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HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NO ENSINO DE ARTE
Ivan Jeferson Kappaun1 - UFSM
1 INTRODUÇÃO
Esta pesquisa é relevante no campo da Arte-Educação, visto que as histórias em
quadrinhos (HQs) são um meio de comunicação em massa, que veiculam não somente uma
forma de literatura, como também disseminam uma forma de arte muito explorada e pouco
reconhecida. As HQs constituem-se uma fonte riquíssima de possibilidades a serem
exploradas no âmbito do ensino de arte, justamente por possuírem um caráter múltiplo. Além
disso, é possível explorá-las fazendo uso da amplitude que as mesmas alcançam, pois milhões
de exemplares são consumidos diariamente, principalmente pelo público jovem.
Uma peculiaridade, característica das histórias em quadrinhos, que enfatiza sua
relevância para o ensino de arte, é seu potencial de crítica social. Os quadrinhos fazem uso de
uma abordagem muito singular dos problemas sociais, refletindo o momento que a sociedade
está vivenciando. É nesse sentido que uma pesquisa nesses parâmetros se faz importante e
pertinente para a Arte/Educação, de modo a se refletir sobre possibilidades de utilização das
HQs no ensino de arte, mais especificamente no 7º Ano do Ensino Fundamental.
Em uma perspectiva de trabalho que se apoia na proposta triangular do ensino de arte,
realizaram-se várias atividades: uma contextualização histórica das histórias em quadrinhos,
do movimento artístico denominado de Pop Art e de aspectos biográficos do artista Roy
Lichtenstein; uma análise de imagens de quadrinhos importantes na história das HQs, do
artista referido e de outros quadrinhos relevantes aos alunos; e, por fim, completando a tríade
ver-fazer-contextualizar, os estudantes realizaram suas próprias produções artísticas a partir
das histórias em quadrinhos atuais e da estética Pop. Essa proposta é discutida com base em
pressupostos teóricos da Arte-Educação, como desenvolvido na próxima seção deste texto.
2 POTENCIALIDADE PEDAGÓGICA DAS HQs NO ENSINO DA ARTE
2.1 Ensino de Arte
1 Licenciado e Bacharel em Artes Visuais. Universidade Federal de Santa Maria. E-mail:
ivankappaun@yahoo.com.br
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Uma das funções da Arte-Educação é fazer a mediação entre a arte e o público. As
obras de arte são concretizadas pelos artistas, que as produziram, e se completam com a
participação do público. Enquanto os artistas ou produtores em arte criam suas obras, também
interagem com outras pessoas e o próprio meio social. O público participa ativamente por
meio de seus diferentes modos de ver, analisar, apreciar, gostar, etc. Em função disso, a arte
entra como conteúdo de estudo escolar para mobilizar as atividades que diversifiquem e
ampliem a formação artística e estética dos estudantes. Ao se assumir que a arte pode ser
ensinada e aprendida também na escola, há a necessidade de se trabalhar a organização
pedagógica das inter-relações artísticas e estéticas junto aos alunos.
Entende-se por metodologia de ensino/aprendizagem em arte os encaminhamentos
educativos das práticas de aulas artísticas e estéticas. Esses encaminhamentos são ideias e
teorias que, baseadas em propostas de estudiosos da área e em práticas escolares que se
cristalizam nas propostas das aulas, sendo transformadas em opções e atos, são concretizados
em projetos ou no próprio desenvolvimento das aulas de arte. Essa metodologia visa ajudar os
alunos na apreensão viva e significativa de noções e habilidades culturais em arte. São noções
a respeito de produções artísticas pessoais e apreciações estéticas, ou análises mais críticas de
trabalhos em arte nas diversas modalidades. A arte e o seu ensino são de muita importância,
não só para o indivíduo, mas também para a sociedade.
Arte não é apenas básico, mas fundamental na educação de um país que se
desenvolve. Arte não é enfeite. Arte é cognição, é profissão, é uma forma diferente
da palavra para interpretar o mundo, a realidade, o imaginário, e é conteúdo. Como
conteúdo, arte representa o melhor trabalho do ser humano (BARBOSA, 1991, p.4).
