Histórias da Música no Brasil e Musicologia: uma leitura preliminar

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Apresentação preparada para a disciplina de "História da Música Brasileira", PPGM UniRIo 2013.2. Conteúdo reflete um fichamento do artigo "Histórias da Música no Brasil e Musicologia: uma leitura preliminar", de Carla Bromberg.

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HISTÓRIAS DA MÚSICA NO BRASIL E MUSICOLOGIA: UMA LEITURA PRELIMINARCarla BrombergHMB 2013.2 – Prof. Martha Ulhôa – Renato Borges

Artigo

Análise do desenvolvimento da história como um dos objetivos principais da musicologia

Identificação das histórias da música no Brasil relevantes na historiografia

Estabelecer relações passadas e presentes entre obras e as tradições históricas respectivas a seus períodos

Em debate

“A estrutura curricular [da Musicologia no Brasil], longe de dirigir-se às discussões metodológicas e epistemológicas da Musicologia e de sua história permanece atada a estrutura da área a qual ela pertence, a Música, que visa à formação do músico prático, regente ou compositor.”

“Esquiva-se de disciplinas, e até da história da musicologia, formando gerações, que no mínimo desconhecem a origem da ciência na qual se especializam.”

“ausência de uma revisão historiográfica da produção”

Musicologia - Definições

Musicologia Alemã – Guido Adler (final do séc. XIX) Na Europa, cursos criados ligados aos

departamentos de Filosofia (portanto independente dos cursos de Música), tanto no âmbito da graduação quanto da pós-graduação

Modelo absorvido pelos EUA, em especial com a fuga dos intelectuais europeus durante o regime nazista

Musicologia - Definições

Dividida em duas vertentes: histórica e sistemática. Musicologia histórica: instrumentação do

tratamento de documentos, discussão conceitual histórica e filosófica da música, e ligação às áreas da filologia, arquivologia, museologia, paleografia musical, história da literatura, história das artes miméticas, bibliografia.

Musicologia sistemática: discussão das “leis que regem a música”, e ligação com as áreas da matemática, física, pedagogia, gramática, etc.

Musicologia - Definições

Musicologia brasileira Desenvolvida através da escrita de intelectuais

dos mais variados campos, no início do século XX Francisco Curt-Lange (alemão radicado no

Uruguai): considerado o formador de uma musicologia científica no Brasil

Mais tarde nas universidades, está posicionada, segundo a tabela de área do CNPq, como subárea da Música, sob a grande área de Linguagem e Artes

Curso de Música estruturado no modelo conservatorial

História da Música Brasileira/no Brasil “A maior parte dos escritos sobre música

brasileira encontra-se em periódicos não científicos, musicais ou não”

Maioria dos livros dedicada a algum tema histórico (Bossa Nova, Tropicália, rituais de grupos amazônicos, biografia de músicos populares). Poucos livros sobre “história da música brasileira”

História da Música Brasileira/no Brasil Referências

Guilherme de Melo, 1908: A música no Brasil: desde os tempos coloniais até o primeiro decênio da República

Renato Almeida, 1926: A História da Música Brasileira Vincenzo Cernicchiaro, 1926: Storia della musica nel

Brasile Mário de Andrade, 1928 e 1929: Ensaio sobre a Música

Brasileira, e Compêndio de História da música brasileira

Luiz Heitor Correia de Azevedo, 1956: 150 anos de música no Brasil

Bruno Kiefer, 1977: História da Música Brasileira Vasco Mariz, 1981: História da Música no Brasil

História da Música Brasileira/no Brasil Menções raras a:

“livros ricamente documentados” como Origem e Evolução da Música em Portugal – Sua influência no Brasil (Maria Luiza de Queiroz Santos, 1943), ou

enciclopédicos como Enciclopédia da Música Brasileira: erudita, folclórica, popular (Marcos A. Marcondes, 1977)

Modos de fazer História no Brasil Três formas de se fazer história no Brasil

Orientação literária de crônica Cultivo do eruditismo Cultivo da metodologia, e elaboração de

temática original Forte influência do IHGB

F. A. Varnhagen (“representante” do IHGB), 1854-7: Historia geral do Brasil, que “retratou elogiosamente uma colonização portuguesa idealizada e sem conflitos, vitória de uma civilização sobre a barbárie”.

