Post on 02-Aug-2020
II JORNADA DISCENTE DO PPHPBC (CPDOC/FGV)
INTELECTUAIS E PODER
Simpósio 1 | Imprensa e nacionalidade
Imprensa local em Petrópolis: a construção de um discurso de modernidade
Verônica Soares da Costa*
Resumo:
Caracterizada como o refúgio serrano do Imperador, valorizada pela corte como uma opção
mais bonita e salubre do que o Rio de Janeiro, Petrópolis construiu-se a partir de claras
definições de superioridade social. Sua imprensa local, na virada do século XIX para o XX,
registra e enaltece essas características, reforçando os contextos sociais e colaborando para a
reafirmação de um modelo de poder centrado nas elites republicanas. A imprensa local teria
servido para o reforço da realidade social urbana, como espelho de um contexto urbano já
esclarecido para seus moradores. Entretanto, qualquer texto sobre uma cidade tem potencial
para sugerir ou subverter percepções sobre o espaço urbano, e o jogo de poder se torna o
objetivo final dos discursos narrativos. Nesse processo de construção de identidades, o
processo de construção de uma representação sobre a cidade pode ser compreendido a partir
do discurso cosmopolita dos jornais.
Palavras-chave: Imprensa local, identidade, representação, elites
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Introdução
* Aluna do Mestrado Profissional em Bens Culturais e Projetos Sociais do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Fundação Getúlio Vargas.
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Peter Fritzsche, em seu livro Reading Berlin 1900, propõe um estudo que relaciona
os conceitos de cidade como lugar geográfico e como narrativa textual, no qual as duas
representações definem-se mutuamente e estão em constante dinâmica. Para seu trabalho
sobre Berlin, o autor explora os jornais diários da cidade na virada do século XIX para o
século XX e descobre nas páginas dos periódicos os caminhos percorridos pelos berlinenses
para se encontrarem na cidade e encontrar a cidade.
O argumento de Fritzsche considera que os atos de ler e escrever na cidade
tornam-se um convite à movimentação popular pela cidade, e passam a modificar a dinâmica
do espaço urbano. Assim, os jornais permitiriam aos cidadãos conhecer possibilidades de
utilização do espaço e modificar as estruturas vigentes. Inspirado por esta análise sobre a
imprensa e a cidade de Berlin, o presente trabalho é uma proposta para apresentar as relações
entre a cidade de Petrópolis e a imprensa local, desde o início das atividades jornalísticas na
década de 1850 até os primeiros anos do século XX.
Caracterizada como o refúgio serrano do Imperador, valorizada pela corte como
uma opção mais saudável, bela e salubre em relação ao Rio de Janeiro, Petrópolis construiu-se
a partir de claras definições de superioridade social. E os jornais locais da época registram e
enaltecem essas características, reforçando em seus textos os contextos sociais onde viviam os
cidadãos petropolitanos e colaborando para a reafirmação de um modelo de poder.
Ao contrário dos cidadãos berlinenses da obra de Fritzsche, acredita-se que a
imprensa local em Petrópolis não tinha por objetivo servir aos moradores como guia para a
exploração da cidade. Uma vez que Petrópolis foi construída com objetivos bastante
específicos e previamente determinados, a imprensa local teria servido para o reforço da
realidade social urbana, como espelho de um contexto já esclarecido para seus moradores.
Entretanto, qualquer texto sobre uma cidade tem potencial para sugerir ou
subverter percepções sobre o espaço urbano, e o jogo de poder se torna o objetivo final dos
discursos narrativos. Conforme afirma Fritzsche, “texts in the city were at once orderly and
disruptive, they reframed and juxtaposed and reiterated and left unsaid, they led as well as
misled, and worked for and against concretions of power” (FRITZSCHE, 1996:3). Esse poder
se justifica nas dinâmicas percebidas entre a cidade que se é e a cidade que se vê (ou que se
lê) nas páginas dos jornais. Em Petrópolis, a cidade das narrativas jornalísticas faz parte da
cidade real, na qual se convive com a herança do Império, e onde as noções de progresso e
modernidade ditaram por muitos anos o perfil de seu discurso narrativo.