Ostrower (1984) ressalta a importância da arte enquanto processo criativo e enquanto
trabalho, ou seja, a criação desdobra-se no trabalho, pois este traz a necessidade que gera as
possíveis soluções criativas. Nem na arte existiria criatividade se não fosse possível encarar o
fazer artístico como trabalho, como um fazer intencional produtivo e necessário, que amplia a
capacidade de viver. Além disso, cabe destacar a importância simbólica e emocional da arte,
como enaltece Barbosa (1998):
Através das artes temos a representação simbólica dos traços espirituais, materiais,
intelectuais e emocionais que caracterizam a sociedade ou o grupo social, seu modo
de vida, seu sistema de valores, suas tradições e crenças. A arte, como uma
linguagem presentacional dos sentidos, transmite significados que não podem ser
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transmitidos através de nenhum outro tipo de linguagem, tais como as linguagens
discursiva e científica (BARBOSA, 1998, p.16).
A arte e sua efetiva inserção no ensino escolar é de suma importância, considerando a
multiplicidade de competências que ela assume em nossa vida cotidiana. Em geral, é possível
observar um significativo esforço, e consequentes resultados, na melhoria do ensino de arte
nas escolas, assim como uma maior conscientização das pessoas quanto a ver a arte como
trabalho e algo importante para o desenvolvimento cognitivo, social, cultural da sociedade em
que elas estão inseridas.
Uma proposta de muita relevância para a construção do conhecimento em arte foi
sistematizada por Ana Mae Barbosa, denominada ‘Proposta Triangular do Ensino de Arte’.
Esta propõe que a construção do conhecimento em arte acontece quando há a interseção da
experimentação com a codificação e com a informação. Sendo objeto de conhecimento dessa
concepção, consideram-se as questões que envolvem o modo de inter-relacionamento entre a
arte e o público, propondo-se que a composição do programa do ensino de arte seja elaborado
a partir das três ações básicas executadas no contato com a arte: ler obras de arte, fazer arte e
contextualizar.
Ler obras de arte é a ação que, para ser realizada, inclui necessariamente as áreas de
crítica e de estética. A leitura da obra de arte envolve o questionamento, a busca, a descoberta
e o despertar da capacidade crítica dos alunos. O fazer arte está relacionado ao domínio da
ação, da prática artística, como, por exemplo, o trabalho de ateliê. Contextualizar possibilita
operar no domínio da história da arte e outras áreas de conhecimento necessárias para
determinado programa de ensino. Em relação ao ensino/aprendizagem de arte, a concepção de
história da arte não é linear, mas pretende contextualizar uma obra no tempo e explorar suas
circunstâncias. Em lugar da preocupação em mostrar a chamada ‘evolução’ das formas
artísticas através do tempo, pretende-se mostrar que a arte não está isolada de nosso cotidiano,
de nossa história pessoal, mas é parte integrante de nosso cotidiano.
Nesse sentido, Barbosa (1991) ressalta que:
O importante não é ensinar estética, história e crítica da arte, mas desenvolver a
capacidade de formular hipóteses, julgar, justificar e contextualizar julgamentos
acerca de imagens e de arte. Para isso, usam-se conhecimentos de história, de
estética e de crítica de arte (p.64).
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Assim, procura-se influir positivamente no desenvolvimento cultural dos alunos
através de conhecimentos de arte, que envolvem mais do que conhecimentos estéticos e
históricos, que ultrapassam essas fronteiras e invadem o campo da crítica. Através da arte,
pode-se desenvolver uma apreensão crítica da realidade, que permite analisa-la e desenvolver
a capacidade criadora de modo a mudar tal realidade. Como aponta Barbosa (2005), é
necessário desconstruir para construir, selecionar, reelaborar; partir do conhecimento e
modificá-lo de acordo com o contexto e a necessidade. Esses são processos criadores
desenvolvidos pelo trabalho com arte, que são cada vez mais indispensáveis para adaptação
ao mundo em que vivemos.
