HISTÓRIA E LUDICIDADE: O ROLE PLAYING GAME E ......História pelo Programa de Pós Graduação em...

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HISTÓRIA E LUDICIDADE: O ROLE PLAYING GAME E SUA

POTENCIALIDADE PARA O ENSINO INTERATIVO

Loyze Nayama Pereira Gomes1

Mestranda em História pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB)

loyze_nayama@hotmail.com

Resumo: Analiso como a relação jogo e cultura podem estar presentes no Role

Playing Game (jogo de interpretação de personagens), e atento sobre quando

transformadas em uma narrativa com o RPG, apresentam um potencial educativo e

histórico para além da noção de jogo como atividade apenas para o lazer. Avaliando

neste sentido, a imaginação é um elemento inato da humanidade, como também a

vontade expressar seus conhecimentos, o que pode ser revelado através das possíveis

aventuras criadas coletivamente com o jogo de papéis. Identificando assim a

necessidade de inovação no ensino de História, partindo do ponto que as tradicionais

metodologias de ensino não são mais suficientes para a melhoria da interatividade

escolar e a construção do conhecimento na contemporaneidade. Conceitos que

relacionam o RPG e a História em sua “operação”, pautado nas discussões sobre

representação historiadora e interpretação histórica como é destacado na filosofia da

História. O jogo de interpretação de personagens é mais uma possibilidade para se

trabalhar com formas lúdicas no ensino de História, no qual geralmente desperta de

maneira espontânea o interesse das discentes pelas aulas.

Palavras-chave: Ensino de História, Role Playing Game, Interatividade.

O intuito desse texto está em apresentar uma possibilidade de análise da

História a partir do Role Playing Game2, utilizando-o para o ensino, o que

contribuirá com a formação de estudantes críticas, participativas e que dominem os

conteúdos historiográficos transmitidos através das aventuras com a metodologia do

jogo. Nas quais, estas narrativas podem ser construídas em determinados padrões

1 Graduada em História pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Especialista em Educação

Étnico-Racial na Educação Infantil pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e Mestranda em

História pelo Programa de Pós Graduação em História (PPGH) da Universidade Federal da Paraíba

(UFPB). 2 Do inglês para o português: jogo de interpretação de personagens. É um jogo coletivo, no qual

geralmente não prioriza a competição desenfreada, além de produzir uma narrativa coletiva, quando todos

e todas as integrantes da mesa (assim chamamos as sessões do jogo) podem interpretar a partir das ações

em que a mestra (quem narra o jogo) define. Surgiu em 1974 nos EUA, desenvolvido primeiramente por

Gary Gygax e Dave Arneson, já no Brasil tomou-se conhecimento nos anos de 1990. Extremamente

influenciado pelos jogos de guerras que são os jogos de tabuleiro atuais, e a literatura de John Ronald

Reuel Tolkien, o autor da trilogia “O Senhor dos Anéis” (1954).

2

societais, nos revelando a capacidade do RPG em transferir conhecimentos

históricos, e perceber como a História é representada.

Geralmente tendemos a refletir muito tempo sobre a pesquisa que almejamos

desenvolver, é um exercício constante neste sentido, que vai desde a primeira

referência, até chegarmos em momentos como são os de seleções de especializações,

mestrados ou doutorados. E o lugar social acaba interferindo em diversos aspectos

do processo, esse é um dos pontos que centrarei nesse texto. Entendo que, enquanto

historiadora, gamer3 e mestra4 RPG, encontro meu espaço enquanto pesquisadora

quando percebo a competência do Role Playing Game para o ensino de História.

É interessante encontrar as perspectivas históricas nos games, sejam

eletrônicos ou de tabuleiros, partindo do pressuposto que a sociedade (em especial, a

juventude) é estimulada o tempo inteiro pelas tecnologias e ludicidades, basta

conversar um pouco com suas alunas e alunos para ouvir os relatos de como uma

aula pode ser mais divertida e menos entediante para todas (os). Trabalho assim

nessa perspectiva, de dar voz as discentes, entendendo que a educação precisa mudar

para atender a realidade do tempo presente. Claro, a escola pode ter todas as

inovações a seu dispor, mas se tentarmos ensinar uma história tradicional, mesmo

com todos os instrumentos tecnológicos, o ensino crítico não será concluído. Por

isso, justifico os motivos de encontrar essas potencialidades com o RPG, porque a

metodologia do jogo em si já quebra com o ensino metódico, quando a mestra pode

explorar as subjetividades das personagens construídas com a turma, além de

determinar ações, cenários históricos, regras, em que os conteúdos possam ser

transmitidos com criticidade.