Lendo Petrópolis: A cidade do Imperador
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Fundada em 16 de março de 1843 por D. Pedro II, Petrópolis foi uma cidade
planejada para representar a modernidade e o poder. Lá, o Imperador se propôs a construir
uma residência onde a corte se protegeria das invasões das pestes ou de inimigos, além de
servir como refúgio do calor do Rio de Janeiro. Mais do que isso, D. Pedro II realizou em
Petrópolis a idealização de um universo próprio, detalhadamente planejado para ser o local
onde tudo deveria lembrar o velho continente. Desde o clima, naturalmente ameno, até as
construções e o traçado da cidade, transformaram Petrópolis no território europeu do
Imperador no Brasil.
A cidade sempre conviveu com a necessidade de se fazer perceber como um local
onde a realeza reencontrava suas raízes e representava seu poder e influência: tudo deveria
remeter à presença do Imperador. Ainda durante o processo de construção, já ostentava o
chamariz de Cidade Imperial, não porque fosse a única cidade na qual o Imperador, sua
família e toda a corte haviam habitado, mas por ter sido projetada, construída e pensada para o
exclusivo fim de receber a realeza e representar concretamente os valores vigentes à época.
Ao mesmo tempo, a corte mantinha uma relação muito informal com a cidade e o
Imperador envolvia-se intimamente com os espaços urbanos, circulando pelas ruas e praças
ainda em construção. D. Pedro II permitia que Petrópolis fosse o local onde as preocupações
com compromissos oficiais não eram prioridade. Na serra, poderia se afastar das
responsabilidades protocolares e da rotina formal e rígida que lhe era exigida na capital. A
localização privilegiada do Palácio Imperial permitia ao Imperador vislumbrar as maravilhas
de sua cidade serrana e acompanhar a construção dos palacetes e mansões dos nobres:
Na jovem urbe que se erguia segundo os traços designados pelo projeto urbanístico de Koeler, pululavam ruas largas e arborizadas, residências, hotéis e lojas, tendo o palácio um espaço simbólico de destaque (...), imponente, no centro de uma área mais elevada, de onde era possível vislumbrar a cidade que se erguia (ALMEIDA, 2005:26).
Para fazer da estadia da corte uma experiência plena, muito era investido na infra-
estrutura urbana de Petrópolis. Não apenas a cidade nasceu do primeiro Plano Regional de
Urbanismo do país, mas desde seus primeiros anos já apresentava jóquei clube, hipódromo,
serviços de água e esgoto, iluminação a gás e ruas largas e arborizadas.
Essa intervenção urbana planejada desde a fundação da cidade pode ser entendida
a partir dos conceitos de organização do espaço urbano expostos por Adrián Gorelik em La
grilla y el parque: espacio público y cultura urbana em Buenos Aires, 1887-1936. O autor
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discute a acepção do espaço público não apenas como o espaço da cidade, mas como uma
categoria ambígua, que remonta a lugares físicos e também remete a esferas da ação humana.
É a dimensão propriamente política da vida social e uma forma de mediação entre as
autoridades e os cidadãos: “el espacio publico es una dimensión que media entre la sociedad
y el estado, en la que se hacen públicas múltiples expresiones políticas de la ciudadania em
multiples formas de asociación y conflitco frente al estado” (GORELIK, 1998:19).
Gorelik chama a atenção para o fato de que o traçado da cidade não deve ser
encarado como um fator natural, e sim como um projeto público que visava a organizar as
demandas do governo. Assim, Petrópolis foi construída a partir de um grande projeto de
governo, fundada para servir de modelo europeu às cidades brasileiras. A autoridade de D.