2.2 Histórias em Quadrinhos
As histórias em quadrinhos (HQs), quadrinhos ou gibis são uma forma de arte que
conjuga textos e imagens, com o objetivo de narrar histórias dos mais variados gêneros e
estilos. São, em geral, publicadas em revistas, livros ou em tiras publicadas em revistas e
jornais. Trata-se de um meio de expressão gráfico, que se caracteriza pela forma de narrativa
feita pela sequência de figuras desenhadas, com um elenco de personagens, que tem
continuidade de uma sequência para outra, com inclusão de diálogo, legendas e outros tipos
de textos dentro de cada quadrinho. O elemento básico da linguagem dos quadrinhos é o
painel, um desenho simples encerrado em uma moldura geralmente retangular ou quadrada,
que fica ao mesmo tempo isolado e em relação íntima com os outros painéis da sequência.
As HQ’s possuem um caráter universal, que busca a compreensão imediata do leitor,
tratando de temas comuns aos leitores, temas passados ou até de temas futuros e oníricos,
muitas vezes visionários. Como afirma Moya (1977, p.23),
[...] os quadrinhos são a forma de comunicação mais instantânea e internacional de
todas as formas modernas de contato entre os homens de nosso século. Mesmo o
momento grandioso da história da humanidade, em que o pé do homem pisou na
Lua e foi televisionado direta e imediatamente, para o mundo todo, já era uma
imagem gasta e prevista pelos quadrinhos.
A Terra já era azul nos capítulos domingueiros, em cores, de Buck Rogers, Brick
Bradford e Flash Gordon...
Importa ressaltar que as histórias em quadrinhos são um produto da cultura de massa,
ou, mais especificamente, da cultura jornalística. Com as transformações que ocorriam na
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sociedade, a alienação do indivíduo, a mutação da informação em mercadoria, o progresso da
ciência, uma nova concepção de realidade, em resumo, o estabelecimento de uma sociedade
de consumo promovida pela Revolução Industrial, criaram condições para o aparecimento do
jornal, do cinema e histórias em quadrinhos.
O nascimento das histórias em quadrinhos está vinculado à explosão da imprensa
norte-americana do final do século XIX. Narrativas ilustradas já eram populares na Europa
(Max und Moritz, na Alemanha; e Ally Sloper, na Inglaterra) e conhecidas no Brasil (As
Cobranças, do ítalo-brasileiro Ângelo Agostini), mas textos e ilustrações ainda eram tratados
como elementos separados. Foi nos EUA que, finalmente, surgiu a nova linguagem. Richard
Felton Outcault, caricaturista do World, começou a publicar, em 5 de janeiro de 1895, uma
série de desenhos satíricos sob o título de At the Circus in Hogan’s Alley. O personagem
principal era um rapazinho oriental, trajando um camisolão amarelo, no qual apareciam os
textos, algumas vezes cômicos, em outras, panfletários. Assim, surgia o Yellow Kid (O
menino amarelo), o primeiro personagem das histórias em quadrinhos. Ambientada numa
favela, a série Hogan’s Alley expressava alguns anseios e reivindicações das classes sociais
menos favorecidas, e foi um grande sucesso.
Com isso, surgiu o que passou a ser chamado de ‘jornalismo amarelo’, justamente
devido à cor da roupa do personagem. Este termo é, até hoje, utilizado para designar a
imprensa sensacionalista. O que não se pode negar é a importância dos personagens de
Outcault, principalmente Yellow Kid. Isso se deve ao fato de o artista ter sido o primeiro
quadrinista a criar um personagem fixo, além de ter introduzido as falas dentro de balões nos
quadrinhos, que caracterizam as histórias em quadrinhos como são atualmente conhecidas.
2.3 Potencial Pedagógico das Histórias Em Quadrinhos
A linguagem dos quadrinhos, provavelmente de forma inconsciente ao leitor, cria
sensações de profunda significação cultural e social. O envolvimento imagem e texto dos
quadrinhos podem ser classificados como veículo de comunicação de massa. Dessa forma,
para que a mensagem seja compreendida, o desenhista da imagem necessita manter uma
interação com o consumidor, uma vez que o artista estará evocando imagens armazenadas nas
mentes de ambos: comunicador e leitor.
