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Ideologia, imagem e discurso: uma análise a partir da
infografia multimídia
Ruana da Silva Maciel
Resumo
O presente trabalho faz uma análise do discurso da imagem no cenário da comunicação de
massa e adota como objeto de pesquisa o infográfico multimídia intitulado “Como é o tráfico
na favela?”, veiculado pelo site da revista Superinteressante. Apoiado nas sustentações teóricas
de autores como Eagleton (1997), Orlandi (2001) e Pêcheux (1997), entre outros, o artigo
propõe uma indagação sobre como as imagens articuladas à escrita contribuem para uma e não
outra formação discursiva, com o objetivo de mostrar que tais articulações são capazes de
silenciar outros discursos. Desse modo, verifica-se que as formações discursivas presentes no
infográfico faz crer que a imagem reflete o real.
Palavras-chave: Infografia multimídia, ideologia, imagem, discurso.
Abstract
The present paper analyzes the image speech in the mass communication and adopt the
infographic “How is the drug trafficking in the slum?”, conveyed by the site of the magazine
Superinteressante, as object search. According to authors theory, like Eagleton (1997), Orlandi
(2001) and Pêcheux (1997), the paper propose a question about how the images articulated to
writing contribute to a determinate discursive formation. This paper aim to show these
articulations are able to silence other speeches. Thereby, the discursive formations present in
the infographic proves that the image reflects the real.
Keywords: multimedia infographics; ideology; image; speech.
INTRODUÇÃO
A representação imagética se faz cada vez mais presente no âmbito da comunicação nos
dias atuais, por isso o presente artigo propõe o desafio de tratar a imagem como discurso. É
certo que o desenvolvimento de tecnologias gráficas propiciou a profusão de imagens que
circulam na ilustração de jornais, revistas, sítios, peças publicitárias e produtos, entre outros.
Mais especificamente no campo do jornalismo, algumas informações e dados difundidos pelos
veículos midiáticos passaram a ser compilados visualmente, adotando-se o uso de infografias.
Este artigo constitui-se no Trabalho de Conclusão de Curso da Pós-graduação Lato Sensu em Literatura, Memória
Cultural e Sociedade do Instituto Federal Fluminense, Campus Campos-Centro, nos anos de 2016, desenvolvido
sob a orientação de Carlos Eugênio Soares de Lemos. Mestre em Cognição e Linguagem pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF.
Graduada em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, pela Faculdade de Filosofia de Campos
(2010). Graduanda em Letras pela Universidade Federal Fluminense. Professora de Inglês no Fisk – centro de
idiomas. E-mail: ruanamcl@gmail.com.
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Em linhas gerais, entende-se por infografia a apresentação do binômio imagem + texto
(conciso) em qualquer suporte (impresso ou eletrônico) para transmitir mensagens. Quando
aportada no ambiente da internet, a infografia ganha a prerrogativa de incorporar elementos
multimídias, que são: imagens em movimento, som, ilustração, animação, fotografias e vídeos,
daí a nomenclatura infografia multimídia.
Considerando a imagem como unidade de produção de sentido e articulada à ideia de
que a língua serve tanto para comunicar, como para não comunicar (PÊCHEUX, 1997), a
discussão teórica desenvolvida no presente artigo objetiva buscar resposta para a seguinte
questão de pesquisa: Como a seleção de imagens restringe as possibilidades discursivas na
infografia multimídia, contribuindo para uma e não outra formação discursiva?
Partindo da premissa de que os signos presentes na infografia multimídia são
responsáveis por transmitir uma informação unívoca, o objetivo é mostrar como as imagens,
carregadas de ideologias, contribuem para a formação discursiva em uma dada direção, ao passo
que silencia outros dizeres, o que constitui o silenciamento (ORLANDI, 2007). Além disso,
pontua-se como a ideologia é elemento capital para a constituição dos sentidos e do sujeito
como tal. Uma vez interpelado pela ideologia, o sujeito estabelece uma relação de identificação
com determinada formação discursiva.
