grupos e das relações sociais, assim como o
descobrimento de conceitos centrais que permitam a elaboração de uma
teoria sistemática. Verifica-se que numerosos conceitos foram utilizados
com significados distintos por diferentes sociólogos. Mais ainda,
tentativas recentes de aperfeiçoar a base da conceituação atribuíram
importância excessiva à definição do conceito e relegaram a segundo
plano sua finalidade fundamental, a utilização.
As teorias de explicação dividem-se em dois tipos principais,
a causal e a teleológica. A primeira, que seria uma ciência natural da
sociedade, indaga o porquê dos fenômenos sociais, qual a causa de sua
ocorrência. A segunda indaga a finalidade dos fenômenos sociais, com
que objetivo eles ocorrem, e tenta interpretar o comportamento humano
em termos de propósitos e significados.
Métodos sociológicos. Distinguem-se sete métodos na
sociologia: histórico, comparativo, funcional, formal ou sistemático,
compreensivo, estatístico e monográfico. O método histórico ocupa-se do
estudo dos acontecimentos, processos e instituições das civilizações
passadas para proceder à identificação e explicação das origens da vida
social contemporânea.
O método comparativo, considerado durante muito tempo o
método sociológico por excelência porque permitia a realização de
correlações tanto restritas como gerais, estabelece comparações entre
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diversos tipos de grupos e fenômenos sociais com o fim de descobrir
diferenças e semelhanças.
O método funcional estuda os fenômenos sociais do ponto
de vista de suas funções. O sistema social total de uma comunidade seria
integrado por diversas partes inter-relacionadas e interdependentes e
cada uma delas desempenharia uma função necessária à vida do
conjunto. Nessa abordagem são evidentes as analogias entre a sociedade
e um organismo, o que levou seus partidários a tentativas de diferenciar
o funcionamento normal das instituições e sistemas sociais de seu
funcionamento patológico.
O método formal, ou sistemático, analisa as relações sociais
existentes entre os indivíduos, sobretudo no que diz respeito às diversas
formas que essas relações podem assumir independentemente de seu
conteúdo. Em completa oposição ao formal, o método compreensivo
atribui uma importância fundamental ao significado e aos motivos das
ações sociais, isto é, a seu conteúdo. O método estatístico enfatiza a
medição matemática dos fenômenos sociais. No entanto, como a maior
parte dos dados sociológicos é do tipo qualitativo, não se pode adotar
tratamento estatístico rígido.
Por último, o método monográfico centraliza-se no estudo
aprofundado de casos particulares: um grupo, uma comunidade, uma
instituição ou um indivíduo. Cada um dos objetos de estudo deve
necessariamente representar vários outros para que seja possível
estabelecer generalizações.
Técnicas sociológicas. Antes de mais nada, é preciso
estabelecer a diferença entre métodos e técnicas sociológicas. Os
métodos representam uma opção estratégica e não devem ser
confundidos com os objetivos da investigação, enquanto as técnicas
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constituem níveis de etapas práticas de operação limitada, ligadas a
elementos concretos e adaptadas a uma finalidade determinada. O
método é, portanto, uma concepção intelectual que coordena um
conjunto de técnicas.
Entre as principais técnicas utilizadas na investigação
sociológica figuram as entrevistas, as experiências de grupo, as histórias
de vida ou de caso e os formulários ou questionários, que podem ser de
tipo fechado, que oferecem alternativas prévias de resposta, ou aberto,
que permitem ao entrevistado uma liberdade maior de expressão. Tais
técnicas não são necessariamente excludentes, pois permitem a
utilização simultânea e complementar.
Principais correntes sociológicas. De acordo com as
classificações geralmente aceitas, são cinco as correntes principais da
sociologia: organicismo positivista, teorias do conflito, formalismo,
behaviorismo social e funcionalismo.
Organicismo positivista. Primeira construção teórica
importante surgida na sociologia, nasceu da hábil síntese que Comte fez
do organicismo e do positivismo, duas tradições intelectuais
contraditórias.
O organicismo representa uma tendência do pensamento
que constrói sua visão do mundo sobre um modelo orgânico e tem
origem na filosofia idealista. O positivismo, que fundamenta a
interpretação do mundo exclusivamente na experiência, adota como
ponto de partida a ciência natural e tenta aplicar seus métodos no exame
dos fenômenos sociais. Assim, os primeiros conceitos da nova disciplina
foram elaborados de acordo com analogias orgânicas, três das quais são
fundamentais para a compreensão dessa corrente sociológica: (1) o
conceito teleológico da natureza, que implica uma postura fatalista, já
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que as metas a serem alcançadas estão predeterminadas, o que impede
qualquer tentativa de alterá-las; (2) a idéia segundo a qual a natureza, a
sociedade e todos os demais conjuntos existentes perdem vida ao serem
analisados e por isso não se deve intervir em tais conjuntos. Essa noção
leva, em conseqüência, à adoção de uma atitude de laissez-faire; e (3) a
crença de que a relação existente entre as diversas partes que compõem
a sociedade é semelhante à relação que guardam entre si os órgãos de
um organismo vivo.
Os fundadores da nova disciplina adaptaram essa síntese ao
ambiente social e intelectual de seus países: Auguste Comte, na França,
Herbert Spencer, no Reino Unido, e Lester Frank Ward, nos Estados
Unidos. Os três eram partidários da divisão da sociologia em duas
grandes partes, estática e dinâmica, embora tenham atribuído
importância maior à primeira. Algumas diferenças profundas, porém,
marcaram seus pontos de vista.
Comte propôs, para o estudo dos fenômenos sociais, o
método positivo, que exige a subordinação dos conceitos aos fatos e a
aceitação da idéia segundo a qual os fenômenos sociais estão sujeitos a
leis gerais, embora admita que as leis que governam os fenômenos
sociais são menos rígidas do que as que regulamentam o biológico e o
físico. Comte dividiu a sociologia em duas grandes áreas, a estática, que
estuda as condições de existência da sociedade, e a dinâmica, que
estuda seu movimento contínuo. A principal característica da estática é a
ordem harmônica, enquanto a da dinâmica é o progresso, ambas
intimamente relacionadas. O fator preponderante do progresso é o
desenvolvimento das idéias, mas o crescimento da população e sua
densidade também são importantes. Para evoluir, o indivíduo e a
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sociedade devem atravessar três etapas: a teológica, a metafísica e a
positiva.
Comte não aceitou o método matemático e propôs a
utilização da observação, da experimentação, da comparação e do
método histórico. Para Comte, a sociedade era um organismo no qual a
ordem não se realiza apenas automaticamente; é possível estabelecer
uma ordem planejada, baseada no conhecimento das leis sociais e de
sua aplicação racional a problemas e situações concretas.
Spencer, o segundo grande pioneiro, negou a possibilidade
de atingir o progresso pela interferência deliberada nas relações entre o
indivíduo e a sociedade. Para ele, a lei universal do progresso é a
passagem da homogeneidade para a heterogeneidade, isto é, a evolução
se dá pelo movimento das sociedades simples (homogêneas), para os
diversos níveis das sociedades compostas (heterogêneas). Individualista
e liberal, partidário do laissez-faire, Spencer deu mais ênfase às
concepções evolucionistas e usou com largueza analogias orgânicas.
Distinguiu três sistemas principais: de sustentação, de distribuição e
regulador. As instituições são as partes principais da sociedade, isto é,
são os órgãos que compõem os sistemas. Seu individualismo expressou-
se numa das diferenças que apontou: enquanto no organismo as partes
existem em benefício do todo, na sociedade o todo existe apenas em
benefício do individual.
Ward compartilhou das idéias de Spencer e Comte mas não
incorreu em seus extremos -- individualismo e conservadorismo utópico.
Deu grande ênfase, porém, ao aperfeiçoamento das condições sociais
pela aplicação de métodos científicos e a elaboração de planos racionais,
concebidos segundo uma imagem ideal da sociedade.
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Depois da fase dos pioneiros, surgiu o chamado período
clássico do organicismo positivista, caracterizado por uma primeira etapa,
em que a biologia exerceu influência muito forte, e uma segunda etapa
em que predominou a preocupação com o rigor metodológico e com a
objetividade da nova disciplina.
O organicismo biológico, inspirado nas teorias de Charles
Darwin, considerava a sociedade como um organismo biológico em sua
natureza, funções, origem, desenvolvimento e variações. Segundo essa
corrente, praticamente extinta, o que é válido para os organismos é
aplicado aos grupos sociais. A segunda etapa clássica do organicismo
positivista, também chamada de sociologia analítica, foi marcada por
grandes preocupações metodológicas e teve em Ferdinand Tönnies,
Émile Durkheim e Robert Redfield seus expoentes máximos.
Para Tönnies, a sociedade e as relações humanas são fruto
da vontade humana, manifesta nas interações. O desenvolvimento dos
atos individuais permite o surgimento de uma vontade coletiva. A
Tönnies deve-se a distinção fundamental entre "sociedade" e
"comunidade", duas formas básicas de grupos sociais que surgem de
dois tipos de desejo, o natural e o racional. Segundo Tönnies, não são
apenas tipos de grupos mas também etapas genéticas -- a comunidade
evolui para a sociedade.
O núcleo organicista da obra de Durkheim encontra-se na
afirmação segundo a qual uma sociedade não é a simples soma das
partes que a compõem, e sim uma totalidade sui generis, que não pode
ser diretamente afetada pelas modificações que ocorrem em partes
isoladas. Surge assim o conceito de "consciência coletiva", que se impõe
aos indivíduos. Para Durkheim, os fatos sociais são "coisas" e como tal
devem ser estudados.
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Provavelmente o sociólogo que mais se aproximou de uma
teoria sistemática, Durkheim deixou uma obra importante também do
ponto de vista metodológico, pela ênfase que deu ao método
comparativo, segundo ele o único capaz de explicar a causa dos
fenômenos sociais, e pelo uso do método funcional. Afirmou que não
basta encontrar a causa de um fato social; é preciso também determinar
a função que esse fato social vai preencher. Sociólogos posteriores, como
Marcel Mauss, Claude Lévi-Strauss e Mikel Duffrenne, retomaram de
forma atenuada o realismo sociológico de Durkheim.
Um dos principais teóricos do organicismo positivista,
Redfield analisou a diferença existente entre as sociedades consideradas
em sua totalidade e sugeriu a utilização da dicotomia sagrado/secular.
Em suas análises utilizou, de forma mais avançada e profunda, a grande
tipologia do organicismo positivista clássico, basicamente
sociedade/comunidade, e suas diversas configurações.
Teorias do conflito. Segunda grande construção do
pensamento sociológico, surgida ainda antes que o organicismo tivesse
alcançado sua maturidade, a teoria do conflito conferiu à sociologia uma
nova dimensão da realidade. A partir de seus pressupostos, o problema
das origens e do equilíbrio das sociedades perdeu importância diante dos
significados atribuídos aos mecanismos de conflito e de defesa dos
grupos e da função de ambos na organização de formas mais complexas
de vida social. O grupo social passou a ser concebido como um equilíbrio
de forças e não mais como uma relação harmônica entre órgãos, não-
suscetíveis de interferência externa.
Antes mesmo de ser adotada pela sociologia, a teoria do
conflito já havia obtido resultados de grande importância em outras áreas
que não as especificamente sociológicas. É o caso, por exemplo, da
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história; da economia clássica, em especial sob a influência de Adam
Smith e Robert Malthus; e da biologia nascida das idéias de Darwin sobre
a origem das espécies. Dentro dessas teorias, cabe destacar o socialismo
marxista, que representava uma ideologia do conflito defendida em nome
do proletariado, e o darwinismo social, representação da ideologia
elaborada em nome das classes superiores da sociedade e baseada na
defesa de uma política seletiva e eugênica. Ambas enriqueceram a
sociologia com novas perspectivas teóricas.
Os principais teóricos do darwinismo social foram o polonês
Ludwig Gumplowicz, que explicava a evolução sociocultural mediante o
conflito entre os grupos sociais; o austríaco Gustav Ratzenhofer, que
utilizou a noção do choque de interesses para explicar a formação dos
processos sociais; e os americanos William Graham Sumner e Albion
Woodbury Small, para os quais a base dos processos sociais residia na
relação entre a natureza, os indivíduos e as instituições.
O darwinismo social assumiu conotações claramente racistas
e sectárias. Entre suas premissas estão a de que as atividades de
assistência e bem-estar social não devem ocupar-se dos menos
favorecidos socialmente porque estariam contribuindo para a destruição
do potencial biológico da raça. Nesse sentido, a pobreza seria apenas a
manifestação de inferioridade biológica.
Formalismo. A terceira corrente teórica do pensamento
sociológico, que definiu a sociologia como o estudo das formas sociais,
independente de seu conteúdo, legou à sociologia um detalhado estudo
sobre os acontecimentos e as relações sociais. Para o formalismo, as
comparações devem ser feitas entre as relações que caracterizam
qualquer sociedade ou instituição, como, por exemplo, as relações entre
marido e mulher ou entre patrão e empregado, e não entre sociedades
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globais, ou entre instituições de diferentes sociedades. O interesse pela
comparação entre relações permitiu à sociologia alcançar um nível mais
amplo de generalização e conferiu maior importância ao indivíduo do que
às sociedades globais. Essa segunda característica abriu caminho para o
surgimento da psicologia social.
Os dois ramos principais dessa corrente são o formalismo
neokantiano e o fenomenológico. O primeiro, baseado na divisão
kantiana do conhecimento dos fenômenos em duas classes -- o estudo
das formas, consideradas a priori como certas, e dos conteúdos, que
seriam apenas contingentes -- teve grandes teóricos nos alemães Georg
Simmel, interessado em determinar as condições que tornam possível o
surgimento da sociedade, e Leopold von Wiese, que renovou a divisão
kantiana entre forma e conteúdo quando a substituiu pela idéia de
relação.
Em oposição à interpretação positivista e objetiva do
formalismo kantiano, o ramo fenomenológico contribuiu com uma
perspectiva subjetivista. Concentrou-se não nas formas ou relações que a
priori determinam o surgimento de uma sociedade e sim nas condições
sociopsicológicas que a tornam possível. Tem grande importância,
portanto, o estudo dos dados cognitivos, isto é, das essências que podem
ser diretamente intuídas, para cuja análise o filósofo alemão Edmund
Husserl propôs um método de redução a fim de alcançar diversos níveis
de profundidade.
Behaviorismo social. Surgida entre 1890 e 1910, o
behaviorismo social se dividiu em três grandes ramos -- behaviorismo
pluralista, interacionismo simbólico e teoria da ação social -- e legou à
sociologia preciosas contribuições metodológicas. O behaviorismo
pluralista, formado a partir da escola de imitação-sugestão representada
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pelo francês Gabriel Tarde, centralizou-se na análise dos fenômenos de
massas e atribuiu grande importância ao conceito de imitação para
explicar os processos e interações sociais, entendidos como repetição
mecânica de atos.
Os americanos Charles Horton Cooley, George Herbert Mead
e Charles Wright Mills são alguns dos teóricos do interacionismo
simbólico que, ao contrário do movimento anterior, centralizou-se no
estudo do eu e da personalidade, assim como nas noções de atitude e
significado para explicar os processos sociais.
O alemão Max Weber foi o expoente máximo do terceiro
movimento do behaviorismo, a teoria da ação social. Com seu original
método de "construção de tipos sociais", instrumento de análise para
estudo de situações e acontecimentos históricos concretos, exerceu
poderosa influência sobre numerosos sociólogos posteriores.
Funcionalismo. A reformulação do conceito de sistema foi o
centro de todas as interpretações que constituem a contribuição do
funcionalismo, última grande corrente do pensamento sociológico e
integrada por dois importantes ramos: o macrofuncionalismo, derivado
do organicismo sociológico e da antropologia, e o microfuncionalismo,
inspirado nas teorias da escola psicológica da Gestalt e no positivismo.
Entre os adeptos do funcionalismo estão os antropólogos culturais
Bronislaw Malinowski e A. R. Radcliffe-Brown.
O macrofuncionalismo se caracteriza pela unidade orgânica
que considera fundamental: os esquemas em larga escala. Foi o italiano
Vilfredo Pareto quem permitiu a transição entre o organicismo e o
funcionalismo, quando concebeu o conceito de sistema, conferindo-lhe
correta formulação abstrata. A forma da sociedade, segundo ele, é
determinada pela interação entre os elementos que a compõem e a
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interação desses elementos com o todo, o que implica a existência de
uma determinação recíproca entre diversos elementos: a introdução de
qualquer mudança provoca uma reação cuja finalidade é a recuperação
do estado original (noção de equilíbrio sistêmico).
O microfuncionalismo desenvolveu-se na área de análise dos
grupos em sua dinâmica e não na área do estudo da sociedade como um
sistema. O americano Kurt Lewin, com a teoria sobre os "campos
dinâmicos", conjuntos de fatos físicos e sociais que determinam o
comportamento de um indivíduo na sociedade, abriu novos caminhos
para o estudo dos grupos humanos.
COMO SURGIU A SOCIOLOGIA?
A sociologia, ciência que tenta explicar a vida social, nasceu
de uma mudança radical da sociedade, resultando no surgimento do
capitalismo.
O século XVIII foi marcado por transformações, fazendo o
homem analisar a sociedade, um novo "objeto" de estudo. Essa situação
foi gerada pelas revoluções industrial e francesa, que mudaram
completamente o curso que a sociedade estava tomando na época. A
Revolução Industrial, por exemplo, representou a consolidação do
capitalismo, uma nova forma de viver, a destruição de costumes e
instituições, a automação, o aumento de suicídios, prostituição e
violência, a formação do proletariado, etc. Essas novas existências vão,
paulatinamente, modificando o pensamento moderno, que vai se
tornando racional e científico, substituindo as explicações teológicas,
filosóficas e de senso comum.
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Na Revolução Francesa, encontra-se filósofos a fim de
transformar a sociedade, os iluministas, que também objetivavam
demonstrar a irracionalidade e as injustiças de algumas instituições,
pregando a liberdade e a igualdade dos indivíduos que, na verdade,
descobriu-se mais tarde que esses eram falsos dogmas. Esse cenário leva
à constituição de um estudo científico da sociedade.
Contra a revolução, pensadores tentam reorganizar a
sociedade, estabelecendo ordem, conhecendo as leis que regem os fatos
sociais. Era o positivismo surgindo e, com ele, a instituição da ciência da
sociedade. Tal movimento revalorizou certas instituições que a revolução
francesa tentou destruir e criou uma "física social", criada por Comte,
"pai da sociologia". Outro pensador positivista, Durkheim, tornou-se um
grande teórico desta nova ciência, se esforçando para emancipa-la como
disciplina científica.
Foi dentro desse contexto que surgiu a sociologia, ciência
que, mesmo antes de ser considerada como tal, estimulou a reflexão da
sociedade moderna colocando como "objeto de estudo" a própria
sociedade, tendo como principais articuladores Auguste Comte e Émile
Durkheim.
Sociologia
A partir do momento em que um ser humano aceita o acordo
de viver e trabalhar em comum com outros seres humanos, passa a fazer
parte de uma sociedade. As sociedades humanas podem ser muito
diversificadas: abrangem uma gama ampla que varia desde as mais
simples, que sobrevivem até a atualidade no interior remoto de florestas
e desertos quase inacessíveis, até as mais complexas, como as que
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existem nos países de grande prosperidade econômica e múltiplas
manifestações culturais.
Nas sociedades mais simples, que se acham em avançado
processo de extinção, um grupo reduzido de pessoas enfrenta o mundo
utilizando meios tecnológicos muito primitivos e apoiando-se em
instituições sociais de extrema singeleza. As sociedades mais complexas
têm características opostas. Entre elas encontram-se as diversas
sociedades nacionais e, no grau máximo de complexidade, acha-se a
sociedade global, planetária, que tem adquirido um perfil cada vez mais
nítido nas últimas décadas do século XX.
Nessa época, a sociedade global mostrava-se como uma
realidade que, embora incompleta, englobava praticamente a totalidade
dos seres humanos numa rede muito técnica e rica de relações
interpessoais, que abrangem desde os códigos do direito civil às
convenções internacionais de saudação entre estranhos de diferentes
nacionalidades que partilham um mesmo elevador; desde o respeito aos
sinais de trânsito e a observância dos códigos telefônicos até os tratados
internacionais políticos, comerciais ou culturais.
Apesar da evidência dessa realidade, continuava-se a
considerar a sociedade nacional como a sociedade complexa por
excelência, à qual se atribuía, provavelmente por inércia, uma
importância excessiva, ignorando o fato óbvio de que a sociedade global
ganhava a cada dia mais coesão, independentemente das resistências
que os antigos interesses nacionalistas opunham a sua consolidação e
apesar da imensa pluralidade de interesses, vivências, hábitos e visões
culturais e religiosas de seus elementos constituintes.
A sociologia é a ciência que estuda o homem como ser
social. O objeto dessa ciência é, portanto, o comportamento social
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humano. A sociologia analisa, por sua natureza, as causas e os efeitos
das relações entre indivíduos e grupos de indivíduos, como membros de
uma mesma sociedade.
Evolução histórica da sociologia
Assim que o ser humano começou a refletir sobre o mundo
que o cercava, sem dúvida teve que observar que vivia junto com outros
indivíduos, partilhando com eles trabalhos e alimentos, formando
famílias, clãs e tribos em cujo interior cada pessoa desempenhava um
papel determinado, definido por sua idade, sexo, relações de parentesco,
trabalho etc. A reflexão sobre as formações sociais humanas, portanto,
ocorreu em momento bastante precoce da vida inteligente da
humanidade. No decorrer da história, os pensadores enfocaram o tema
social em todas as épocas, a partir de pontos de vista muito diversos:
analisando, recolhendo conhecimentos anteriores e reestudando-os à luz
de novas interpretações ou teorizando sobre especificidades políticas,
jurídicas, filosóficas, históricas e demográficas das diversas sociedades.
Mas a sociologia, como ciência da sociedade, surgiria apenas depois de
muitos séculos. A palavra "sociologia" é de criação relativamente recente.
Em sua concepção moderna, a sociologia deve seu nome a Auguste
Comte, que o empregou pela primeira vez na década de 1830.
A filosofia clássica grega produziu reflexões sobre a natureza
e os fins da sociedade. Platão e Aristóteles dedicaram boa parte de sua
vida e obra ao estudo da estrutura e funcionamento da sociedade na
qual viveram. Platão até mesmo se permitiu projetar uma formação
social utópica que considerava perfeita e chegou a fazer algumas
tentativas fracassadas de pô-la em prática. É de Aristóteles a famosa
definição do homem como "animal social". Filósofos helênicos, doutores
da Igreja Católica, teólogos e pensadores medievais, europeus e
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muçulmanos, juristas e geógrafos, todos contribuíram para a criação e o
desenvolvimento de um rico acervo de pensamento social ao longo de
mais de vinte séculos.
A partir do Renascimento, e muito especialmente no período
do Iluminismo, diversos autores europeus aproximaram-se aos poucos e
cada vez mais do pensamento propriamente sociológico, a partir de
análises políticas, históricas ou de natureza jurídica ou econômica. As
ciências experimentais começavam a progredir solidamente e nasceu a
aspiração de introduzir a utilização do método ciêntífico nas ciências
humanas. No começo do século XIX, Henri de Saint-Simon defendeu a
criação de uma consciência positiva que estudasse os fenômenos sociais.
Mas o criador do termo "sociologia" haveria de ser um de seus discípulos,
Auguste Comte, um dos fundadores da sociologia científica.
Desde sua origem, a sociologia se nutriu, portanto, de
contribuições de personalidades que, em princípio, obedeciam a impulsos
de índole política, como é o caso de John Locke ou Jean-Jacques
Rousseau, e de critérios tomados de empréstimo a outras áreas do
saber, como os demográficos, de que Thomas Malthus é um exemplo, e
os econômicos, como fez Adam Smith.
Comte e os "fundadores": Durkheim, Weber e Pareto
A sociologia chegou à maioridade no período que abrangeu
as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX. Três
grandes autores foram os principais responsáveis pelo crescimento e
consolidação da nova ciência: o francês Émile Durkheim, o alemão Max
Weber e o italiano Vilfredo Pareto. Durkheim é tido como fundador da
sociologia moderna. Foi o criador e incentivador da principal escola
sociológica de seu tempo e seu magistério doutrinário e metodológico
ainda se estende sobre a produção sociológica de autores do mundo
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inteiro um século depois do surgimento de sua obra capital, As regras do
método sociológico. Pareto chegou ao domínio da sociologia a partir de
uma disciplina muito próxima, a economia, e Weber desbravou os
caminhos do conhecimento próprios das ciências humanas, que nem
sempre coincidem com os utilizados habitualmente nas ciências
experimentais.
Desde seus primórdios, o saber sociológico progrediu em
direções muito distintas e formaram-se escolas muito diversas. As
tendências do pensamento humanístico geral se incorporaram às teorias
sociológicas, impondo "modismos" científicos, como o evolucionismo e o
psicologismo, que deram lugar a interpretações muitas vezes grosseiras,
forçadas e parciais dos fatos sociais. Assim, por exemplo, as teorias do
evolucionismo, originalmente estabelecidas nas ciências biológicas, não
tardaram a ser aplicadas às realidades sociais. Tais colaborações
desfrutaram de certo prestígio, durante algum tempo, entre os indivíduos
mais radicalmente tradicionalistas e sectários.
As contribuições e progressos doutrinários e práticos
adotados por escolas sociológicas se viram afetados profundamente pelas
distintas concepções políticas, econômicas e filosóficas sobre o ser
humano e suas construções sociais imperantes em cada época e lugar.
Sociologia contemporânea
Ao contrário da tendência generalizada entre os sociólogos
europeus, voltada para a elaboração de grandes sistemas teóricos para
explicar o conjunto dos fenômenos sociais ou pelo menos os fenômenos
correspondentes a extensos setores da vida social, a obra dos sociólogos
americanos foi desde o começo orientada para a prática, dotada de
grande concretude nos temas tratados e capaz de efetuar uma análise
minuciosa e exaustiva, baseada no estudo direto, de fatos e temas
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específicos. A sociologia empírica, que fez grandes progressos nos
Estados Unidos nas décadas de 1930 e 1940, alcançou o apogeu na
Europa ocidental depois da segunda guerra mundial.
Com referência ao empirismo dominante em todo o mundo
nos estudos sociológicos, difundiram-se frases pretensamente
engraçadas, como a que diz que "um sociólogo é um cientista que gasta
cada vez mais dinheiro para estudar segmentos cada vez mais
irrelevantes na realidade social". Brincadeiras à parte, na segunda
metade do século XX o trabalho dos sociólogos foi dominado, sem
dúvida, pelas tendências empíricas. Apesar disso, outras antigas escolas
sociológicas continuavam ativas nas últimas décadas do século.
A nota mais destacada do progresso sociológico talvez tenha
sido a fragmentação da sociologia em numerosas ciências especializadas:
é comum falar de sociologia do trabalho, da marginalização, da vida
cotidiana, da religião, sociologia eleitoral, sociologia das organizações e
outras. Mais ainda, a tendência que a sociologia empírica mostra para a
realização de pesquisas, das quais se extraem dados em grande número,
obrigou os sociólogos a utilizar com freqüência as estatísticas em seus
trabalhos. A popularização do uso do computador encontrou na análise
de dados sociológicos uma de suas aplicacões mais prósperas e
consistentes.
A sociologia no contexto das ciências humanas
Como sucede com as demais ciências humanas, o domínio
de estudo da sociologia apresenta muitas coincidências com o de outras
disciplinas. A sociedade, as relações sociais e a troca social podem ser
estudadas de pontos de vista propriamente sociológicos, mas também
podem sê-lo em suas características econômicas, antropológicas,
psicológicas etc. Por isso, não podem ser inteiramente dissociados os
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enfoques de caráter propriamente sociológico daqueles adotados por
outras ciências afins que complementam sempre o trabalho do sociólogo.
Os autores antigos tinham uma visão predominantemente
política da sociedade, já que consideravam-na como produto de uma
união de vontades. Para o sociólogo moderno, no entanto, a concepção
de sociedade é mais complexa e se dá dentro de uma abordagem
organicista: considera-se que ela funciona de acordo com uma lógica que
lhe é própria.
A sociedade se compõe de grupos distintos de indivíduos:
percebemos em seu interior membros muito diferentes por sua idade,
trabalho, posses, poder que detêm sobre os demais, tipo físico,
características raciais e outras inúmeras manifestações da diversidade
humana. Uma sociedade complexa, como as atuais sociedades nacionais,
compõe-se de grande variedade de grupos humanos, formados de
maneiras muito diversas: grupos raciais, econômicos, de poder etc. Um
mesmo ser humano pode pertencer a vários desses grupos, entre os
quais as relações são complexas e se acham sempre em equilíbrio
dinâmico e cambiante.
Uma das divisões em grupos da sociedade que mais gerou
controvérsias no decorrer da história ainda breve da sociologia refere-se
às classes sociais. Enquanto alguns autores negam até mesmo sua
existência, outros baseiam na mecânica das classes sociais sua
concepção global da sociedade e seus mecanismos, sua evolução
histórica e seu futuro.
Mudança social
As sociedades não são permanentes. No decorrer da história
existiram formações sociais nas quais as mudanças, em muitas épocas,
foram imperceptíveis. Assim, prolongados períodos da história do Egito
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faraônico parecem, do ponto de vista do observador atual, ter sido
presididos por uma estrutura social estática, sem mudanças, invariável
em suas forças e componentes institucionais internos. No entanto,
mesmo as sociedades mais conservadoras e aparentemente imutáveis
experimentaram sempre tensões e movimentos de mudanças em seu
interior, que no final conseguiram transformar os alicerces sociais. Se
essa afirmação é verdadeira em relação às sociedades da antiguidade,
aplica-se com maior rigor ainda às sociedades contemporâneas, nas
quais o extraordinário progresso impôs um ritmo de transformação e de
surgimento e desencadeamento de novos problemas internos, gerou
tensões e reforçou fatores de mudança social com uma intensidade
jamais conhecida em outras etapas históricas.