Nessa perspectiva, a história em quadrinhos começou a ultrapassar o espaço do
divertimento de massa para, a partir daí, influenciar os leitores em esferas psicológicas e
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sociais, constituindo-se uma forma de leitura alternativa. Nascia, assim, uma literatura de
comunicação visual da cultura de massa. Estudos e avaliações das HQs indicaram que o novo
meio, que então surgia, possuía e ainda possui um efeito positivo para a educação da leitura e
da cultura da imagem. Sua técnica de contar histórias por meio de sequências imagísticas
possibilitou a leitura iconográfica, firmando-se como meio de comunicação.
No entanto, inicialmente, as histórias em quadrinhos foram acusadas de causarem
preguiça mental nas crianças, de dificultarem o hábito da leitura de livros, de provocarem
retardo do processo de abstração e de incentivarem à violência. Em razão disso, até foram
proibidas por escolas e pais. Isso fica bem claro na analogia construída por Moya (1977,
p.71), em que o autor levanta o terror, a ameaça, a violência contida nas histórias em
quadrinhos, censurando e condenando esse meio de expressão.
[...] assim como nos tempos de Salem, Massachusetts, havia a história da caça às
feiticeiras, surgiu o Senador Joseph McCarthy dos comics, o Dr. Frederic Wertham,
no seu terrificante livro The Seduction of the Innocents, uma versão moderna da
danação dos infernos da Divina Comédia.
Os quadrinhos estavam, entretanto, possibilitando que os leitores começassem a
questionar o contexto em que estavam inseridos, causando, consequentemente, repúdio ao
conformismo, ao sistema escolar, aos abusos religiosos, ao ‘no-meu-tempo-era-assim’. Após
um período de intensa ‘caça às bruxas’, várias manifestações – mesmo que tímidas –, em
muitas partes do mundo, começaram a surgir em defesa das HQ’s. Uma infinidade de estudos,
de várias áreas de conhecimento, começaram a ser realizados sobre os meios de comunicação
em massa, e as histórias em quadrinhos foram abordadas.
Estudos psicológicos também foram realizados sobre os quadrinhos. Testes revelaram
que informações transformadas em quadrinhos eram apreendidas num tempo
assustadoramente pequeno, colocando em cheque a teoria do Dr. Whertam e seus seguidores.
Pode-se destacar também a identificação que o leitor faz com o herói da história em
quadrinhos, de modo que vibra quando o mesmo alcança seus objetivos (vence o vilão),
incutindo uma ideologia de que o bem prevalece diante do mal. Além disso, é possível
destacar o prazer que a leitura de quadrinhos proporciona, fortalecendo o gosto pela leitura e
favorecendo o processo de abstração necessário para a leitura dita ‘séria’. Caso contrário, não
haveria necessidade dos livros infantis serem ilustrados.
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2.4 Proposta Pedagógica
A proposta pedagógica desenvolvida iniciou com a seguinte pergunta aos alunos:
“vocês conhecem histórias em quadrinhos?” Após as manifestações, foram feitas algumas
considerações sobre a temática, principalmente sobre aspectos formais, como quadros, balões
de falas, calhas, onomatopeias, legendas, entre outros. Em seguida, foi iniciada uma trajetória
histórica dos quadrinhos, mas a mesma foi construída com os alunos, através de perguntas que
eram feitas pelo professor. Com isso, os alunos puderam se aproximar um pouco da evolução
dessa manifestação tão comum e presente na vida deles. Foi dado destaque à questão social
das histórias em quadrinhos, ou seja, foi evidenciado que os quadrinhos não são uma
produção humana desconectada de sua realidade social.