1 – Entre o dito e o não dito: uma perspectiva ideológica
A palavra ideologia é comumente mencionada no cotidiano, ouve-se falar em ideologia
política, ideologia das classes dominantes e até mesmo na falta de engajamento ideológico. A
filósofa Marilena Chauí (2001), ao traçar a gênese do termo, demonstra que “ideologia” foi
utilizado pela primeira vez em 1801 no livro de Destutt Tracy intitulado Elements d’Ideologie,
relacionado à atividade científica que analisava a faculdade de pensar. Em um trabalho
semelhante, o teórico Terry Eagleton (1997) delineia algumas definições que se referem ao
conceito.
Segundo Eagleton (1997), as implicações políticas das teorias e os condicionantes
históricos, complexificam uma solução adequada para o uso da palavra. Assim, o autor busca
sistematizar o que vem a ser ideologia em seis formas diferentes de definição. A primeira
aproxima ideologia ao significado do termo cultura, que reflete um processo material de geração
de ideias, crenças e valores. A segunda refere-se a ideologia enquanto visão de mundo, aqui o
que está em jogo são as ideias e os valores que possibilitam a existência dos indivíduos na
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sociedade, visto que a ideia de visão de mundo ocupa-se com assuntos fundamentais e a
ideologia com questões mais individuais. Na terceira, o autor aborda a promoção e legitimação
dos interesses de determinados grupos sociais. Para serem notadamente ideológicos, os
interesses devem apoiar ou desafiar uma forma de vida política, assim, a ideologia torna-se um
discurso produzido para persuadir e produzir efeitos válidos em detrimento da realidade
(EAGLETON, 1997).
A ênfase da quarta definição recai também sobre a promoção e legitimação de interesses
setoriais, restritos às atividades de um poder social dominante. Unificar essa formação social
não significa impor ideias, mas sim manter a cumplicidade das classes subordinadas sob a égide
da neutralidade. Partindo para a quinta definição, Eagleton aponta como a ideologia pode ser
usada para legitimar os interesses de uma classe dominante a partir da distorção e dissimulação
de um fato social. Chegando à última definição, há uma inversão de estruturas, em que as
crenças falsas ou ilusórias deixam de surgir das classes dominantes e partem da estrutura
material da sociedade em geral (EAGLETON, 1997). Para a finalidade desde trabalho, abordar-
se-á a ideologia sob a perspectiva da análise de discurso e em diálogo com essas definições
anteriormente propostas.
Segundo Eni Orlandi (2001), o foco da análise de discurso é compreender a língua
enquanto produtora de sentido e mediadora entre o homem e sua realidade natural e social.
Nesse viés, a ideologia é entendida como um mecanismo de produção de sentidos. Os sentidos
não existem por si mesmos, são determinados pelas relações de poder que se colocam em jogo
no cenário sócio-histórico em que as palavras são ditas. Como aponta Ferreira (2001, p. 17),
no âmbito da análise de discurso, deve-se pensar a ideologia como um “elemento determinante
do sentido que está presente no interior do discurso e que ao mesmo tempo se reflete na
exterioridade”.
Mas, para que haja sentido, como afirma Orlandi (2001), é preciso que haja
interpretação. Diante de qualquer objeto simbólico o homem é convidado a interpretar e no
caminho da interpretação os sentidos aparentam ter local fixo, como se estivessem lá desde
sempre. Na análise de discurso, a ideologia é trabalhada como condição capital para a
constituição do sujeito e do sentido, “o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia para
que se produza o dizer” (ORLANDI, 2001, p. 46).
O que faz com que os sentidos pareçam naturais e evidentes para os sujeitos é o que
Pêcheux (1997) chama de “esquecimentos”. O autor considera a ideologia como uma estrutura-
funcionamento que dissimula sua existência no interior do próprio funcionamento, produzindo
evidências subjetivas de sentido e do próprio sujeito. Dentro dessa perspectiva, Ferreira (2001,
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p. 17) explica que “tanto a crença do sujeito de que possui domínio do seu discurso, quanto a
ilusão de que o sentido já existe como tal, são efeitos ideológicos”. Para Orlandi (2001), o
esquecimento é estruturante, os sujeitos se significam a partir de palavras já existentes:
esquecem involuntariamente o já dito e, ao se identificarem com o que dizem, instituem-se
como sujeito.