A representação da mestra neste sentido é essencial para que a interpretação

das personagens (pelas alunas e alunos) tenham os procedimentos propícios para

3 O termo "gamer" geralmente se refere a alguém que joga, seja o RPG de mesa, os MMORPGs (que são

os rpgs online) e também todos os vídeo games em sua variedade de modos e abordagens.

4 É chamada de mestra ou mestre a pessoa que narra o jogo. Ou seja, será quem construirá as narrativas

juntamente com as personagens que formam a mesa de RPG. Ressalto conjuntamente, que sempre estou

usando termos no feminino, por me encontrar em uma luta feminista cotidiana, principalmente em meio a

cultura pop e nerd que é intensificamente machista, como também para quebrar os padrões da escrita

tradicional.

3

construção do conhecimento histórico, e segundo Marcella Albaine em: “Ensino de

História e games: dimensões práticas em sala de aula” (2017), afirma: “Entender o

professor enquanto narrador é, então, essencialmente, entender como ele constrói

sentidos de tempo, elemento primordial no estudo e no ensino de História” (p.43). É

importante considerar que os games de maneira geral, não tem a intenção de se

comprometer com a “verdade” que a História pressupõe. Por isso, o Role Playing

Game tem destaque em minha perspectiva, porque a narrativa representada pelas

professoras (es) construída coletivamente com as alunas (os), para o ensino de

História, que prioriza contextos históricos, ambientações e imaginários (memórias).

Venho pensando muito nestas questões em minha dissertação de mestrado, pois

encontro conceitos em ambas as metodologias (RPG e História) que possibilita a

construção de narrativas historiográficas a partir do jogo. Como os conceitos de:

jogo, representação, interpretação, narrativa, cenário, acontecimento, cultura, regras,

arte e ficção.

Em específico, destacarei a obra de Paul Ricoeur: “A memória, a história, o

esquecimento’’ (2007), Hans Georg Gadamer em: ‘’A atualidade do belo: a arte

como jogo, símbolo e festa’’ (1985) e François Dosse no “Renascimento do

acontecimento: um desafio para o historiador: entre esfinge e fênix” (2013), as

formas em que esses autores dialogam sobre essas conceituações propiciam a visão

que tenho sobre ambas as metodologias. Nesta acepção, decidi trazer algumas

observações sobre a relação das metodologias a partir desses autores citados, e de

seus conceitos semelhantes quando envolvem as noções do RPG, e as práticas

narrativas. Então, já falando como uma apaixonada pelo Role Playing Game e pelo

mundo dos games (cultura pop em geral), como também pela História, e as

construções de suas narrativas, teórica e prática, noto a importância de estudar essa

relação.

O jogo em si e sua relação com a cultura, é perspicaz, porque é o mesmo que

falar do jogo de maneira visivelmente importante para definir aspectos da

significância entre atividades humanas e conceito de jogo. Está tão indissoluvelmente

4

ligado a cultura, que Johan Huizinga (2001) notou e pesquisou em seu “Homo

Ludens: o jogo como elemento da cultura” para nos esclarecer que o jogo é muito

mais do que conseguimos definir, principalmente quando transcende nas ocupações

da humanidade. Assim, ele sustenta essa perspectiva em sua obra, quando relaciona o

conceito de jogo com diversas áreas de conhecimento humano, como a Linguagem, a

Poesia, a Arte (em suas diversas formas), as formas lúdicas na Filosofia, no Direito,

na guerra, e o próprio elemento lúdico da cultura Contemporânea.