Tornou-se lugar-comum afirmar que a sociedade atual está
em crise. Entretanto, apesar de trivial e repetitiva, essa afirmação não é
menos verdadeira. A sociedade do terceiro milênio é com certeza mais
aberta às transformações, e as forças que a impulsionam a mudar são
mais poderosas do que as que existiram em qualquer outro momento da
história.
O progresso tecnológico influiu poderosamente sobre as
mudanças sociais em nível mundial, mas suas conseqüências não têm
sido as mesmas em todas as sociedades, nem os processos tiveram a
mesma intensidade. Assim, o desenvolvimento econômico parece estar
fortemente enraizado, de forma irreversível, nos países industrializados e
mais ricos, nos quais, apesar de ocasionais crises econômicas, o avanço é
quase contínuo. Muitas sociedades mais pobres do Terceiro Mundo, pelo
contrário, experimentam grandes dificuldades para encontrar o caminho
do progresso.
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As causas que provocam um grau diferente de mudança
social entre as diversas sociedades são muito complexas. Basta no
entanto apenas um exemplo para mostrar o nível diferente de impacto
que um aperfeiçoamento tecnológico pode ter, de acordo com o tipo de
formação social sobre o qual incida. O surgimento dos antibióticos
aumentou a duração e a qualidade da vida nos países industrializados;
quando seu emprego se generalizou nas sociedades subdesenvolvidas, o
grande número de vidas humanas que tais medicamentos salvaram
originou como reação problemas adicionais às dificuldades de
alimentação e emprego que as massas humanas desses países sofrem
devido à explosão demográfica que contribuíram para criar. Assim, pois,
a conformação de uma sociedade, seus recursos e organização interna
podem originar, para as mesmas causas, efeitos de mudança social muito
diferentes.
Uma sociedade ingressa numa dinâmica intensa de mudança
social quando os laços tradicionais que seus componentes mantêm entre
si, sejam eles representados por instituições econômicas, religiosas ou
culturais, se enfraquecem a tal ponto que os indivíduos se mostram
dispostos a construir novas relações, adotar outras instituições e
modificar seu modo de vida e sua conduta. São perceptíveis, em todos os
países modernos, as mudanças na estrutura familiar, na forma com que
as crenças se materializam na prática religiosa, na estrutura ideológica
dominante e, muito particularmente, na realidade econômica. Um
processo muito intenso de mudanças sociais teve lugar, no final do
século XX, na quase totalidade do mundo.
Movimentos ideológicos de transformação social
A consciência de que a organização social, num momento
dado, não é a melhor possível, isto é, que não proporciona o máximo de
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bem-estar e de possibilidades de auto-realização aos componentes da
sociedade, é comum a todos os períodos históricos. Entretanto, parece
ter se tornado mais aguda a partir do momento em que a revolução
industrial despertou nos homens a idéia de "progresso", isto é, a
concepção de que a sociedade é um todo dinâmico, em permanente
transformação, e que os recursos materiais de que dispõe aumentam de
forma indefinida, possibilitando maior bem-estar aos seres humanos e
um aperfeiçoamento contínuo da sociedade.
A noção de "progresso", ao se incorporar à ideologia dos
europeus a partir do século XVIII, levou-os a repelir as idéias, antes
dominantes, de estratificação social, de que as injustiças são inevitáveis,
de convivência perpétua com a escassez, da pobreza ixexorável da maior
parte dos seres humanos. A industrialização demonstrou que, do ponto
de vista material, era possível construir "o paraíso na Terra" e evitar de
forma permanente a escassez e a fome.
Não foi sem tensões que a idéia de uma sociedade mais
justa e equitativa se plasmou paulatinamente na realidade. De fato, em
qualquer progresso social produzem-se desajustes e injustiças. A rápida
evolução da sociedade industrializada provocou uma série de conflitos,
nos quais certas camadas sociais reivindicaram -- e algumas vezes
conquistaram -- novos e melhores níveis de qualidade de vida. A história
recente da maior parte das sociedades contemporâneas encerra um ou
mais movimentos revolucionários, que em alguns casos ameaçaram
romper o tecido social e implantar condições radicalmente novas de
relacionamento entre pessoas e classes sociais.
Sociedade atual
O intenso processo de mudança social que se iniciou na
Europa há vários séculos continua em fermentação. As atuais sociedades
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desenvolvidas -- última etapa, por enquanto, desse processo de mudança
social -- têm características muito positivas em alguns casos: extensão
generalizada da alfabetização, previdência social universal, média elevada
de duração da vida, incorporação da mulher ao mercado de trabalho e a
outras atividades sociais em desvantagem cada vez menor em relação ao
homem, estabilidade social e econômica no caso dos países de
"capitalismo avançado" e bem-estar material de amplas camadas sociais.
Entretanto, em sua complexidade, as sociedades
desenvolvidas se revestem também de características que não podem
deixar de ser consideradas negativas. Uma delas é que, embora
englobem apenas uma parcela minoritária da humanidade, as sociedades
desenvolvidas, em função precisamente das necessidades de seu
desenvolvimento ou da tecnologia de que dispõem, detêm a quase
exclusividade da exploração dos recursos naturais do planeta. Essa
situação ocorre em detrimento daquelas sociedades que possuem tais
recursos, mas carecem dos meios de se beneficiarem deles.
No final do século XX, o modelo econômico e social a que
aspirava a maioria dos habitantes do planeta era, em linhas gerais,
representado pelos países capitalistas mais desenvolvidos. Entretanto, as
sociedades mais ricas tentam encontrar soluções para os problemas que
surgiram em seu interior, como a delinqüência, a violência urbana, o uso
de drogas, a marginalização de amplos setores, o racismo, o consumismo
descontrolado e a falta de solidariedade social.
Embora a "mão invisível" do sistema de mercado tenha
demonstrado sua eficácia para a conquista do crescimento econômico ao
longo de muitas décadas, tem ainda que oferecer soluções melhores para
o problema global que se apresenta com intensidade cada vez maior: a
limitação das reservas dos recursos de toda ordem: matérias-primas,
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energia, espaço, alimentos, atmosfera, água potável etc. Outro grave
problema para o qual o sistema social não soube ainda oferecer solução
plenamente satisfatória é o da acelerada automação e robotização, que
dispensa cada vez maiores contingentes de mão-de-obra humana. As
sociedades desenvolvidas, porém, baseiam grande parte da justificação
da existência humana no trabalho. Como tornar compatível a escassez do
trabalho com a necessidade psicológica, social, ideológica, econômica e
moral que dele sente o indivíduo é um tema no qual as sociedades
modernas começam a dar os primeiros passos, encaminhando-se para
um mundo no qual exista um equilíbrio entre trabalho e lazer.
As sociedades pouco desenvolvidas, nas quais o sistema
produtivo é ineficiente e as estruturas sociais em grande parte ainda
estão por se modernizar, sofrem também de modo peculiar os problemas
próprios das sociedades ricas mas, sobretudo, enfrentam dificuldades
ainda maiores advindas das desigualdades sociais que provocam grande
instabilidade interna e dificultam o funcionamento democrático das
instituições políticas. Muitas dessas sociedades se encontram divididas
em duas partes distintas: uma minoria modernizada e uma maioria na
qual predominam as atitudes e modos de vida tradicionais. Em alguns
casos o panorama negativo se complementa com a fome generalizada, a
incapacidade de deslanchar o processo de crescimento econômico, a
superpopulação e muitos outros problemas de extrema gravidade.
O processo de modernização econômica, por ser incompleto,
provoca grandes problemas sociais, como a superpopulação das cidades.
Se a migração de camponeses para os grandes centros urbanos constitui
sintoma revelador de modernização social, já que pressupõe que grandes
contingentes da população se inserem nos circuitos econômicos
modernos e se desligam de seus condicionantes ideológicos tradicionais,
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a incapacidade das grandes cidades de absorvê-los cria por sua vez
subculturas pré-modernas, marginalização, desvinculação dos laços com
o resto da sociedade e delinqüência. O controle das doenças infecciosas,
desvinculado de uma mudança na ideologia tradicional favorável a uma
alta taxa de natalidade ("ter muitos filhos para que pelo menos um
sobreviva"), provoca uma explosão demográfica que uma economia
raquítica, lenta em seu ritmo de expansão, não tem condições de
absorver.
Esses e muitos outros problemas caracterizam a maior parte
das sociedades pobres e o otimismo que imperava no meado do século
XX a respeito de sua pronta solução não se confirmou nos anos
posteriores. Apesar desse quadro negativo, algum avanço foi
conquistado. No fim da década de 1980, as taxas de crescimento
populacional começaram a diminuir em muitas regiões do mundo,
enquanto grandes países asiáticos antes identificados com a fome, como
a Índia e a China, pareciam ter superado esse problema.
No tratamento dos diversos problemas das sociedades
atuais, o trabalho do sociólogo e a contribuição das teorias sociológicas
adquiriram uma importância crescente. Embora não existam medidas
seguras ou receitas aplicáveis a qualquer caso, os governos podem,
mediante técnicas sociológicas, intervir em diferentes áreas da vida
social. Essas técnicas de intervenção tiveram progresso especial nos
setores da publicidade e da opinião pública, que servem para orientar e
conhecer as preferências de consumo e as tendências ideológicas.
Até aqui foram abordadas algumas especificidades da
sociologia, assim como uma visão do mundo atual, contemplado de um
ponto de vista sociológico. Mas os fenômenos humanos que podem ser
objeto de estudo da sociologia são muito numerosos e diversos.
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Os fenômenos humanos e a sociologia
A sociologia é pois uma forma de abordar o mundo, que
privilegia certos aspectos e despreza outros, ou seja, seleciona da
realidade o objeto de seu interesse, da forma mais adequada para esta
ou aquela finalidade. Encara as pessoas não do ponto de vista de sua
especificidade, mas como atores de relações sociais, que desempenham
certos papéis movidos por certos elementos motivadores. As relações
sociais, por sua vez, podem ser entendidas de maneiras distintas, de
acordo com o propósito do estudioso: seja no contexto das classes entre
as quais se estabelecem, seja em âmbitos mais restritos, núcleos
menores ou microcosmos que se definem dentro da realidade mais ampla
da sociedade global.
Do que foi dito se deduz, assim, que um traço característico
que define com maior rigor os estudos sociológicos é precisamente a
grande diversidade de enfoques e contribuições que se estabelecem em
seu âmbito. O principal desafio para o sociólogo é portanto a delimitação
de meios de observação e gestão para compreender uma área concreta
das sociedades.
Max Weber
As teorias de Weber não se identificam com nenhuma
corrente de pensamento de sua época nem se encontram perfeitamente
sistematizadas numa grande obra. Seu pensamento, no entanto, aparece
como uma verdadeira síntese da tradição científica e filosófica da
Alemanha moderna, pois resgata o melhor da metodologia e dos
conceitos já formulados para propor uma ciência social em que os
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múltiplos fatores se encontram relacionados e se explicam
reciprocamente.
Max Weber nasceu em Erfurt, Prússia, em 21 de abril de
1864. Filho de um grande industrial, estudou nas universidades de
Heidelberg, Berlim e Göttingen. O prestígio obtido graças a seus
primeiros escritos valeu-lhe, em 1895, a nomeação como professor de
economia política na Universidade de Freiburg e, no ano seguinte, em
Heidelberg. Uma doença nervosa obrigou-o a abandonar o ensino e o
manteve inativo entre 1898 e 1903.
A partir de 1904, Weber dirigiu a influente revista Archiv für
Sozialwissenschaft und Sozialpolitik (Arquivo de Sociologia e de Política
Social), na qual publicou diversos ensaios que definiam sua concepção do
método sociológico como reflexão sobre os modelos básicos, ou "idéias-
tipo", que regem os comportamentos sociais. Foi nessa revista que
publicou também sua obra mais conhecida e polêmica, Die
protestantische Ethik und der Geist des Kapitalismus (1904-1905; A ética
protestante e o espírito do capitalismo), que vincula o nascimento do
capitalismo à doutrina calvinista da predestinação e à conseqüente
interpretação do êxito material como garantia da graça divina. Essa tese
seria ampliada mais tarde em Die Wirtschaftsethik der Weltreligionen
(1915; A ética econômica das religiões universais), conformando o
primeiro estudo interdisciplinar na história das ciências sociais, em que
Weber sintetiza pesquisas de história das religiões e história econômica.
De volta ao ensino universitário em 1918, Weber participou,
depois de terminada a primeira guerra mundial, da elaboração da
constituição da república de Weimar. A intensa atividade pública de seus
últimos anos não o impediu de escrever. Entre os seus textos de
publicação póstuma destacam-se os que foram reunidos em Gesammelte
A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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Aufsätze zur Religionssoziologie (1921; Estudos reunidos sobre a
sociologia das religiões) e, sobretudo, em Wirtschaft und Gesellschaft
(1922; Economia e sociedade). Max Weber morreu em Munique, em 14
de junho de 1920.
Karl Marx
O pensamento de Karl Marx mudou radicalmente a história
política da humanidade. Inspirada em suas idéias, metade da população
do mundo empreendeu a revolução socialista, na intenção de coletivizar
as riquezas e distribuir justiça social.
Karl Heinrich Marx nasceu em Trier, na Renânia, então
província da Prússia, em 5 de maio de 1818. Primeiro dos meninos entre
os nove filhos de uma família judaico-alemã, foi batizado numa igreja
protestante, de que o pai, advogado bem-sucedido, se tornara membro,
provavelmente para garantir respeitabilidade social. Depois de estudar
em sua cidade natal, em 1835 Marx ingressou na Universidade de Bonn,
onde participou da luta política estudantil.
Na Universidade de Berlim, para a qual se transferiu em
1836, começou a estudar a filosofia de Hegel e juntou-se ao grupo dos
jovens hegelianos. Tornou-se membro de uma sociedade formada em
torno do professor de teologia Bruno Bauer, que considerava os
Evangelhos narrativas fantásticas suscitadas por necessidades
psicológicas.
Com uma posição política que se identificava cada vez mais
com a esquerda republicana, Marx em 1841 apresentou sua tese de
doutorado, em que analisava, na perspectiva hegeliana, as diferenças
entre os sistemas filosóficos de Demócrito e de Epicuro. Nesse mesmo
ano concebeu a idéia de um sistema que combinasse o materialismo de
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Ludwig Feuerbach com o idealismo de Hegel. Passou a colaborar no
jornal Rheinische Zeitung, de Colônia, cuja direção assumiu em 1842. No
ano seguinte, Marx casou-se com Jenny von Westphalen e, logo após,
sua publicação foi fechada.
O casal mudou-se para Paris, onde Marx entrou em contato
com os socialistas. Em 1845, expulso da França pelo governo,
estabeleceu-se em Bruxelas e iniciou a duradoura amizade e colaboração
com Friedrich Engels. Die heilige Familie (1845; A sagrada família) e Die
deutsche Ideologie (1845-1846, publicada em 1926; A ideologia alemã)
foram as primeiras obras que escreveram a quatro mãos. Nessa época,
Marx trabalhou em diversos tratados filosóficos contra as idéias de Bruno
Bauer e do socialista utópico Pierre-Joseph Proudhon, e em 1848 redigiu,
com Engels, o Manifest der Kommunistischen Partei (Manifesto
comunista), resumo do materialismo histórico, em que aparecia pela
primeira vez o famoso apelo à revolução com as palavras "Proletários de
todos os países, uni-vos!"
Depois de participar do movimento revolucionário de 1848 na
Alemanha, Marx regressou definitivamente a Londres, onde durante o
resto da vida contou com a generosa ajuda econômica de Engels para
manter a família. Em 1852 escreveu Der 18 Brumaire des Louis
Bonaparte (O 18 Brumário de Luís Bonaparte), em que analisa o golpe de
estado de Napoleão III do ponto de vista do materialismo histórico. Sete
anos depois, publicou Zur Kritik der politischen Ökonomie (Contribuição à
crítica da economia política), seu primeiro tratado de teoria econômica, e
em 1867 o primeiro volume de Das Kapital (O capital), monumental
análise do sistema socioeconômico capitalista, sua obra mais importante.
Marx voltou à atividade política em 1864, quando participou
da fundação da Associação Internacional de Trabalhadores. Como líder e
A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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principal inspirador dessa Primeira Internacional, sua presença se
reafirmou em 1871, por ocasião da segunda Comuna de Paris,
movimento revolucionário de que a associação participou ativamente e
em que pereceram mais de vinte mil revoltosos. As divergências do
anarquista Mikhail Bakunin, a partir de 1872, provocaram a derrocada da
Internacional. Marx ainda participou em 1875 da fundação do Partido
Social Democrata Alemão e em seguida retirou-se da atividade política
para concluir Das Kapital. Apesar de ter reunido imensa documentação
para continuar o livro, os volumes segundo e terceiro só foram editados
por Engels, em 1885 e 1894. Outros textos foram publicados por Karl
Kautsky, como quarto volume, entre 1904 e 1910. Karl Marx morreu em
14 de março de 1883, em Londres.
Émile Durkheim
Fundador da sociologia, Durkheim combinou a pesquisa
empírica com a teoria sociológica. Sua contribuição tornou-se ponto de
partida do estudo de fenômenos sociológicos como a natureza das
relações de trabalho, os aspectos sociais do suicídio e as religiões
primitivas.
Émile Durkheim nasceu em Épinal, Vosges, em 15 de abril de
1858. Freqüentou a École Normale Supérieure em Paris e interessou-se
por filosofia. Em 1887 assumiu em Bordéus a primeira cadeira de
sociologia instituída na França. Em 1896, fundou o periódico L'Année
Sociologique e, em 1902, passou a lecionar sociologia e educação na
Sorbonne.
Quatro obras capitais. A abordagem com que Durkheim
debruçou-se sobre a sociologia se anuncia nas obras De la division du
travail social (1893; Da divisão do trabalho social) e Les Règles de la
A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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méthode sociologique (1895; As regras do método sociológico). Na
primeira, analisa o problema da ordem num sistema social de
individualismo econômico. Na segunda, define fato social e esquematiza
a trama metodológica com que estudou os fenômenos sociais.
O fato social é experimentado pelo indivíduo como uma
realidade independente que ele não criou e não pode rejeitar, como as
regras morais, leis, costumes, rituais e práticas burocráticas oficiais,
entre outras. Partindo da exterioridade dos fatos sociais, Durkheim
abordou a sociedade como um fato sui generis e irredutível a outros,
compreendendo-a como um conjunto de ideais constantemente
alimentados pelos indivíduos que fazem parte dela. Dessa forma,
conceituou a consciência coletiva como o "sistema das representações
coletivas de uma dada sociedade". A linguagem, por exemplo, é uma
representação coletiva, assim como os sistemas jurídicos e as obras de
arte.
Na análise dos sistemas sociais, Durkheim introduziu os
conceitos de solidariedade mecânica e orgânica, que o levaram à
distinção dos principais tipos de grupos sociais. A solidariedade mecânica
ocorre nas sociedades primitivas, nas quais os indivíduos diferem pouco
entre si e partilham dos mesmos valores e sentimentos. A orgânica,
presente nas sociedades mais complexas, se define pela divisão do
trabalho.
O estudo das sociedades mais complexas levou Durkheim às
idéias de normalidade e patologia sociais, a partir das quais introduziu o
conceito de anomia, ou seja, ausência ou desintegração das normas
sociais. Como as sociedades mais complexas se baseiam na
diferenciação, é preciso que as tarefas individuais correspondam aos
desejos e aptidões de cada um. Isso nem sempre acontece e a sociedade
A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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se vê ameaçada pela desintegração, pois os valores ficam enfraquecidos.
A solução proposta por Durkheim são as formas cooperativistas de
produção econômica.
Em Le Suicide (1897; O suicídio), tentou mostrar que as
causas do auto-extermínio têm fundamento social e não individual.
Descreveu três tipos de suicídio: o egoísta, em que o indivíduo se afasta
dos seres humanos; o anômico, originário, por parte do suicida, da
crença de que todo um mundo social, com seus valores, normas e
regras, desmorona-se em torno de si; e o altruísta, por lealdade a uma
causa.
Na última de suas quatro obras capitais, Les Formes
élémentaires de la vie religieuse (1915; As formas elementares da vida
religiosa), buscou mostrar as origens sociais e cerimoniais, bem como as
bases da religião, sobretudo do totemismo na Austrália. Afirmou que não
existem religiões falsas, que todas são essencialmente sociais. Émile
Durkheim morreu em Paris em 15 de novembro de 1917.
Auguste Comte
O positivismo, doutrina filosófica elaborada por Auguste
Comte e de grande influência no Brasil, conferiu ao estudo dos fatos
sociais o caráter de disciplina sistemática. O nome sociologia foi
empregado pela primeira vez pelo próprio Comte.
Isidore-Auguste-Marie-François-Xavier Comte nasceu em
Montpellier, França, em 19 de janeiro de 1798. Aos 16 anos ingressou na
Escola Politécnica de Paris, da qual foi expulso dois anos depois, por
liderar um movimento de protesto. Passou então a viver de aulas
particulares e colaboração em jornais.
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Foi secretário do banqueiro Casimir Périer e discípulo de
Claude-Henri de Rouvroy, conde de Saint-Simon. Este, um dos teóricos
franceses do socialismo utópico, orientou-o para o estudo das ciências
sociais e transmitiu-lhe duas idéias básicas, que orientaram seu
pensamento daí por diante: a de que os fenômenos sociais, como os de
caráter físico, também obedecem a leis; e a de que todo conhecimento
científico e filosófico deve ter por finalidade o aperfeiçoamento moral e
político do homem.
Em 1825 conheceu Caroline Massin, jovem prostituta com
quem viveu algum tempo e logo depois desposou. No ano seguinte
inaugurou um curso público para exposição de suas idéias. Deprimido por
constantes desentendimentos com a mulher, caiu em profundo
esgotamento nervoso e, em 1827, tentou o suicídio ao atirar-se de uma
ponte nas águas do Sena. Salvo por um guarda, foi internado num asilo.
Tratado por Jean Esquirol, pioneiro da psiquiatria científica, recuperou-se
e retomou o curso. Em 1930 ficou preso durante três dias por recusar-se
a servir à Guarda Nacional. Dedicou os 12 anos seguintes à publicação do
Cours de philosophie positive, em seis volumes, e a dar aulas gratuitas
para operários.
Nessa época, Comte sustentava que as diversas ciências já
haviam atingido a positividade, mas o sistema ainda estava incompleto.
Era necessário uma nova disciplina, que ele chamou física social ou
sociologia, que figuraria num quadro de ciências dispostas em grau de
generalidade decrescente e complexidade crescente, a saber:
matemática, astronomia, física, química, biologia e sociologia. Na
segunda fase de sua carreira, acrescentou uma sétima ciência, a moral.
Em 1837 morreu sua mãe e logo depois Caroline abandonou-
o definitivamente. Comte passou a viver em extrema solidão e, para
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distrair-se, começou a freqüentar a Ópera e a ler os clássicos -- Virgílio,
Dante, Shakespeare, Cervantes. A avalanche de publicações de autores
contemporâneos levou-o então a pregar um maior rigor seletivo nas
leituras, no processo que chamou de "higiene cerebral", pelo qual foi alvo
de comentários irônicos.
Em outubro de 1844 conheceu a escritora Clotilde de Vaux,
que também tivera uma experiência conjugal frustrada, por quem
apaixonou-se. Ambos desfrutaram de uma bela e intensa amizade e de
uma completa identidade de pontos de vista. Queriam uma nova
moralidade, uma nova religião e um novo conceito de casamento. Esse
foi seu relacionamento mais feliz e, ao mesmo tempo, mais melancólico.
Clotilde morreu dois anos depois e Comte levou a marca dessa veneração
quase religiosa até o fim de sua vida.
Novamente solitário, Comte dedicou-se integralmente à
instituição da religião da humanidade, que logo se tornou influente em
numerosos países, como Brasil, Chile e México. O filósofo impregnou-se
de misticismo, criou um sacerdócio, sacramentos e orações, além de
propor para seus adeptos uma rígida disciplina. Suas principais obras
dessa fase são Système de politique positive (1851-1854; Sistema de
política positiva) e Catéchisme positiviste (1852; Catecismo positivista).
O desejo de firmar e divulgar as bases do positivismo levou
Comte a um empenho obsessivo e à dedicação em tempo integral à
propaganda de sua nova religião, com palestras públicas, cartas a
monarcas, políticos e intelectuais de todo o mundo e publicação de livros.
Seu esforço foi bem correspondido. Adeptos do mundo inteiro acorreram
a sua casa em Paris, de onde saíram maravilhados pelo brilho e a
serenidade do mestre. A correspondência de Comte com as sociedades
positivistas em todo o mundo era vastíssima. Sua saúde, no entanto,
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ressentiu-se de tão intensa atividade. Em conseqüência de uma gripe,
Auguste Comte morreu em Paris, em 5 de setembro de 1857.
Herbert Spencer
O conceito de evolução natural como princípio subjacente a
todas as ordens da realidade constitui o núcleo central do sistema teórico
que Spencer desenvolveu.
Herbert Spencer nasceu em Derby, Derbyshire, Inglaterra,
em 27 de abril de 1820. Educado na casa paterna, adquiriu como
autodidata uma boa formação científica. Entre 1837 e 1841 trabalhou
como engenheiro nas ferrovias britânicas. Posteriormente colaborou em
diversas publicações até que, em 1848, foi nomeado subdiretor do The
Economist. Alcançou prestígio nos círculos intelectuais com a publicação
de Social Statics (1851; A estática social), obra na qual deu à noção de
evolução social um tratamento que continha o germe de seu pensamento
posterior. Em 1853, recebeu herança de um tio, deixou o emprego e se
dedicou ao estudo dos fenômenos sociais, que tratou sob perspectiva
científica. Expôs a primeira parte desses estudos em The Principles of
Psychology (1855; Princípios de psicologia), obra que antecedeu a
publicação das teorias evolucionistas de seu compatriota Charles Darwin.
Nesse trabalho, Spencer indica a possibilidade de, por meio do princípio
da evolução, oferecer explicação total da realidade, bem como realizar a
síntese das diferentes ciências.
Spencer concebeu a realidade toda como produto do
desenvolvimento perpétuo de uma força de caráter incognoscível
manifestada na evolução do que é de início homogêneo, indeterminado e
simples, para a heterogeneidade, determinação e complexidade. Assim,
no âmbito físico, as nebulosas dão origem aos sistemas planetários, da
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mesma maneira que as formas biológicas unicelulares evoluem sempre
para organismos mais complexos e aperfeiçoados. Processo semelhante
observa-se nas sociedades humanas, as quais evoluíram das hordas
primitivas para as sociedades militares, cuja coesão se baseava na força,
até chegar às industriais, baseadas em contrato voluntário entre
indivíduos. Em conseqüência, Spencer preconizou um modelo liberal sem
nenhum tipo de intervencionismo estatal como única forma de respeito à
liberdade individual. Esta, por sua vez, é a garantia da ordem social,
posto que a moralidade é a aspiração da consciência humana a uma
harmonização cada vez mais perfeita entre homem e sociedade.
Natureza e espírito, portanto, constituem os aspectos externo e interno
da mesma realidade, que tem sua razão de ser no próprio impulso
evolutivo.
Dedicou o resto da vida ao desenvolvimento de uma série de
volumes, cujo conjunto denominou The Synthetic Philosophy (Filosofia
sintética) e que compreende: First Principles (1862; Primeiros princípios),
dois volumes de The Principles of Biology (1864-1867; Princípios de
biologia), a edição ampliada de The Principles of Psychology (1870-
1872), três volumes de The Principles of Sociology (1876-1896; Princípios
de sociologia) e dois volumes de The Principles of Ethics (1892-1893;
Princípios de ética). Herbert Spencer, cujo pensamento influenciou as
filosofias vitalistas posteriores, morreu em Brighton, Sussex, em 8 de
dezembro de 1903.
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Antropologia, Cultura, Etnologia
Antropologia
Por mais isoladas entre si que tenham vivido, as diferentes
sociedades humanas sempre souberam, salvo raríssimas exceções, que
além de suas fronteiras havia "outros homens": homens que viviam de
forma diversa, cuja pele era talvez de outra cor, que não adoravam os
mesmos deuses, que pensavam de outra maneira. A curiosidade de
conhecer esses homens e povos "diferentes" motivou o nascimento da
antropologia, que atualmente não estuda apenas "os outros", mas todos
os seres humanos.
Conceitos gerais
Definição. Entre as muitas ciências que têm por objeto o ser
humano, a antropologia -- "ciência do homem", segundo a etimologia --
o estuda do ponto de vista das características biológicas e culturais dos
diversos grupos em que se distribui o gênero humano, pesquisando com
especial interesse exatamente as diferenças.
O nascimento da antropologia como ciência ocorreu a partir
dos grandes descobrimentos realizados por navegadores e viajantes
europeus. A curiosidade de conhecer povos exóticos, de saber como
viviam e pensavam homens de culturas tão distantes da européia, de
descobrir que aspecto físico e que costumes tinham, levou à classificação
e ao estudo dos dados recolhidos in loco -- isto é, no lugar de origem --
por exploradores, comerciantes e missionários chegados àquelas terras
longínquas.
Os primeiros antropólogos tinham como característica
comum a distância do objeto de seu estudo, o qual consistia sempre em
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homens pertencentes a culturas distintas da européia e dela
geograficamente afastadas. A moderna antropologia, no entanto,
estende sua pesquisa às sociedades industriais e até mesmo às grandes
concentrações urbanas. Mas seus instrumentos de trabalho se foram aos
poucos delineando justamente no estudo das sociedades "primitivas",
mais simples e com um processo de mudança menos vertiginoso que o
das sociedades modernas.
Com freqüência, os antropólogos do século XIX relacionavam
as características biológicas dos povos com suas formas culturais. Mais
tarde, estabeleceu-se que os traços biológicos e os culturais tinham
menos ligação entre si do que se acreditara. Isso levou a uma primeira
subdivisão das ciências antropológicas em antropologia física e
antropologia cultural, esta última comumente assimilada ao conceito de
etnologia.