O Batman, por exemplo, é um personagem sombrio, com hábitos noturnos, figura que
representa a esperança em um ambiente tomado pela criminalidade e vilania. Não se pode
ignorar o fato de o personagem ter sido concebido durante a Grande Depressão, originada
com a quebra da bolsa de Nova Iorque, em 1929. Outro exemplo é o Homem Aranha,
personagem que sofre mutações genéticas a partir da picada de uma aranha geneticamente
modificada e, com isso, adquire superpoderes. Sua gênese situa-se nos anos 60, período de
efervescência científica, inclusive no que diz respeito a estudos genéticos. Pode-se, ainda,
citar a Turma da Mônica, que vai se adaptando de acordo com os acontecimentos nacionais,
incorporando personagens que são ícones do momento, como Ronaldo Fenômeno,
Ronaldinho Gaúcho e Neymar.
Uma vez feita a contextualização histórica das HQ’s, foram apresentados exemplos de
revistas do gênero. Revistas em quadrinhos, de personagens como Fantasma, Batman, Super
Homem, Homem Aranha, Homem de Ferro, Mickey Mouse, Pato Donald, Tio Patinhas, Hulk,
Recruta Zero, Turma da Mônica, Tex e Cavaleiros do Zodíaco (Mangá) foram utilizadas para
ilustrar a discussão que havia sido desenvolvida. Os alunos tiveram a oportunidade de folhear
e ler as revistas, atividade que envolveu os estudantes de tal maneira que muitos não queriam
sair para o intervalo depois que se encerrou a aula. Muitos alunos ainda dispensaram um
tempo considerável observando as imagens, visto que muitas revistas eram antigas,
oferecendo uma iconografia diferente daquela a que estão habituados. Como o envolvimento
da turma foi geral, preferiu-se não dar sequência ao trabalho no primeiro encontro.
No segundo encontro, foi possível discutir sobre as observações que haviam sido feitas
pelos alunos nas histórias em quadrinhos vistas na aula anterior. Foram analisados alguns
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personagens de forma breve, buscando relacionar o personagem e sua história com o contexto
social em que foi criado. Com isso, os alunos começaram a perceber que as produções –
sejam artísticas ou não – estão relacionadas ao contexto em que são concebidas. Por fim,
foram analisadas obras do artista norte-americano Roy Lichtenstein (1923-1997). De acordo
com Chilvers (2001), Lichtenstein adotava imagens provenientes da cultura de massa popular.
Inspirado em histórias em quadrinhos, ele ampliava imagens selecionadas, reproduzindo-as
em cores primárias. Ligado à Arte Pop, esse movimento floresceu no final da década de 50 até
o início da década de 70 do século passado, principalmente na Grã-Bretanha e nos EUA.
Baseado no imaginário do consumismo e da cultura popular, a Pop Art selecionava seu
repertório iconográfico na publicidade, embalagens, imagens da televisão e cinema, bem
como das histórias em quadrinhos.
Para exercitar a leitura de imagens, foram exibidas algumas reproduções de obras de
Roy Lichtenstein, sem que fossem reveladas informações sobre as mesmas. O intuito foi de
proporcionar aos alunos a oportunidade de construírem coletivamente interpretações sobre as
obras, a partir dos conhecimentos prévios sobre o artista e o movimento. Os resultados
alcançados despertaram muito interesse, tendo em visto a diversidade e a qualidade das
considerações desenvolvidas pelos estudantes. As obras elencadas foram Hopeless, Maybe He
became, Drowning girl, Whaam!, In the car e Tintin lendo.
Inicialmente, as considerações foram tímidas. Uma vez encorajados, os alunos
começaram a identificar os elementos mais imediatos das obras, como figuras, cores, linhas e
planos. Percebeu-se o uso de cores chapadas e fortes, priorizando as cores primárias; essa é
uma característica marcante das histórias em quadrinhos, que, uma vez apropriada pelo artista,
fez-se presente nas suas obras. Ao desenvolver a análise e concentrar a atenção aos elementos
constituintes da obra, os alunos começaram a realizar aproximações mais significativas com
as imagens, chegando ao reconhecimento de elementos simbólicos que faziam relação com o
contexto histórico e social no qual os quadrinhos foram produzidos e com as pinturas do
artista.