Se o já dito inscreve-se no âmbito do discurso como um dispositivo de significação, o
não dito também possui sua forma de significar. De acordo com Orlandi (2001), todo o dito
traz consigo um não dito como subsidiário e de alguma forma o complementa, a título de
exemplo, a autora comenta que se uma pessoa diz que parou de fumar, o pressuposto é de que
ela fumava antes.
Consideramos que há sempre no dizer um não-dizer necessário. Quando se diz
“x”, o não dito “y” permanece como uma relação de sentido que informa o
dizer de “x”. (...) Além disso, o que já foi dito antes mas já foi esquecido tem
um efeito sobre o dizer que se atualiza em uma formulação (ORLANDI, 2001,
p. 82).
Outra forma de compreender o não dito sob a ótica da análise de discurso é o significado
do silêncio. Orlandi (2007) trabalha com dois funcionamentos principais para o silêncio: o
primeiro é o silêncio fundador que sinaliza que o sentido poderia ser outro, o segundo é a
política do silêncio ou silenciamento, em que se trabalha com a noção de censura de sentidos.
A política do silêncio se manifesta sob a forma do silêncio constitutivo e do silêncio
local. O constitutivo está relacionado ao caráter fundador do silêncio e indica que todo dizer
silencia algo, todo dito comporta um não dito. Já o local é o que faz com que se deixe de dizer
o que pode ser dito, ou seja, “é a censura, aquilo que é proibido dizer em certa conjuntura”
(ORLANDI, 2001, p. 83).
Além da censura, é possível estimular a repetição de um dizer numa dada direção, de
modo a se produzir um monopólio, no qual as interpretações alternativas caem no esquecimento
devido ao excesso do discurso vencedor. Por isso, Orlandi (2007, p. 96) explica que “a ideologia
representa a saturação, o efeito de completude que, por sua vez, produz o efeito de ‘evidência’
sustentando-se sobre o já dito”, o que faz com que os sentidos sejam admitidos por todos como
natural.
Contrariando as estimativas da sobreposição do verbal ao não verbal, o estudo do
silêncio faz com que ele deixe de ser pensado a partir de um aspecto negativo, associado a
ausência de palavras, e adquira um status positivo pela capacidade de significar. No entanto, o
silêncio possui uma maneira peculiar de significação e, por isso, deve ser considerado em
relação aos processos de constituição de sentidos.
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2 – Imagem e discurso
A linguagem é a base de todo e qualquer sistema comunicacional e segundo a natureza
dos códigos nela empregados pode ser destrinchada em linguagem verbal, formada por palavras
orais e escritas, linguagem não verbal, formadas por elementos imagéticos, gestos, sons,
movimentos etc., e linguagem sincrética formadas por variados códigos. Para a mídia
contemporânea, o mais comum, segundo Pinto (1999), são os textos mistos que reúnem texto
verbal, imagens e sistemas sonoros. Dentro da perspectiva da análise de discurso, defende-se a
ideia de que qualquer imagem deve ser considerada discurso, mesmo isolada de outro sistema
semiótico.
Do mesmo modo que as palavras se organizam através de um determinado nível de
códigos para expressar um sentido, a imagem também pode ser entendida como unidade textual
de produção de sentido (PELTZER, 1991). O sentido é o conteúdo próprio, produto de um texto
que se exprime através de uma ordem sequencial, quando sujeito à interpretação do
coenunciador numa dada condição de produção discursiva. Tanto o texto linguístico, quanto o
icônico são unidades funcionais da comunicação e constituem uma uniformidade íntegra e
indissociável. Como diz Peirce (1974), o discurso verbal está permeado de imagens mentais ou
de iconicidade.
Segundo a teoria geral dos signos de Peirce (1974), entende-se que todo pensamento se
dá em signos. Desta forma, pode se considerar que os gestos, as ideias, as cognições e até
mesmo o próprio homem são entidades semióticas. O autor classifica os signos como “[...] algo
que sob certo aspecto e de algum modo, representa alguma coisa para alguém” (1974, p. 94).