Pedro II na construção da cidade teve como efeito e conseqüência a formatação do modelo de
vida social que se desenvolveria a partir daquele núcleo urbano. Primeiramente habitado pela
corte, o espaço urbano de Petrópolis não aparentava conflitos e confrontos com a autoridade
monárquica, pois aparentemente todos se beneficiavam do desenvolvimento da cidade e do
privilégio da proximidade com o Imperador.
Nesse ambiente repleto de símbolos da monarquia e do poder, desenvolveu-se uma
sociedade na qual os valores da elite eram tomados como referenciais em todos os âmbitos da
vida. Aí surgiu uma imprensa profundamente influenciada pelos modismos tão caros ao
Império, que viria a reforçar aspectos típicos da elite em seus discursos e narrativas. Como
exemplo, vale resgatar o que dizia o jornal O Parahyba, em 29 de dezembro de 1858:
Acha-se em Petrópolis Mlle. Antonine Mary, prima-dona cartello do theatro lyrico, ultimamente chegada da Europa. Consta-nos que fôra hontem apresentar seus cumprimentos a S. M. a Imperatriz, e que seguirá em breve para a corte. (O Parahyba apud ALMEIDA, 2005:31).
A imprensa se interessava por destacar a Petrópolis intimamente ligada à corte,
divulgando seus bailes, concertos, recitais e a presença de celebridades como uma forma de
reforçar a vocação da cidade como um núcleo urbano simbolicamente europeu. Construiu-se
uma cidade para servir aos deleites do Imperador, onde o comércio e a indústria
desenvolviam-se mais para responder às demandas luxuosas de interesse da corte do que às
necessidades de uma população economicamente ativa e consumidora de bens locais.
Em 1857, Petrópolis passava de povoado a cidade e sua população fixa era de
pouco menos de 3 mil habitantes, fora da temporada de veraneio. O desenvolvimento podia
ser medido pelo crescimento do comércio local. Naquele ano, o centro contava com 72 lojas e
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armazéns, 6 hotéis, 2 açougues, 3 botequins com bilhares, 13 salões de bilhares e 6 cocheiras
para aluguel de montarias. Além do comércio, havia 97 indústrias na região e fábricas de
cervejas, licores, perfumaria, tinturaria e moinhos de fubá (SANTOS, 2007:08).
A elevação de Petrópolis à categoria de cidade foi também o pontapé inicial para o
surgimento da imprensa local, na figura do jornal O Mercantil, fundado em 03 de março de
1857 como um periódico monarquista que apoiou a luta pela elevação do povoado de
Petrópolis a cidade (SANTOS, 2007:20). Era o berço da imprensa das elites em Petrópolis,
que pouco tempo depois passou a dividir espaço com algumas publicações voltadas para os
colonos estabelecidos na cidade.
Veiculados em alemão, esses periódicos buscavam registrar a voz e os anseios dos
colonos fundadores. A Brasília, fundado em 1858, surgiu graças à sociedade de comerciantes,
industriais e colonos alemães. Também circulou pela cidade o periódico Germânia, publicado
a partir de 17 de janeiro de 1864 por Pedro Müller, que mais tarde foi também eleito vereador
da Câmara Municipal de Petrópolis, destacando-se na luta pela defesa dos direitos dos
colonos e de seus descendentes.
Entretanto, era a Petrópolis do Imperador e dos privilegiados membros da corte
que tinha espaço cativo na imprensa local do Império e nos primeiros anos da República.
Petrópolis era constantemente comparada ao Rio de Janeiro e se convertia na vitrine da
monarquia, como uma:
imagem duplicada de um Rio que se queria parisiense, porém onde os espaços simbólicos do chic não se confrontavam com doenças e misérias, tomava forma no imaginário da classe dominante como lugar de prazer e de contemplação, paraíso para o ócio da aristocracia (ALMEIDA, 2005:32).