Para que fosse possível realizar um estudo acerca das HQs e seu potencial pedagógico,
não poderiam faltar as próprias histórias em quadrinhos. Assim, foi solicitado que os alunos
trouxessem revistas em quadrinhos atuais e de personagens que fossem do interesse dos
mesmos. Também foram utilizadas revistas trazidas pelo professor, bem como revistas
disponíveis na biblioteca da escola. De posse de quadrinhos de personagens, que se
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aproximavam aos já apresentados no primeiro encontro, os alunos iniciaram a leitura dos
mesmos. Deveriam atentar para aspectos ou situações que poderiam ser trazidos para o mundo
contemporâneo e relacionados com o contexto social atual. O encontro também foi dedicado à
leitura das histórias em quadrinhos, bem como para marcação dos quadrinhos que atendiam
ao que foi solicitado. Essa última etapa não progrediu muito em virtude do pouco tempo que
restou do encontro.
No terceiro encontro, destinado para à aplicação da proposta pedagógica em artes a
partir das histórias em quadrinhos, passou-se para o fazer artístico. Inicialmente, foi proposto
aos alunos que selecionassem um quadrinho das revistas que haviam sido solicitadas no
encontro anterior, obedecendo ao critério de que a imagem escolhida deveria refletir o
contexto social atual. Para isso, foram retomadas as leituras das histórias. Nesta etapa do
processo, os estudantes sentiram dificuldade em selecionar uma imagem que atendesse às
expectativas pessoais de cada um. Não houve dificuldade em identificar aspectos sociais nos
quadrinhos, mas, sim, em selecionar uma imagem dentre tantas opções. Uma vez concluída a
etapa de seleção de imagens, foi solicitado aos alunos que realizassem a reprodução das
mesmas. Para tal, utilizou-se papel sulfite A3 e lápis de cor.
Os desenhos foram desenvolvidos com muito empenho pelos alunos, ainda que alguns
alunos reclamassem que não sabiam desenhar, o que não se verificou no desenvolvimento da
proposta. Os resultados obtidos foram muito significativos e, por ser um trabalho de uma
dimensão a qual os alunos não estavam habituados, foram necessários mais dois encontros
para a conclusão dos desenhos. Várias foram considerações e falas dos alunos em relação à
atividade, sobretudo sobre a técnica utilizada. Alguns alunos receavam iniciar o trabalho, pois
julgavam impossível realizar a proposta em tais dimensões e com tantas demandas de linhas
dos desenhos selecionados das revistas em quadrinhos. As justificativas se limitavam a dizer
que não sabiam desenhar, o que pode ser interpretado como medo do julgamento, algo que
não se caracteriza como objetivo do ensino de arte. Após falas de incentivo e encorajamento,
os alunos foram, aos poucos, se soltando das amarras que eles mesmos haviam imposto e,
assim como os colegas, também conseguiram realizar a atividade.
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Figura 4 - Desenho de Gabriela.
Balão: “Pouco importa o que eu penso!
Eu preciso agir... não tenho escolha!
O que pode ser
evidenciado é a presença das
histórias em quadrinhos no
cotidiano dos alunos. Muitos mantêm hábitos de ler quadrinhos e um número significativo
adquire periodicamente revistas de seus personagens favoritos. A maioria dos que leem
quadrinhos, também possuem o hábito de lerem livros, o que reforça a ideia contrária de que
os quadrinhos causariam preguiça mental e impediriam a leitura de literatura ‘séria’. Também
Figura 2 - - Desenho de Eduardo.
Balão: “Bem... tenho uma longa lista de
chamadas! Pra começar vou ligar para o meu
sobrinho favorito. Ele ficará surpreendido com
meu novo celular...”
Figura 1 - Desenho de Daniel
Balão: “Edição extraaa! As últimas notícias da campanha eleitoral.”
Figura 3 - Desenho de Fábio
Balão: “As notas da última prova!!!”
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ficou evidente a atração que os alunos sentem por revistas em quadrinhos, denunciada pela
avidez com que se aglomeraram em torno do professor quando o mesmo apresentou
quadrinhos que, até então, eram desconhecidos por eles. Um destaque interessante aponta para
os mangás (quadrinhos japoneses), que foram disputadíssimos inicialmente pelos alunos, mas
que foram refutados posteriormente pela dificuldade de aproximação com o contexto social
em que estão inseridos. Para tal, foram utilizados sobretudos os quadrinhos da Turma da
Mônica e personagens da Disney.