Portanto, o objetivo do signo é sugerir, substituir ou representar determinada coisa, sem ter,
necessariamente, que ser igual a ela. Tem o papel de mediador entre algo ausente e um intérprete
presente.
Embora a palavra possa falar da imagem, descrevê-la e traduzi-la, não considera a sua
matéria visual e sua condição de efeito constituído historicamente (MEDEIROS, 2009), sendo
a linguagem lugar de significação, o sentido se materializa na relação dos sujeitos entre si, com
a língua e com a imagem em sociedade. A articulação de imagem à escrita aponta para a força
que o discurso adquire ao ser investido em diferentes materialidades, até porque, como sinaliza
Peltzer (1991), o homem não pensa nem conhece sem a afluência das imagens.
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O avanço no desenvolvimento de tecnologias gráficas proporcionou o boom de imagens
no âmbito da comunicação nos dias atuais, o que faz da mídia um lugar privilegiado para a
investigação da análise de discurso. Portanto, como objeto de estudo, o presente artigo elegeu
a infografia multimídia, um recurso jornalístico que casa texto e imagem com o objetivo de
explicitar uma dada informação. O próximo tópico apresentará a definição do objeto de estudo
escolhido.
2.1 Definindo o conceito de infografia
A infografia pode ser entendida como uma forma de representação imagética da
mensagem que se deseja transmitir. É a forma impressa, como explica De Pablos (1998), do
binômio imagem + texto em qualquer suporte, usada para explicar com clarividência a
informação textual disposta. Para alguns autores é considerada como um gênero jornalístico,
para outros é apenas uma técnica, ilustração ou ferramenta informativa. Para Colle (1998) trata-
se de um novo tipo de discurso no qual se utiliza uma combinação de códigos icônicos e verbais
para transmitir uma informação ampla e precisa, para a qual o discurso verbal seria complexo
e requereria mais espaço.
A infografia produzida para a internet ganha variadas denominações em diferentes
trabalhos como, por exemplo, infografia interativa, infografia digital, infografia animada e
infografia multimídia, todas se referem ao mesmo objeto (RIBAS, 2004). Neste trabalho será
adotada a nomenclatura “infografia multimídia”, levando em consideração a potencialidade
deste produto informativo frente às características da web que é um ambiente notoriamente
multimídia.
A infografia multimídia surge por volta do final do século XX, com o desenvolvimento
de tecnologias da comunicação e se instala como uma das mais importantes formas de
apresentação informativa e documental. Segundo Valero Sancho (2011), a técnica tem figurado
no contexto atual como resultado da necessidade que a comunicação escrita possui de captar
novos leitores on-line, sendo mais uma vez um dos “salva-vidas” do jornalismo escrito.
Nos veículos impressos e também nos telejornais, o evento que marcou a profusão do
uso de infografias foi a Guerra do Golfo Pérsico, em 1991. No jornalismo on-line, o fato que
marca a popularização de infografias é o ataque as Torres Gêmeas, ocorrido em 11 de setembro
de 2001, nos Estados Unidos (RIBAS, 2004)
Apesar de manter as características essenciais da infografia impressa, a infografia
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multimídia agrega as competências do meio em que se insere, estendendo a sua função e
alterando a sua lógica. Obviamente, não é possível explicar através da infografia multimídia as
mesmas questões que se explicaria com a impressa. Embora as linguagens sejam parecidas, a
narrativa multimídia é capaz de gerar unidades informativas impensáveis na narrativa impressa,
por agregar além da imagem e do texto conciso, som, vídeo e movimento (SANCHO, 2011).
Tais características permitem que a infografia multimídia seja, por vezes, uma unidade
informativa independente, uma ferramenta que possibilita a substituição total da informação
elaborada textualmente, por meio da qual é possível comunicar quase todas as formas prováveis
de se apresentar uma informação. O mesmo dificilmente ocorreria nos veículos de comunicação
impressos, já que nesse suporte a infografia assume especificidades limitadas de ilustrar os
textos e apoiar os conteúdos difíceis de explicar com palavras.