A identidade de Petrópolis descrita nos jornais era pautada por uma noção de
progresso e modernidade, construída graças ao empenho humano centrado na figura do
Imperador. Assim dizia Emília Augusto Zaluar no jornal O Parahyba, em 1858:
Ninguém acreditaria que do canto destas montanhas inacessíveis, desta vegetação robusta e prodigiosa, nasceria um dia pelos esforços de uma vontade potente, e pela força irresistível da indústria, uma povoação brilhante, que juntasse à elegância de suas construções todas as comodidades que formam o regalo da vida, coroadas por um clima benéfico e salutar (ZALUAR, A. E. “Petrópolis” in O Parahyba. Petrópolis, 07/03/1858, n28, p1. apud LIMA, 2001:29).
Em sua tese sobre as representações de Petrópolis na mídia impressa, Almeida
(2005) reafirma que o discurso da imprensa petropolitana creditava à cidade o status de
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modelo para uma modernidade desejada, e conseguia esse efeito ao elevar os acontecimentos
sociais ocorridos na cidade serrana ao nível de culto, destacando nas páginas dos periódicos a
influência e o domínio de certos grupos sociais em ascensão.
Reafirmando essa tendência, tem-se que a transição do século XIX para o século
XX é marcada pelo apogeu das cidades burguesas. E conforme explica José Luis Romero em
América Latina. As cidades e as ideias, esse aspecto burguês se deu especialmente porque:
As classes dominantes das cidades que impuseram os seus pontos de vista sobre o desenvolvimento de regiões e países possuíram uma mentalidade muito organizada e estruturada sobre uns poucos e inquebráveis princípios que gozaram de amplo consenso (ROMERO, 2004:341).
Dessa maneira, os modos de vida europeus levavam à implantação de novos
conceitos e modismos em territórios da América Latina, e no Brasil não seria diferente. Aqui,
a burguesia exibia “um respeito quase litúrgico pela moda européia em matéria de vestimenta
[que] acompanhava a penetração dos costumes estrangeiros, sempre em colisão com os
tradicionais que cada vez pareciam mais provincianos e decadentes” (ROMERO, 2004:322).
Em Petrópolis, o processo de transição do império para as classes burguesas estava
para ocorrer nos últimos anos do século XIX. A cidade vivia uma fase de prosperidade que
também se registrava no quadro econômico da capital e de toda a região fluminense. Boa
parte do desenvolvimento do período teve como fonte a atividade cafeeira.
A partir de 1880 o quadro econômico se fortalece e as atividades industriais
representavam também uma excelente fonte de insumos econômicos. O quadro industrial do
período era promissor, com destaque para as indústrias têxteis. A presença da corte na cidade
e o mundo sociocultural que a acompanhava eram alguns dos aspectos da cidade que seriam
fatores positivos para reforçar essa tendência:
A regularidade da comunicação com o Rio, o que facilitava o escoamento da produção e a compra de matérias-primas; a salubridade, o que impulsionava os moradores da capital a se refugiarem em Petrópolis contra as pestes que assolavam o Rio no verão; a abundância de água e a topografia da cidade, que facilitavam a produção de energia para alimentar as indústrias, e o custo de vida inferior ao da capital (ALMEIDA, 2005:55)
Esse quadro econômico favorável, somado à realidade Imperial da cidade,
delimitava o perfil do público leitor dos primeiros jornais da serra ao mesmo tempo em que
direcionava a imprensa local a se aproximar de temáticas mais abrangentes, que se expandiam
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para além dos limites geográficos de Petrópolis e davam conta de fornecer informações sobre
os acontecimentos da capital e o desenrolar de decisões políticas.
Pode-se afirmar que havia nos primeiros exemplares da imprensa petropolitana
“uma preocupação em atrair leitores sofisticados e em conferir prestígio àqueles veículos e à
cidade que os acolhia” (ALMEIDA, 2005:56), pois “vivia-se em Petrópolis com os olhos
voltados para o Rio, porém sob a proteção de uma aura de superioridade européia que
encobria a cidade e a mantinha resguardada” (ALMEIDA, 2005:57).