No entanto, o mais significativo no âmbito do ensino de arte foi a aproximação que as
imagens selecionadas proporcionaram com o contexto social em que os alunos estão
vivenciando. Propor a reflexão acerca de situações, muitas vezes ligadas ao dia a dia dos
alunos e, a partir disso, realizar uma leitura crítica dessas situações, é o que de mais valia se
apresenta dos resultados obtidos. E mais interessante ainda foi constatar que esse processo de
reflexão e questionamento de seu contexto social se deu de forma muito leve e fluída, pois os
alunos estavam envolvidos não somente com a proposta, mas também com os próprios
quadrinhos. Os alunos se divertiam e manifestavam satisfação por estarem manipulando
elementos que fazem parte de sua vida, que conheciam muito bem. Foi lúdico!
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que motivou o desenvolvimento de uma proposta pedagógica envolvendo histórias
em quadrinhos foi, acima de tudo, o interesse pela literatura/arte. Particularmente, a
alfabetização dos professores/autores deste texto deu-se através da leitura das histórias em
quadrinhos, antes mesmo do início da formação escolar. Por isso, ter a oportunidade de
utilizar esse meio tão rico em potencial, assim como prazeroso para seus leitores, foi um
ingrediente a mais no direcionamento de esforços em propor uma ação educativa que seja
relevante para a vida dos alunos e também – por que não? – conquistar mais leitores para essa
forma de expressão artística, que também é conhecida por nona arte.
Buscou-se dar ênfase à crítica, que leva a uma autonomia do pensamento. Nesse
sentido, acredito que o desafio maior da educação é conseguir fazer uma mediação que atenda
às necessidades dos alunos, respeitando as diferenças e propiciando que construções sejam
elaboradas a partir dessas diversidades. Assim, uma educação inclusiva e que possibilite a
reflexão crítica e o exercício do pensar faz-se necessária, possibilitando que os alunos tenham
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condições de se posicionarem criticamente em relação ao contexto em que estão inseridos,
questionando pré-definições e aprendendo a defender seu ponto de vista com respeito à
opinião alheia.
O ensino de arte na Contemporaneidade contempla a diversidade de manifestações
artísticas que se apresentam. A partir disso, a inclusão das histórias em quadrinhos para o
ensino/aprendizagem em artes torna-se muito pertinente e relevante, visto que as mesmas
sempre foram tratadas com carga de preconceito diante das manifestações artísticas ‘ditas
maiores’. Com isso, pode-se direcionar o trabalho pedagógico escolar com vistas a romper
esse preconceito que envolve as HQ’s, contribuindo para o desenvolvimento do respeito à
diversidade.
Ofertar uma gama diversificada de imagens, que permitam a elaboração de
questionamentos que se lançam para além de reflexões sobre questões formais, é
importantíssimo para o desenvolvimento de uma proposta de ensino de arte. Relacionar
imagens consagradas pela história da arte, que por sua vez estão relacionadas a imagens de
histórias em quadrinhos, provoca um repensar sobre padrões e concepções pré-formados,
sobre ideais consagrados e sobre as problemáticas que o mundo contemporâneo apresenta.
Desse modo, o estudo sobre as histórias em quadrinhos no ensino de artes nas escolas
contribui para análise e aceitação das diferenças, possibilitando uma reflexão sobre os
problemas sociais, de modo a questionar nossa sociedade e mover ações em direção a
propostas que venham a modificar, de forma benéfica, essa realidade social.
REFERÊNCIAS
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Paulo: Perspectiva; Porto Alegre: Fundação IOCHPE, 1991.
BARBOSA, Ana Mae. Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez,
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CHILVERS, Ian. Dicionário Oxford de arte. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
CIRNE, Moacy. A explosão criativa dos quadrinhos. Rio de Janeiro: Vozes, 1970.
FERRAZ, Maria Heloisa Corrêa de Toledo; FUSARI, Maria F. de Resende e. Metodologia
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