No sentido jornalístico, a infografia multimídia é definida por Sancho (2011) como uma
apresentação informativa, que se estrutura em sequência sucessiva ou mista de infogramas,
cujas linguagens não são necessariamente linguísticas, realizadas mediante unidades icônicas
elementares complementadas com signos gráficos e/ou sonoros, verbais e enlaces
interconectivos como legendas e notas hipertextuais que aumentam sensivelmente a densidade
de informação.
2.2 – A infografia enquanto gênero jornalístico
Os infográficos também obedecem a critérios jornalísticos. Eles respondem às seis
perguntas tradicionais da pirâmide invertida: o quê?, quem?, como?, onde?, quando?, e por
quê?. Na matéria jornalística as seis perguntas são respondidas logo no lead da matéria. Já nos
infográficos, mesmo que não haja a possibilidade dessas informações estarem logo em primeiro
plano, o leitor as encontrará diluídas ao longo da página. Partindo desse conceito é possível
considerar os infográficos segundo a lógica da pirâmide invertida (LETURIA, 1998) .
No jornalismo, a estrutura da pirâmide invertida tem o objetivo de organizar e,
sobretudo, hierarquizar as informações, começando sempre pelo fato mais importante. No caso
dos infográficos, que mesclam o verbal e o visual para compor a informação, também é possível
utilizar essa estrutura para compor matérias.
Para explicar a infografia enquanto gênero jornalístico, Sojo (2002) a considera como
um novo gênero formado pela convergência de soluções tecnológicas de desenho e de conteúdo,
que resultam em mensagens informativas mais claras e objetivas. De acordo com De Pablos, a
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infografia “[...] é a última e mais nova dentre os gêneros jornalísticos de expressão informativa,
que se pode assentar com firmeza na tecnologia informática [...]” (1998, p.16).
Já outros autores assumem opiniões contrárias e não utilizam o termo gênero para definir
a infografia, aferindo a ela vocábulos como disciplina, recurso, ilustração ou representação,
entre outros. Colle (1998), por exemplo, define o infográfico como uma unidade espacial, na
qual se utiliza uma combinação ou mescla de códigos icônicos e verbais para integrar uma
informação ampla e precisa.
Dividas as opiniões, Sojo (2002) conclui que a infografia pode ser considerada como
um gênero jornalístico e apontam quatro razões baseadas em fundamentações teóricas para
classificá-la como tal, são elas: estrutura claramente definida, finalidade, marcas formais que
se repetem em diferentes tipos de trabalhos e sentido por si mesma.
3 –Nas entrelinhas da relação entre imagem, discurso e ideologia
Como veículo de comunicação de massa a revista Superinteressante, publicada
mensalmente pela editora Abril, foi escolhida por ser de circulação nacional e trabalhar com
temas que envolvem conhecimento, inovação, ciência e tecnologia, temáticas que têm maior
aderência ao uso de infografias. A revista é direcionada para as classes A/B e a idade média do
público leitor é de 31 anos. A publicação impressa possui mais de 1,8 milhões de leitores em
todo Brasil, já o site da revista conta com 4,6 milhões de visitantes (ABRIL, 2016).
A revista Superinteressante é uma publicação de destaque na área da infografia, pois
desde 1994, quando começou a utilizar infográficos, venceu por quatro anos o prêmio Malofiej1
de Infografia e em 2002 foi eleita a revista que melhor produz infográficos no mundo pela
Universidade de Navarra (ABRIL, 2016).
O infográfico a ser analisado “Como é o tráfico na favela?”2, produzido e veiculado pelo
site da revista Superinteressante, ocupa um papel mais protagonista e substitutivo do texto,
deixando de ser um recurso complementário. Ele ocupa sozinho uma página do site com a
prerrogativa de passar a mensagem e abaixo da imagem aparecem links que o relaciona a duas
matérias: “Como escapar do crime organizado” (edição 259, dezembro de 2008) e a matéria
homônima “Como é o tráfico na favela?” (edição 234, dezembro de 2006), da qual faz uma
releitura sintética.