Petrópolis e sua imprensa Republicana
Com a Proclamação da República em 1889, Petrópolis passa a contar com um
número cada vez maior de periódicos, a maioria de existência breve e com perfis e objetivos
variados. Essa multiplicação de veículos circulando na cidade era um reflexo direto das
transformações que o país enfrentava na transição do Império para a República.
Multiplicavam-se os debates e os interesses políticos e econômicos e a corte já não era mais o
centro das atenções sociais. Mesmo assim, os modismos ainda eram ditados pela elite que
continuava enxergando Petrópolis como “lugar onde não se vêem conflitos, inclusive
ideológicos. Ali, a República é uma extensão da Monarquia, quando o assunto é a manutenção
das oligarquias no poder” (ALMEIDA, 2005:39).
Embora houvesse uma manutenção das elites, passava a ser necessário diferenciar
os relacionamentos estabelecidos entre a capital federal e os governos Estaduais. Discutia-se a
necessidade emergente de transferir a capital do Estado de Niterói para o interior. Entre os
motivos de apoio à mudança da capital estavam
o alheamento da heterogênea população de Niterói, de pronunciada tendência industrial, em relação aos interesses do estado, sua submissão aos interesses da vizinha capital federal e a ameaça à autonomia do estado que essa proximidade representava” (FERREIRA, 1994:106).
A mudança se consolidou em 1893, com a eclosão da Revolta da Armada, que
colocou a capital sob ameaça. Foi graças a essa grave situação política no Estado que
Petrópolis recebeu, provisoriamente, a autorização para sediar as bases do governo estadual.
Além de possuir as condições materiais necessárias para receber a estrutura de
administração pública do Estado – comércio, indústria e toda a herança cultural e social dos
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tempos do Império - Petrópolis era também a base política de José Tomás da Porciúncula,
Presidente do Estado à época.
Em 1894 a transferência foi realizada, e lá permaneceu até 1903, quando a capital
retornou a Niterói por imposição do recém-eleito presidente do Estado, Nilo Peçanha.
(FERREIRA, 1994:107). No período em que foi capital do Estado, o município de Petrópolis
registrou cerca de 29 mil habitantes, número que chegava a 35 mil nos períodos de veraneio.
Com o status da capital, chegaram também novos investimentos e novidades tecnológicas: a
cidade recebeu energia elétrica e em 1896 chegaram seus primeiros bondes elétricos, que
circularam até 1939 (TAULOIS, 2007). Neste período, destacam-se também os esforços pela
manutenção da vocação turística da cidade:
Ficou preservado o seu ambiente culto, aristocrático e refinado. Durante o verão, no início da noite, a estação ferroviária se transformava num “point” social, repleta com as famílias esperando a chegada do “trem dos maridos”. (...). Nos anos seguintes, com exceção de Floriano Peixoto, Delfim Moreira e Castello Branco, todos os presidentes da República, desde Deodoro da Fonseca até Costa e Silva, veranearam em Petrópolis (TAULOIS, 2007).
Nesse aspecto, a imprensa local reforçava o que Romero determinava como sendo
o ethos da burguesia, onde os membros da elite se preocupavam com “os modos parisienses,
tanto na decoração do ambiente quanto na cuidada cozinha e na etiqueta em voga. Bebia-se
champanhe, falava-se de negócios, de política, de teatro ou de mulheres, mas sobretudo, (...)
se podia ver e ser visto” (ROMERO, 2004:324).
Nos discursos que circulavam pela cidade neste período, ficava claro que
“Petrópolis estava ao alcance de poucos afortunados” (ALMEIDA, 2005:39), que apresentava
tudo o que era belo, fino, culto e dominante na sociedade. Na imprensa local, observa-se que
“a cidade como paradigma do cosmopolitismo da burguesia urbana em ascensão coaduna com
seu retrato em fina publicação, e a fotografia colabora para sua associação ao mundo
moderno” (ALMEIDA, 2005:39-40).