Refletindo sobre minha pesquisa, a tese de Huizinga (2001) traz um sentido

essencial quando o jogo de papéis pode ser compreendido pela comunicação, pela

atuação, e a representação, como também propicia o estudo de culturas, e entre

outros. Esta visão me propõe pensar sobre os aspectos do jogo (RPG) para o ensino

de História, e como é construído por mim a partir do conhecimento de diversas (os)

intelectuais da teoria e metodologia da História, isto é o que traz a relação com os

conceitos nos quais me propus estudar. Almejo também, com o estudo da prática

com o Role Playing Game demonstrar como as aulas-aventuras no ensino de História

podem encontrar formas de aprendizado essenciais, abrindo assim espaço para

cultura de jogos adentrar o meio escolar respectivamente.

E quando envolve a construção do conhecimento histórico, por exemplo,

como Paul Ricoeur (2007) analisa sobre o que seria a memória em narrativa, a

construção da escrita da História, o conceito de narrativa (interpretação), mestra

(representação), regras, suas manifestações em personagens (alunas), ficções, e

acontecimentos:

Será tão necessário resistir, quando tratarmos mais adiante da explicação e

da representação, à tentação de dissolver o fato histórico na narração e esta

numa composição literária indistinguível da ficção, quando é preciso

recusar a confusão inicial entre fato histórico e acontecimento real

rememorado. O fato não é o acontecimento, ele próprio devolvido à vida de

uma consciência testemunha, mas o conteúdo de um enunciado que visa a

representá-lo (RICOEUR, p. 190, 2007)

5

Consigo considerar a partir disto, que a interpretação do passado (tempo e

narrativa), após uma possível representação (que pode estar ligada a uma memória

individual e coletiva, ou até mesmo a própria intenção de verdade em narrativas

historiográficas) é feita por concepções que a definem. A interpretação está para

todas as fases das produções de narrativas (interligadas), esse é um ponto em que

Paul Ricoeur (2007) se destaca. Sendo escritas por historiadores ou não, sendo

visuais, impressas, ou orais, é interessante para mim, pensar sobre a noção de

representação neste sentido, porque na minha leitura e prática (enquanto mestra) com

o Role Playing Game, a intenção de produzir narrativas históricas se faz presente, e

também estudar essas dimensões acaba ficando mais claro o encontro da dinâmica

nesse processo, e como? Uma mestra RPG (enquanto historiadora) quando faz uma

representação de determinado conteúdo ou sociedade a partir da metodologia do

RPG, está fazendo com que as personagens integrantes do jogo interpretem (que para

o ensino de história seriam as (os) alunas (os) nesse processo de interpretação) que é

um dos reais objetivos do ensino de História, não é mesmo? A interpretação neste

sentido proporciona um ensino crítico da História (claro, depende muito da forma de

quem está representando), além da transformação interativa que as próprias aulas

necessitam. E mesmo que a representação seja tradicional, com base eurocêntrica, as

personagens (tendo o direito a voz ativa na narrativa do jogo) podem desconstruí-la

na forma que a interpretam (em vice e versa), a mestra pode servir-se da sua

representativa história para desconstrução (conhecimento histórico) de alguma

interpretação que esteja fora das regras do jogo, como também acontece na escrita da

História.

As regras é outro conceito em que consigo trazer a semelhança entre as regras

da História (quem a escreve) como a do jogo (quem pratica o RPG), por exemplo,

quando Paul Ricoeur escreve no terceiro capítulo do livro: “A memória, a história, o

esquecimento’’ (2007), sobre a condição histórica em relação as regras (humanas):

“O historiador e o juiz” faz uma comparação sobre a imparcialidade que deveriam

manter na teoria (sabemos que na prática isso não acontece) que é apenas um desejo

6

em determinados casos. Mas, o que noto de fato? “Como o historiador e o juiz

cumprem essa regra de imparcialidade inscrita em suas deontologias profissionais

respectivas?”(RICOEUR, p. 331). As regras para quem escreve a História, como

também para quem as julga mostram-se distintas, mesmo mantendo algumas

relações, isto é fato. E acontece semelhantemente em qualquer jogo, existe quem

imponha as regras e quem deve cumpri-las. No RPG, em específico, existe uma

relação interessante com a determinada cultura que seja escolhida para a narrativa,

este é o ponto que relaciono. Pretendo analisar mais profundamente na minha

pesquisa como essas regras humanas se encontram com as regras no conceito de

jogo, a partir de Huizinga (2001), e também na perspectiva de Gadamer (1985).