Desde a segunda metade do século XIX a antropologia
cultural começou a ser considerada uma ciência humana, com as
limitações e ambigüidades próprias dessa categoria científica, enquanto
a antropologia física continuou desenvolvendo seus métodos de trabalho
-- medição e estabelecimento de correlações entre as medidas
encontradas -- como uma ciência natural. Hoje os dois campos estão
totalmente diferenciados e poucos são os pesquisadores que trabalham
ao mesmo tempo em ambos.
Relações com outras ciências. Duas disciplinas muito
relacionadas com a antropologia são a arqueologia pré-histórica e a
lingüística. A arqueologia, necessária para conhecer o passado das
sociedades, pode esclarecer em grande escala seu presente. A
terminologia arqueológica, anterior à da antropologia, proporcionou a
esta última muitos vocábulos úteis. Por outro lado, a própria antropologia
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é útil à arqueologia, na medida em que estuda ao vivo sociedades muitas
vezes semelhantes -- por exemplo, no desconhecimento dos metais -- a
outras já desaparecidas, sobre as quais pode lançar abundante luz.
Também a lingüística é de grande importância para a
antropologia, não só porque o conhecimento do idioma se faz necessário
ao antropólogo nas pesquisas de campo, isto é, feitas no local de origem,
mas também porque muitos conceitos elaborados pelos lingüistas são
fundamentais para a análise de determinados aspectos das sociedades:
por exemplo, a concepção da sociedade como uma rede de comunicação,
a análise estrutural ou a forma em que se organiza a experiência vital do
sujeito de uma comunidade em estudo.
A sociologia, por sua vez, pode até certo ponto ser
considerada uma "irmã gêmea" da antropologia. Em princípio, o que
distingue as duas ciências é o objeto de seu interesse: enquanto o
sociólogo se dedica ao estudo das sociedades modernas, o antropólogo
comumente pesquisa as sociedades primitivas, embora o estudo das
sociedades coloniais e de seu rápido processo de aculturação e
modernização social tenha desenvolvido um campo intermediário no qual
fica difícil estabelecer os limites entre o trabalho sociológico e o trabalho
antropológico. Nesse terreno intermediário surgiu a chamada
antropologia social.
O desenvolvimento da psicologia permitiu à antropologia
cultural utilizar novas bases para o estudo da relação entre o indivíduo e
a sociedade em que vive, da formação da personalidade e de outros
aspectos que interessam igualmente às duas ciências. A psicanálise, em
particular, impulsionou o desenvolvimento do conceito de cultura a partir
de novas bases.
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A história proporcionou aos antropólogos muitos dados
impossíveis de obter pela observação direta, assim como a antropologia
pôs à disposição dos historiadores novos métodos de trabalho, como os
que se aplicam à análise da tradição oral.
Quanto à geografia humana, coincide com a antropologia na
importância que atribui aos diferentes usos do espaço por parte do
homem, à transformação do habitat natural etc. Ambas as ciências estão,
além disso, relacionadas com a ecologia humana. Não é de estranhar que
muitos dos primeiros antropólogos tenham vindo do campo da geografia.
Evolução histórica e escolas. A antropologia começou a
desenvolver-se especificamente como ciência na segunda metade do
século XIX, num momento histórico em que as coleções etnológicas,
antes meras curiosidades de particulares, passavam a constituir
verdadeiros museus, e em que os conhecimentos da cultura européia
sobre outros povos começavam a ser sistematizados e submetidos a
revisões metódicas.
O aparecimento do darwinismo, com o debate sobre a
origem do homem, suscitou o início do estudo comparativo das diversas
línguas; esse fator e o interesse em conhecer a história de outras
culturas distanciadas da européia fizeram convergir os esforços dos
pesquisadores, até que se aglutinassem numa só ciência -- a
antropologia -- as descobertas, os procedimentos, os métodos e os
achados de muitas outras que, sob ângulos diversos, empreenderam o
estudo das sociedades humanas.
Ao longo de duas décadas, entre 1840 e 1860, apareceram
sucessivamente as sociedades antropológicas de Londres, dos Estados
Unidos e de Paris, as quais agrupavam peritos oriundos de variados
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campos -- zoologia, fisiologia, geografia, geologia, lingüística e outras
ciências --, unidos no interesse comum pelo estudo do homem.
Antropologia cultural
Evolucionismo cultural. Na época histórica de seu
aparecimento como ciência, a antropologia sofreu a influência da idéia
dominante no mundo científico: o evolucionismo, consagrado pela
publicação de A origem das espécies, de Charles Darwin, em 1859. Por
isso, na segunda metade do século XIX, a nascente ciência concebeu os
diferentes grupos humanos como sujeitos em desenvolvimento. As
distintas sociedades evoluiriam todas na mesma direção, passando por
etapas e fases de desenvolvimento e diferenciação cultural inevitáveis e
escalonadas, seguindo uma transformação que levaria do simples ao
complexo, do homogêneo ao heterogêneo, do irracional ao racional. Para
os antropólogos evolucionistas, todos os grupos humanos teriam que
atravessar necessariamente as mesmas etapas de desenvolvimento, e as
diferenças que podem ser observadas entre as sociedades
contemporâneas seriam apenas defasagens temporais, conseqüência dos
ritmos diversos de evolução.
Embora hoje em dia estejam muito superadas as principais
teses evolucionistas, é considerável a maneira pela qual continuam
influenciando a linguagem vulgar e o próprio vocabulário especializado da
antropologia. Assim, às vezes fica difícil ao especialista descrever
fenômenos antropológicos sem ter que recorrer a vocábulos viciados pelo
conteúdo evolucionista que os impregnou durante muitos anos. Nesse
sentido, a utilização de conceitos como "sociedades primitivas",
"civilizações evoluídas" etc. pressupõe uma aceitação implícita de seu
fundo ideológico evolucionista. Para evitar confusões, muitos
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antropólogos falam hoje de "sociedades de tecnologia simples", ou
"sociedades de pequena escala", em oposição a "sociedade de tecnologia
complexa" ou "sociedades industriais".
Os mais influentes antropólogos evolucionistas foram o
americano Lewis Henry Morgan e o inglês Edward B. Tylor. Morgan
publicou em 1877 seu estudo Ancient Society (A sociedade primitiva), no
qual distinguia três etapas por que passaram, ou passarão, todas as
sociedades humanas: selvajaria, barbárie e civilização, numa seqüência
obrigatória de progresso. De igual forma, estabeleceu vários estágios
sucessivos para a formação da família, os quais iriam desde a
promiscuidade primitiva à família bilateral moderna de tipo europeu.
Tylor, por sua vez, realizou estudos comparativos das
manifestações religiosas das diferentes sociedades humanas,
acreditando, depois disso, poder estabelecer três etapas na evolução da
ideologia religiosa dos povos: animismo, politeísmo e monoteísmo.
Embora as teses de Tylor tenham sido amplamente criticadas, suas
concepções sobre a evolução das religiões continuam presentes na
linguagem vulgar.
O evolucionismo materialista de Morgan influenciou
consideravelmente as primeiras abordagens marxistas da antropologia.
Em particular, foi o caso de Friedrich Engels, que escreveu A origem da
família, da propriedade privada e do estado baseando-se claramente na
leitura de Ancient Society.
A escola evolucionista mostrou-se consideravelmente
carregada de preconceitos etnocêntricos, o que levou seus
representantes a considerarem a sociedade européia como a mais
evoluída e a acreditarem que todas as outras tenderiam a alcançar a
mesma perfeição. Se for levado em conta, além disso, que nem sempre
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se dispunham de conceitos suficientemente diferenciados sobre
sociedade e raça, compreende-se que a intenção de encaixar as
sociedades -- e as raças -- num quadro evolutivo gerasse conclusões
precipitadas e errôneas. No entanto, em defesa da escola evolucionista é
preciso lembrar que a antropologia era então uma ciência quase
inexistente, cujo desenvolvimento muito se beneficiou dos estudos e
esforços dos adeptos dessa escola. Quando tais teses começaram a ser
abandonadas pela maioria dos antropólogos, os métodos e
procedimentos da nova ciência já estavam encaminhados e ela começava
a dar seus frutos.
Difusionismo. Nos últimos anos do século XIX e nas duas
primeiras décadas do século XX, os estudos antropológicos foram
influenciados por uma tendência oposta ao evolucionismo: o difusionismo
cultural. Os autores difusionistas estabeleceram a premissa de que as
diferenças observáveis entre sociedades distintas são irredutíveis a
simples defasagens numa mesma trilha cultural, paralela e independente.
A mudança e o progresso culturais se deviam, isto sim, ao fato de
algumas sociedades se apropriarem de elementos de outras,
aperfeiçoando-se dessa maneira. As semelhanças entre culturas diversas
deviam ser explicadas não por terem atravessado etapas semelhantes de
desenvolvimento, como garantiam os evolucionistas, mas sim porque, na
história das sociedades, estava presente um fenômeno de difusão de
traços culturais de umas para outras. Esses traços culturais teriam
nascido em lugares e momentos históricos distanciados entre si, mas
teriam tido uma progressiva difusão, a partir do lugar de origem, até
chegarem a seu estado atual.
Em geral, o pensamento difusionista dá como certo que a
novidade cultural é extremamente rara, sendo muito mais freqüente a
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relíquia cultural. O enfoque histórico, portanto, persiste entre os
difusionistas.
Teorias hiperdifusionistas. Pouco antes da primeira guerra
mundial, um grupo de antropólogos austríacos e alemães constituiu a
escola de Viena, cujos representantes máximos foram Fritz Graebner e o
padre Wilhelm Schmidt, autor de uma teoria dos ciclos culturais que
obteve notoriedade em sua época. A escola de Viena considerava que
todas as culturas existentes na atualidade descendem, por um processo
de difusão, de alguns poucos centros nos quais se teriam realizado todas
as invenções culturais.
Mais extremistas que seus colegas germânicos, alguns
antropólogos britânicos fixaram uma única fonte de todas as culturas: o
antigo Egito. Segundo eles, manifestações como as pirâmides das
culturas pré-colombianas na América seriam uma transcrição das
pirâmides egípcias.
A escola hiperdifusionista, entretanto, perdeu rapidamente o
prestígio em favor de outras concepções antropológicas mais próximas
da realidade concreta. A época em que esteve em plena vigência, a
concepção difusionista das sociedades foi fértil em pesquisas
antropológicas de campo. A partir do início do século XX, começou-se a
considerar que a primeira tarefa do pesquisador era estudar in loco e
recolher em primeira mão os dados que iria usar para chegar a
conclusões. O interesse do antropólogo começou a distanciar-se das
tendências historicistas e se fixou cada vez mais nas sociedades
contemporâneas.
Funcionalismo. O germano-americano Franz Boas,
considerado um dos pais da antropologia americana do século XX, era
um cientista de formação naturalista; por isso, encarou com grande
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ceticismo tanto as teorias difusionistas como as evolucionistas. Boas
preferiu a concepção funcionalista de uma cultura; para ele, uma cultura
é um conjunto unitário que deve ser estudado em sua totalidade, e,
composto, como uma máquina, de diferentes peças interdependentes.
Em seus trabalhos sobre os esquimós, deixou bem fundamentada a
metodologia do trabalho de campo, atividade a que seus discípulos iriam
dar especial relevância. O enfoque de Boas, embora funcionalista, não
deixa de estar matizado pelo historicismo, já que ele sempre se
interessou pela forma como se haviam desenvolvido no tempo as
instituições culturais.
Depois da primeira guerra mundial, as abordagens históricas
das sociedades foram perdendo adeptos e a escola funcionalista
começou a ganhar relevância. Bronislaw Malinowski, seu mais eminente
representante, sustentou que o objetivo da pesquisa antropológica deve
ser a compreensão da totalidade de uma cultura, inseparável da
percepção da conexão orgânica de todas as suas partes. A comparação
entre culturas e a abordagem histórica não têm sentido para Malinowski;
só faz parte de uma cultura aquilo que, no momento em que se estuda,
tem nela uma função. A única maneira de perceber um elemento de uma
cultura é analisar a função que tem esse elemento dentro dela. Não se
pode compreender uma instituição social sem conhecer suas relações
com as outras instituições da mesma sociedade. As atividades
econômicas, o sistema de valores e a organização de uma sociedade
constituem um complexo inter-relacionado cuja descrição é necessária
para que se possa estudar adequadamente essa sociedade.
Dentro da tendência funcionalista, a escola sociológica
francesa, encabeçada por Émile Durkheim, teve notável influência sobre
o pensamento antropológico. Em Règles de la méthode sociologique
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(1895; Regras do método sociológico), Durkheim deixou bem
estabelecido que, no campo social, existe um aspecto da realidade que
vai além dos simples comportamentos individuais. É preciso, portanto,
estudar os fatos sociais como se fossem coisas em si, independentes da
consciência dos indivíduos que formam a sociedade.
O intelectualismo analítico e a concepção da sociedade como
um todo orgânico, como um sistema -- características da escola
sociológica francesa --, ao lado da tradição empirista, que busca fatos --
marca das escolas anglo-saxônicas e, em parte, da germânica -- são
talvez as duas bases fundamentais em que se assenta a moderna
antropologia social.
Estruturalismo. Marcel Mauss, fundador do Instituto de
Etnologia da Universidade de Paris, foi mestre de toda uma geração de
antropólogos europeus. Seu enfoque, em princípio funcionalista,
conquanto mais centrado na sociedade como um todo indivisível do que
como uma soma de inter-relações entre indivíduos, deu origem à escola
estruturalista. Baseando-se em conceitos derivados da matemática formal
e da lingüística, os antropólogos estruturalistas buscaram compreender
uma dada sociedade extraindo seu modelo estrutural. Os procedimentos
estruturalistas demonstraram sua utilidade para o conhecimento dos
sistemas de parentesco e dos sistemas de mitos. Mas a absoluta falta de
visão histórica da escola estruturalista e sua análise meramente estática
da realidade foram amplamente criticadas.
Alguns dos principais representantes da escola estruturalista
foram o britânico Arnold R. Radcliffe-Brown e o francês Claude Lévi-
Strauss.
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Culturalismo. No período entre as duas guerras mundiais
desenvolveu-se, fundamentalmente nos Estados Unidos, uma corrente
culturalista em antropologia, cuja premissa básica era a de que uma
dada cultura impõe um determinado modo de pensamento aos homens
nela inseridos. A cultura condiciona o comportamento psicológico do
indivíduo, sua maneira de pensar, a forma como percebe seu entorno e
como extrai, acumula e organiza a informação daí proveniente. Nesse
sentido, foram significativos os trabalhos de Ruth Benedict, realizados na
década de 1930, sobre os índios pueblo do sudoeste dos Estados Unidos
-- os quais, apesar de imersos num meio físico semelhante ao das etnias
circunvizinhas, raciocinavam de forma muito diferente diante de
problemas idênticos.
Margaret Mead analisou principalmente a importância da
educação na formação da personalidade adulta. Ralph Linton e Abram
Kardiner, por sua vez, expuseram o conceito de personalidade de base,
que consistiria num mínimo psicológico comum a todos os membros de
uma sociedade.
Outras escolas antropológicas. Os antropólogos da União
Soviética e de outros países socialistas mantiveram viva a tradição da
antropologia marxista, de raiz evolucionista. Em alguns países ocidentais,
especialmente na França, a influência do pensamento marxista se refletiu
sobretudo em alguns aspectos da chamada antropologia econômica.
Por outro lado, alguns antropólogos americanos se mantêm
fiéis a uma concepção evolucionista das culturas, embora matizando-a,
referindo-se a ela como um evolucionismo multilinear.
Métodos da antropologia cultural. O antropólogo cultural
atua basicamente mediante o trabalho de campo nas comunidades que
deseja estudar, com freqüência durante mais de um ano. Os métodos de
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trabalho são, fundamentalmente, variações em torno de dois
procedimentos, a entrevista de informantes e a chamada observação
participante. Se em certas comunidades a maioria de seus membros se
dispõe a prestar abundantes informações sobre seu modo de vida, em
outras o pesquisador tem de se esforçar para ganhar a confiança de
umas poucas pessoas que concordarão em lhe prestar informações. É
ainda da maior importância que procure aprender a língua local, para
ganhar a simpatia dos entrevistados, compreender os comentários e
conversas à sua volta e captar com precisão o significado social de
determinados comportamentos, mal expresso quando traduzido. A
seguir, o antropólogo tenta entrevistar informantes que ocupem distintas
posições (profissionais, sociais, econômicas etc.) na comunidade e
compara as informações fornecidas.
No entanto, um nativo pode aceitar como "naturais" aspectos
de sua cultura que são de acentuado interesse para o antropólogo. Por
isso, existem muitos aspectos a que o pesquisador só pode ter acesso
através da "observação participante", a participação do pesquisador nas
atividades normais da vida comunitária: trabalho cotidiano, cerimônias
religiosas, ritos de iniciação, atividades de lazer etc. Normalmente a
observação participante é a maneira mais fácil de perceber a
complexidade das interações sociais. Além disso, só por meio dela o
antropólogo pode se dar conta do significado emocional de uma dada
atividade humana: uma coisa é ouvir a pormenorizada descrição de uma
penosa expedição de caça, outra é participar pessoalmente dela.
Antropologia física
Como se viu, na segunda metade do século XIX ficou bem
clara uma primeira diferenciação dos estudos antropológicos entre os que
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se referiam ao homem como ser social e os que o tomavam como objeto
de estudo do ponto de vista de suas características biológicas. Desde
então, a antropologia física se desenvolveu em torno de dois objetivos
principais: de um lado, o desejo de encontrar o lugar que o homem
ocupa dentro da classificação animal, e averiguar sua história natural; de
outro, a intenção de oferecer uma definição inequívoca das diversas
categorias em que se pode dividir o conjunto do gênero humano, de
acordo com as diferenças biológicas que os homens apresentam entre si.
O primeiro desses objetivos se traduziu na tentativa, por
parte dos pesquisadores, de reconstruir a linha evolutiva que teria vindo
dos primatas até o homem. Foi essa a tarefa que se popularizou, na
segunda metade do século XIX, com o nome de "busca do elo perdido".
No século XX, a matéria adquiriu um caráter mais científico e se vinculou
estreitamente com a paleontologia ou estudo dos fósseis. Importantes
descobertas de "homens-macacos", primeiro na África meridional e
depois na África oriental, permitiram um conhecimento mais preciso da
evolução dos hominídeos. Destacaram-se nesses trabalhos antropólogos
como os da família queniana Leaky (Louis Seymour Blazett e Mary, assim
como o filho do casal, Richard) e o americano D. C. Johanson.
Curiosamente, essa disciplina adquiriu tal importância nos países anglo-
saxões que, neles, o termo "antropologia" se aplica quase
exclusivamente a ela, enquanto que, nos países da Europa continental,
tais pesquisas não costumam ser consideradas propriamente
antropológicas e são classificadas como uma forma de paleontologia, a
qual é vista como um instrumento da outra.
De qualquer modo, realizaram-se classificações raciais
bastante complexas, mas que logo demonstrariam sua insuficiência, já
que se guiavam basicamente pelo critério de dar importância maior aos
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traços mais visíveis do corpo humano -- formato do rosto, cor da pele
etc. --, que não são necessariamente os traços diferenciadores mais
importantes.
Por volta de 1900, desencavaram-se os velhos trabalhos de
Gregor Mendel sobre a hereditariedade, publicados 35 anos antes, e
rapidamente a ciência da genética ganhou enorme vigor. Por outro lado,
a descoberta dos grupos sangüíneos, seguida de muitas outras relativas
às características bioquímicas do corpo humano, pôs a descoberto a
superficialidade das classificações raciais baseadas nas características
morfológicas externas.
Antropologia na atualidade
A principal dificuldade em que se debate a antropologia
cultural consiste em sua carência de um corpo unificado de conceitos,
problema ainda não resolvido. Embora lentamente pareça estar-se
cristalizando um fundo comum de terminologia, de utilização universal e
com significado unívoco, é esse o grande obstáculo para que a
antropologia cultural seja considerada uma verdadeira ciência.
Outro problema com que se defrontam os antropólogos
culturais é o fato de estarem desaparecendo as culturas não européias,
ou tradicionais -- seu objeto de trabalho habitual por mais de um século -
-, atropeladas pela cultura de caráter europeu, hoje convertida em
universal. Nesse confronto as sociedades tradicionais ou estão morrendo
ou sofrendo processos de aculturação e adaptação tão intensos que seria
difícil reconhecer, nelas, sua realidade primeira.
Por outro lado, pesquisadores de diversas nacionalidades, e
não apenas europeus e americanos desenvolvem estudos antropológicos:
latino-americanos, africanos, indianos, japoneses, entre outros, vieram
acrescentar seus pontos de vista à discussão geral.
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Um campo de trabalho aberto aos antropólogos culturais nos
anos que se seguiram à segunda guerra mundial foi o das investigações
que conduzem à melhor compreensão dos povos do Terceiro Mundo,
com o objetivo de facilitar as iniciativas governamentais voltadas para o
estímulo às mudanças ou para a incorporação das sociedades tradicionais
ao modo de vida da sociedade industrial. Assim, por exemplo, é comum
que, ao prepararem uma campanha de alfabetização, os governos ou as
entidades promotoras contratem os serviços de antropólogos para que
realizem estudos prévios que possam orientar as atuações.
No que se refere à antropologia física, são vários os campos
de recente desenvolvimento que interessam de modo particular às suas
pesquisas. Entre eles estão a ecologia humana, que estuda a relação do
homem com seu meio e que também ocupa os antropólogos culturais, e
a genética humana, que estuda o comportamento dos genes causadores
dos traços herdados dos indivíduos e, portanto, trata da variabilidade
humana.
Cultura
Todos os povos, mesmo os mais primitivos, tiveram e têm
uma cultura, transmitida no tempo, de geração a geração. Mitos, lendas,
costumes, crenças religiosas, sistemas jurídicos e valores éticos refletem
formas de agir, sentir e pensar de um povo e compõem seu patrimônio
cultural.
Em antropologia, a palavra cultura tem muitas definições.
Coube ao antropólogo inglês Edward Burnett Tylor, nos parágrafos
iniciais de Primitive Culture (1871; A cultura primitiva) oferecer pela
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primeira vez uma definição formal e explícita do conceito: "Cultura ... é o
complexo no qual estão incluídos conhecimentos, crenças, artes, moral,
leis, costumes e quaisquer outras aptidões e hábitos adquiridos pelo
homem como membro da sociedade."
Já o antropólogo americano Melville Jean Herskovits
descreveu a cultura como a parte do ambiente feita pelo homem; Ralph
Linton, como a herança cultural, e Robert Harry Lowie, como o conjunto
da tradição social. No século XX, o antropólogo e biólogo social inglês
Ashley Montagu a definiu como o modo particular como as pessoas se
adaptam a seu ambiente. Nesse sentido, cultura é o modo de vida de um
povo, o ambiente que um grupo de seres humanos, ocupando um
território comum, criou na forma de idéias, instituições, linguagem,
instrumentos, serviços e sentimentos.
Conceituação. A história da utilização antropológica do
conceito de cultura tem origem nessa famosa definição de Tylor, que
ensejou a oposição clássica entre natureza e cultura, na medida em que
ele procurou definir as características diferenciadoras entre o homem e o
animal a partir dos costumes, crenças e instituições, encarados como
técnicas que possibilitam a vida social. Tal definição também marcou o
início do uso inclusivo do termo, continuado dentro da tradição dos
estudos antropológicos por Franz Boas e Bronislaw Malinowski, entre
outros. Sobretudo na segunda metade do século XX, esse uso
caracterizou-se pela ênfase dada à pluralidade de culturas locais,
enfocadas como conjuntos organizados e em funcionamento, e pela
perda de interesse na evolução dos costumes e instituições, preocupação
dos antropólogos do século XIX.
Só o homem é portador de cultura; por isso, só ele a cria, a
possui e a transmite. As sociedades animais e vegetais a desconhecem. É
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um complexo, porque forma um conjunto de elementos, inter-
relacionados e interdependentes, que funcionam em harmonia na
sociedade. Os hábitos, idéias, técnicas, compõem um conjunto, dentro do
qual os diferentes membros de uma sociedade convivem e se relacionam.
A organização da sociedade, como um elemento desse complexo, está
relacionada com a organização econômica; os dois entre si relacionam-se
igualmente com as idéias religiosas. O conjunto dessa inter-relação faz
com que os membros de uma sociedade atuem em perfeita harmonia.
A cultura é uma herança que o homem recebe ao nascer.
Desde o momento em que é posta no mundo, a criança começa a
receber uma série de influências do grupo em que nasceu: as maneiras
de alimentar-se, o vestuário, a cama ou a rede para dormir, a língua
falada, a identificação de um pai e de uma mãe, e assim por diante. À
proporção que vai crescendo, recebe novas influências desse mesmo
grupo, de modo a integrá-la na sociedade, da qual participa como uma
personalidade em função do papel que nela exerce. Se individualmente o
homem age como reflexo de sua sociedade, faz aquilo que é normal e
constante nessa sociedade. Quanto mais nela se integra, mais adquire
novos hábitos, capazes de fazer com que se considere um membro dessa
sociedade, agindo de acordo com padrões estabelecidos. Esses padrões
são justamente a cultura da sociedade em que vive.
A herança cultural não se confunde, porém, com a herança
biológica. O homem ao nascer recebe essas duas heranças: a herança
cultural lhe transmite hábitos e costumes, ao passo que a herança
biológica lhe transmite as características físicas ou genéticas de seu
grupo humano. Se uma criança, nascida numa sociedade bororo, é
levada para o Rio de Janeiro, passando a ser criada por uma família de
Copacabana, crescerá com todas as características físicas -- cor da pele e
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do cabelo, forma do rosto, em especial os olhos amendoados -- de seu
grupo bororo. Todavia, adquirirá hábitos, costumes, a língua, as idéias,
modos de agir da sociedade carioca, em que se cria e vive.
Além desses hábitos e costumes que recebe de seu grupo, o
homem vai ampliando seus horizontes, e passa a ter novos contatos:
contatos com grupos diferentes em hábitos, costumes ou língua, os quais
farão com que adquira alguns desses hábitos, ou costumes, ou modos de
agir. Trata-se da aquisição pelo contato. Foi o que se verificou no Brasil
do século XIX com hábitos introduzidos pelos imigrantes alemães ou
italianos; o mesmo sucedeu em séculos anteriores, com costumes
introduzidos pelos negros escravos trazidos da África. Tais costumes vão-
se incorporando à sociedade e, com o tempo, são transmitidos como
herança do próprio grupo.
É certo que essa transmissão pelo contato não abrange toda
a cultura do outro grupo. Somente alguns traços se transmitem e se
incorporam à cultura receptora. Esta, por sua vez, se torna também
doadora em relação à cultura introduzida, que incorpora a seus padrões
hábitos ou costumes que até então lhe eram estranhos. É o processo de
transculturação, ou seja, a troca recíproca de valores culturais, pois em
todo contato de cultura as sociedades são ao mesmo tempo doadoras e
receptoras. Dessa forma, o homem adquire novos elementos culturais, e
enriquece seu tipo cultural.
Esses elementos, que compõem o conceito de cultura,
permitem mostrar que ela está ligada à vida do homem, de um lado, e,
de outro, se encontra em estado dinâmico, não sendo estática sua
permanência no grupo. A cultura se aperfeiçoa, se desenvolve, se
modifica, continuamente, nem sempre de maneira perceptível pelos
membros do próprio grupo. É justamente isso que contribui para seu
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enriquecimento constante, por meio de novas criações da própria
sociedade e ainda do que é adquirido de outros grupos.
Graças às pesquisas em jazidas arqueológicas, tem sido
possível recompor ou reconstruir as culturas, o que permite conhecer o
desenvolvimento cultural do homem, sobretudo no campo material. É
mais difícil, porém, conhecer o desenvolvimento da cultura espiritual,
embora muita coisa já se tenha podido esclarecer. De qualquer forma o
que se sabe é que, nascida com o homem, a cultura, sofreu modificações
ao longo dos tempos, enriquecendo-se de novos elementos e adquirindo
novos valores. A cultura acompanha, pois, a marcha da humanidade;
está ligada à vida do homem, desde o ser mais antigo. Com a expansão
do homem pela Terra, ocupando os grupos humanos novos meios
ambientes, a cultura se ampliou e se diversificou em face das influências
impostas pelo meio, cujas relações com o homem condicionaram o
aparecimento de novos valores culturais ou o desaparecimento de
outros.
Sentidos de cultura. Assim, dentro do conceito geral de
cultura, é possível falar de culturas e, por isso, se identificam sentidos
específicos segundo os quais a cultura é antropologicamente
considerada. São quatro, a saber: (1) a cultura entendida como modos
de vida comuns a toda a humanidade; (2) a cultura entendida como
modos de vida peculiares a um grupo de sociedades com maior ou
menor grau de interação; (3) a cultura entendida como padrões de
comportamento peculiares a uma dada sociedade; (4) a cultura
entendida como modos especiais de comportamento de segmentos de
uma sociedade complexa.
O primeiro sentido apresenta aqueles elementos de cultura
comuns a todos os seres humanos, como a linguagem (todos os homens
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falam, embora se diversifiquem os idiomas ou línguas faladas). São
aqueles hábitos -- o de dormir, o de comer, o de ter uma atividade
econômica -- que se tornam comuns a toda a humanidade.
No segundo sentido, encontram-se os elementos comuns a
um grupo de sociedades, como o vestuário chamado ocidental, que é
comum a franceses, a portugueses, a ingleses. São diversas sociedades
que têm o mesmo elemento cultural; um exemplo é o uso do inglês por
habitantes da Inglaterra, da Austrália, da África do Sul, dos Estados
Unidos, que, entre si, entretanto, têm valores culturais diferentes.
O terceiro sentido é formado pelo conjunto de padrões de
determinada sociedade, por exemplo, aqueles padrões culturais que
caracterizam o comportamento da sociedade do Rio de Janeiro; ou as
peculiaridades que assinalam os habitantes dos Estados Unidos.