1 Premiação concedida pela Society for News Design, considerado o prêmio mais importante da
infografia mundial. 2 Disponível em: <http://super.abril.com.br/multimidia/info_494266.shtml>
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Orlandi (2001) pontua que, em relação à natureza da linguagem, a análise de discurso
interessa-se por práticas discursivas de diferentes naturezas, inclusive a imagem. Diante de tal
assertiva, como dispositivo de análise, o infográfico foi escolhido por agregar diferentes
linguagens: além do texto conciso e das imagens ilustrativas, o infográfico trabalha também
com um fundo sonoro, simulando o som ambiente.
Figura 1 – Como é o tráfico na favela?
Fonte: http://super.abril.com.br/multimidia/info_494266.shtml. Acesso em 10/01/2016
Ao navegar pelo infográfico, o leitor se depara com uma série de nós (pontos vibrantes
na tela que possibilitam os clicks por parte dos usuários) que o levam de uma cena a outra,
assim é possível visualizar mais de perto e ler a definição de cada personagem, como mostra a
figura 2. A narrativa imagética mostra os integrantes do tráfico de drogas e utiliza a descrição
textual para explicar a função de cada um dentro do sistema, são eles: os aviõezinhos,
seguranças, alto escalão, gerente e o dono da boca. A própria boca é representada na imagem
por um cômodo de tijolos, onde quatro homens estão manuseando algo que parece ser a droga.
O som ambiente do infográfico é constituído, inicialmente, por um barulho de água correndo,
logo em seguida ouve-se um carro chegando e, por fim, o barulho de sirene que não cessa até
que o usuário tenha a iniciativa de clicar no botão para deligar o som, produzindo o sentido de
que a sirene é o som ambiente de uma favela.
A estratégia empregada na construção do infográfico pelo site apresenta elementos que
constroem o sentido de que a tal realidade é uma vivência comum a todos que ali habitam.
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Obviamente, no espaço restrito para produção do infográfico, não é possível abordar todas as
nuances do problema, no entanto, essa limitação contribui para que a seleção de imagens seja
uma escolha política em relação a uma determinada concepção do que seja favela, calando um
discurso e dando relevância a outro sem indicar uma relação complexa entre eles. Por que não
a presença de igrejas, crianças indo para a escola, pessoas trabalhando e movimentos culturais
na imagem em questão, sugerindo que se trata de um espaço múltiplo? Ao contrário, a imagem
produz um sentido homogêneo da comunidade e não ressalta que no interior do que se chama
pejorativamente de "favela" existem desigualdades sociais, marcadas pelas mais diversas
distinções, como por exemplo, pessoas que moram nos bairros com maior infraestrutura e as
que se encontram nas áreas mais desassistidas.
Figura 2 – Aviõezinhos da favela
Fonte: http://super.abril.com.br/multimidia/info_494266.shtml. Acesso em 10/01/2016
Pinto (1999) observa que a linguagem verbal e outras semióticas com que se constroem
os textos são partes integrantes do contexto sócio-histórico e os discursos não podem ser
analisados sem que se leve em conta as condições de produção. Orlandi (2001), divide as
condições de produção em sentido estrito (contexto imediato) e em sentido amplo (contexto
sócio-histórico, ideológico). Levando em consideração a condição de produção do infográfico
em sentido amplo, deve-se considerar como efeito de sentidos a favela como um lugar hostil, a
violência cada vez mais comum na sociedade, o crime organizado como instituição social,
exploração de menores no envolvimento com o tráfico, entre outros. Assim, o que é mostrado
na superfície da imagem é uma porta que se abre para os sentidos em curso.
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Diante do embate dramático entre a polícia e os senhores do tráfico, onde a propina
interfere e dificulta a ação da justiça, misturando as fronteiras entre o legal e o ilegal, nota-se
que a posição ocupada pelo sujeito no infográfico, para dizer o que diz, é dotada de um olhar
parcial, de alguém que, mesmo narrando as mazelas ocasionadas pelo tráfico, dá aos seus
agentes status de trabalhadores que servem à comunidade, como mostra a sequência discursiva
que descreve a missão dos seguranças do tráfico: “A função deles é proteger os arredores da
boca da polícia e de traficantes rivais”. Tal afirmação faz crer que a polícia representa uma
ameaça para o tráfico, constituindo um silêncio local, pois é sabido que, em muitas situações, a
polícia é uma aliada ao comércio clandestino de drogas.