De certo modo, essa burguesia republicana buscava também copiar a velha corte e
seu sistema de significação europeu, na tentativa de manter na cidade de Petrópolis os hábitos
e as características que a consagraram em seu período Imperial. Mas como já não estava mais
ligada à presença do Imperador, o espaço público se transformava e passava a apresentar
novas formas de sociabilidade.
A imprensa, por sua vez, registrava cada uma dessas marcas e prognósticos das
transformações sociais, em uma “narrativa midiática legitimadora” (ALMEIDA, 2005:42). E
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essa estratégia de legitimação via nos jornalistas os personagens centrais para que as
narrativas sobre a cidade fossem acreditadas e propagadas pela sociedade.
Mais uma vez, Almeida destaca que “os jornalistas da cidade se armam de
conceitos racionalizantes e de palavras de impacto para confirmar a importância de sua ação
como sensores sociais” e, nesse sentido, a imprensa cumpria também “sua função de
legitimadora do poder, cumprindo o papel de disseminar os ideais de cunho positivista da
República” (ALMEIDA, 2005:58).
Demonstrando o poder dos meios de comunicação nesse processo de
representação, Beatriz Sarlo discorre, em seu livro Una modernidad periférica: Buenos Aires
1920 y 1930, sobre como a leitura da cidade pode ser a chave de entendimento desse novo
espaço social e vice-versa, ou seja, a partir da cidade também pode-se entender a imprensa
que nela circula.
Sarlo percebe a importância de não só localizar o que se diz sobre a cidade, o que
está no nível do discurso e da narrativa jornalística, mas também o que se faz na cidade, em
uma abordagem que muito se aproxima da leitura de Berlin feita por Peter Fritzsche,
apresentada na introdução do presente trabalho:
El nuevo paisaje urbano, la modernización de los médios de comunicación, el impacto de estos procesos sobre las costumbres, son el marco y el punto de resistencia respecto del cual se articulan lãs respuestas producidas por los intelectuales. En el curso de muy pocos años, éstos deben processar, incluso em su propia biografia, cambios que afectan relaciones tradicionales, formas de hacer y difundir cultura, estilos de comportamiento, modalidades de consagración, funcionamiento de instituciones (SARLO, 1988:26-27).
Se em Buenos Aires Beatriz Sarlo destacou a importância central dos intelectuais
para a formatação narrativa da capital argentina, pode-se afirmar que em Petrópolis os
jornalistas cumpriram semelhante função, assumindo-se como porta-vozes da elite, “homens-
memória com a missão de selecionar o que deveria ser lembrado, ressaltado, e de omitir o que
se queria esquecido, em prol do bem-estar público” (ALMEIDA, 2005:58). As narrativas nas
páginas dos jornais têm um sentido ideológico-estético de uma cidade onde se celebra a
modernização (SARLO, 1988:28).
Assim, tem-se que a cidade se fez como o locus da modernidade, e tanto o que se
escreveu sobre quanto o que se faz nela configuram-se como formas de representação de uma
sociedade aberta a novas possibilidades e novos caminhos de desenvolvimento.
Conclusões
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Nos estudos sobre a imprensa, os periódicos devem ser encarados como
instrumento de construção e re-construção de uma identidade, levando-se em consideração
não apenas a leitura que se faz de seu conteúdo, mas as especificidades da prática jornalística
e seus graus de influência na criação de identidades e na representação que fazem do espaço
em que circulam.
O jornal, ao selecionar fatos que serão notícia e outros que não serão mencionados,
colabora diretamente para a construção da memória coletiva, no sentido dado por Maurice
Halbwachs, como um conjunto de lembranças compartilhado pelos membros de uma mesma
sociedade e se difere da memória individual: “Cada memória individual é um ponto de vista
sobre a memória coletiva, que este ponto de vista muda segundo o lugar que ali ocupo e que
mesmo lugar muda segundo as relações que mantenho com outros ambientes”
(HALBWACHS, 2006:69).