O quarto sentido de cultura refere-se a de modos especiais
de comportamento de um segmento de sociedade mais complexa. Uma
dada sociedade possui valores culturais comuns a todos os seus
integrantes. Dentro, porém, dessa sociedade encontram-se elementos
culturais restritos ou específicos de determinados grupos que a integram.
São certos costumes que, dentro da sociedade multíplice do Rio de
Janeiro, apresentam os habitantes de Copacabana, os de uma favela ou
de um subúrbio distante. A esses segmentos culturais de uma sociedade
complexa, dá-se também o nome de subcultura.
São esses sentidos que permitem verificar a diferenciação de
cultura entre os diversos grupos humanos. Tal diferenciação resulta de
processos internos ou externos, uns e outros atuando de maneira diversa
sobre o fenômeno cultural. Entre os processos internos, encontram-se as
inovações, traduzidas em descobertas e invenções, que, às vezes,
surgem em determinado grupo e depois se transmitem a outros grupos,
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não raro sofrendo modificações ao serem aceitas pela nova sociedade.
Os processos externos explicam-se pela difusão: é a transmigração de
um elemento cultural de uma sociedade a outra. Em alguns casos o
elemento cultural mantém a mesma forma e função; em outros,
modifica-as ou mantém apenas a forma e modifica a função.
A caracterização de Herskovits. Todos esses aspectos
relacionados com o processo cultural de uma sociedade podem ser
analisados à base de alguns princípios. De acordo com a caracterização
de Melville Herskovits, a cultura deriva de componentes da existência
humana, é aprendida, estruturada, formada de elementos, dinâmica,
variável, cumulativa, contínua e um instrumento de adaptação do homem
ao ambiente.
A cultura é derivada de componentes da existência humana,
ou seja, origina-se de fatores ligados ao homem. São fatores ambientais,
psicológicos, sociológicos e históricos, que contribuem para compor a
cultura dentro de uma sociedade estudada. Ela é também aprendida,
porque se verifica um processo de transmissão dos mais velhos --
pessoas ou instituições -- aos mais novos, à proporção que estes se vão
incorporando a sua sociedade. São as chamadas linhas de transmissão,
isto é, aqueles meios pelos quais se verifica a aprendizagem da cultura. A
família, os companheiros de trabalho, os professores, o esporte, a igreja,
a escola, são linhas de transmissão, ou seja, transmitem a cultura, que
se torna assim aprendida pelos que se incorporam à sociedade.
Do mesmo modo, a cultura é estruturada, pois tem uma
forma ou estrutura que lhe dá estabilidade no respectivo grupo humano,
sem prejuízo das possibilidades de mudança, que são imensas. É
estruturada no sentido de que, compondo-se de diversos valores,
mantém entre eles uma estruturação orgânica.
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Constituída de diferentes valores, a cultura forma os
complexos que, unidos e inter-relacionados, dão o padrão cultural. A
organização social, a língua usada, a organização política, a estética, as
idéias religiosas, as técnicas, o sistema de ensino são alguns dos
elementos existentes em uma sociedade. Esses elementos dão forma à
cultura e a representam, em conjunto, de maneira a caracterizar a
sociedade em que se manifestam. Não são iguais, porém, em todas as
sociedades; daí a cultura ser variável. A cultura é também cumulativa;
vão-se acumulando nela, em face da respectiva sociedade, os elementos
vindos de gerações anteriores, sem prejuízo das mudanças que se
podem verificar no decorrer do tempo.
Cada geração humana, em determinada sociedade, recebe
os elementos vindos de seus antepassados, e ao mesmo tempo vai
acolhendo novos elementos que se juntam àqueles. Por isso mesmo, a
cultura é também contínua: vai além do indivíduo ou de uma geração,
pois continua, mesmo modificada, mas sem interromper sua
permanência na sociedade a que pertence. É o continuum cultural que
liga cada sociedade a suas raízes mais antigas. Se alguns valores se
alteram, desaparecem e são substituídos por novos, outros se mantêm
constantes, vivos, geração após geração. Essa continuidade cultural dá à
sociedade sua estabilidade, pois apesar das revoluções, invasões, novos
contatos com grupos diferentes, o fato é que a cultura permanece, e a
sociedade prossegue em sua existência.
Por fim, a cultura é um instrumento de adaptação do homem
ao ambiente. É pelos valores culturais que o homem se integra a seu
meio. Primeiro, como indivíduo. Ao transformar-se em personalidade que
se incorpora a seu grupo, vai adquirindo os hábitos, os usos e os
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costumes da sociedade a que pertence, de forma a adaptar-se
inteiramente a ela. Aprende a língua que deve ser falada; adquire as
noções de relações com os companheiros; aprende os mesmos jogos
infantis e as mesmas atividades juvenis; adquire uma profissão que
atende aos interesses da sociedade. Em segundo lugar, cria instrumentos
ou concebe novas idéias, que o capacitam a melhor adaptar-se ao
ambiente.
Classificações da cultura. Apesar de formar uma unidade
devidamente estruturada, cumulativa e contínua, a cultura pode ser
dividida. É o que se chama de classificação de cultura, isto é, a divisão
dos valores culturais exclusivamente por necessidade metodológica, ou
para fins pedagógicos ou didáticos. Os elementos que integram uma
cultura não dominam uns aos outros; unem-se e ajudam a compreender
a cultura e seu funcionamento. A classificação ou divisão da cultura é
apenas uma necessidade que têm os estudiosos para melhor apreciar os
diferentes aspectos dessa cultura. Daí a própria variação dessas
classificações ou divisões, em geral conforme as preferências ou pontos
de vista em que se coloca cada autor.
A mais antiga classificação se deve ao sociólogo americano
William Fielding Ogburn, que em Social Change: With Respect to Culture
and Original Nature (1922; Mudança social: referida à cultura e natureza
original) dividiu a cultura em material e não-material ou espiritual. A
primeira compreenderia todos os elementos capazes de uma
representação objetiva, em um objeto ou fato. A segunda seria tudo o
que é criado pelo homem, como concepção ou idéia, nem sempre
traduzido em objetos ou fatos.
Outras classificações podem ainda ser lembradas. Ralph
Linton, baseando-se na constatação de que os fatos culturais resultam
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das necessidades humanas, dividiu a cultura em: necessidades
biológicas, agrupando todos os fatos que correspondem à vida física do
homem (alimentação, habitação, vestuário etc.); necessidades sociais,
em que se reúnem todos os fatos relacionados com a vida em sociedade
(organização social, organização política, ensino etc.); e necessidades
psíquicas, que compreendem todos os fatos que representam
manifestações de pensamento dos seres humanos (crenças, estética
etc.). Melville Herskovits ofereceu a seguinte distribuição dos elementos
culturais: cultura material e suas sanções; instituições sociais; homem e
universo; estética, linguagem.
Pode-se ainda assinalar a classificação dos elementos
culturais, tendo em vista os sistemas operacionais de ação do homem:
sistema ou nível adaptativo, em que se verificam as relações do homem
com o meio (ecologia, tecnologia, economia); sistema ou nível
associativo, em que se estudam as relações dos homens entre si
(organização social, família, parentesco, organização política); e sistema
ou nível ideológico, onde se compreendem os produtos mentais
resultantes de relações entre os homens e as idéias ou concepções
(saber, crenças, linguagem, arte etc.).
Uma última observação deve ser feita, em face da aplicação
do sentido de cultura: é que muitas vezes se tem confundido, na
linguagem menos científica, o sentido de cultura com o de raça ou de
língua. Falar-se, por exemplo, de uma raça ariana é um engano, pois o
que existe são povos que falaram originariamente as línguas indo-
européias ou arianas, tronco de onde nasceram as modernas línguas
faladas na Europa contemporânea. Da mesma forma é um engano falar-
se de raça judaica, pois o que existe são elementos humanos, que se
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aglutinam pela cultura, em particular pelos mesmos ideais ou
sentimentos religiosos, e nunca pelas mesmas características físicas.
Convém salientar que as três variáveis -- cultura, raça e
língua -- são independentes e não seguem a mesma direção. Encontram-
se casos em que persistem as características raciais e se modificam as
lingüísticas e culturais, como se verificou com os negros da África e na
América do Norte ou com os vedas do Ceilão (hoje Sri Lanka). Em outras
ocasiões, persistem as características lingüísticas e modificam-se as
raciais; foi o que sucedeu com os magiares na Europa, vindos de um
mesmo tronco lingüístico, mas de variada formação racial. Pode também
suceder a persistência de características culturais e a modificação das
características físicas ou lingüísticas. É o exemplo encontrado nos povos
chamados latinos. Com tais exemplos, conclui-se que cultura não se
confunde com raça ou língua.
Padrão cultural. Em antropologia, a expressão padrão
cultural se refere à soma total das atividades -- atos, idéias, objetos -- de
um grupo; ao ajustamento dos diversos traços e complexos de uma
sociedade. É aquela configuração exterior que uma cultura apresenta,
traduzindo o conjunto de valores que expressa essa mesma cultura.
A idéia desse conceito começou a formar-se com o
antropólogo americano Franz Boas, que em 1910 afirmou a
individualidade da cultura em cada tribo indígena americana por ele
estudada. Essa observação decorreu da presença de certos elementos
que distinguem determinada cultura. No caso dos grupos estudados,
Boas mencionou o conservantismo dos esquimós, sua capacidade de
invenção, sua boa índole, seu conceito peculiar da natureza e outros
aspectos. Tais elementos não são conseqüência de simples difusão:
resultam, em grande parte, de seu próprio método de vida; e o esquimó
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mesmo vai remodelando os elementos obtidos de outros grupos, de
acordo com os padrões dominantes em seu meio.
A idéia de padrão, em seu sentido antropológico, somente se
formulou, no entanto, com a antropóloga americana Ruth Benedict, em
sua obra clássica Patterns of culture (1934; Padrões culturais).
Estudando as diferentes características das culturas tribais, ela ressaltou
que existe um padrão psicológico modelador dos elementos culturais
emprestados. Por sua vez, esse mesmo padrão afasta aqueles elementos
culturais que a ele não se conformam. A cultura é como o indivíduo, e
tem um padrão mais ou menos consistente em seu pensamento e ação.
Benedict analisa as culturas dos índios zunis, indicando os padrões
culturais de cada um desses grupos, para mostrar o que os caracteriza.
Admite, igualmente, uma influência da psicologia gestaltista, que lhe
permitiu demonstrar a importância de tratar o todo em lugar das partes e
provar que nenhuma análise das percepções separadas pode explicar a
experiência total.
Por meio dos três grupos tribais estudados na obra, Ruth
Benedict procura explicar, e não apenas expor, as características que
cada um apresenta em seu padrão cultural. Apesar da ampla difusão de
sua obra e da imensa aceitação de seu conceito de padrão cultural, não
se podem negar as críticas feitas a seu método de estudo, traduzidas
principalmente nas observações de Robert Lowie; a este se afigurava que
o desejo de distinguir um padrão de outro conduz necessariamente a
uma tendência de sobreestimar diferenças. Dessa forma podem produzir-
se sérias alterações em virtude de uma seleção subjetiva dos critérios.
Enfim, a Lowie parecia que se deveriam esperar investigações ulteriores
para chegar a uma definição adequada do conceito de padrão.
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Escola histórico-cultural. Corrente etnológica que procura
explicar o desenvolvimento cultural como processo de difusão, a escola
histórico-cultural teve seus primeiros idealizadores na Áustria e na
Alemanha, donde o nome com que é também conhecida: escola austro-
alemã. O antropólogo e arqueólogo alemão Leo Frobenius é um de seus
primeiros nomes. A ele se deve a idéia dos ciclos culturais, de que a
constância na associação dos elementos culturais determina a formação
de um ciclo -- um conjunto de determinados valores culturais partidos de
um ponto único dentro da área ocupada. A área ocupada por esses
valores de cultura é o círculo cultural.
Ao mesmo tempo que Frobenius aplicava essa teoria aos
povos africanos, o etnólogo Fritz Graebner, em Berlim, estudava, dentro
do mesmo critério, os povos da Oceania. Começaram então a surgir as
bases dessa nova teoria antropológica, especificamente etnológica,
repercutindo sobretudo em Viena, onde o padre Wilhelm Schmidt
estudou também a distribuição dos grupos humanos em ciclos culturais.
Viena e Berlim tornaram-se os centros fundamentais da formação e
desenvolvimento dessa escola, cujos princípios metodológicos estão
sistematizados por Graebner, em livro publicado na primeira década
deste século, sob o título Methode der Ethnologie (1911; Metodologia
etnológica). Também Schmidt publicou um livro com os fundamentos
metodológicos da escola histórico-cultural.
Os estudos de Wilhelm Schmidt nem sempre concordaram
plenamente com os de Graebner. Surgiram, entre os dois, certas
divergências de detalhes que não invalidam, entretanto, o conjunto. Além
dos critérios de Graebner, que são o de forma e o de qualidade, Schmidt
estabeleceu o princípio de causalidade cultural, quer dizer, apontou a
existência de causas externas e internas que incidem na formação da
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cultura. As causas externas são as que, de fora, influem sobre o homem,
tais como as forças físicas e a própria atividade do homem; as causas
internas são as vindas de dentro, do próprio grupo, de natureza
instintiva. São causas que nem sempre podem observar-se, salvo quando
se traduzem em formas concretas.
Uma das divergências entre Graebner e Schmidt era o
estabelecimento dos ciclos culturais. Enquanto Graebner considerava os
tasmanianos como o povo mais primitivo, Schmidt assim considerava os
pigmeus da floresta da África. Ora, um ciclo de cultura caracteriza-se
pelo conjunto dos valores culturais existentes naquele grupo, e pode não
ter continuidade geográfica. Chegou-se, pois, à evidência de que nem os
tasmanianos são mais primitivos que os pigmeus africanos, nem estes
mais que aqueles. Cientificamente colocam-se num mesmo plano e,
assim, dentro de um mesmo ciclo.
O círculo cultural, além de caracterizar uma distribuição
geográfica, considera ainda a história do desenvolvimento cultural e
estuda a estratificação dos elementos existentes. Nisso diverge do
conceito, mais moderno, de área cultural, que considera territorialmente
a existência dos elementos culturais em face de semelhança de cultura
material e de condições geográficas. Não considera como importante a
reconstituição histórica dos elementos. Baseia-se essencialmente em sua
localização. O conceito de área cultural foi um dos traços de
diversificação e divergência da escola americana, liderada por Franz
Boas, em face da escola histórico-cultural, da qual se originou.
Etnologia
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A curiosidade em relação aos povos que se tornaram
conhecidos dos europeus a partir dos descobrimentos acentuou-se à
medida que a Europa estendia seus domínios coloniais e reacendeu-se no
século XIX, com as grandes explorações do continente africano. Começou
assim a configurar-se uma ciência dos povos, separada da geografia.
Etimologicamente, etnologia é o "estudo ou descrição dos
povos". Essa ciência concentrou-se no estudo das raças e dos povos, de
todos os pontos de vista, e sobretudo na comparação entre as culturas
primitivas e as desenvolvidas, e se baseia quase inteiramente no trabalho
de campo. Requer uma completa imersão do etnólogo na cultura e na
vida cotidiana do povo que é objeto de estudo.
A etnologia é parte de outra ciência de objeto mais amplo: a
antropologia. Na delimitação dos campos correspondentes às duas
disciplinas existem duas grandes correntes: a anglo-saxônica, mais
precisamente americana, e a européia continental, representada
sobretudo por cientistas franceses e alemães. Entre os americanos, a
etnologia é conhecida com o nome de antropologia cultural histórica e,
junto com o estudo da pré-história e a antropologia lingüística, constitui
um dos ramos da antropologia cultural geral.
Para o francês Claude Lévi-Strauss, a expressão
"antropologia cultural" foi adotada pelos anglo-saxões a partir do século
XIX a fim de designar o conjunto dos temas que os europeus
continentais denominaram mais freqüentemente "etnografia" ou
"etnologia", isto é, a investigação sobre os povos "exóticos" e a
sistematização do conhecimento sobre eles. A etnologia, dada sua
natureza subjetiva, é necessariamente comparativa. Como o etnólogo
conserva certos preconceitos culturais, suas observações são em certa
medida comparativas e as generalizações tornam-se inevitáveis.
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72
Histórico. A etnologia, num sentido descritivo ou etnográfico,
tem longa tradição na história da cultura universal. Já nas obras de
historiadores gregos como Heródoto e Xenofonte aparecem freqüentes
descrições dos povos "bárbaros" ou estrangeiros, com o propósito de
explicar suas diferenças raciais e de costumes. Os romanos Cornélio
Tácito e Júlio César foram também precursores dessa ciência, assim
como o veneziano Marco Polo e outros viajantes medievais. Um papel
importante nos primórdios da disciplina foi desempenhado pelos
conquistadores e cronistas espanhóis da época do descobrimento e da
colonização da América. Frei Bernardino de Sahagún, com a Historia
general de las cosas de la Nueva España, escrita por volta de 1560, criou
a primeira obra tida como etnográfica, pois aplicou uma metodologia
apropriada e rigorosa no tratamento dos dados étnicos e lingüísticos. No
entanto, a etnografia tornou-se profissão com o trabalho pioneiro do
polonês Bronislaw Malinowski nas ilhas da Melanésia, por volta de 1915,
do qual resultaram clássicos como Crime and Custom in Savage Society
(1926; Crime e costumes na sociedade selvagem). Desde então, o
trabalho etnográfico de campo tornou-se uma espécie de rito de
passagem para os profissionais da antropologia cultural.
Desenvolvimento. Inicialmente a etnologia se desenvolveu
como ciência de classificação das raças, campo que depois foi explorado
pela antropologia física. No fim do século XIX surgiu o método
propriamente etnográfico ou descritivo de culturas. Em geral, o etnólogo
reside no lugar da pesquisa pelo menos um ano, aprende o idioma ou
dialeto local e participa o mais intensamente possível da vida cotidiana,
ao mesmo tempo em que procura manter o distanciamento necessário à
observação. Freqüentemente o pesquisador não consegue deixar de
expressar pontos de vista preconceituosos, por mais que busque a
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73
isenção. Entre os métodos usados, notabilizaram-se a análise estrutural
de Lévi-Strauss e o neo-evolucionismo de V. Gordon Childe e Julian H.
Steward.
As culturas primitivas ou tradicionais que persistem na
atualidade atravessam uma fase crítica, pois ou estão em extinção ou
vêm sofrendo um processo de aculturação e perda dos valores que lhes
são próprios, sob influência das sociedades industriais. Por isso, a
etnologia teve que modificar também suas linhas de ação e investigação,
já que, embora as formas "puras" das culturas primitivas ou tradicionais
tenham recebido o impacto da civilização moderna, vestígios do passado
continuam patentes em manifestações folclóricas, lendas, costumes etc.,
cujo estudo revela valiosos elementos culturais. Assim, os etnólogos
dedicados a povos que mantêm viva a lembrança de um recente passado
colonial, e que trabalham em colaboração com colegas nativos, procuram
descobrir de que modo essas sociedades respondem às influências
modernizadoras e quais são os elementos da antiga cultura que
persistem dentro da nova. Os estudos etnográficos não se limitam às
pequenas sociedades primitivas mas também focalizam novas unidades
culturais, como os guetos das grandes cidades.
Os instrumentos do etnólogo mudaram muito desde o tempo
de Malinowski. Embora as anotações conservem grande valor no trabalho
de campo, os pesquisadores têm utilizado as vantagens da moderna
tecnologia, como filmes, vídeos e fitas de áudio para reforçar as análises
e descrições escritas.
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74
Movimentos ideológicos
Ideologia
Os pensadores da antiguidade clássica e da Idade Média
entendiam ideologia como o conjunto de idéias e opiniões de uma
sociedade. Maquiavel, no entanto, já dizia que as idéias são diferentes
"no palácio e na praça", conforme as diferentes condições de vida dos
que as defendem.
Define-se como ideologia o sistema de idéias que dá
fundamento a uma doutrina política ou social, adotada por um partido ou
grupo humano. Foi Karl Marx quem formulou a mais completa teoria
sobre a origem e o papel da ideologia nas diversas formas de
organização social. Para Marx, ideologia é um conjunto de idéias e
conceitos que corresponde aos interesses de uma classe social, embora
não obrigatoriamente professado por todos seus membros. Há uma
ideologia da burguesia, como há uma ideologia do proletariado. A
ideologia de certa classe decorre da posição que ela ocupa num modo de
produção historicamente determinado.
Segundo Marx, o acervo ideológico de uma sociedade
constitui a superestrutura, que é condicionada pela realidade material, ou
infra-estrutura. Assim, a filosofia, a arte, o direito, a política e a religião
são formas de ideologia, pois se manifestam segundo os interesses
específicos das classes sociais em que se constituem. A ideologia
também atua sobre a realidade socioeconômica, modificando-a, num
processo de reciprocidade.
Todo sistema de idéias se cria em relação estreita com
circunstâncias históricas, econômicas ou sociais. Entre a ideologia e essas
circunstâncias se dá uma interação dialética. As condições da realidade
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determinam certo tipo de pensamento, e esse pensamento age sobre ela,
modificando-a. Como a realidade se modifica continuamente, as
ideologias também desaparecem e dão lugar a novos corpos doutrinários.
Ideologia e religião. Muitas vezes se fala em ideologia como
se pertencesse à mesma categoria lógica da religião. Ambas são, de
certa maneira, sistemas de idéias que compreendem questões referentes
à verdade e à conduta, mas as diferenças entre as duas têm mais
importância que as similaridades.
Uma teoria religiosa da realidade pode defender uma
sociedade justa, mas dificilmente apresentará um programa político
prático. Com ênfase na fé e no culto, a religião apela para a
espiritualidade e seu objetivo é a redenção ou purificação do espírito,
enquanto uma ideologia fala a um grupo, uma nação ou uma classe. As
religiões em geral atribuem sua própria origem a uma revelação,
enquanto a ideologia sempre pretende, ainda que de forma enganosa,
existir apenas pela razão.
Apesar das diferenças, em certos movimentos religiosos se
encontram os primeiros elementos ideológicos do mundo moderno, como
no caso de Girolamo Savonarola, que no século XV tentou dar ao
cristianismo uma dimensão ideológica e inspirou movimentos como o
calvinismo e as comunidades puritanas do Novo Mundo. De fato, tanto
na Reforma quanto na Contra-Reforma, quando o cristianismo se investiu
de militância e intolerância renovadas e se deu uma nova ênfase à
conversão, a religião aproximou-se muito da ideologia.
Ideologias modernas. As ideologias que mais direta e
incisivamente determinaram a realidade contemporânea encontram-se
ligadas a alguma forma de nacionalismo e de socialismo. O fascismo foi a
mais extrema manifestação do nacionalismo.
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As condições históricas, econômicas e sociais em que se
encontrava a Europa após a primeira guerra mundial, com a recessão das
atividades produtivas, foram responsáveis pelo aparecimento do fascismo
e do nazismo, ideologias baseadas no valor absoluto da nacionalidade e
na pureza racial como fator de liderança, opostos às noções de
internacionalismo e solidariedade inter-racial. Tais convicções levaram
esses povos a superarem as contradições internas de classes para
confluírem numa ideologia hegemônica. Admitia-se a interferência do
estado na produção, na educação, no lazer e em toda atividade individual
que pudesse redundar em benefício para a nação.
Muitas correntes doutrinárias socialistas surgiram a partir de
meados do século XIX. Todas têm em comum o objetivo de implantar
uma organização social em que o regime predominante de propriedade
seja coletivo, especialmente no que se refere aos meios de produção.
Essa idéia básica orientou diversas tendências socializantes, como o
anarquismo, o socialismo corporativista, o socialismo cristão, o marxismo,
entre outras.
Gênese das ideologias. Uma ideologia pode ser determinada
por fatores presentes no meio histórico-social que a gera, e se modifica
ou desaparece quando o contexto que as criou se altera. A ideologia,
como pensamento historicamente situado, é uma tomada de consciência
da realidade ou, como querem alguns pensadores, um reflexo da
realidade. As ideologias seriam, nesse sentido, um epifenômeno, ou uma
espécie de representação mental de uma situação determinada.
Algumas ideologias se apresentam como instrumento de
dominação de um grupo, ou de uma classe, sobre outros. Por exemplo, a
oposição entre a aristocracia que representava o poder feudal e a elite
ascendente dos comerciantes, ou burguesia, deu origem à estruturação
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de uma ideologia baseada em novos valores, como a idéia de êxito no
desempenho de atividade econômica, a valorização do trabalho e o
abandono do conceito heróico de honra. Esses novos valores se
generalizaram entre as diferentes camadas na sociedade emergente,
desfecharam o golpe de misericórdia contra o feudalismo e contribuíram
para a vitória da burguesia.
Ideologia no Brasil
Na sociedade brasileira podem-se identificar diferentes
sistemas de idéias predominantes em cada grande período histórico. Na
primeira fase da colonização vigorou a ideologia do colonizador que, a
partir do século XVII, entrou em choque com os elementos ideológicos
gerados no próprio país.
Assim, a primeira noção em torno da qual se formaram
outras idéias foi a de dominação. O colono europeu era o dono e o
conquistador da terra descoberta e, por isso, tudo se transformava em
objeto de exploração. A dominação se fortaleceu com o regime
paternalista, em que o patriarca ("coronel" ou senhor-de-engenho) era o
árbitro universal e, ao mesmo tempo, o protetor de uma pequena
comunidade familiar que dele dependia incondicionalmente.
Esse regime só pôde existir graças ao trabalho escravo
aplicado à monocultura. Toda sociedade escravocrata necessariamente
valoriza o lazer e deprecia as atividades manuais ou braçais e daí decorre
o gosto brasileiro pelo direito, pela oratória e pelo beletrismo. A elite
intelectual, filha da casa-grande alicerçada no suor escravo, lentamente
elaborou os elementos principais de uma ideologia brasileira, que acabou
por entrar em choque com o dogmatismo dominador.
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O período da colonização, portanto, caracteriza-se por uma
ambivalência ideológica, pois havia uma dualidade de interesses
econômicos, políticos, intelectuais, enfim, uma ambivalência de clima
social. A ideologia construída em grande parte pela simples implantação
ou incorporação de valores externos convivia com uma ideologia
autóctone em formação, que eclodiu nos movimentos nativistas: a
insurreição pernambucana (1648-1654), a guerra dos mascates (1710) e
a inconfidência mineira (1789), entre outros. Esses movimentos marcam
o início de um período ideológico de transição, em que o choque entre os
valores antigos e os novos fez nascer na consciência do brasileiro um
sentimento de inferioridade em face do colonizador.
Entre todos os movimentos nativistas, somente na
inconfidência esteve em jogo a realidade brasileira como um todo. Nos
demais, de consciência ideológica parcial, uma comunidade nativa se
insurgia contra outra, aventureira e de mentalidade exploradora. As lutas
que se prolongaram durante o período do Reino Unido (revolução
pernambucana de 1817), o primeiro reinado (guerra da independência da
Bahia de 1823 e confederação do equador), a regência (cabanos,
farrapos, balaiada e sabinada) e as do segundo reinado (revolução liberal
de São Paulo e de Minas Gerais em 1842 e revolução praieira) atestam
uma transição ideológica na mentalidade das elites do país.
O período seguinte, que começa depois da guerra do
Paraguai e da abolição da escravatura, é útil para compreender o que se
pode chamar de paradoxo burocrático brasileiro. Com a abolição, em
1888, deu-se a desorganização de todo o setor agrícola, cujo
sustentáculo era o café. Considerando que, teoricamente, na evolução de
uma civilização, ocorre gradativamente a passagem do setor primário
(agricultura) para o secundário (indústria), e deste para o terciário
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(comércio, serviços públicos e particulares), a vida nacional, assim
perturbada, deveria ter-se ajustado no setor secundário. Isso, porém,
não foi possível, pois não havia mentalidade industrial e, na época, a
atividade econômica não estava ainda em pleno desenvolvimento.
Assim, a saída para a população mais favorecida foi saltar do
setor primário para o terciário, o que inflacionou as atividades comerciais
e os serviços burocráticos em todos os níveis. O político assumiu então o
papel anteriormente desempenhado pelo senhor-de-engenho ou pelo
patriarca da casa-grande, com uma clientela de protegidos que favoreceu
o empreguismo público.
No século XX, consolidada a república, houve uma tomada
de consciência nacionalista, entendendo-se pelo termo tanto o alcance
nacional dos programas políticos como a defesa contra a dominação e a
imposição de valores estrangeiros. A atividade política nos centros
urbanos do país já industrializado viu-se profundamente influenciada
pelas idéias anarquistas e comunistas dos imigrantes europeus, enquanto
que nas regiões rurais predominava ainda o autoritarismo próprio da
estrutura social arcaica herdada incólume da colônia.
A intermitente interferência das instituições armadas na vida
política brasileira desde a proclamação da república contribuiu com
elementos ideológicos importantes para a formação de uma consciência
nacional pró-militarista e conservadora e de sua contrapartida
democrática e progressista.
Liberalismo
Surgido em conseqüência da luta histórica da burguesia para
superar os obstáculos que a ordem jurídica feudal opunha ao livre
desenvolvimento da economia, o liberalismo tornou-se uma corrente
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doutrinária de importância capital na vida política, econômica e social dos
estados modernos.
Liberalismo é uma doutrina política e econômica que, em
suas formulações originais, postulava a limitação do poder estatal em
benefício da liberdade individual. Fundamentado nas teorias racionalistas
e empiristas do Iluminismo e na expansão econômica gerada pela
industrialização, o liberalismo converteu-se, desde o final do século XVIII,
na ideologia da burguesia em sua luta contra as estruturas que se
opunham ao livre jogo das forças econômicas e à participação da
sociedade na direção do estado.