O filósofo Hans Georg Gadamer (1985), me fez refletir sobre as linguagens

para a História, e o conceito de arte em suas diversas formas. Em que o fenômeno é

atemporal, todo tempo tem suas condições e criações artísticas, trata-se de notá-las

como tal, e nos quais está ligada a fabricação, assim o diz quando cita o filósofo

grego Aristóteles. Com a ruminação que ainda muito precisamos aprender que não é

um modelo estético que define a arte. Para além desse conceito, Gadamer (1985)

analisa a relação com o conceito de jogo, citando Huizinga (2001):

Trata-se especialmente do conceito de jogo. A primeira evidência que

precisamos levar em conta é que o jogo é uma função elementar da vida do

homem, de tal sorte que a cultura humana, sem um elemento de jogo, é

impensável. Há muito tempo foi acentuado por pensadores como Huizinga,

Guardini e outros que o exercício religioso no culto inclui um elemento de

jogo. É louvável lembrar-se aqui o dado elementar do jogo humano em suas

estruturas, a fim de que o elemento lúdico da arte torna-se visível, não

apenas de modo negativo, como libertação de objetivos mas como impulso

livre (GADAMER,1985, p.38)

Assim, esse impulso livre de jogo e arte em minha leitura envolvem muito os

jogos contemporâneos (como o Role Playing Game), quando é possível notar as

intenções do elemento lúdico nas produções, que também são artes e formas de

comunicação5. E é esta comunicabilidade que pretendo analisar mais profundamente

5 “Este é um primeiro passo no caminho para a comunicação humana; quando algo é representado aqui ---

seja apenas o próprio movimento do jogo --- importa também para o espectador que ele “queira dizer”,

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em minha pesquisa, visto como é interessante para o ensino de História quando um

recurso interativo, ou seja, como o jogo de papéis, acalentar todos esses conceitos

significativos, como também é essencial para a existência da escrita historiográfica.

Outra discussão interessante é sobre o conceito de acontecimento, pontuado

pelo historiador François Dosse (2013) em sua obra, esta é uma concepção em que

me faz refletir sobre a importância do acontecimento para determinar momentos

históricos e como serão conhecidos a partir das representativas narrativas que são

construídas, e a forma crítica como o autor pensa a História é primordial para o

entendimento das permanências e mudanças (diante dos acontecimentos). E porque

esse conceito é importante para uma narrativa histórica com o Role Playing Game? A

metodologia do jogo sempre foca em cenários (quase sempre históricos, mesmo que

não tenha a intenção disso, especificarei melhor na dissertação) e eventualidades que

designarão a interpretação das personagens, ou seja, o conceito de acontecimento é

importante para as duas metodologias, tanto a histórica quanto a do jogo (como

também os outros conceitos que citei acima).

Outro livro importante para pensar a interdependência dos jogos com a

cultura é o “Os jogos e os homens” (2017) de Roger Caillois, quando afirma

veemente que contém jogos diretamente manifestados aos nossos costumes

cotidianos: “Elas contribuem, com efeito, para dar às diferentes culturas alguns de

seus usos e de suas instituições mais facilmente identificáveis” (p.86). Caillois

elabora uma obra essencial para entender como o jogo se mostra um fenômeno e que

expressam as ambições humanas a partir do conjunto de atividades desenvolvidas

com suas práticas.

A linguagem é uma complexa rede de comunicação que utilizamos desde os

primórdios de sociedades que conhecemos hoje ou não, existe uma inatividade

presente, acredito. E a obra de Pierre Normando “Semiótica dos jogos infantis”

intencione isso --- assim como eu coloco-me diante de mim mesmo, no jogo, como um espectador. A

função da representação do jogo é que no final esteja não um algo qualquer, mas aquele movimento do

jogo definido e determinado. O jogo, em última instância, é portanto a auto-representação do movimento

do jogo.” (GADAMER, 1985, p. 39)