Assim, não se pode separar a produção do discurso jornalístico da construção de
uma identidade local, já que os processos de formação de identidades se desenvolvem a partir
de relações de comunicação. A construção de uma identidade a partir do suporte do jornal é,
por um lado, sistemática, na medida em que se desenvolve a partir de regras e normas pré-
estabelecidas para a produção do discurso jornalístico, mas também esbarra na relação dos
indivíduos produtores com essa mesma identidade que está sendo construída, ou seja, os
sujeitos emissores e receptores são também construtores autônomos de suas identidades a
partir do que apreendem no discurso do jornal.
Após a proclamação da República, Petrópolis viu sua população se fixar e reforçar
sua estrutura política sendo capital do Estado do Rio de Janeiro, sendo cercada por uma aura
de cosmopolitismo que era referência não só para a produção jornalística como também para a
literária da época. Esse ciclo narrativo pode ter iniciado a partir de um ideal de cidade
imperial já estabelecido, mas que precisou modificar sua estrutura de representação para
acompanhar as mudanças vindas com as novas propostas políticas, econômicas e sociais.
Não caberia aqui uma análise minuciosa, qualitativa, dos conteúdos que circularam
nos jornais locais de Petrópolis no período que abrange o surgimento do primeiro periódico,
em 1857, até os primeiros anos do século XX. A tarefa cabe a um estudo mais longo e
consistente que pode se beneficiar dos argumentos aqui colocados como um ponto de partida
da realidade social e da constituição do espaço urbano de Petrópolis na virada do século.
Referências:
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ALMEIDA, Cristiane D´Avila Lyra; GOMES, Renato Cordeiro (Orientador). Fantasia na
Serra: Representações de Petrópolis na mídia impressa. Rio de Janeiro. Dissertação de
Mestrado – Departamento de Comunicação Social, PUC-RJ, 2005
FERREIRA, Marieta de Moraes. Em busca da idade do ouro. As elites políticas fluminenses
na Primeira República (1889-1930). Editora UFRJ / Edições Tempo Brasileiro. Rio de
Janeiro, 1994.
FRITZSCHE, Peter. Reading Berlin 1900. London, England: Harvard University Press,
1998.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. 1ª Ed. São Paulo: Centauro, 2006.
GORELIK, Adrián. La grilla y el parque: espacio urbano y cultura urbana em Buenos
Aires: 1887-1936. Buenos Aires: Universidad Nacional de Quilmes, 1998.
LIMA, Patrícia Ferreira de Souza. Petrópolis: progresso e tradição nos trabalhos da
memória. Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado – Departamento de História, PUC-RJ,
2011.
OLIVEIRA, Paulo Roberto Martins de. A história e o turismo em Petrópolis. Disponível
em: http://www.ihp.org.br/colecoes/lib_ihp/docs/prmo20041129.htm. Texto de 24 de
novembro de 2004. Acesso em 24 de julho de 2010.
ROMERO, José Luis. América Latina. As cidades e as ideias. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, 2004.
SANTOS, Joaquim Eloy Duarte dos. A Cidade em 1857. In: Dom Pedro II Cidadão do
Mundo. Sesquicentenário da elevação de Petrópolis à categoria de cidade. Tribuna de
Petrópolis, Set 2007. Edição especial, p. 8-9.
SARLO, Beatriz. Una modernidad periférica: Buenos Aires: 1920 y 1930. Buenos Aires:
Nueva Vision, 1988.
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TAULOIS, Antônio Eugênio. História de Petrópolis. Universidade Católica de Petrópolis.
Instituto Histórico de Petrópolis, 2007. Disponível em: <http://www.petropolis.rj.gov.br/>
Acesso em 10 jul 2010.