Antecedentes. Na Idade Média feudal, a sociedade se
compunha basicamente de três classes sociais: a nobreza proprietária da
terra, os servos da gleba, a ela submetidos, e os artesãos urbanos
organizados em corporações. As responsabilidades públicas se dividiam
entre os nobres e a igreja. A partir do século XIII, no entanto, o
desenvolvimento da atividade comercial das cidades e o aparecimento do
capitalismo mercantilista representaram o início de uma transformação
radical das sociedades européias.
A burguesia, concentrada nas cidades, foi a principal
protagonista desse processo histórico. Apesar da importância econômica
que conquistavam, os burgueses continuavam excluídos do poder
político. Um movimento crítico da sociedade surgiu então, contrário à
ordem feudal e aos estados centralizadores. Assim se gerou, num
processo que durou séculos, um movimento filosófico, político e
econômico que afirmou a liberdade total do indivíduo e propugnou a
limitação radical dos poderes do estado. As características fundamentais
desse movimento, além da restrição das atribuições do estado, foram a
defesa da livre concorrência na área econômica e a definição dos direitos
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fundamentais do indivíduo, entre os quais a liberdade de idéias e de
crenças e a sua livre expressão.
O movimento, que adquiriria sua mais acabada expressão no
liberalismo, converteu-se na ideologia em que a burguesia se apoiou para
assumir o controle do estado a partir das últimas décadas do século
XVIII, e depois impregnou profundamente os princípios políticos das
sociedades modernas.
Idéias liberais. As armas decisivas que a burguesia utilizou
em sua luta intelectual contra a nobreza e a igreja foram o Iluminismo --
que opôs razão à tradição, e o direito natural aos privilégios de classe --
e as análises econômicas da escola clássica, cujos principais
representantes foram os economistas Adam Smith e David Ricardo.
A célebre máxima da escola fisiocrata francesa do século
XVIII "Laissez faire, laissez passer: le monde va de lui même" ("deixa
fazer, deixa passar: o mundo anda por si mesmo") é a que melhor
expressa a natureza da economia liberal. Efetivamente, a escola liberal
acredita que a economia possui seus próprios mecanismos de auto-
regulamentação, que atuam com eficácia sempre que o estado não
dificulte seu funcionamento espontâneo.
Ainda antes que Smith, Ricardo e demais intelectuais da
escola clássica estudassem a nova estrutura econômica da sociedade,
iniciara-se a crítica política do absolutismo e dos remanescentes da velha
sociedade feudal. Já no século XVII, o filósofo britânico Thomas Hobbes
tentara fundamentar a legitimidade da monarquia na relação contratual
dela com seus súditos. Foi depois o barão de Montesquieu quem, em De
l'esprit des lois (1748; Sobre o espírito das leis), formulou o princípio da
separação de poderes, dificuldade fundamental na gestação de novos
estados democráticos. Coube a Jean-Jacques Rousseau a afirmação do
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princípio da soberania do povo, que continha os instrumentos teóricos
para iniciar o assalto à monarquia absoluta.
Instauração política do liberalismo. Na Grã-Bretanha, graças
a uma precoce aliança com a nobreza, a burguesia colheu os primeiros
frutos de sua luta política. Durante o século XVIII, as cortes britânicas
converteram-se paulatinamente num Parlamento moderno, logo proposto
como modelo no continente. Essa liberalização foi, no entanto, limitada,
uma vez que teve que esperar o século XIX para que o direito ao voto se
estendesse à pequena burguesia, e as primeiras décadas do século XX
para que se estabelecesse o sufrágio universal.
A instauração da nova ordem política foi desigual nos demais
países europeus e americanos. Nos Estados Unidos, os direitos do
homem foram proclamados em 1776. Na França, foi preciso esperar a
revolução de 1789 para que se desse um passo semelhante e se
proclamassem constituições populares em 1791 e 1793. Na Espanha, o
estado liberal impôs-se nas primeiras décadas do século XIX. Os países
americanos que fizeram parte de seu império colonial forjaram, ao
contrário, sua independência sob a bandeira do liberalismo político e
econômico. Na Alemanha, só em 1918 instituiu-se um Parlamento.
Estado liberal. Se o objetivo primeiro da burguesia foi o
controle do poder legislativo, o fim último da idéia liberal foi a submissão
do poder executivo aos representantes populares e, conseqüentemente,
a eliminação do poder monárquico.
A tarefa do Parlamento devia ser o controle do executivo,
para evitar, assim, as ingerências arbitrárias deste no âmbito privado e
na vida econômica. Os representantes parlamentares eram, formalmente,
porta-vozes populares que buscavam o bem comum, ainda que, na
prática, procedessem da classe dos proprietários. A progressiva extensão
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do voto e a permeabilidade cada vez maior entre os diferentes setores
sociais fez com que, pouco a pouco, aquela representatividade se
tornasse efetiva.
De início, o sistema liberal não previa partidos políticos,
entendidos como na atualidade, dadas as afinidades básicas que existiam
entre os representantes parlamentares. Observou-se, a princípio, a
necessidade de apresentar candidatos e de agrupar aqueles de maior
proximidade ideológica, ao mesmo tempo que se instalava entre eles um
forte componente de influências pessoais. A irrupção das massas
operárias na política representou uma grande mudança daquela
concepção inicial. O mesmo aconteceu com o apogeu da imprensa como
órgão de expressão da opinião pública, fonte última de legitimidade nos
sistemas liberais-democráticos.
Liberalismo e justiça. A desigualdade dos indivíduos segundo
seu nascimento e camada social a que pertencessem era consubstancial
ao ordenamento jurídico do velho regime feudal. A própria coerência do
liberalismo exigia, no entanto, a igualdade de oportunidades entre os
indivíduos e, conseqüentemente, a igualdade última de todos perante a
lei, cujo império se afirmava também diante dos próprios poderes
públicos.
A concretização jurídica do triunfo do liberalismo nos
diversos estados expressou-se na promulgação de constituições, leis
fundamentais que sancionaram a divisão de poderes, os direitos e
obrigações dos indivíduos e os demais princípios da nova ordem social.
Marxismo
Fruto de décadas de colaboração entre Karl Marx e Friedrich
Engels, o marxismo influenciou os mais diversos setores da atividade
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humana ao longo do século XX, desde a política e a prática sindical até a
análise e interpretação de fatos sociais, morais, artísticos, históricos e
econômicos, e se tornou doutrina oficial dos países de regime comunista.
Marxismo é o conjunto das idéias filosóficas, econômicas,
políticas e sociais que Marx e Engels elaboraram e que mais tarde foram
desenvolvidas por seguidores. Interpreta a vida social conforme a
dinâmica da luta de classes e prevê a transformação das sociedades de
acordo com as leis do desenvolvimento histórico de seu sistema
produtivo.
Os pontos de partida do marxismo são a dialética de G. W. F.
Hegel, a filosofia materialista de Ludwig Feuerbach e dos enciclopedistas
franceses e as teorias econômicas dos ingleses Adam Smith e David
Ricardo. Mais do que uma filosofia, o marxismo é a crítica radical da
filosofia, principalmente do sistema filosófico idealista de Hegel.
Enquanto para Hegel a realidade se faz filosofia, para Marx a filosofia
precisa incidir sobre a realidade. O núcleo do pensamento de Marx é sua
interpretação do homem, que começa com a necessidade humana. A
história se inicia com o próprio homem que, na busca da satisfação de
necessidades, luta contra a natureza. À medida que luta, o homem se
descobre como ser produtivo e passa a ter consciência de si e do mundo.
Percebe então que "a história é o processo de criação do homem pelo
trabalho humano".
As duas vertentes do marxismo são o materialismo dialético,
para o qual a natureza, a vida e a consciência se constituem de matéria
em movimento e evolução permanente, e o materialismo histórico, para
o qual o fato econômico é base e causa determinante dos fenômenos
históricos e sociais, inclusive as instituições jurídicas e políticas, a
moralidade, a religião e as artes.
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A teoria marxista desenvolve-se em quatro níveis de análise -
- filosófico, econômico, político e sociológico -- em torno da idéia central
de mudança. Em suas Thesen über Feuerbach (1845, publicadas em
1888; Teses sobre Feuerbach), Marx escreveu: "Até o momento, os
filósofos apenas interpretaram o mundo; o fundamental agora é
transformá-lo." Para transformar o mundo é necessário vincular o
pensamento à prática revolucionária. Interpretada por diversos
seguidores, a teoria tornou-se uma ideologia que se estendeu a regiões
de todo o mundo e foi acrescida de características nacionais. Surgiram
assim versões como as dos partidos comunistas francês e italiano, o
marxismo-leninismo na União Soviética, as experiências no leste europeu,
o maoísmo na China e Albânia e as interpretações da Coréia do Norte, de
Cuba e dos partidos únicos africanos, em que se mistura até com ritos
tribais.
Materialismo dialético. De uma perspectiva idealista, Hegel,
filósofo alemão do século XIX, englobava a natureza, a história e o
espírito no processo dialético de movimento das idéias, determinado pela
oposição de elementos contrários (tese e antítese) que progridem em
direção a formas mais aperfeiçoadas (síntese). Assim, no devir da
história, o processo dialético impulsiona o desenvolvimento da idéia
absoluta pela sucessão de momentos de afirmação (tese), de negação
(antítese) e de negação da negação (síntese).
Marx adotou a dialética hegeliana e substituiu o devir das
idéias, ou do espírito humano, pelo progresso material e econômico. Em
Zur Kritik der Politischen Ökonomie (1859; Contribuição à crítica da
economia política), resume o que mais tarde foi chamado materialismo
dialético: "Não é a consciência do homem que determina seu ser, mas o
ser social que determina sua consciência." Pelo método dialético,
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sustentou que o capitalismo industrial (afirmação) engendra o
proletariado (negação) e essa contradição é superada, no futuro, pela
negação da negação, isto é, pela sociedade sem classes.
Outra chave do marxismo está no pensamento do filósofo
alemão Ludwig Feuerbach. Discípulo de Hegel, Feuerbach inverteu na
dialética os lugares ocupados pela idéia e pela matéria e formulou a
teoria da alienação do homem, entendendo Deus como ilusão humana
ditada por necessidades da realidade material. Marx detectou certa
inconsistência no materialismo de Feuerbach, pois este considerava o
homem como ser puramente biológico. Tomando uma noção criada por
Moses Hess, também hegeliano, Marx definiu o homem em sua relação
com a natureza e a sociedade, isto é, em sua dimensão econômica e
produtiva, e viu no estado, na propriedade e no capital a fonte da
alienação humana. Para Marx, as relações materiais de produção de uma
sociedade determinam a alienação política, religiosa e ideológica, como
conseqüências inequívocas das condições de dominação econômica.
Materialismo histórico. Também chamado concepção
materialista da história, o materialismo histórico é a aplicação do
marxismo ao estudo da evolução histórica das sociedades humanas. Essa
evolução se explica pela análise dos acontecimentos materiais,
essencialmente econômicos e tecnológicos. Na atividade econômica e
social, os homens estabelecem relações necessárias e independentes de
sua vontade. São as relações de produção, que correspondem a um
determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas (trabalho
humano, instrumentos, máquinas). O conjunto das relações de produção
forma a infra-estrutura econômica da sociedade, base material sobre a
qual se eleva uma superestrutura política, jurídica e ideológica, o que
engloba as idéias morais, estéticas e religiosas. Assim, o modo de
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produção dos bens materiais condiciona a vida social, política e
intelectual que, por sua vez, interage com a base material. Para
contrabalançar o determinismo econômico da teoria, Marx afirmou a
existência de uma constante interação e interdependência entre a infra-
estrutura e a superestrutura, embora, em última instância, os fatores
econômicos sejam os determinantes.
No curso de seu desenvolvimento, as forças produtivas da
sociedade entram em contradição com as relações de produção
existentes e estas convertem-se em obstáculos à continuidade do
processo produtivo. Inicia-se então uma era de revolução social que
afeta a fundo a estrutura ideológica, de modo que os homens adquirem
consciência do conflito de que participam.
As relações capitalistas de produção seriam a forma final de
antagonismo no processo histórico. O modo de produção do capitalismo
industrial conduz de modo inevitável à superação da propriedade privada,
não só pela rebelião dos oprimidos como pela própria evolução do
sistema, em que a progressiva acumulação de capital determina a
necessidade de novas relações de produção baseadas na propriedade
coletiva dos meios de produção. Superado o regime de propriedade
privada, o homem venceria a alienação econômica e, em seguida, todas
as outras formas de alienação de si mesmo.
No decorrer do processo histórico, as relações econômicas
evoluíram segundo uma contínua luta dialética entre os proprietários dos
meios de produção e os trabalhadores espoliados e explorados. No
primeiro capítulo do Manifest der Kommunistischen Partei (1848;
Manifesto comunista), Marx e Engels afirmam que a "história de todas as
sociedades do passado é a história da luta de classes". Segundo o
materialismo histórico, o comunismo primitivo seria a tese oposta à
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antítese expressa pelas sociedades de classe (escravistas, feudais e
capitalistas). A sociedade sem classes, alcançada mediante a práxis (isto
é, a teoria posta em prática) revolucionária, seria a síntese final das
organizações sociais.
Crítica do sistema capitalista. Marx rejeitou o idealismo dos
socialistas utópicos, sobretudo Charles Fourier e Henri de Saint-Simon,
que criticaram o capitalismo de um ponto de vista humanitário e
defenderam a mudança gradual para um regime social baseado na
propriedade e no trabalho coletivos. Marx formulou então a doutrina do
socialismo científico, em que a crítica à estrutura econômica do
capitalismo permite reconhecer as leis dialéticas de sua evolução e
decomposição.
Para Marx, o trabalho é a essência do homem, pois é o meio
pelo qual ele se relaciona com a natureza e a transforma em bens a que
se confere valor. A desqualificação moral do capitalismo ocorre por ser
um modo de produção que converte a força de trabalho em mercadoria
e, desse modo, aliena o trabalhador como ser humano.
Marx concordou com os economistas clássicos britânicos,
para quem o trabalho é a medida de todas as coisas. A força de trabalho
do operário, vendida ao capitalista, incorpora-se a um produto que se
vende no mercado por um valor superior a seu custo de produção. A
diferença entre o valor final do produto e o custo de produção constitui a
mais-valia, o excedente ou valor acrescentado pelo trabalho. O custo de
produção é a soma do valor dos meios de produção (maquinaria e
matérias-primas) e do valor da força de trabalho, este expresso em bens
indispensáveis à subsistência do operário e sua família. A mais-valia,
portanto, converte-se em lucro para o capitalista.
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Marx distingue dois tipos de mais-valia, a absoluta e a
relativa, que se definem pela maneira como são aumentadas. A mais-
valia absoluta aumenta proporcionalmente ao aumento do número de
horas da jornada de trabalho, conservando-se constante o salário. O
valor produzido pelo trabalho nesse tempo adicional corresponde à mais-
valia absoluta. Assim, quanto mais horas o operário trabalhar, maior será
o lucro do capital, isto é, a mais-valia absoluta, e sua acumulação. A
mais-valia relativa aumenta com o aumento da produtividade, com a
racionalização do processo produtivo e com o aperfeiçoamento
tecnológico. O trabalhador passa a produzir mais no mesmo tempo de
trabalho, e isso aumenta relativamente a mais-valia.
A obtenção de mais-valia conduz à acumulação do capital
expressa na concentração fabril e empresarial e no progresso tecnológico
incorporado à maquinaria das grandes indústrias. O uso de máquinas
cada vez mais produtivas elimina periodicamente parte da força de
trabalho. Os operários dispensados engrossam o "exército industrial de
reserva" (os desempregados) em situação de concorrência que favorece
a redução dos salários e a pauperização da classe operária.
A formação de cartéis e monopólios, em conseqüência da
concentração de capital, diminui o número de capitalistas e provoca uma
crise de superprodução, manifestação típica das contradições do
capitalismo, já que, em busca de lucro máximo, o capitalista adota novos
instrumentos de trabalho que geram produção maior do que o mercado é
capaz de absorver. As crises periódicas fazem aumentar o desemprego,
proletarizam as classes intermediárias e empobrecem a classe operária.
O sistema capitalista desaparecerá em conseqüência das próprias
contradições e da oposição entre o caráter coletivo da produção e o
caráter privado da apropriação. A ação revolucionária dos oprimidos, ou
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seja, da classe operária, deve incidir sobre o sistema capitalista. A
tomada do poder por essa classe implicaria a instauração de um estado
socialista transitório, a ditadura do proletariado, que se dissolveria após
cumprir sua missão de organizar o sistema coletivista e liquidar as
antigas classes sociais. Depois dessa fase se chegaria finalmente ao
comunismo, sociedade sem classes e sem exploração do homem pelo
homem.
Revisionismo e marxismo-leninismo. No final do século XIX, o
marxismo passou a atrair cada vez mais o movimento operário mundial,
embora o anarquismo e o pensamento social-cristão mantivessem sua
influência. O desenvolvimento industrial em alguns países, porém,
contribuiu para melhorar o padrão de vida da classe trabalhadora, ao
contrário das previsões de Marx, e reforçou os sistemas políticos social-
democratas.
Nas primeiras décadas do século XX, os alemães Karl
Liebknecht e Rosa Luxemburgo ratificaram o caráter revolucionário do
marxismo e adaptaram a doutrina às novas condições do capitalismo. Na
mesma direção seguiu Lenin, personagem decisivo da revolução russa de
1917. Sua contribuição originou o marxismo-leninismo, com novas
abordagens da doutrina e do movimento comunista, como a análise do
imperialismo, a possibilidade da revolução em países não industrializados,
a participação do campesinato na ação revolucionária e a organização do
partido comunista como vanguarda da classe operária.
O marxismo-leninismo foi interpretado de maneiras diversas
após a morte de Lenin. Nikolai Ivanovitch Bukharin preconizou uma
concepção revisionista e Trotski desenvolveu os aspectos revolucionários
da doutrina. Stalin simplificou os postulados do marxismo-leninismo,
formulou a teoria do socialismo em um só país, contra a tese trotskista,
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que preconizava a internacionalização da revolução, e defendeu a
possibilidade de um desenvolvimento auto-suficiente da economia
soviética, sem relação com o mundo capitalista.
A partir do marxismo-leninismo, o líder comunista chinês
Mao Zedong elaborou uma doutrina original, o maoísmo, adaptada ao
desenvolvimento da revolução na China e às características milenares da
cultura chinesa: é maoísta, por exemplo, o princípio segundo o qual os
estudantes jamais devem ser orientados para a competição, mas
exclusivamente para a cooperação.
O marxismo teve teóricos de grande expressão no mundo
das idéias, como Antonio Gramsci, György Lukács, Theodor W. Adorno,
Karl Korsch e Louis Althusser. Depois da segunda guerra mundial,
surgiram interpretações não dogmáticas do marxismo, com a
incorporação de filosofias como as de Edmund Husserl e Martin
Heidegger e de idéias de teóricos de outras áreas, como Sigmund Freud.
Economistas, historiadores antropólogos, sociólogos, psicólogos,
estudiosos da moral e das artes, incorporaram a metodologia marxista
sem necessariamente aderir à filosofia política e à prática revolucionária
do marxismo.
A queda dos regimes comunistas nos países do leste europeu
e a dissolução da União Soviética levaram ao questionamento dos
postulados doutrinários marxistas. Permaneceram, porém, o respeito e a
admiração pelo rigor científico, originalidade, coerência interna e
abrangência da obra de Marx e Engels.
Socialismo
O sonho de uma sociedade igualitária, na qual todos tenham
franco acesso à distribuição e à produção de riquezas, alimenta os ideais
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socialistas desde seu nascimento, no século XVIII, na sociedade que
brotou da revolução industrial e dos anseios de "liberdade, igualdade e
fraternidade" expressos pela revolução francesa.
Socialismo é a denominação genérica de um conjunto de
teorias socioeconômicas, ideologias e práticas políticas que postulam a
abolição das desigualdades entre as classes sociais. Incluem-se nessa
denominação desde o socialismo utópico e a social-democracia até o
comunismo e o anarquismo.
As múltiplas variantes de socialismo partilham uma base
comum que é a transformação do ordenamento jurídico e econômico,
baseado na propriedade privada dos meios de produção, numa nova e
diferente ordem social. Para caracterizar uma sociedade socialista, é
necessário que estejam presentes os seguintes elementos fundamentais:
limitação do direito à propriedade privada, controle dos principais
recursos econômicos pelas classes trabalhadoras e a intervenção dos
poderes públicos na gestão desses recursos econômicos, com a
finalidade de promover a igualdade social, política e jurídica. Para muitos
teóricos socialistas contemporâneos, é fundamental também que o
socialismo se implante pela vontade livremente expressa de todos os
cidadãos, mediante práticas democráticas.
A revolução industrial iniciada na Grã-Bretanha na segunda
metade do século XVIII estabeleceu um novo tipo de sociedade dividida
em duas classes fundamentais sobre as quais se sustentava o sistema
econômico capitalista: a burguesia e o proletariado. A burguesia,
formada pelos proprietários dos meios de produção, conquistou o poder
político primeiro na França, com a revolução de 1789, e depois em vários
países. O poder econômico da burguesia se afirmou com base nos
princípios do liberalismo: liberdade econômica, propriedade privada e
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igualdade perante a lei. A grande massa da população proletária, no
entanto, permaneceu inicialmente excluída do cenário político. Logo ficou
claro que a igualdade jurídica não era suficiente para equilibrar uma
situação de profunda desigualdade econômica e social, na qual uma
classe reduzida, a burguesia, possuía os meios de produção enquanto a
maioria da população era impedida de conquistar a propriedade.
As diferentes teorias socialistas surgiram como reação contra
esse quadro, com a proposta de buscar uma nova harmonia social por
meio de drásticas mudanças, como a transferência dos meios de
produção de uma única classe para toda a coletividade. Uma
conseqüência dessa transformação seria o fim do trabalho assalariado e a
substituição da liberdade de ação econômica dos proprietários por uma
gestão socializada ou planejada, com o objetivo de adequar a produção
econômica às necessidades da população, ao invés de se reger por
critérios de lucro. Tais mudanças exigiriam necessariamente uma
transformação radical do sistema político. Alguns teóricos postularam a
revolução violenta como único meio de alcançar a nova sociedade.
Outros, como os social-democratas, consideraram que as transformações
políticas deveriam se realizar de forma progressiva, sem ruptura do
regime democrático, e dentro do sistema da economia capitalista ou de
mercado.
Precursores e socialistas utópicos. Embora o socialismo seja
um fenômeno específico da era industrial, distinguem-se precursores da
luta pela emancipação social e igualdade em várias doutrinas e
movimentos sociais do passado. Assim, as teorias de Platão em A
república, as utopias renascentistas, como a de Thomas More, as
rebeliões de escravos na Roma antiga, como a que foi liderada por
Espártaco, o cristianismo comunitário primitivo e os movimentos
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camponeses da Idade Média e dos séculos XVI e XVII, como o dos
seguidores de Jan Hus, são freqüentemente mencionados como
antecedentes da luta pela igualdade social. Esse movimento começou a
ser chamado de socialismo apenas no século XIX.
O primeiro precursor autêntico do socialismo moderno foi o
revolucionário francês François-Noël Babeuf, que, inspirado nas idéias de
Jean-Jacques Rousseau, tentou em 1796 subverter a nova ordem
burguesa na França, por meio de um levante popular. Foi preso e
condenado à morte na guilhotina.
A crescente degradação das condições de vida da classe
operária motivou o surgimento dos diversos teóricos do chamado
socialismo utópico, alguns dos quais tentaram, sem sucesso, criar
comunidades e unidades econômicas baseadas em princípios socialistas
de inspiração humanitária e religiosa.
Claude-Henri de Rouvroy, conde de Saint-Simon, afirmou
que a aplicação do conhecimento científico e tecnológico à indústria
inauguraria uma nova sociedade semelhante a uma fábrica gigantesca,
na qual a exploração do homem pelo homem seria substituída pela
administração coletiva. Considerava a propriedade privada incompatível
com o novo sistema industrial, mas admitia certa desigualdade entre as
classes e defendia uma reforma do cristianismo como forma de atingir a
sociedade perfeita.
Outro teórico francês importante foi François-Marie-Charles
Fourier, que tentou acabar com a coerção, a exploração e a monotonia
do trabalho por meio da criação de falanstérios, pequenas comunidades
igualitárias que não chegaram a prosperar. Da mesma forma,
fracassaram as comunidades fundadas pelo socialista escocês Robert
Owen.
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Marxismo e anarquismo. O papel do proletariado como força
revolucionária foi reconhecido pela primeira vez por Louis-Auguste
Blanqui e Moses Hess. Na metade do século XIX, separaram-se as duas
vertentes do movimento socialista que polarizaram as discussões
ideológicas: o marxismo e o anarquismo. Ao mesmo tempo, o movimento
operário começava a adquirir força no Reino Unido, França e em outros
países onde a industrialização progredia.
Contra as formas utópicas, humanitárias ou religiosas do
socialismo, Karl Marx e Friedrich Engels propuseram o estabelecimento
de bases científicas para a transformação da sociedade: o mundo nunca
seria modificado somente por idéias e sentimentos generosos, mas sim
por ação da história, movida pela luta de classes. Com base numa síntese
entre a filosofia de Hegel, a economia clássica britânica e o socialismo
francês, defenderam o uso da violência como único meio de estabelecer
a ditadura do proletariado e assim atingir uma sociedade justa, igualitária
e solidária. No Manifesto comunista, de 1848, os dois autores
apresentaram o materialismo dialético com o qual diagnosticavam a
decadência inevitável do sistema capitalista e prognosticavam a
inexorável marcha dos acontecimentos rumo à revolução socialista.
As tendências anarquistas surgiram das graves dissensões
internas da Associação Internacional dos Trabalhadores, ou I
Internacional, fundada por Marx. Grupos pequeno-burgueses liderados
por Pierre-Joseph Proudhon e anarquistas seguidores de Mikhail Bakunin
não aceitaram a autoridade centralizadora de Marx. Dividida, a I
Internacional dissolveu-se em 1872, após o fracasso da Comuna de Paris,
primeira tentativa revolucionária de implantação do socialismo.
O anarquismo contou com diversos teóricos de diferentes
tendências, mas nunca se converteu num corpo dogmático de idéias,
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como o de Marx. Proudhon combateu o conceito de propriedade privada
e afirmou que os bens adquiridos mediante a exploração da força de
trabalho constituíam um roubo. Bakunin negou os próprios fundamentos
do estado e da religião e criticou o autoritarismo do pensamento
marxista. Piotr Kropotkin via na dissolução das instituições opressoras e
na solidariedade o caminho para o que chamou de comunismo libertário.
II Internacional e a social-democracia. Depois da dissolução
da I Internacional, os socialistas começaram a buscar vias legais para sua
atuação política. Com base no incipiente movimento sindicalista de Berlim
e da Saxônia, o pensador alemão Ferdinand Lassalle participou da
fundação da União Geral Alemã de Operários, núcleo do que seria o
primeiro dos partidos social-democratas que se espalharam depois por
toda a Europa. Proibido em 1878, o Partido Social Democrata alemão
suportou 12 anos de repressão e só voltou a disputar eleições em 1890.
Em 1889, os partidos social-democratas europeus se reuniram para
fundar a II Internacional Socialista. No ano seguinte, o 1º de maio foi
proclamado dia internacional do trabalho, como parte da campanha pela
jornada de oito horas.
Eduard Bernstein foi o principal ideólogo da corrente
revisionista, que se opôs aos princípios marxistas do Programa de Erfurt
adotado pelo Partido Social Democrata alemão em 1890. Bernstein
repudiou os métodos revolucionários e negou a possibilidade da falência
iminente do sistema capitalista prevista por Marx. O Partido Social
Democrata alemão cresceu extraordinariamente com essa política
revisionista, e em 1911 já era a maior força política do país. A ala
marxista revolucionária do socialismo alemão, representada por Karl
Liebknecht e Rosa Luxemburgo, manteve-se minoritária até a divisão em
1918, que deu origem ao Partido Comunista Alemão.
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Na França, o socialismo também se desenvolveu entre duas
tendências opostas: a marxista revolucionária de Jules Guesde e a
idealista radical de Jean Jaurès, que rejeitava o materialismo histórico de
Marx. Em 1905 as duas correntes se unificaram na Seção Francesa da
Internacional Operária e entraram em conflito com a linha anarco-
sindicalista de Georges Sorel e com os líderes parlamentares que
defendiam alianças com partidos burgueses.
No Reino Unido, a orientação do movimento socialista foi
ditada pela tradição do sindicalismo, mais antiga. Os sindicatos foram
reconhecidos em 1875 e cinco anos depois surgiu o primeiro grupo de
ideologia socialista, a Sociedade Fabiana. Em 1893, fundou-se o Partido
Trabalhista, que logo se converteu em importante força política, em
contraposição a conservadores e liberais.
Na Rússia czarista, o Partido Social Democrata foi fundado
em 1898, na clandestinidade, mas dividiu-se em 1903 entre o setor
marxista revolucionário, dos bolcheviques, e o setor moderado, dos
mencheviques. Liderados por Vladimir Lenin, os bolcheviques chegaram
ao poder com a revolução de 1917.
Os partidos socialistas e social-democratas europeus foram
os maiores responsáveis pela conquista de importantes direitos para a
classe dos trabalhadores, como a redução da jornada de trabalho, a
melhoria nas condições de vida e de trabalho e o sufrágio universal. A II
Internacional, no entanto, não resistiu à divisão promovida pela primeira
guerra mundial e foi dissolvida. O Partido Social Democrata alemão, por
exemplo, demonstrou dar mais importância ao nacionalismo do que aos
interesses internacionalistas ao votar no Parlamento a favor dos créditos
pedidos pelo governo para a guerra.
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Dois fatores causaram a gradual redução do apoio popular
ao socialismo nas décadas de 1920 e 1930: o sucesso da revolução
russa, que fortaleceu o movimento comunista e atraiu numerosos
trabalhadores em todo o mundo, e a implantação dos regimes fascista,
na Itália, e nazista, na Alemanha. Em 1945, depois da segunda guerra
mundial, os partidos socialistas e social-democratas restabeleceram a II
Internacional e abandonaram progressivamente os princípios do
marxismo. Em diversos países europeus, como Bélgica, Países Baixos,
Suécia, Noruega, República Federal da Alemanha, Áustria, Reino Unido,
França e Espanha, os partidos socialistas chegaram a ter grande força
política. Muitos deles passaram a se alternar no poder com partidos
conservadores e a pôr em prática reformas sociais moderadas. Essa
política tornou-se conhecida como welfare state, o estado de bem-estar,
no qual as classes podem coexistir em harmonia e sem graves distorções
sociais.