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(2015) é interessante para afirmar esta questão, e também encontrar na linguagem o

que Huizinga (2001) já chamou de “essência do jogo”. O jogo, como prática viva da

linguagem: “Entre a jogada e a regra”, no capítulo dois do livro, Normando (2015)

especifica que tanto o jogo, a linguagem e os próprios signos (semiótica) que os

compõem servem para analisarmos como práxis culturais:

O objetivo é encontrar nos jogos tanto os signos sociais quanto os índices

pulsionais, ou seja, entendemos que o jogo não só reflete ou representa uma

determinada intenção social, ideológica político-cultural, mas é também

refração, resistência social, expressão individual e inconsciente. De modo

que analisamos o jogo não como uma homologia dentro da estrutura de

funcionamento do jogo. Mas como captação das muitas jogadas, como

vozes que se organizam na tessitura do jogo (NORMANDO, 2015, p.75)

O jogo é uma narrativa, assim como diversas outras práticas sociais, de

maneira como a narrativa da História também é. Segundo Roger Chartier em “A

força das representações: história e ficção” (2011), o relato histórico permite

ressaltar os parentescos narrativos ou retóricos entre ficção (onde entram os jogos) e

a história, e que o conhecimento a partir delas pode ser estudado sem comprometer a

escrita de uma historiadora ou de um historiador, por exemplo: “São essas operações

e regras que permitem assegurar a representação histórica do passado...” (p.116).

Estruturas narrativas e representações podem e devem ser analisadas, é o que requer

também o nosso ofício, neste sentido, Chartier traz uma importante reflexão sobre as

diversas relações que podem ser encontradas nas representações do passado

produzidas pela ficção narrativa e a construção do saber histórico em sua

“operação”.

Culturas que se convergem na contemporaneidade, assim escreve Henry

Jenkins na sua obra: “Cultura da convergência” (2009), as narrativas transmídias é

o conceito que permeia todo o livro, na consideração ainda das estruturas de

linguagens nas quais a conceituação se encontra: jogos, filmes, literaturas,

programas de TV e entre outros, se entrelaçam e são formas, atividades,

comunicações que podem ser vistas como instrumentos essenciais para escrevermos

História, entendendo que existem níveis de “verdade” que a História se compromete

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e a ficção não. Assim como ao darmos a nossa representação dela, respectivamente?

Entendo que sim, e ainda podemos desfrutar do elemento lúdico original, que seria o

envolvimento, divertimento, e comunicação humana, segundo Huizinga (2001).

E quando se trata do Role Playing Game (que envolve esses diversos

conceitos que venho pontuando neste texto), penso no sentido de teoria e prática,

defendendo a dinâmica do jogo para o ensino de História, depois de um bom tempo

de reflexões, entre minhas próprias experiências e também das leituras de

professoras e professores que trabalham com o jogo. O livro dos “Anais do I

simpósio de RPG e educação” (2004), organizado por Maria do Carmo Zanini, é um

exemplo, porque reuniu no ano de 2002 diversas educadoras e educadores para que

conhecessem a metodologia e ousassem utilizar dela em suas aulas. O evento

contribuiu para esse novo espaço, representou e ensinou como praticar, além de

centrar nas mesas de RPG fora das salas de aula também.

O mercado de consumo do final do século XX permitiu o acesso de uma

variedade de produtos de consumo imaginário, e segundo Sonia Rodrigues em seu

livro: “Role Playing Game e a Pedagogia da Imaginação no Brasil” (2004), o jogo

foi inventado pela indústria cultural geralmente para um público jovem e de classe

média (noto que geralmente masculino, assim como a maioria dos games, foram

espaços negados as mulheres por muito tempo), explica como o interesse que as (os)

jovens demonstram depois do terem o primeiro contato com o jogo, já que essas

produções fazem parte do meio midiático em que vivemos na contemporaneidade. Já

a mistura de RPG e ensino ganha espaço no nosso país desde 1997, e pela pioneira

tese de doutorado de Sonia (2004) sobre o jogo de papéis no Brasil, a obra é

interessante para quem procura diálogos entre criatividade, literatura, ficção e

interatividade, seja na escola, no trabalho, são manifestações pela busca incessante

do lúdico, elemento que julgo essencial para nossa saúde mental.