Ao observar como se dão as formações ideológicas no infográfico em questão, constata-
se, segundo Pêcheux (1997), que as formações ideológicas têm um caráter de classes em
conflito e por isso, determinam as diferentes posições discursivas. É possível perceber que os
sujeitos envolvidos na trama da imagem ocupam posições ideológicas distintas e, portanto,
filiam-se a formações ideológicas distintas. Assim, a posição do sujeito narrador e a posição
dos sujeitos envolvidos no tráfico representam as classes em conflito. Dentro dessa conjuntura,
as formações ideológicas manifestam-se no discurso através das formações discursivas que
definem, a partir de uma dada formação ideológica, o que pode e deve ser dito (PÊCHEUX,
1997). São as formações discursivas que fazem com que o sentido seja um e não outro e
permitem compreender a relação de sentido e ideologia.
No jogo discursivo do infográfico, vê-se a manifestação da formação discursiva da
mídia de massa que faz referência a uma outra formação discursiva: a das classes pobres das
grandes cidades. A setores hegemônicos da mídia interessa certos dizeres e não outros. Não
interessa ao discurso da grande mídia, por exemplo, mostrar qual posição a polícia ocupa no
jogo hierárquico do tráfico, nem quanto o governo pode lucrar com isso. Em busca dos
processos de significação, entende-se que o que é mostrado na imagem somado as descrições
textuais faz crer ao leitor que o funcionamento do tráfico dentro de favela não ocorre de outra
maneira, já que o infográfico não traz informações explícitas sobre qual favela, qual cidade e a
média de envolvidos no esquema, ou seja, produz-se o sentido de que o tráfico acontece da
mesma forma em qualquer favela. Como lembra Pêcheux (1997), é preciso considerar as
formações ideológicas em seu caráter regionalizado porque, tendo caráter de classe, as
formações ideológicas se referem simultaneamente às mesmas coisas.
Segundo Dondis (2000), buscamos um reforço visual de nosso conhecimento porque a
imagem trabalha com o caráter direto da informação e aproxima a experiência do real, no
entanto, quando inclusa em uma formação ideológica a imagem deixa de ter diferentes
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interpretações por parte dos leitores. Aqui se insere o discurso vencedor ou a dominância de
sentido, em que o não afirmado precede e domina o afirmado (PÊCHEUX, 1997). Na tessitura
da imagem, os elementos existentes apagam o que não está sendo mostrado e instauram a
possibilidade de uma única formação discursiva.
Considerações finais
Como visto no recorte teórico deste trabalho, a ideologia é um mecanismo de produção
de sentidos que se materializa na linguagem. Assim como a linguagem, a imagem também pode
ser entendida como discurso ao produzir sentidos. É o que vemos refletido nos veículos de
comunicação de massa quando nos deparamos, recorrentemente, com escrita articulada à
imagem.
O infográfico selecionado para análise nos levou a observar que o binômio
imagem/texto, organizados por meio de signos e códigos e idealizados para passar com
clarividência uma informação, contribuem para que a mensagem apresentada seja
compreendida de forma unívoca. Assim, as formações discursivas que se revelam de um nó a
outro e sustentadas pelas formações ideológicas, já incutidas em nosso contexto sócio-histórico,
levam o leitor a crer que o sentido não pode ser outro e que a imagem é um despretensioso
reflexo do real. Não o é.
Na composição de “Como é o tráfico na favela?”, a formação discursiva da mídia de
massa não faz saber como surgiram as imagens: se do imaginário de alguém ou de informações
de alguém ligado ao tráfico ou à polícia. Afinal, como lembra Orlandi (2001), o sentido é
determinado pelas posições ideológicas colocadas no cenário do discurso. As palavras mudam
de sentido, dependendo da posição de quem as emprega.
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