As idéias socialistas tiveram bastante aceitação em diversos
países das áreas menos industrializadas do planeta. Na maioria dos
casos, porém, o socialismo da periferia capitalista adotou práticas
políticas muito afastadas do modelo europeu, com forte conteúdo
nacionalista. Em alguns países árabes e africanos, os socialistas
chegaram mesmo a se aliar a governos militares ou totalitários que
adotavam um discurso nacionalista. Na América Latina, o movimento
ganhou dimensão maior com a vitória da revolução de Cuba em 1959,
mas o exemplo não se repetiu em outros países. No Chile, um violento
golpe militar derrubou o governo socialista democrático de Salvador
Allende em 1973.
Fim do "socialismo real". Na última década do século XX
chegou ao fim, de forma inesperada, abrupta e inexorável, o modelo
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socialista criado pela União Soviética. O próprio país, herdeiro do antigo
império russo, deixou de existir. Nos anos que se seguiram, cientistas
políticos das mais diversas tendências se dedicaram a estudar as causas
e conseqüências de um fato histórico e político de tanta relevância.
Dentre os fatores explicativos do fim do chamado "socialismo real" da
União Soviética destacam-se a incapacidade do país de acompanhar a
revolução tecnológica contemporânea, especialmente na área da
informática, a ausência de práticas democráticas e a frustração das
expectativas de progresso material da população. As explicações sobre o
colapso da União Soviética abrangem os demais países do leste europeu
que, apesar de suas especificidades, partilharam das mesmas carências.
A crise econômica mundial das duas últimas décadas do
século XX, que teve papel preponderante no colapso da União Soviética,
afetou também os países europeus de governo socialista ou social-
democrata. Na França, Suécia, Itália e Espanha os partidos socialistas e
social-democratas foram responsabilizados pelo aumento do desemprego
e do custo de vida. Políticos e ideólogos neoliberais conservadores
apressaram-se em declarar a morte do socialismo, enquanto os líderes
socialistas tentavam redefinir suas linhas de atuação e encontrar
caminhos alternativos para a execução das idéias socialistas e a
preservação do estado de bem-estar social.
Socialismo no Brasil. Há evidências documentais de difusão
de idéias socialistas no Brasil desde a primeira metade do século XIX.
Essas posições, porém, se manifestavam sempre a partir de iniciativas
individuais, sem agregar grupos capazes de formar associações com
militância política.
O primeiro partido socialista brasileiro foi fundado em 1902,
em São Paulo, sob a direção do imigrante italiano Alcebíades Bertollotti,
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que dirigia o jornal Avanti, vinculado ao Partido Socialista Italiano. No
mesmo ano, fundou-se no Rio de Janeiro o Partido Socialista Coletivista,
dirigido por Vicente de Sousa, professor do Colégio Pedro II, e Gustavo
Lacerda, jornalista e fundador da Associação Brasileira de Imprensa
(ABI). Em 1906, foi criado o Partido Operário Independente, que chegou
a fundar uma universidade popular, com a participação de Rocha Pombo,
Manuel Bonfim, Pedro do Couto, Elísio de Carvalho, Domingos Ribeiro
Filho, Frota Pessoa e José Veríssimo.
A circulação de idéias socialistas aumentou com a primeira
guerra mundial, mas ainda era grande o isolamento dos grupos de
esquerda. Em junho de 1916, Francisco Vieira da Silva, Toledo de Loiola,
Alonso Costa e Mariano Garcia lançaram o manifesto do Partido Socialista
Brasileiro. Em 1º de maio do ano seguinte, lançava-se o manifesto do
Partido Socialista do Brasil, assinado por Nestor Peixoto de Oliveira, Isaac
Izeckson e Murilo Araújo. Esse grupo defendeu a candidatura de Evaristo
de Morais à Câmara dos Deputados e publicou dois jornais, Folha Nova e
Tempos Novos, ambos de vida efêmera.
Em dezembro de 1919 surgiu no Rio de Janeiro a Liga
Socialista, cujos membros passaram a publicar em 1921 a revista Clarté,
com o apoio de Evaristo de Morais, Maurício de Lacerda, Nicanor do
Nascimento, Agripino Nazaré, Leônidas de Resende, Pontes de Miranda e
outros. O grupo estenderia sua influência a São Paulo, com Nereu Rangel
Pestana, e a Recife, com Joaquim Pimenta. Em 1925 foi fundado um
novo Partido Socialista do Brasil, também integrado pelo grupo de
Evaristo de Morais.
A fundação do Partido Comunista Brasileiro, em 1922, e seu
rápido crescimento sufocaram as dezenas de organizações anarquistas
que na década anterior chegaram a realizar greves importantes. Pouco
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antes da revolução de 1930, Maurício de Lacerda organizou a Frente
Unida das Esquerdas, de vida curta. Uma de suas finalidades foi a
redação de um projeto de constituição socialista para o Brasil.
Proibida a atividade político-partidária durante a ditadura
Vargas, o socialismo voltou a se desenvolver em 1945, com a criação da
Esquerda Democrática, que em agosto de 1947 foi registrada na justiça
eleitoral com o nome de Partido Socialista Brasileiro. Foi presidido por
João Mangabeira, que se tornou ministro da Justiça na primeira metade
da década de 1960, no governo de João Goulart.
Com o golpe militar de 1964, todos os partidos políticos
foram dissolvidos e as organizações socialistas puderam atuar apenas na
clandestinidade. A criação do bipartidarismo em 1965 permitiu que os
políticos de esquerda moderada se abrigassem na legenda do Movimento
Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição consentida ao regime
militar, ao lado de conservadores e liberais.
Na segunda metade da década de 1960 e ao longo da
década de 1970, os socialistas, ao lado de outros setores de oposição ao
regime militar, sofreram implacável perseguição. Professavam idéias
socialistas a imensa maioria dos militantes de organizações armadas que
deram combate ao regime militar. O lento processo de redemocratização
iniciado pelo general Ernesto Geisel na segunda metade da década de
1970 deu seus primeiros frutos na década seguinte, quando os partidos
socialistas puderam mais uma vez se organizar livremente e apresentar
seus próprios candidatos a cargos eletivos.
Comunismo
"Todos os fiéis, unidos, tinham tudo em comum; vendiam
suas propriedades e seus bens e dividiam o preço entre todos, segundo
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as necessidades de cada um." Essa descrição das primeiras comunidades
cristãs, contida nos Atos dos Apóstolos, revela o conceito de comunismo
no sentido mais amplo: um regime social no qual vigoram a propriedade
comum de todos os bens e a distribuição equitativa da riqueza.
De acordo com a formulação de Karl Marx, o comunismo
moderno seria a fase superior da evolução histórica da sociedade,
altamente organizada, formada por trabalhadores livres e conscientes
que teriam a posse coletiva dos meios de produção. O advento dessa
sociedade determinaria o desaparecimento do estado. As nações se
aproximariam cada vez mais umas das outras e suas fronteiras
desapareceriam. A organização social, fundamentada no modo de
produção comunista, garantiria o completo desenvolvimento de cada ser
humano e a utilização de todo seu talento e capacidade, com maior
proveito para si e para a sociedade. O livre desenvolvimento de cada um
levaria ao livre desenvolvimento de todos e assim se tornariam
finalmente harmônicas as relações entre o indivíduo e a sociedade.
Comunismo primitivo. Baseado nas pesquisas antropológicas
de seu tempo, Marx supôs a existência de uma espécie de comunismo
nas sociedades primitivas. A sobrevivência da comunidade dependeria do
trabalho coletivo e a inviabilidade técnica de produzir excedente
eliminaria a possibilidade de propriedade privada. Por não haver riquezas
a apropriar, não existiriam também as relações de dominação e a
organização social seria muito simples, com base na família. As relações
de produção se dariam a partir da propriedade comum dos meios de
produção -- terra, instrumentos de trabalho e habitações. A propriedade
privada se limitaria às armas, roupas e utensílios domésticos. O trabalho
coletivo seria uma necessidade, na paz e na guerra.
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No plano teórico, costuma-se citar como antecedentes
filosóficos do comunismo as idéias do filósofo grego Platão,
especialmente as expostas em A república. Para ele, a restauração do
estado dependia da restauração da harmonia, que a democracia não
conseguira implantar, por meio da comunidade de bens. Entretanto, a
base do estado ideal de Platão é o trabalho escravo e seu sistema, uma
idealização do sistema egípcio de castas.
Socialismo utópico. No Renascimento, período em que
ressurgiram as idéias platônicas, Thomas More publicou Utopia, em que
se encontram os primeiros elementos do socialismo utópico. Até meados
do século XIX sucederam-se os socialistas utópicos e foram tentadas
várias experiências românticas de sociedades comunais. Entre os
principais utópicos destacam-se Jacob Andreae, Francis Bacon, Robert
Owen, Saint-Simon e Charles Fourier. Os partidários das teorias de Owen
organizaram núcleos comunistas nos Estados Unidos e Inglaterra.
Comunismo marxista. A filosofia marxista nasceu na Europa
na década de 1840, época em que estava consolidado o capitalismo
inglês e a industrialização agravara as desigualdades sociais. Para o
marxismo, no sistema capitalista impera a ditadura da burguesia, a qual,
na etapa do socialismo seria substituída pela ditadura do proletariado. A
propriedade social dos meios de produção no socialismo levaria à
extinção gradual das classes e à evolução para o comunismo. A filosofia
marxista, ou materialismo dialético, aplicada à história constitui o
materialismo histórico, segundo o qual a história progride pela luta de
classes.
O Manifesto comunista, de 1848, escrito por Marx e Engels, é
o primeiro documento do comunismo científico, expressão usada pelos
autores para diferenciá-lo do comunismo utópico, afirmando que o
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socialismo decorre do capitalismo de maneira necessária, historicamente
determinada, da mesma forma como o capitalismo sucedeu ao modo de
produção feudal.
Fases do comunismo. Na Crítica ao programa de Gotha
(1875), Marx afirma que entre o fim da sociedade capitalista e o advento
da sociedade comunista transcorreria um longo período de transição, que
ele denominou socialismo. Estabelecidas as condições políticas (ditadura
do proletariado) e econômicas (socialização dos meios de produção),
sobreviveriam ainda na sociedade socialista elementos fundamentais da
velha sociedade: relações econômicas, sociais, jurídicas, éticas etc.
Permaneceria a oposição entre trabalho intelectual e manual e o grau
insuficiente de desenvolvimento das forças produtivas determinaria a
distribuição dos bens e serviços segundo a quantidade e qualidade do
trabalho de cada um.
Cumprido o período de transição socialista, seria instaurada a
sociedade comunista, com a posse coletiva da totalidade dos meios de
produção, desaparecimento definitivo das classes, das diferenças entre a
cidade e o campo e entre trabalho intelectual e manual. O estado,
instrumento de dominação de uma classe sobre outras, desapareceria e,
nas palavras de Marx, o governo dos homens seria substituído pela
administração das coisas. Uma vez superada a ordem jurídica burguesa,
a sociedade poderia "escrever em suas bandeiras: de cada um segundo
sua capacidade, a cada um segundo sua necessidade".
Movimento comunista. O sistema filosófico marxista
estabelece uma ligação indissolúvel entre teoria e prática, e Marx e
Engels, coerentes com esse princípio, trataram de ligar-se à classe
operária. Para isso viajaram a Bruxelas, Paris e Londres, onde entraram
em contato com as organizações proletárias e democráticas a fim de
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convencer seus líderes do papel revolucionário da classe operária. Em
1847 seus partidários fundaram a Liga dos Comunistas, cujo programa,
redigido por Marx, levou o título de Manifesto comunista e foi publicado
em Londres no ano seguinte. O próprio Marx propôs a dissolução da Liga,
cinco anos após sua criação, devido às perseguições da polícia prussiana
e ao processo dos comunistas na cidade de Colônia, após o fracasso da
revolução de 1848 na Alemanha.
Em 1864, Marx participou da criação da Associação
Internacional dos Trabalhadores, que ficou conhecida como I
Internacional. Redigiu seus estatutos e procurou orientá-la para o
socialismo científico. As adesões se multiplicaram até 1870, quando o
anarquista russo Mikhail Bakunin começou a ter grande influência sobre o
proletariado, criticando o comunismo por sua "mania de organização e
disciplina". A luta entre as duas tendências se agravou com o fracasso da
Comuna de Paris, em 1871. Em 1876, decide-se extinguir a I
Internacional.
Socialistas de 23 países reunidos em Paris para comemorar o
centenário da queda da Bastilha, em 1889, lançaram as bases da II
Internacional, cuja fundação se consumou em 1891, em Bruxelas, sob o
nome de Internacional Operária, que congregava representantes de
várias tendências. No congresso de 1893 decidiu-se expulsar os
anarquistas. As divergências internas exacerbaram-se com o fracasso da
revolução de 1905 na Rússia, mas, apesar disso, em 1912 a II
Internacional contava com 12 milhões de sindicalizados e 7,5 milhões de
cooperados. A iminência de uma guerra mundial levou os parlamentares
social-democratas alemães, franceses e ingleses a apoiar os governos
nacionais, numa posição incompatível com o internacionalismo proletário.
A II Internacional foi então abandonada pelos marxistas.
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Leninismo. O marxista russo Vladimir Ilitch Ulianov,
conhecido pelo pseudônimo de Lenin, publicou em 1902 o livro intitulado
Chto dielat? (Que fazer?), no qual expôs suas teses sobre a organização
do partido revolucionário. No II Congresso do Partido Social Democrata
Russo, realizado em 1903, operou-se a cisão entre bolcheviques, fração
majoritária, e mencheviques, fração moderada minoritária do partido. Em
outubro de 1917, eclodiu na Rússia a revolução bolchevique, inspirada
nas teses leninistas sobre a luta armada pelo poder.
A III Internacional foi fundada em Moscou, em 1919, e em
seu II Congresso, realizado no ano seguinte, tomou o nome de
Internacional Comunista e estabeleceu programa e direção precisos.
Lenin enunciou então as 21 condições de admissão dos partidos à
organização. Os que foram aceitos adotaram explicitamente a
denominação de partido comunista e assumiram como um de seus
principais objetivos a defesa da "pátria do socialismo". O Partido Operário
Social-Democrata da Rússia, encabeçado por Lenin, transformou-se no
Partido Comunista de Todas as Rússias, nome mudado em 1925 para
Partido Comunista da União (ao criar-se a União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas) e, finalmente, em 1952, para Partido Comunista da
União Soviética (PCUS). Desde a vitória da revolução, em 1917, a história
desse partido confundiu-se com a do próprio país.
Stalinismo. A morte de Lenin, em 1924, abriu o problema
sucessório. Assumiu o governo a troika (triunvirato), formada por Lev
Kamenev, Grigori Zinoviev e Josef Stalin, este último secretário-geral do
partido desde 1922 e em decidida marcha para o poder total. Defensor
da teoria do "socialismo em um só país", entrou em choque com a tese
da "revolução permanente", de Leon Trotski. Em 1925, Stalin já era o
dirigente único da União Soviética e líder supremo do movimento
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comunista internacional, posições referendadas pela III Internacional e
pelo XIV Congresso do Partido Comunista. Em 1928, o primeiro plano
qüinqüenal de Stalin pôs fim à nova política econômica (NEP) de Lenin,
em vigor desde 1920, que protegia o direito à pequena propriedade.
Inicia-se o programa de industrialização rápida e socialização forçada
para assegurar a defesa da União Soviética contra a ameaça capitalista.
Stalin soube tirar partido da onda de "patriotismo soviético"
para efetivar profundas modificações econômicas no país e desencadear
a eliminação em massa de dissidentes. No plano internacional, rompendo
o pacto de não-agressão que assinara com a Alemanha hitlerista,
participou ativamente da segunda guerra mundial contra o nazi-fascismo.
Ao final da guerra, com a intervenção do Exército Vermelho, os soviéticos
impuseram governos comunistas na Hungria, Polônia, Romênia, Bulgária
e Tchecoslováquia. Na Iugoslávia, Josip Broz Tito, herói da resistência
antinazista, instaurou um governo pró-soviético. Todos esses países,
mais líderes comunistas da França e Itália, uniram-se à União Soviética
para criar, em 1947, o Bureau de Informação Comunista (Cominform), do
qual a Iugoslávia foi expulsa no ano seguinte pela posição independente
de Tito. Em 1949, os comunistas chineses liderados por Mao Zedong
(Mao Tsé-tung) criaram a República Popular da China.
Com a morte de Stalin, em 1953, Nikita Khrutchev assumiu o
controle do partido e denunciou os erros do antecessor. Em 1956, o XX
Congresso do PCUS adotou a política de coexistência pacífica com os
governos ocidentais. Embora abrandado o terror interno, as revoltas
anticomunistas na Hungria e Tchecoslováquia foram reprimidas com
rigor, o que manifestou as profundas divergências no interior do governo
soviético. Em 1964, Khrutchev foi afastado do poder e teve início a
direção colegiada do partido, com Leonid Brejnev.
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Aprofundaram-se as divergências ideológicas com a China,
que passou a acusar o PCUS de abandono da luta revolucionária e
adoção de uma política reformista, como concessão à coexistência
pacífica. Os governos dos países capitalistas fecharam o cerco contra a
expansão comunista, criaram uma frente contra a "exportação" do
socialismo e, na América Latina, apoiaram golpes de estado contra
governos democráticos na Argentina, Brasil, Uruguai e, mais tarde, no
Chile. As tensões se agravaram com o alinhamento de Cuba junto ao
bloco comunista depois da revolução cubana de 1959.
Desintegração do comunismo. A invasão do Afeganistão em
1979, última operação intervencionista da União Soviética, provocou um
imenso desgaste militar e político que culminou com a retirada, dez anos
mais tarde, por força do clamor internacional. Já em 1985, ao assumir o
poder, Mikhail Gorbatchev deixara clara sua intenção de mudança: a
perestroika (reestruturação administrativa de empresas e órgãos do
governo) e a glasnost (transparência das atividades governamentais,
baseada na liberdade de informação) foram as duas linhas de força no
desmonte da estrutura de poder montada pelo partido, que levara ao
surgimento da nomenklatura (classe privilegiada de burocratas),
corrupção desmedida e atraso tecnológico. O fim do confronto com o
Ocidente e a democratização permitiram a independência dos países que
formavam a "cortina de ferro" (expressão criada por Winston Churchill
para designar o conjunto de países formado por Tchecoslováquia,
Hungria, Polônia e Bulgária), a queda de ditaduras tão corruptas quanto
sangrentas, como as da Romênia e Albânia, e a reunificação da
Alemanha.
As repúblicas que constituíam a União Soviética se
separaram e fundaram a Comunidade de Estados Independentes (CEI),
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preservando sua autonomia. A secessão mergulhou a Iugoslávia numa
luta sangrenta entre nacionalidades. O Iêmen do Sul e o do Norte se
reunificaram. Em Angola, Moçambique e Etiópia, os governos socialistas
foram substituídos ou mudaram de orientação. Em todo o Ocidente,
ocorreu uma radical transformação dos partidos comunistas,
principalmente os de maior representatividade, como o italiano, o francês
e o espanhol. Ao iniciar-se a última década do século XX, apenas a China,
o Vietnam e Cuba mantinham governos declaradamente comunistas. A
ideologia marxista, em todo o mundo, sofreu uma queda drástica de
popularidade.
Comunismo no Brasil. Até a fundação do Partido Comunista
do Brasil (PCB), em 1922, a ideologia predominante no movimento
operário brasileiro era o anarco-sindicalismo. O Manifesto comunista
somente apareceu em livro no Brasil em 1924, ou seja, 76 anos após sua
primeira edição na Europa. Três meses depois de sua fundação, o partido
foi posto na ilegalidade e assim permaneceu até 1985, com breves
períodos em que pôde atuar livremente. Em 1930, Luís Carlos Prestes,
que se notabilizara por liderar a oposição ao governo Artur Bernardes, na
famosa Coluna Prestes, aderiu ao comunismo. A Aliança Nacional
Libertadora, criada pelo PCB no início de 1935, procurava pôr em prática
nas condições brasileiras a tática das frentes únicas e frentes populares,
preconizadas então pelo comunismo internacional. A ela aderiram
tenentistas, militares e civis.
Como resultado da combinação do tenentismo com o
comunismo, eclodiu em 1935 um fracassado levante militar, a chamada
intentona comunista, no Rio Grande do Norte, Recife e, posteriormente,
no Rio de Janeiro. Com a redemocratização do país, em 1945, o PCB
viveu seu maior período de legalidade, sob a liderança de Prestes, que
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celebrou uma aliança com Getúlio Vargas. Defendiam então os ideólogos
do partido a tese da "burguesia progressista", de caráter nacionalista. O
PCB conseguiu eleger um senador e 22 deputados para a Constituinte de
1946 e passou a editar um jornal, a Tribuna Popular. Mas já no ano
seguinte, o Tribunal Superior Eleitoral anulou o registro do partido e o
Congresso cassou os mandatos de seus deputados. Dessa época até
1960, os comunistas brasileiros viveram na ilegalidade e fiéis à linha
ditada por Moscou.
Em 1957, insatisfeito com a obediência cega à orientação
soviética, um grupo liderado por Agildo Barata deixou o partido. Em
1962, já com o nome de Partido Comunista Brasileiro, sofreu uma cisão
liderada por João Amazonas e Maurício Grabois, que fundaram o Partido
Comunista do Brasil (PC do B). Em 1967, durante o regime militar, alguns
integrantes foram expulsos por defender a luta armada contra a ditadura.
Carlos Marighela fundou então a Aliança Libertadora Nacional (ALN) e
Apolônio de Carvalho e Jacob Gorender, o Partido Comunista Brasileiro
Revolucionário (PCBR), que se empenharam na organização de guerrilhas
urbanas e rurais, logo desbaratadas pela repressão.
Em 1980 Prestes deixou o partido, juntamente com Gregório
Bezerra. Em 1985, com a redemocratização do país, todos os partidos
voltaram à legalidade, mas a derrocada do comunismo na União
Soviética e na Europa oriental, a par do crescimento do Partido dos
Trabalhadores (PT) -- de ideário esquerdista e bases sindicais não
comprometidas diretamente com as antigas lideranças comunistas --
acarretaram um crescente desprestígio para a ideologia marxista. O PCB
transformou-se, em 1992, no Partido Popular Socialista, liderado por
Roberto Freire. As demais legendas perderam-se num amontoado de
siglas sem representatividade, que viviam na periferia dos grandes
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partidos de centro-esquerda, como o PT e o Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB).
Anarquismo
Freqüentemente identificado com a violência indiscriminada e
com a negação de todos os valores estabelecidos, o anarquismo, para
além dos excessos que possam ter gerado essa caricatura, é no entanto
um capítulo de grande importância na história política e social do
Ocidente, desde o fim do século XVIII.
Como concepção vital, o anarquismo (do grego ánarkhos,
"sem governo") afirma que tudo o que limita a liberdade do ser humano
deve ser suprimido. Como movimento político e social, pretende destruir
os freios -- religião, estado, propriedade privada, lei -- que, segundo suas
teorias, se interpõem entre o indivíduo e sua liberdade, para assim
possibilitar a construção de uma vida comunitária livre e solidária.
História. O primeiro teórico moderno do anarquismo talvez
tenha sido o inglês William Godwin, que em seu ensaio Enquiry
Concerning Political Justice (1793; Indagação relativa à justiça política)
antecipou muitas das questões ideológicas que tomariam forma anos
mais tarde. Outro antecedente do movimento anarquista foi a
"conspiração dos iguais", dirigida por Gracchus Babeuf, pouco depois da
revolução francesa. Foi a primeira tentativa de colocar a igualdade real
dos cidadãos acima da igualdade política consagrada pela revolução.
O desenvolvimento do anarquismo ao longo da primeira
metade do século XIX foi paralelo ao do movimento socialista. Durante
muitos anos houve momentos de ação comum entre anarquistas e
socialistas, até que os dois campos ideológicos se desvinculassem
claramente.
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Em 1840, o francês Pierre-Joseph Proudhon publicou Qu'est-
ce que la propriété? (Que é a propriedade?), em que aparecia a
conhecida frase: "A propriedade é um roubo." Cinco anos mais tarde, o
alemão Max Stirner divulgava Der Einzige und sein Eigentum (O indivíduo
e sua propriedade), no qual desenvolvia idéias muito semelhantes às de
Proudhon.
Depois da morte deste, em 1865, o principal representante
do anarquismo foi o russo Mikhail Bakunin, que integrou o movimento à
Associação Internacional de Trabalhadores, ou Primeira Internacional
Operária, fundada em 1864. A cisão dessa entidade, no Congresso de
Haia de 1872, deixou em mãos anarquistas o controle das organizações
de trabalhadores em diversos países: Bélgica, Países Baixos, Reino Unido,
Estados Unidos e, especialmente, Espanha e Itália, onde só o advento do
fascismo foi capaz de destruir a influência anarquista sobre as massas
operárias.
Apesar de um aparente ressurgimento nos últimos anos da
década de 1960, o movimento anarquista, como organização de massas,
não sobreviveu à segunda guerra mundial. Porém muitas de suas teses,
como a de que o estado se interpõe entre o ser humano e sua realização
pessoal, chegaram a tornar-se triviais entre numerosos pensadores de
todo o mundo.
Ideologia anarquista. Segundo o anarquismo, todos os tipos
de autoridade -- política, religiosa etc. -- são contrários à liberdade
individual e devem por isso ser repelidos e eliminados. Um contrato
individual livremente aceito pelos homens asseguraria a justiça e a
ordem. Dessa forma, uma infinidade de contratos livremente consentidos
geraria um sistema em equilíbrio dinâmico, um sistema federal, em que a
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solidariedade seria muito superior à obtida nos sistemas baseados na
autoridade e na coerção.
Denúncia da falsa democracia. O estado moderno -- afirma o
anarquismo -- encontra sua legitimação na ficção democrática do
sufrágio universal, que consiste em atribuir a cada cidadão o direito de
um voto. Isso cria a ilusão de que o povo governa a si mesmo, quando,
na verdade, as múltiplas manipulações do sistema levam à preservação
da desigualdade entre ricos e pobres, entre poderosos e usurpados,
apesar das aparências de igualdade jurídica. Por isso, o militante
anarquista sempre se absteve de votar nas eleições, em cujas virtudes
não crê.
Propriedade, liberdade, solidariedade. No início, alguns
pensadores anarquistas consideravam a propriedade privada
indispensável à liberdade do indivíduo. Mas na evolução das idéias
anarquistas chegou um momento, no fim do século XIX, em que triunfou
a concepção oposta, sustentada pelo russo Piotr Kropotkin. Segundo ele,
a supressão do estado e das instituições opressoras do homem
acarretaria também o desaparecimento das desigualdades e o
nascimento de uma sociedade nova, na qual -- de acordo com o princípio
de Marx -- cada um daria segundo suas capacidades e receberia segundo
suas necessidades. Portanto, a liberdade e a solidariedade constituem
dois aspectos inseparáveis do mesmo fenômeno humano. São as duas
faces de uma mesma moeda e uma não pode existir sem a outra. Na
segunda metade do século XX, contudo, houve um renascimento
ideológico do anarquismo libertário, que defendia a propriedade privada,
em autores como o americano Robert Nozick.
Aperfeiçoamento individual. Os anarquistas têm uma ética
muito característica. A convicção de que a sociedade não vai melhorar
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por ação do estado ou de qualquer outra instituição, e de que na
consecução da nova sociedade cabe ao indivíduo um papel primordial,
tem como resultado a formação de um forte sentido moral, de um
permanente esforço de superação de si mesmo. Não foi por acaso que os
movimentos anarquistas do começo do século XX se fizeram acompanhar
da criação de ateneus, sociedades culturais e todo tipo de iniciativa para
o aperfeiçoamento intelectual dos indivíduos.
Anarquismo na Espanha e na América Latina. Como foi dito,
a cisão da Primeira Internacional em 1872 deixou o movimento operário
espanhol sob o controle das tendências anarquistas. Seguiram-se anos
de intensa atividade política, marcada por episódios de terrorismo e de
pressão, particularmente na Catalunha e na Andaluzia.
Durante a ditadura de Miguel Primo de Rivera (1923-1930), a
Confederação Nacional do Trabalho (CNT), organização sindical
anarquista, foi posta fora da lei. Ressurgiu com força no decorrer da
segunda república e sua participação nas eleições de fevereiro de 1936,
contrariando a tradição abstencionista do anarquismo, foi determinante
para o triunfo da Frente Popular. Durante a guerra civil a CNT passou a
fazer parte do governo republicano. Em muitas indústrias catalães e,
particularmente, entre os camponeses do baixo Aragão, criaram-se
comunas de inspiração anarquista, que constituíram a experiência de
maior alcance entre as ensaiadas na Europa ocidental. A rivalidade com
os comunistas e a posterior derrota militar da república acarretaram o
esmagamento quase total do movimento anarquista.
Na América Latina o anarquismo apareceu no fim do século
XIX, vinculado sobretudo à imigração européia, especialmente a
espanhola e a italiana. No Peru, na Bolívia e no Chile o movimento
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anarquista se fortaleceu nas primeiras décadas do século XX, nos setores
mineiro e portuário.
Em 1879 apareceram na Argentina as primeiras publicações
de caráter anarquista. Com a chegada do italiano Enrico Malatesta, em
1885, e de outros ativistas europeus, o anarquismo recebeu um impulso
decisivo. Em 1901 fundou-se a Federação Operária Regional Argentina
(FORA), que no ano seguinte ficou sob o controle anarquista e cresceu
consideravelmente mais tarde. Mas, assim como no resto dos países
latino-americanos, o anarco-sindicalismo viria progressivamente a perder
sua influência no movimento operário, primeiro para os socialistas e mais
tarde para os comunistas.