O psicólogo Matheus Vieira trabalha há muitos anos (desde 2006) com a

metodologia do Role Playing game para educação, e relata sobre suas diversas

experiências em seu livro: “RPG & EDUCAÇÃO: pensamentos soltos” (2012),

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trazendo temas como violência, novas abordagens educacionais, trabalho em equipe,

desenvolvimento de valores, interdisciplinaridade, todas essas características

especiais presentes no ato de jogar RPG, compreendido como “teatro da mente”, o

jogo vem alcançando espaços que antes (1974) eram apenas de preconceito, Matheus

(2012) já chamou de “Nível épico do RPG na educação”, o que ainda é meio utópico,

mas entendo sua perspectiva porque a partir de seu trabalho, atingiu grandes passos,

como o mesmo disserta:

Os primeiros passos já foram dados. Já foi feito um curso de extensão

universitária de introdução ao RPG como tecnologia educacional e

ofertamos praticamente esse mesmo curso introdutório na modalidade à

distância --- visto que a grande demanda para o curso foi de pessoas de

muito longe. Estendo a ideia (ou seria desafio?) aos educadores de outras

instituições de ensino a ao menos tentarem fazer o mesmo (VIEIRA, 2012,

p. 140)

Construindo possibilidades para as novas gerações de professoras e

professores conhecerem o jogo de papéis, para servir-se de sua metodologia. E no

meu caso, a centralização é para docentes do ensino de História. Enquanto

historiadora, me preocupo em como trazer à tona as discussões sobre transmídias que

podem ser manipulativas, e na representação de discursos que nada somam ao

conhecimento historiográfico. Assim, a dimensão que Jenkins (2009) explora, está na

convergência de diversos objetos que o RPG também se relaciona como: jogo,

cultura, cinema, literatura, imagens, e a arte de maneira reflexiva para nossa

coletividade na atualidade, que são objetos importantes para se compreender o meio

social da nossa sociedade contemporânea.

Entendo, consequentemente, que o campo da História cultural e o

compartilhamento de saberes em ambiente escolar, estão em lugares de prioridade

em meus estudos por oferecer vozes e confianças no processo de se expressar durante

as aulas, incluindo os imaginários individuais e coletivos, midiáticos e artísticos, para

priorização do senso critico das nossas alunas e alunos, buscando sempre a produção

do conhecimento histórico. Avante!

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Fernando Grellet; VIEIRA, Matheus. RPG & Educação: pensamentos soltos.

Curitiba: Ithala, 2012.

CAILLOIS, Roger. Os jogos e os homens: a máscara e a vertigem. Tradução de José Garcez

Palha. Editora Vozes, 1ª edição, 2017.

COSTA, Marcella Albaine Farias da. Ensino de história e games: dimensões práticas em

sala de aula. 1ª. Ed. Curitiba: Appris, 2017.

DOSSE, François. Renascimento do acontecimento: um desafio para o historiador:

entre esfinge e fênix. Tradução: Constancia Morel, São Paulo. Editora: Unesp, 2013.

GADAMER, Hans-Georg. A atualidade do belo: a arte como jogo, símbolo e festa.

Tradução de Celeste Aida Galeão. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985.

GOMES-da-Silva, Pierre Normando. Semiótica dos jogos infantis. João Pessoa:

Editora UFPB, 2015.

HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: O jogo como elemento da cultura. Tradução:

João Paulo Monteiro; Revisão: Mary Amazonas Leite de Barros; Produção: Ricardo

W. Neves. 5* edição. Editora Perspectiva S.A. São Paulo, 2001.

JENKINS, Henry. Cultura da convergência. Tradução de Susana Alexandria. 2ª Ed.

São Paulo: Aleph, 2009.

RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Tradução de Alain

François. Campinas, São Paulo: Unicamp, 2007.

ROCHA, João Cezar de Castro. Roger Chartier - A força das representações:

história e ficção. Chapecó, SC: Argos, 2011.

RODRIGUES, Sonia. Role playing game e a pedagogia da imaginação no Brasil.

Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.

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ZANINI, Maria do Carmo. Anais do primeiro simpósio RPG & educação. São Paulo:

Editora Devir, 2004.