Em 1910 os irmãos Ricardo, Enrique e Jesús Flores Magón
criaram no México, em torno do periódico Regeneración (editado em Los
Angeles, Estados Unidos), um movimento de ideologia anarquista que,
embora tenha sido precursor da revolução mexicana, perdeu sua
influência com a vitória e a institucionalização desta.
Em Cuba, o movimento operário anarquista, já presente nos
anos da luta pela independência, chegou a ser majoritário na Federação
Cubana do Trabalho até 1925.
Anarquismo no Brasil. A primeira tentativa de proselitismo
anarquista no Brasil data provavelmente da criação em 1889 da colônia
Cecília, no município de Palmeira PR, por iniciativa do jornalista e
agrônomo italiano Giovanni Rossi, que havia pleiteado ao governo do
império o estabelecimento de uma colônia experimental que fosse o
núcleo inicial de uma "sociedade nova". Rossi e seus companheiros, que
se intitulavam "filósofos ácratas" chegaram, porém, ao Brasil depois de
instaurada a república, e tiveram por isso de enfrentar as maiores
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dificuldades, de vez que o novo regime não reconhecia as concessões de
terras antes outorgadas pela monarquia aos estrangeiros.
Natural de Pisa, onde nasceu em 1860, e editor de um
periódico em Brescia, Il Sperimentale (O Experimental), Rossi conhecera
Carlos Gomes em Milão, por volta de 1888, e foi o músico brasileiro que
o animou a dirigir-se a D. Pedro II. Depois de três anos no interior do
Paraná, Rossi acabou desistindo da sua experiência, no sentido de
instaurar uma comunidade baseada no trabalho livre, na vida livre e no
amor livre. Em 1893 abandonou a colônia Cecília para lecionar agronomia
em Taquari RS. Transferiu-se depois para Santa Catarina, onde dirigiu a
estação agronômica do estado, retornando à Itália em 1907, para
retomar sua atividade profissional como vitivinicultor.
Foi, contudo, em São Paulo que surgiram os primeiros
anarquistas revolucionários, à época do impulso de industrialização dos
primeiros anos da república. Em 1893 eram presos agitadores que se
proclamavam partidários dos ideais libertários. E em 1898 registrou-se a
morte de um deles, Polinice Pattei, em choque com a polícia.
A imprensa anarquista teve início no mesmo ano, com a
publicação de Il Risveglio (O Despertar), em língua italiana, dirigido por
Alfredo Mari. Em 1904, apareceu O Amigo do Povo, periódico do
jornalista português Nazianzeno Vasconcelos, cujo nome de guerra, Neno
Vasco, se tornaria conhecido nos círculos proletários por sua longa
pregação doutrinária. Do mesmo ano de 1904 é La Battaglia (A Batalha),
semanário e, durante certo período, diário, sob a direção de Oreste
Ristori, de origem italiana, o mais ativo e tenaz porta-voz do anarquismo
nessa fase inicial do movimento (1904-1912), preso e deportado
repetidas vezes, a última em 1935, quando se refugiou na Espanha,
vindo a morrer como combatente na revolução.
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O anarquismo predominou na luta pelas reivindicações
operárias até a formação do Partido Comunista (1922), que se organizou
com a cisão do bloco libertário, após o malogro do Partido Comunista
Anarquista (1919). As grandes greves de 1917 (São Paulo), 1918 (Rio de
Janeiro) e 1919 (Rio de Janeiro e São Paulo) obedeceram ao comando de
comitês constituídos por uniões, federações e resistências de hegemonia
anarquista, com a simpatia e até o apoio de intelectuais libertários, como
Lima Barreto e Fábio Luz, entre outros.
No Rio de Janeiro, destacou-se sobretudo José Oiticica, que
se manteve sempre fiel a suas idéias, à frente do periódico Ação Direta,
que circulou pela primeira vez em 1929 e de 1946 a 1958, mesmo depois
do falecimento do fundador, embora com uma ou outra interrupção.
Além de Oiticica, o anarquismo brasileiro teve dois outros
militantes de largo prestígio: Edgard Leuenroth e Everardo Dias, que
foram os principais articuladores das greves de 1917, 1918 e 1919.
Feminismo
Na vasta gama de discriminações que existem entre os seres
humanos, uma das mais antigas é a sofrida pelas mulheres. Desde o
século XVIII diversos movimentos que se propõem a modificar esse
estado de coisas.
Feminismo é o movimento social que defende igualdade de
direitos e status entre homens e mulheres, que devem ter garantida
liberdade de decisão sobre suas próprias carreiras e padrões de vida.
Origens do feminismo. Embora ao longo da história, diversas
correntes filosóficas e religiosas, a exemplo do cristianismo primitivo,
tenham defendido a dignidade e os direitos da mulher, o movimento
feminista remonta mais propriamente à revolução francesa. A convulsão
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desencadeada em 1789, além de pôr em cheque o sistema político e
social então vigente na França e no resto do Ocidente, encorajou as
mulheres a denunciar a sujeição em que eram mantidas e que se
manifestava em todas as esferas da existência: jurídica, política,
econômica, educacional etc.
Enquanto os revolucionários proclamavam uma declaração
dos direitos do homem e do cidadão, a escritora e militante Olympe de
Gouges redigia um projeto de declaração dos direitos da mulher,
inspirada nas idéias poéticas e filosóficas do marquês de Condorcet, que
integrava a Assembléia. Desde o início da revolução, as francesas
participaram ativamente da vida política e criaram inúmeros clubes de
ativistas femininas. Em 1792, uma delegação encabeçada por Etta Palm
foi até a Assembléia para exigir que as mulheres tivessem acesso ao
serviço público e às forças armadas. Essa exigência não foi atendida e o
movimento feminino foi suprimido pelo Terror. Robespierre proibiu que
as mulheres se associassem a clubes, e o projeto de igualdade política de
ambos os sexos foi arquivado.
Mesmo assim, a revolução deu ímpeto a uma campanha que
se prolongaria nos séculos seguintes. O feminismo francês ressurgiu em
1836, com a Gazette des Femmes, jornal animado por Mme. Herbinot de
Mauchamps, que tinha por plataforma a igualdade jurídica dos homens e
das mulheres.
Em 1848, a França conheceu nova revolução e, como a
anterior, sacudiu as bases da ordem estabelecida. Mais uma vez os
clubes femininos proliferaram no país. As mulheres agora reivindicavam
não só a igualdade jurídica e o direito a voto, mas também a equiparação
de salários. Essas novas exigências se explicavam pelas transformações
da sociedade européia da época. Com a crescente industrialização, as
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mulheres dos meados do século XIX foram cada vez mais abandonando
seus lares para empregar-se como assalariadas nas indústrias e oficinas.
Entraram, assim, em contato com as duras realidades do mercado de
trabalho: se os operários da época já eram mal pagos, elas recebiam
menos ainda. Conseqüentemente, era mais vantajoso dar emprego às
mulheres que aos homens, e, assim, estes últimos viram-se envolvidos
em uma penosa concorrência com o outro sexo. Irromperam até mesmo
movimentos de oposição ao trabalho feminino.
Nesse confuso panorama, emergiram dois fenômenos
significativos. A partir do momento em que as mulheres se mostraram
capazes de contribuir para o sustento de suas famílias, não foi mais
possível tratá-las apenas como donas-de-casa ou objetos de prazer. As
difíceis condições de trabalho impostas às mulheres conduziram-nas a
reivindicações que coincidiam com as da classe operária em geral. É,
pois, dessa época que data a estreita relação do feminismo com os
movimentos de esquerda.
Em 1868, surgiu na França o primeiro movimento feminista,
de organização ainda incipiente, cujo órgão era Le Droit des Femmes,
jornal editado por Marie Deraismes e Léon Richer. O movimento, de
agitação e propaganda em favor das reivindicações femininas, passou
por vicissitudes, mas possibilitou a organização de um primeiro congresso
internacional de mulheres.
Entrementes, o movimento socialista incluiu entre suas
reivindicações também a das mulheres. Surgiu, então, a sociedade Le
Suffrage des Femmes (O Voto das Mulheres), fundada por Hubertine
Auclert. Em 1882, diversas organizações femininas realizaram um
segundo congresso, que contou com o apoio de grandes figuras da vida
cultural francesa, como Victor Hugo e Alexandre Dumas, criador do
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termo feminismo. As mulheres francesas conquistaram o direito de voto
em 1949.
Feminismo nos Estados Unidos e no Reino Unido. Os Estados
Unidos e o Reino Unido também se notabilizaram por vigorosos
movimentos feministas, surgidos já em princípios do século XIX. Em
1837, fundou-se nos Estados Unidos a universidade feminina de Holyoke
e, nesse mesmo ano, realizou-se em Nova York uma convenção de
mulheres que se opunham à escravidão. O abolicionismo foi,
efetivamente, um dos temas centrais do desenvolvimento e consolidação
do movimento feminista americano.
Uma segunda convenção, reservada exclusivamente a
mulheres, reuniu-se em Seneca Falls e em Rochester, no estado de Nova
York, em 1848. Suas principais animadoras, Elizabeth Cady Stanton e
Lucretia Mott, apresentaram, então, um projeto de emenda
constitucional que, se aprovado pelo Congresso, teria representado a
equiparação jurídica de homens e mulheres. Tal como na França e nos
outros países, as americanas tiveram de esperar o século seguinte para
conquistar o direito de voto.
Em 1869, existiam no país duas associações feministas: a
National Woman Suffrage Association (Associação Nacional do Sufrágio
Feminino), dirigida por Harriet Stanton e Susan B. Anthony, e a American
Woman Suffrage Association (Associação Americana do Sufrágio
Feminino), liderada por Lucy Stone, que perseveraram na luta, não raro
recorrendo à violência, até 1920, quando as mulheres americanas
alcançaram seu direito ao voto.
No Reino Unido, Mary Wollstonecraft publicou A Vindication
of the Rights of Women (1792; Reivindicação dos direitos das mulheres),
obra em que exigia para as mulheres as mesmas oportunidades de que
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gozavam os homens na educação, no trabalho e na política. Mas foi
somente em meados do século XIX, graças aos esforços conjuntos de
Barbara Leigh Smith e do filósofo e economista John Stuart Mill, que se
criou um comitê do sufrágio feminino. Em 1866, esse comitê apresentou
ao Parlamento um projeto igualitário, que foi rejeitado.
Apesar dos êxitos parciais alcançados, o movimento
sufragista britânico teve de esperar também o século XX para ver
coroados seus esforços. Em 1903, sob a direção de Emmeline Pankhurst,
a organização Women's Social and Political Union (União Social e Política
das Mulheres) empreendeu uma intensa campanha. As suffragettes
inglesas não hesitaram em recorrer a métodos violentos: atacaram
estações ferroviárias, incendiaram edifícios, quebraram vitrinas e fizeram
ruidosas manifestações nas ruas.
Proscrita a entidade em 1913, Pankhurst e outras numerosas
ativistas foram julgadas e condenadas à prisão. Depois da primeira
guerra mundial, em que o feminismo britânico se viu desmobilizado, as
britânicas, já em 1919, conseguiram o direito parcial de voto. Essa vitória
consolidou-se em 1928, quando finalmente elas conseguiram acesso
irrestrito às urnas e ao Parlamento.
Feminismo no Brasil. Como em outros países, foi longa a luta
das mulheres por seus direitos. José Bonifácio e Manuel Alves Branco,
visconde de Caravelas, apresentaram um projeto que concedia o direito
de voto a mulheres viúvas ou separadas do marido. Na constituinte de
1890-1891, foi aprovado em primeira discussão o projeto do deputado
paulista Costa Machado, favorável ao voto feminino, mas prevaleceu a
opinião dos positivistas, de que a atividade política não era honrosa para
a mulher.
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O movimento feminista brasileiro teve como sua principal
líder a bióloga e zoóloga Berta Lutz, que fundou, em 1922, a Federação
Brasileira pelo Progresso Feminino. Essa organização tinha entre suas
reivindicações o direito de voto, o de escolha de domicílio e o de
trabalho, independentemente da autorização do marido. Outra líder
feminina, Nuta Bartlett James, participou das lutas políticas do país na
década de 1930 e foi uma das fundadoras da União Democrática
Nacional (UDN).
O direito de voto só foi concedido às mulheres brasileiras
pelo código eleitoral de 1933. Na constituição de 1934 estabeleceu-se a
proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho por motivo de
sexo, e a proibição de trabalho de mulheres em indústrias insalubres.
Feminismo no século XX. Desde o início do século XX, a
situação mudou rapidamente pelo mundo inteiro. A revolução russa de
1917 concedeu o direito de voto às mulheres e, em 1930, elas já
votavam na Nova Zelândia (1893), na Austrália (1902), na Finlândia
(1906), na Noruega (1913) e no Equador (1929). Por volta de 1950, a
lista compreendia mais de cem nações.
Na Espanha, onde Concepción Arenal defendera já no século
XIX o direito feminino à educação e reivindicara proteção do estado para
o trabalho das mulheres, surgiram em 1920 entidades femininas como a
Asociación Nacional de Mujeres Españolas, em Madri, ou a Mujer del
Porvenir e a Progresiva Femenina, em Barcelona. Durante a ditadura de
Miguel Primo de Rivera mulheres galgaram postos legislativos, mas só na
república de 1931-1936 obtiveram o sufrágio e até chegaram a participar
do governo. Também na América Latina surgiram organizações
feministas no século XX, como a Sociedad Protectora de La Mujer,
fundada no México em 1904.
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Após a segunda guerra mundial, o feminismo ressurgiu com
vigor redobrado, sob a influência de obras como Le Deuxième Sexe
(1949; O segundo sexo), da francesa Simone de Beauvoir, e The
Feminine Mystique (1963; A mística feminina), da americana Betty
Friedan. No Reino Unido destacou-se Germaine Greer, australiana de
nascimento, autora de The Female Eunuch (1971; A mulher eunuco),
considerado o manifesto mais realista do women's liberation movimento
(movimento de libertação da mulher), mundialmente conhecido como
women's lib. Agora já não se tratava mais de conquistar direitos civis
para as mulheres, mas antes de descrever sua condição de oprimida pela
cultura masculina, de revelar os mecanismos psicológicos e psicossociais
dessa marginalização e de projetar estratégias capazes de proporcionar
às mulheres uma liberação integral, que incluísse também o corpo e os
desejos. Além disso, contam-se entre as reivindicações do moderno
movimento feminista a interrupção voluntária da gravidez, a radical
igualdade nos salários e o acesso a postos de responsabilidade.
O ano de 1975 foi declarado ano internacional da mulher
pelas Nações Unidas e culminou com uma grande concentração feminina
na Cidade do México. Em seu transcurso foi aprovado um plano de ação
para promover a ascensão social e pessoal da mulher em todo o mundo.
O objetivo de plena igualdade, nunca radicalmente
alcançado, realizou-se de forma muito desigual nos diversos países. Entre
os principais obstáculos, os de índole cultural são de grande importância.
Assim, por exemplo, sobrevivem em grande parte do continente africano
resíduos da organização tribal. Em outra esfera, as peculiaridades
culturais do mundo islâmico redundam em dificuldades e atrasos na
consecução das reivindicações feministas.
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124
Estado
Em todas as sociedades humanas, a convivência pacífica só é
possível graças à existência de um poder político instituído acima dos
interesses e vontades individuais. O estado, organização que monopoliza
esse poder nas civilizações desenvolvidas, tem alcançado o bem comum
ao longo da história pelo emprego de formas diferentes de governo.
Conceito geral
Estado é a organização política de um país, ou seja, a
estrutura de poder instituída sobre determinado território ou população.
Poder, território e povo (ou nação) são, conseqüentemente, os
elementos componentes do conceito de estado, que com eles deve estar
identificado.
Poder é a capacidade que o aparelho institucional tem para
impor à sociedade o cumprimento e a aceitação das decisões do governo
ou órgão executivo do estado. O território, espaço físico em que se
exerce o poder, está claramente delimitado com relação ao de outros
estados e coincide com os limites da soberania. A nação ou povo sobre o
qual atua o estado é uma comunidade humana que possui elementos
culturais, vínculos econômicos, tradições e histórias comuns. Isso
configura um espírito solidário que geralmente é anterior à formação da
organização política. Dessa forma, o estado e a nação nem sempre
coincidem: há estados plurinacionais (com várias nacionalidades) - como
a Espanha, a Suíça e o Canadá - e nações repartidas entre vários estados
- como no caso do povo árabe.
O aparelho de estado é composto de três elementos básicos
de organização: a administração, as forças armadas e a fazenda. A
administração é a organização encarregada de tomar as decisões
políticas e de fazer com que elas sejam cumpridas por intermédio de uma
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série de órgãos ou departamentos (governo, ministérios, governos
territoriais ou regionais, polícia, previdência social etc.). A função das
forças armadas é defender o estado. A manutenção de todo o aparelho
estatal exige a arrecadação de fundos mediante a contribuição dos
membros da sociedade, função que corresponde à fazenda.
Nenhum poder político pode manter-se durante muito tempo
pelo uso exclusivo da força. O que legitima o poder do estado é o direito,
ordem jurídica que regula o funcionamento das instituições e o
cumprimento das leis pelas quais deve reger-se a coletividade. Ao
mesmo tempo em que legitima o estado, o direito limita sua ação, pois
os valores que orientam o corpo jurídico emanam, direta ou
indiretamente, do conjunto da sociedade. As normas consuetudinárias, os
códigos de leis e, modernamente, as constituições definem os direitos e
deveres dos cidadãos, além das funções e limites do estado. Nos estados
liberais e democráticos, as leis são elaboradas e aprovadas pelos corpos
legislativos, cujos membros, eleitos pelos cidadãos, representam a
soberania nacional. A lei está acima de todos os indivíduos, grupos e
instituições. Esse é o significado da expressão "império da lei".
O julgamento sobre o cumprimento ou não-cumprimento das
leis e o estabelecimento das penas previstas para punir os criminosos
compete ao poder judiciário, exercido nos tribunais.
Evolução histórica do estado
Origem do estado. Nas sociedades matriarcais, anteriores ao
surgimento da família monogâmica e da propriedade privada, o poder
social era distribuído de forma hierarquizada, a partir dos conselhos de
anciãos e das estruturas tribais. As relações entre os membros das
sociedades eram de tipo pessoal e a coesão do grupo se baseava em
práticas religiosas e ritos sociais de tipo tradicional.
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126
O surgimento da agricultura e a conseqüente distribuição de
terras entre os membros da sociedade favoreceu a criação da
propriedade privada, dos direitos hereditários e, por conseguinte, da
família patriarcal. Nela, a descendência devia ser assegurada por meio de
um sólido vínculo matrimonial de caráter monogâmico (a mulher só podia
ter um marido). Os primeiros estados, no Egito, na Mesopotâmia, na
China, na Índia, na América Central, nos Andes etc. surgiram como uma
delegação do poder social, numa estrutura política capaz de assegurar o
direito de propriedade frente a inimigos internos (ladrões) ou externos
(invasores). Tiveram origem ainda como organização destinada a tornar
possível a realização dos trabalhos coletivos (construção de canais,
barragens, aquedutos etc.) necessários para a comunidade.
Esses primeiros estados se caracterizaram por exercer um
poder absoluto e teocrático, no qual os monarcas se identificavam com
uma divindade. O poder se justificava por sua natureza divina e era a
crença religiosa dos súditos que o sustentava.
A primeira experiência política importante no mundo
ocidental foi realizada na Grécia por volta do século V a.C. A unidade
política grega era a polis, ou cidade-estado, cujo governo foi, em alguns
momentos, democrático. Os habitantes que alcançavam a condição de
cidadãos - da qual estavam excluídos os escravos - participavam das
instituições políticas. Essa democracia direta teve sua expressão mais
genuína em Atenas.
Para os filósofos gregos, o núcleo do conceito de estado se
achava representado pela idéia de poder e de submissão. Platão, em A
república e As leis, afirmou que a soberania política devia submeter-se à
lei. Para ele, somente um estado em que a lei fosse o soberano absoluto,
acima dos governantes, poderia tornar os cidadãos felizes e virtuosos.
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127
Platão esboçou o modelo de uma cidade-estado ideal, na qual a lei
exercia uma função educadora tanto dos cidadãos como do estado.
Aristóteles distinguiu várias formas de governo e de constituição, mas
admitiu limites ao exercício do poder por intermédio do direito e da
justiça.
A organização política de Roma foi, no início, semelhante à
grega. A civitas (cidade) era o centro de um território reduzido, onde
todos os cidadãos participavam do governo. Com a expansão do império
e das leis gerais promulgadas por Roma, respeitaram-se as leis
específicas dos povos dominados. Marco Túlio Cícero, orador e filósofo
romano, afirmou que a justiça é um princípio natural e tem a missão de
limitar o exercício do poder.
Os arquétipos políticos gregos e as idéias de Cícero
exerceram influência decisiva sobre santo Agostinho e em todos os
seguidores de sua doutrina. Para santo Agostinho, o estado é uma
comunidade de homens unida pela igualdade de direitos e pela
comunhão de interesses: não pode existir estado sem justiça. Apenas a
igreja, modelo da cidade celeste, pode orientar a ação do estado na
direção da paz e da justiça.
Na Idade Média, a teoria de que o poder emanava do
conjunto da comunidade surgiu como elemento novo. O rei ou o
imperador, portanto, deviam ser eleitos ou aceitos como tais por seus
súditos, para que sua soberania fosse legítima. O enfoque de que o
poder terreno era autônomo com relação à ordem divina permitiu o
surgimento da doutrina de um "pacto" que devia ser realizado entre
soberano e súditos, em que eram estabelecidas as condições do exercício
do poder e as obrigações mútuas para alcançar o bem comum. A lei
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humana, reflexo da lei divina, devia apoiar-se na razão. Santo Tomás de
Aquino expõe essa concepção do poder na Summa theologica.
Desenvolvimento do estado moderno. A concepção
antropocêntrica do mundo adotada pelos renascentistas levou à
secularização da política. Maquiavel, em O príncipe, defendeu um estado
secular forte, capaz de fazer frente ao poder temporal do papado.
Segundo Maquiavel, o estado tem sua própria razão como guia: a razão
de estado, independente da religião e da moral. O estado renascentista
tinha as seguintes características: existência de um poder independente,
com um exército, uma fazenda e uma burocracia a seu serviço;
superação da atomização política medieval; base territorial ampla; e
separação entre o estado e a sociedade.
No século XVI, Jean Bodin incorporou a noção de soberania à
idéia de independência do poder político: o estado é soberano e não tem
que reconhecer na ordem temporal nenhuma autoridade superior que lhe
dê consistência jurídica. A esse conteúdo racional, trazido pelo
Renascimento, se deve a aparição do estado moderno, que se distingue
por ser constituído de uma população ampla, que normalmente reúne
características nacionais, estabelecida num território definido e regida por
um poder soberano.
A partir do século XVI, o estado conheceu as seguintes
configurações: estado autoritário, estado absoluto, estado liberal, estado
socialista ou comunista, estado fascista e estado democrático.
A primeira fase do estado moderno se caracterizou pelo
fortalecimento do poder real, embora seus meios de ação política tenham
sido limitados pela privatização dos cargos públicos. O exemplo mais
conhecido de estado autoritário foi o império hispânico de Filipe II. No
processo de secularização e racionalização do poder, o absolutismo
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(séculos XVII e XVIII) promoveu a desvinculação definitiva do estado
com relação tanto aos poderes do império e do papado, quanto da
nobreza e das corporações urbanas. A soberania, capacidade de criar o
direito e de impor a obediência às leis, ficou concentrada no estado,
identificado com o monarca absoluto. Luís XIV da França foi o expoente
máximo do absolutismo monárquico.
A ascensão econômica da burguesia criou, na segunda
metade do século XVIII, a necessidade de encontrar fórmulas políticas
que abrangessem as propostas burguesas sobre a configuração da
sociedade e do estado: participação, igualdade jurídica, liberdades
individuais e direito de propriedade. Novas teorias políticas contribuíram
para compor a ideologia da burguesia revolucionária. Thomas Hobbes,
defensor do estado absolutista, introduziu o individualismo radical no
pensamento político e estabeleceu as bases teóricas do conceito
moderno de contrato social, que seria desenvolvido, posteriormente, por
Jean-Jacques Rousseau. John Locke afirmou o caráter natural do direito
à vida e à propriedade e defendeu uma divisão de poderes voltada para
combater a centralização absolutista. Montesquieu definiu a configuração
clássica dessa divisão de poderes em executivo, legislativo e judiciário.
Estados contemporâneos. A revolução francesa teve como
conseqüência a criação de uma nova estrutura política adaptada às
transformações econômicas que a sociedade estava experimentando com
o desenvolvimento do capitalismo. Para garantir as liberdades individuais,
a igualdade jurídica e o direito de propriedade, foram limitadas as
prerrogativas reais e a atuação estatal foi submetida à lei. Com o
precedente das constituições americana e francesa, logo começaram a
surgir, nos países europeus e americanos, textos constitucionais em que
se consagrava o fracionamento do poder como garantia efetiva dos
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direitos do indivíduo. A missão principal do estado liberal se baseava na
proteção das liberdades individuais e na manutenção de uma ordem
jurídica que permitisse o livre jogo das forças sociais e econômicas. Para
cumprir essa missão, o estado se valia dos meios legais estabelecidos
pela constituição.
O crescimento do proletariado industrial e os conflitos
imperialistas entre as potências européias favoreceram a deterioração e o
descrédito dos regimes liberais a partir do final do século XIX. O
socialismo utópico e, depois, o anarquismo e o marxismo negaram a
legitimidade do estado liberal e propuseram novos modelos de sociedade
nos quais o homem poderia desenvolver plenamente suas capacidades.
O anarquismo criticou diretamente o estado por considerá-lo
um instrumento de opressão dos indivíduos. Os anarquistas sustentavam
que todo o poder era desnecessário e nocivo. Propunham a substituição
das relações de dominação estabelecidas pelas instituições estatais por
uma colaboração livre entre indivíduos e coletividades. Max Stirner,
Pierre-Joseph Proudhon, Mikhail Bakunin e Piotr Kropotkin foram
importantes representantes das diferentes correntes anarquistas.
Para Karl Marx, Friedrich Engels e os marxistas que vieram
depois, a igualdade jurídica e as declarações formais de liberdade nos
estados liberais encobriam a desigualdade econômica e a situação de
exploração de determinadas classes sociais por outras. O estado
capitalista era o meio de opressão da burguesia sobre o proletariado e as
demais classes populares. Segundo a teoria do materialismo histórico, o
próprio desenvolvimento do capitalismo e o crescimento do proletariado
desembocariam na destruição do estado burguês e em sua substituição
por um estado transitório, a ditadura do proletariado. Essa finalmente se
extinguiria para dar lugar à sociedade sem classes. A revolução russa e,
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posteriormente, a chinesa, a cubana e outras procuraram colocar em
prática o estado socialista, ou comunista, da ditadura proletária em suas
diferentes interpretações.
Na primeira metade do século XX, a crítica ao estado liberal
se desenvolveu também a partir das ideologias fascistas, baseadas em
uma concepção radical do nacionalismo. Tanto o fascismo italiano quanto
o nacional-socialismo alemão defenderam os interesses da nação sobre a
liberdade dos indivíduos. O estado, encarnação do espírito nacional,
devia concentrar todas as energias individuais a fim de atingir seus
objetivos últimos e transcendentes. Historicamente, o fascismo
representou uma reação contra o auge do movimento operário e o
comunismo internacional depois da revolução russa. Também significou
uma justificativa ideológica para o imperialismo de dois estados que
haviam ficado fora da divisão do mundo promovida pelas outras
potências ocidentais.
Depois da segunda guerra mundial, dois sistemas políticos e
econômicos disputaram o poder sobre o planeta. No bloco socialista, os
estados mantiveram suas características totalitárias, baseadas no poder
absoluto de um partido único considerado porta-voz dos interesses da
classe trabalhadora. No bloco ocidental, o estado liberal se consolidou
mediante a adoção, desde o início do século, de diversos princípios
democráticos e sociais: sufrágio universal (antes o voto era censitário, ou
seja, só para as classes ricas), voto feminino, desenvolvimento dos
serviços públicos e sociais, intervenção estatal na economia etc. A
tradicional divisão de poderes se manteve formalmente, mas o
fortalecimento do poder executivo se generalizou em quase todos os
países.
A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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A partir de 1990, a reunificação dos dois estados alemães, o
esfacelamento da União Soviética e a derrocada dos regimes comunistas
representaram não só o fim da divisão do mundo em dois blocos
antagônicos, como também a abertura política e econômica dos países
do leste e o acirramento de movimentos nacionalistas. Sob intensas
disputas, os mapas políticos da Europa e da antiga União Soviética foram
redefinidos, de tal forma que os limites territoriais dos estados passaram
a coincidir, na maioria dos casos, com as fronteiras nacionais. A
perspectiva de unificação européia poderia representar uma alteração no
equilíbrio de forças da nova ordem mundial na virada do século.
Nicolau Maquiavel
Gênio da ciência política, Maquiavel inaugurou a astúcia
inescrupulosa como método de governo, por detectar e sistematizar
pioneiramente a amoralidade peculiar à conquista e ao exercício do
poder. Patriota florentino, no exílio de San Casciano contou, em carta,
que de dia fazia excursões no campo e, de noite, pesquisava, em livros
da antiguidade romana, "como se conquista o poder, como se mantém o
poder e como se perde o poder".
O estadista e escritor Nicolau Maquiavel (em italiano, Niccolò
Machiavelli) nasceu em Florença em 3 de maio de 1469. A partir de 1498
serviu como chanceler e, mais tarde, secretário das Relações Exteriores
da República de Florença. Tais cargos, apesar dos títulos, eram modestos
e limitavam-se a funções de redação de documentos oficiais.
Ofereceram-lhe, porém, a oportunidade de vivenciar os bastidores da
atividade política. Ocasionalmente, Maquiavel desempenhou missões no
exterior (França, Suíça, Alemanha) e em 1502-1503 passou cinco meses
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como embaixador junto a César Borgia, filho do papa Alexandre VI, cuja
política enérgica e sem escrúpulos o encheu de admiração.
Em 1512, no entanto, quando os Medici derrubaram a
república e retomaram o governo de Florença, Maquiavel foi destituído
de seu posto e preso. Exilado na propriedade de San Casciano, perto de
Florença, ali escreveu Il principe (1513-1516; O príncipe), em que expôs
a teoria política que lhe deu fama. Em 1519, anistiado, voltou a Florença
para exercer funções político-militares. Durante o exílio, escreveu
também L'arte della guerra -- em que preconiza a extinção das forças
armadas permanentes, por ameaçarem a república, e a criação de
milícias populares -- e os Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio
(Comentários sobre os primeiros dez livros de Tito Lívio), em que analisa
as vicissitudes da história romana e compara-as com as de seu próprio
tempo. As duas obras são indispensáveis à correta interpretação do
pensamento que percorre as páginas de Il principe.
Entre 1519 e 1520, Maquiavel escreveu a maior comédia da
literatura italiana, La mandragola (1524; A mandrágora), como
"divertimento em tempos tristes". Peça de alto teor erótico e humor
sarcástico, dela se disse que "é a comédia da sociedade de que Il
principe é a tragédia". Em 1520 Maquiavel tornou-se historiador oficial da
república e começou a escrever as Istorie fiorentini (1520-1525; Histórias
de Florença), tratado em estilo clássico, consagrado como primeira obra
da historiografia moderna.
O príncipe. Foi, porém, com o pequeno livro Il principe que
Maquiavel revolucionou a teoria do estado e criou as bases da ciência
política. Homem do Renascimento, ao romper com a moral cristã
medieval, estudou com objetividade os meios e fins da ação política,
com base na observação estrita de sua realidade. Elaborou assim uma
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teoria política realista e sistemática, em que pela primeira vez se
separava a moral dos indivíduos da moral (ou razão) de estado.
Maquiavel foi, desse modo, o primeiro teórico moderno, o primeiro
técnico da política.
Indignado com a decadência política e moral de sua terra, o
autor dirige conselhos a um príncipe imaginário, retrato algo fantasioso
de César Borgia, para conquistar o poder absoluto, acabar com as
dissensões internas e expulsar os "bárbaros" estrangeiros do país.
Prosador admirável, de estilo um tanto latinizante e seco, embora irônico,
recomenda todos os meios, inclusive a mentira, a fraude e a violência. No
complexo de sugestões apresentadas ao príncipe originaram-se as
práticas políticas conhecidas como maquiavelismo. É necessário, porém,
distinguir entre essa noção vulgar que se passou a ter de
"maquiavelismo" e a teoria de Maquiavel. Nesta, o que sobressai é o
realismo iniludível de quem se pautou pelos fatos, documentos e
experiências, não nas idéias ou ideais filosóficos.
Desde a antiguidade o poder foi freqüentemente tomado,
mantido ou perdido segundo os meios apontados por Maquiavel, mas
antes dele ninguém tomou consciência real e prática das características
inerentes ao fenômeno político e suas manifestações. De seu trabalho se
depreende o princípio segundo o qual, em política, os fins justificam os
meios e a ética do estado é a do bem público: em sua obra, o príncipe
tudo pode, e tudo deve fazer, se tiver por meta a felicidade de seu povo.
Caso aja de outra forma, é derrotado por outro príncipe.
Em 1527, o saque de Roma pelo imperador Carlos V, do
Sacro Império Romano-Germânico, restabeleceu a república em Florença.
Maquiavel, visto como favorito dos Medici, foi excluído de toda atividade
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política. Pobre, desiludido e amargurado, morreu na cidade natal em 22
de junho de 1527.
Política
O choque de interesses entre indivíduos e grupos na
sociedade provoca a luta pelo poder e seu exercício em diferentes
configurações institucionais. Ao longo de séculos, grandes pensadores
tentaram estabelecer os elementos universais de uma ordem justa nos
negócios humanos, o que deu origem a teorias políticas numerosas e,
freqüentemente, contraditórias.
Política, em sentido estrito, é a arte de governar a polis, ou
cidade-estado, e deriva do adjetivo politikós, que significa tudo o que se
relaciona à cidade, isto é, tudo o que é urbano, público, civil e social. Em
acepção ampla, política é o estudo do fenômeno do poder, entendido
como a capacidade que um indivíduo ou grupo organizado tem de
exercer controle imperativo sobre a população de um território, mesmo
quando é necessário o uso da força.
O conceito de política é estreitamente vinculado ao de poder
em três esferas básicas: (1) a luta pelo poder; (2) o conjunto de
instituições por meio das quais esse poder se exerce; (3) e a reflexão
teórica sobre a origem, estrutura e razão de ser do poder. O poder
político se caracteriza pela exclusividade do direito do uso da força em
relação ao conjunto da sociedade, que lhe confere a legitimidade desse
uso. O exercício do poder se justifica como a solução para regular e
equilibrar a ordem e a justiça na sociedade; e o uso da força, inerente a
todo poder político, indica a presença de interesses antagônicos e
conflitos no corpo social que devem ser controlados para preservar a
ordem social ou buscar o bem comum.
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Ciência política. Disciplina recente, a ciência política surgiu da
necessidade de formar gestores públicos e oferecer uma estrutura de
reflexão sobre as questões públicas. Seu objetivo é estudar o poder
político, suas formas concretas de manifestação e tendências evolutivas.
Cabe assim à ciência política explicar os motivos das relações que
existem entre os poderes políticos e a sociedade, as diversas formas de
organização do estado e sua dominação por classes ou grupos, a
formação da vontade política do povo e as diferentes teorias relativas à
prática política.
A ciência política utiliza métodos de ciências empíricas, como
a física e a biologia, e metodologias e especificidades de outros ramos do
conhecimento, como filosofia, história, direito, sociologia e economia, e
sua finalidade é descrever aquilo que é e não o que deveria ser. Nesse
sentido, distingue-se da filosofia política, área normativa voltada para
conceitos como direito e justiça; da antropologia política, que estuda o
fenômeno político como uma constante em todas as sociedades humanas
ao longo de sua história; e da sociologia política, que estuda os
fenômenos sociais a partir de uma visão política.
Luta pelo poder. A história humana é basicamente uma
história da política, isto é, das lutas travadas por indivíduos, grupos ou
nações para conquistar, manter ou ampliar o poder político. Essas lutas
podem ser violentas, na forma de assassínio de dirigentes, guerras,
revoluções e golpes de estado, ou pacíficas, por meio de eleições e
plebiscitos.
A luta violenta é uma das formas mais primitivas de
conquista e manutenção do poder, embora ainda seja adotada em
algumas nações modernas. São numerosos os exemplos, ao longo da
história das nações, de assassínios de dirigentes por uma pessoa ou um
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grupo de pessoas para a tomada do poder; e de insurreições e
revoluções populares, uma forma de luta política violenta que visa não só
conquistar o poder mas transformar de modo radical as condições sociais
ou a organização do estado. Nesses casos, a violência se manifesta
também na defesa daqueles que detêm o poder e querem manter a
situação social tradicional. As revoluções francesa e russa mudaram a
história do mundo moderno.
A mudança de um regime político pode se dar ainda pelo
golpe de estado, forma de ação política violenta comum na história das
nações da América Latina. As guerras são o modo mais extremo e
violento da luta política, já que o objetivo é destruir o adversário, e
podem ser externas, entre duas ou mais nações, ou internas ou civis,
entre facções de uma nação.
Os meios pacíficos de luta pelo poder indicam estado
avançado de civilização e a racionalidade das concepções políticas. As
formas básicas de luta pacífica, própria dos sistemas democráticos, são
as eleições e plebiscitos. Nas democracias, reconhece-se que a soberania
popular é o princípio de legitimação do poder e portanto a direção do
estado cabe à facção ou partido que obtiver a maioria dos votos
livremente expressos pelo povo. Trata-se de um procedimento racional,
que pressupõe a igualdade dos cidadãos perante a lei e que tende a
harmonizar os conflitos de interesse, embora eles continuem a existir e
muitas vezes se manifestem de forma violenta.
Instituições políticas. Órgãos permanentes por meio dos
quais se exerce o poder político, as instituições políticas evoluíram de
acordo com o grau de racionalidade alcançado pelos homens. Nas
antigas civilizações orientais, em Roma e na Europa medieval, os
sistemas políticos tinham como característica comum a personalização do
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poder, justificada por instâncias mágicas, religiosas ou carismáticas.
Faraó egípcio, imperador romano ou rei cristão, o detentor do poder se
confundia com o próprio poder. Sua justificativa era a força, traduzida
pelo poder militar, poder de curar ou poder sobre as forças da natureza.
Constantemente desafiado por aqueles que se julgavam possuidores das
mesmas credenciais, o poder personalizado gerou a instabilidade política
e o uso da violência como forma de solução de conflitos.
No final da Idade Média, mudanças políticas, econômicas e
sociais determinaram o surgimento de novas concepções sobre o estado.
O progresso da burguesia e da economia favoreceu a centralização do
poder nas monarquias absolutas. O estado tornou-se racional e suas
estruturas se institucionalizaram, de acordo com as novas necessidades
sociais. A vitória da burguesia sobre a sociedade feudal, na revolução
francesa, desmistificou o poder por direito divino e consagrou o princípio
da soberania popular. O povo, única fonte de poder, podia transferir seu
exercício a representantes por ele eleitos.
Os sistemas liberais, cuja representatividade era inicialmente
restrita, aperfeiçoaram os mecanismos democráticos e, ao incorporarem
o sufrágio universal, reconheceram de forma plena a igualdade de todos
os cidadãos perante a lei. A institucionalização do poder exigiu a adoção
de constituições que, como expressão da vontade popular, devem reger
a ação do estado. Nos sistemas democráticos, a legitimidade do poder
deriva de sua origem na vontade popular e de seu exercício de acordo
com a lei.
A doutrina da clássica divisão do poder político, elaborada
por Montesquieu, é comum a quase todos os sistemas políticos dos
estados modernos. O poder legislativo, formado por parlamentares
eleitos pelo povo, elabora as leis e controla os atos do poder executivo; o
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executivo, também eleito pelo povo, executa a lei e administra o estado;
o judiciário interpreta e aplica as leis e atua como juiz nos conflitos entre
os outros poderes. A divisão de poderes ajuda a evitar o abuso de poder
por meio do controle recíproco dos vários órgãos do estado.
Nas modernas sociedades democráticas, além dos poderes
institucionalizados existem organizações que participam do poder ou nele
influem: partidos políticos, sindicatos de classe, grupos de interesse,
associações profissionais, imprensa, freqüentemente chamada de quarto
poder, e outras. Nos regimes totalitários, a existência de um partido
único no poder diminui as chances de participação da sociedade nos
assuntos políticos nacionais.
História das idéias políticas
Além de lutar pelo poder e de criar instituições para exercê-
lo, o homem também examina sua origem, natureza e significado.
Dessas reflexões resultaram diferentes doutrinas e teorias políticas.
Antiguidade. São escassas as referências a doutrinas políticas
dos grandes impérios orientais. Admitiam como única forma de governo
a monarquia absoluta e sua concepção de liberdade era diferente da
visão grega, que a civilização ocidental incorporou -- mesmo quando
submetidos ao despotismo de um chefe absoluto, seus povos
consideravam-se livres se o soberano fosse de sua raça e religião.
As cidades da Grécia não se uniram sob um poder imperial
centralizador e conservaram sua autonomia. Suas leis emanavam da
vontade dos cidadãos e seu principal órgão de governo era a assembléia
de todos os cidadãos, responsáveis pela defesa das leis fundamentais e
da ordem pública. A necessidade da educação política dos cidadãos
tornou-se, assim, tema de pensadores políticos como Platão e Aristóteles.
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Em suas obras, das quais a mais importante é A república,
Platão define a democracia como o estado no qual reina a liberdade e
descreve uma sociedade utópica dirigida pelos filósofos, únicos
conhecedores da autêntica realidade, que ocupariam o lugar dos reis,
tiranos e oligarcas. Para Platão, a virtude fundamental da polis é a
justiça, pela qual se alcança a harmonia entre os indivíduos e o estado.
No sistema de Platão, o governo seria entregue aos sábios, a defesa aos
guerreiros e a produção a uma terceira classe, privada de direitos
políticos.
Aristóteles, discípulo de Platão e mestre de Alexandre o
Grande, deixou a obra política mais influente na antiguidade clássica e na
Idade Média. Em Política, o primeiro tratado conhecido sobre a natureza,
funções e divisão do estado e as várias formas de governo, defendeu
como Platão equilíbrio e moderação na prática do poder. Empírico,
considerou impraticáveis muitos dos conceitos de Platão e viu a arte
política como parte da biologia e da ética.
Para Aristóteles, a polis é o ambiente adequado ao
desenvolvimento das aptidões humanas. Como o homem é, por natureza,
um animal político, a associação é natural e não convencional. Na busca
do bem, o homem forma a comunidade, que se organiza pela distribuição
das tarefas especializadas. Como Platão, Aristóteles admitiu a escravidão
e sustentou que os homens são senhores ou escravos por natureza.
Concebeu três formas de governo: a monarquia, governo de um só, a
aristocracia, governo de uma elite, e a democracia, governo do povo. A
corrupção dessas formas daria lugar, respectivamente, à tirania, à
oligarquia e à demagogia. Considerou que o melhor regime seria uma
forma mista, no qual as virtudes das três formas se complementariam e
se equilibrariam.
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Os romanos, herdeiros da cultura grega, criaram a república,
o império e o corpo de direito civil, mas não elaboraram uma teoria geral
do estado ou de direito. Entre os intérpretes da política romana
destacam-se o grego Políbio e Cícero, que pouco acrescentaram à
filosofia política dos gregos.
Idade Média. O cristianismo introduziu, nos últimos séculos
do Império Romano, a idéia da igualdade entre todos os homens, filhos
do mesmo Deus, uma noção que contestava implicitamente a escravidão,
fundamento social econômico do mundo antigo. Ao tornar-se religião
oficial, o cristianismo aliou-se ao poder temporal e admitiu a organização
social existente, inclusive a escravidão. Santo Agostinho, a quem se
atribui a fundação da filosofia da história, afirma que os cristãos, embora
voltados para a vida eterna, não deixam de viver a vida efêmera do
mundo real. Moram em cidades temporais mas, como cristãos, são
também habitantes da "cidade de Deus" e, portanto, um só povo.
Santo Agostinho não formulou uma doutrina política, mas a
teocracia está implícita em seu pensamento. A solução dos problemas
sociais e políticos é de ordem moral e religiosa e todo bom cristão será,
por isso mesmo, bom cidadão. O regime político não importa ao cristão,
desde que não o obrigue a contrariar a lei de Deus. Considera, pois, um
dever a obediência aos governantes, desde que se concilie com o serviço
divino. Testemunha da dissolução do Império Romano, contemporâneo
da conversão de Constantino ao cristianismo, santo Agostinho justifica a
escravidão como um castigo do pecado. Introduzida por Deus, "seria
insurgir-se contra Sua vontade querer suprimi-la".
No século XIII, santo Tomás de Aquino, o grande pensador
político do cristianismo medieval, definiu em linhas gerais a teocracia.
Retomou os conceitos de Aristóteles e os adaptou às condições da
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sociedade cristã. Afirmou que a ação política é ética e a lei um
mecanismo regulador que promove a felicidade. Como Aristóteles,
considerou ideal um regime político misto com as virtudes das três
formas de governo, monarquia, aristocracia e democracia. Na Summa
teologica, justifica a escravidão, que considera natural. Em relação ao
senhor, o escravo "é instrumento, pois entre o senhor e o escravo há um
direito especial de dominação".
Renascimento. Os teóricos políticos do período
caracterizaram-se pela reflexão crítica sobre o poder e o estado. Em O
príncipe, Maquiavel secularizou a filosofia política e separou o exercício
do poder da moral cristã. Diplomata e administrador experiente, cético e
realista, defende a constituição de um estado forte e aconselha o
governante a preocupar-se apenas em conservar a própria vida e o
estado, pois na política o que vale é o resultado. O príncipe deve buscar
o sucesso sem se preocupar com os meios. Com Maquiavel surgiram os
primeiros contornos da doutrina da razão de estado, segundo a qual a
segurança do estado tem tal importância que, para garanti-la, o
governante pode violar qualquer norma jurídica, moral, política e
econômica. Maquiavel foi o primeiro pensador a fazer distinção entre a
moral pública e a moral particular.
Thomas Hobbes, autor de Leviatã, considera a monarquia
absoluta o melhor regime político e afirma que o estado surge da
necessidade de controlar a violência dos homens entre si. Como
Maquiavel, não confia no homem, que considera depravado e anti-social
por natureza. É o poder que gera a lei e não o contrário; a lei só
prevalece se os cidadãos concordarem em transferir seu poder individual
a um governante, o Leviatã, mediante um contrato que pode ser
revogado a qualquer momento.
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Baruch de Spinoza prega a tolerância e a liberdade
intelectual. Temeroso dos dogmas metafísicos e religiosos, justifica o
poder político unicamente por sua utilidade e considera justa a rebelião
se o poder se torna tirânico. Em seu Tratado teológico-político, afirma
que os governantes devem cuidar para que os membros da sociedade
desenvolvam ao máximo as suas capacidades intelectuais e humanas.
Montesquieu e Jean-Jacques Rousseau destacam-se como
teóricos da democracia moderna. Montesquieu exerceu influência
duradoura com O espírito das leis, no qual estabeleceu a doutrina da
divisão dos poderes, base dos regimes constitucionais modernos.
Rousseau sustenta, no Contrato social, que a soberania pertence ao
povo, que livremente transfere seu exercício ao governante. Suas idéias
democráticas inspiraram os líderes da revolução francesa e contribuíram
para a queda da monarquia absoluta, a extinção dos privilégios da
nobreza e do clero e a tomada do poder pela burguesia.
Pensamento contemporâneo. No século XIX, uma das
correntes do pensamento político foi o utilitarismo, segundo o qual se
deve avaliar a ação do governo pela felicidade que proporciona aos
cidadãos. Jeremy Bentham, primeiro divulgador das idéias utilitaristas e
seguidor das doutrinas econômicas de Adam Smith e David Ricardo,
teóricos do laissez-faire (liberalismo econômico), considera que o
governo deve limitar-se a garantir a liberdade individual e o livre jogo das
forças de mercado, que geram prosperidade.
Em oposição ao liberalismo político, surgiram as teorias
socialistas em suas duas vertentes, a utópica e a científica. Robert Owen,
Pierre-Joseph Proudhon e Henri de Saint-Simon foram alguns dos
teóricos do socialismo utópico. Owen e Proudhon denunciaram a
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organização institucional, econômica e educacional de seus países e
defendem a criação de sociedades cooperativas de produção, ao passo
que Saint-Simon preconizou a industrialização e a dissolução do estado.
Karl Marx e Friedrich Engels desenvolvem a teoria do
socialismo científico, que deixou marcas profundas e duradouras na
evolução das idéias políticas. Seu socialismo não é um ideal a que a
sociedade deva adaptar-se, mas "o movimento real que suprime o atual
estado de coisas", e "cujas condições decorrem de pressupostos já
existentes". O socialismo sucederia ao capitalismo assim como o
capitalismo sucedeu ao feudalismo e será a solução das contradições do
capitalismo. Assim, sua realização não seria utópica, mas resultaria de
uma exigência objetiva do processo histórico em determinada fase de
seu desenvolvimento. O estado, expressão política da classe
economicamente dominante, desapareceria numa sociedade sem classes.
Depois da primeira guerra mundial, surgiram novas doutrinas
baseadas nas correntes políticas do século XIX. O liberalismo político,
associado nem sempre legitimamente ao liberalismo econômico, pareceu
entrar em dissolução, confirmada pela depressão econômica de 1929, e
predominaram as visões totalitárias do poder.
A partir do marxismo, Lenin elaborou uma teoria do estado
comunista e comandou na Rússia a primeira revolução operária contra o
sistema capitalista. Sobre a base marxista-leninista, Stalin organizou o
estado totalitário para estruturar a ditadura do proletariado e alcançar o
comunismo. Entre os pensadores marxistas que discordaram de Stalin e
acreditaram na diversidade de vias para atingir o mesmo fim destacam-
se Trotski, Tito e Mao Zedong (Mao Tsé-tung).
A outra vertente do totalitarismo foi o fascismo, baseado na
crítica aos abusos do capitalismo e do comunismo. Formadas por
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elementos heterogêneos e muitas vezes incoerentes, as ideologias
fascistas deram fundamento intelectual aos regimes que tendiam a
sobrepor o poder absoluto do estado aos indivíduos, como o fascismo na
Itália de Benito Mussolini e o nacional-socialismo na Alemanha de Adolf
Hitler.
Após a segunda guerra mundial, a democracia liberal, já
dissociada do liberalismo econômico, ressurgiu em diversos países
europeus e americanos. Em suas instituições, as democracias
acrescentaram os direitos sociais, como o direito ao trabalho e ao bem-
estar, aos direitos individuais. No final da década de 1980, a dissolução
da União Soviética levou ao desaparecimento dos regimes comunistas no
leste europeu e ao predomínio da democracia liberal.
Poder político no Brasil
O absolutismo foi a base das concepções políticas que
vigoraram no Brasil colonial, regido pelas leis e o sistema político de
Portugal. Ao longo do século XVIII, ocorreram movimentos autonomistas
com fundo republicano e liberal, inspirados nos modelos das repúblicas
veneziana e americana. As idéias que inspiraram a revolução francesa
disseminaram-se pela colônia nas obras de Voltaire, Rousseau e
Montesquieu mas o liberalismo só se manifestou de modo mais concreto
nos episódios da inconfidência mineira, que evidenciaram as contradições
entre a crescente burguesia e as classes agrárias dominantes.
O processo separatista ganhou consistência com a chegada
de D. João VI em 1808 e culminou com a independência. A primeira
constituição brasileira, outorgada pelo imperador D. Pedro I, baseou-se
no despotismo esclarecido e inovou na doutrina da divisão de poderes,
ao incluir o poder moderador do monarca ao lado dos clássicos poderes
executivo, legislativo e judiciário.
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As elites brasileiras, compostas de grandes senhores agrários
e comerciantes, instalaram-se no poder e competiram com o imperador
pelo controle da nação. O cunho liberal da constituição foi amenizado
pela adoção de mecanismos como o voto censitário, que excluiu a
maioria da população do processo eleitoral, e a vitaliciedade dos
senadores e dos membros do Conselho de Estado, que assegurou a
permanência das elites no poder. O confronto permanente entre essas
elites e o imperador e a oposição dos liberais radicais, que se ressentiam
da centralização excessiva do poder e defendiam o federalismo,
culminaram na abdicação do soberano em favor de D. Pedro II, então
menor de idade.
O período da regência foi marcado pela pressão permanente
das aristocracias locais, que exigiam maior autonomia de ação política, e
por conflitos entre liberais e conservadores, que se traduziram em
rebeliões regionais e levantes populares, em alguns casos de inspiração
separatista e republicana. Pouco depois de assumir o trono, D. Pedro II
estabeleceu o regime parlamentarista e abriu mão de seus poderes
executivos, transferidos para um primeiro-ministro escolhido entre os
membros do partido majoritário nas eleições. Preservou, porém, o poder
moderador, o que na prática manteve o governo sob seu controle.
Os primeiros anos do governo do segundo reinado foram
marcados por revoltas regionais e, ao mesmo tempo, pela consolidação
das instituições nacionais e pelo aprofundamento do sentimento de
nacionalidade em todo o território brasileiro. Os liberais, que se
alternaram com os conservadores no governo ao longo do segundo
reinado, pertenciam também às classes dominantes e esqueciam seu
radicalismo assim que assumiam o poder. As elites agrárias e comerciais
mantinham-se como a única força política e dominavam o cenário
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nacional. Entretanto, os grandes temas da república e da abolição da
escravatura ganhavam espaço e apoio crescentes, principalmente na
burguesia urbana, que se ressentia das dificuldades de implantação plena
do capitalismo numa economia atrasada, que buscava se modernizar.
Republicanos e abolicionistas inauguraram um estilo novo na política
brasileira e convocaram as populações das cidades à defesa de suas
idéias. Apesar dessa mobilização, a república foi instaurada pela elite,
sem participação popular.
A abolição da escravatura em 1888 marcou o fim do império
brasileiro e o início da república, instalada no ano seguinte, mas
permaneceu o autoritarismo do poder central, profundamente
entranhado na cultura política nacional. A constituição liberal de 1891
estabeleceu um presidencialismo forte e centralizado, que não resolveu
as contradições políticas herdadas do império nem excluiu do poder as
elites, acrescidas então de novas forças econômicas, como os produtores
de café, que determinavam os caminhos da nação. Na fase que se
seguiu, conhecida como República Velha, predominaram as oligarquias
de São Paulo e Minas Gerais, os estados economicamente mais
avançados.
Durante a primeira guerra mundial, o país conheceu notável
expansão industrial, mas o poder político continuou dominado pelos
interesses das oligarquias rurais e da burguesia mercantil. As
contradições entre uma economia que se modernizava e um modelo
político retrógrado geraram inquietações políticas que se expressaram em
movimentos como o tenentismo. O processo eleitoral, marcado pela
fraude e a exclusão de vasta parcela da população, mostrou-se incapaz
de solucionar as distorções do sistema, agravadas por dificuldades
financeiras e do comércio exterior que a crise mundial de 1929
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aprofundou, com a queda drástica das exportações de produtos
primários.
Com a revolução de 1930, a burguesia industrial teve maior
participação no poder, mas as contradições do regime não foram
solucionadas. Conflitos entre as oligarquias e os tenentistas e a ausência
de mudanças estruturais necessárias levaram à implantação da ditadura
do Estado Novo, que se prolongou até 1945.
A constituição de 1946 deu início a um período de
crescimento econômico e aprofundamento dos mecanismos
democráticos. Houve mudanças no sistema eleitoral e participação
efetiva do povo no processo político. Os partidos políticos se fortaleceram
e representaram efetivamente os diversos segmentos políticos e
ideológicos da nação. O modelo econômico e social, porém, não se
alterou, especialmente na estrutura agrária dominada pelas elites
obsoletas. O choque entre avanços políticos e econômicos e a
manutenção de um modelo social ultrapassado levaram setores
progressistas e conservadores à radicalização.
A instabilidade política agravou-se no governo João Goulart.
Em 1964 um golpe militar encerrou o período da democracia
representativa e instalou-se um regime de exceção. A partir de 1979, os
militares no poder instauraram um modelo de abertura que culminou
com a eleição indireta de um presidente civil em 1985 e maior
participação popular no processo político. A constituição de 1988
devolveu a soberania ao povo e marcou a retomada definitiva do
processo democrático, consolidado com as eleições diretas para todos os
níveis em 1989 e 1994.
BIBLIOGRAFIA
A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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Boudon, R., organizador. Tratado de sociologia, Rio de
Janeiro, Jorge Zahar, 1996. Obra de consulta composta de 14 artigos
selecionados dentro da abordagem conhecida como "sociologia de ação".
Miceli, S., organizador. História das ciências sociais no Brasil.
São Paulo, Sumaré, 1995. 2 v. Ensaios sobre diferentes aspectos das
ciências sociais no Brasil, aborda temas diversos como a escola paulista
de sociologia e o apoio de entidades estrangeiras à pesquisa sociológica.
Ianni, Otávio. Teorias da globalização, Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1995. Um dos mais respeitados sociólogos
brasileiros, do grupo integrado também por Florestan Fernandes e
Fernado Henrique Cardoso, discute os movimentos ecológicos, feministas
e étnicos como manifestações de uma sociedade civil mundial em que os
problemas sociais seriam pensados independentemente de fronteiras.
Esboça o conceito de neo-socialismo, próprio da sociedade planetária, em
contraposição ao de neoliberalismo.
Singer, Paul. A formação da classe operária. Rio de Janeiro,
Atual, 1993. Estudo sobre as condições históricas e sociais que deram
origem ao proletariado urbano brasileiro.
Prado Jr., C. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo,
Brasiliense, 1992. Clássico da bibliografia de ciências sociais, este livro
estuda o Brasil como colônia e e logo como periferia do capitalismo
internacional.
Benevides, M. V. M. A cidadania ativa. São Paulo, Ática,
1991. Obra que promove um feliz encontro, embora pouco freqüente na
literatura das ciências sociais no Brasil, entre a análise política e os
princípios que norteiam a legislação.
Cardoso, F. H. A construção da democracia. São Paulo,
Siciliano, 1993. Coletânea de ensaios que ajudam a compreender a
A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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sociedade brasileira que resultou do período de governos autoritários
implantados em 1964.
Furet, F. O passado de uma ilusão: ensaios sobre a idéia
comunista no século XX. Rio de Janeiro, Siciliano, 1995. O autor,
especialista em revolução francesa e ex-diretor da Escola de Altos
Estudos em Ciências Sociais da Universidade de Paris, estuda a influência
do marxismo sobre o pensamento sociológico moderno. Analisa também
supostas semelhanças entre comunismo e fascismo, traduzida pelo
desprezo pelo direito como disfarce formal de dominação e a apologia da
violência como parteira da história.
Fernandes, F. A integração do negro na sociedade de
classes. São Paulo, Ática, 1978. 2 v. Neste que é um dos principais livros
de Florestan Fernandes, mentor de uma geração de intelectuais e
homens públicos brasileiros, estuda-se o colapso da escravatura no Brasil
e a transformação dos negros em proletários.
Chauí, M. Repressão sexual: essa nova (des)conhecida. São
Paulo, Brasiliense, 1987. A autora, professora de filosofia especialmente
dedicada ao estudo de problemas sociais contemporâneos, aborda as
múltiplas maneiras pelas quais a repressão sexual se manifesta.