Modos de fazer História no Brasil Influências metodológicas

Cientificização da História: imparcialidade do historiador, exclusividade do saber histórico (em relação ao “homem de letras”)

Positivismo: base da verdade histórica sendo de ordem documental, centralização da pesquisa em arquivos (Leopold von Ranke), determinismo (geográfico, climático e biológico) (Friedrich Ratzel).

Evolucionismo: darwinismo social (Herbert Spencer), sobretudo sobre cientistas sociais (pouco dedicados a autores que trataram de música).

Modos de fazer História no Brasil Pluralidade de influências metodológicas

reconhecida em 1883 pelo IHGB Inclusão da disciplina Folclore

Guilherme de Melo Luciano Gallet Augusto Pereira da Costa

Agentes de produção histórica Universidades, Biblioteca Nacional do Rio de

Janeiro, Colégio Pedro II, Museu Paulista e Museu Histórico, entre outros.

Historiadores, sobre música

Pouco contato com Música (“surdez historiográfica”) Análise quantitativa de artigos em periódicos, e de

dissertações e teses Autores

Varnhagen (1850), Capistrano de Abreu (1988) Gilberto Freyre (1933, 1936, 1957)

Casa Grande e Senzala: ritmos e danças africanos, danças europeias, lundus e modinhas

Sobrados e Mucambos: modinhas e danças e música de salão Ordem e Progresso: partituras de alguns gêneros musicais

(Caio Prado Junior, Sérgio Buarque de Holanda)

Músicos, sobre História

Relatos de viajantes europeus portugueses, Jean de Léry (séc XVI, primeiro com coleta

de melodias), Spix & Martius (séc XIX, transcrições) Produção brasileira

Nenhuma história da música brasileira publicada no séc. XXI

Recorrência à “comum forma narrativa, biográfica e linear”

Sem influência de novas escolas (Analles), durante o séc. XX

Recortes de conteúdo (impostos por circunstâncias externas ou pelos próprios autores), apesar dos títulos proporem uma HMB/no Brasil, de forma ampla

Músicos, sobre História

Autores Guilherme de Melo: estudos feitos no Rio de

Janeiro, na Bahia e outros estados do nordeste; documentos do Instituto Geográfico da Bahia e do Real Gabinete Português de Leitura

Renato Almeida: música brasileira “haurida nas fontes populares e que vinha se formando lentamente através do tempo”, porém grande parte de seu material foi fornecido por “pessoas de reconhecida autoridade” e por bibliografia.

Músicos, sobre História

Vincenzo Cernicchiaro: abordagem das variadas formas das atividades musicais (biografias, ensino musical, instituições como orquestras, movimento operístico, críticas de concertos), “de cunho subjetivo e eurocentrista” (Luiz Heitor).

Luiz Heitor Correia de Azevedo: busca de origens e formação de linhagens (genealogia), função da história como “compulsionar documentação [obras e gêneros musicais] que habilitasse julgar as produções dos mestres que o ilustraram”, lista cronológica como resultado.

Músicos, sobre História

Bruno Kiefer: longo recorte temporal (“primórdios ao século XX”), e seccionamento por período político (colônia/monarquia/república).

Vasco Mariz: grande recorte temporal, ordenação cronológica de compositores/capítulos, seccionamento por período político e por estilos (romantismo, nacionalismo, entreato dodecafônico, pós-nacionalismo, “outros valores”), seleção de conteúdo por “opinião pessoal e de musicólogos e críticos musicais de renome”, história dos vencedores.

Músicos, sobre História

Mário de Andrade: única a ser mais intensamente estudada (sociólogos, antropólogos, músicos, etc) Pequena História da Música: evolução da música

“dos povos primitivos” ao atual, descrição de gêneros (monodia, polifonia, melodrama), estilos (Classicismo, Romantismo) e dois capítulos dedicados à música brasileira, “Música erudita” e “Música popular”

Ensaio sobre a Música Brasileira: coleta de material sonoro (caráter não científico), etnografia, musicologia comparada, influência de Raoul e Marguerite D’Harcout, Roquete Pinto, Constantin Brailoiu.

Músicos, sobre História

Desconexão da escrita em Música, das Humanidades

“Mariz, cuja obra é a mais adotada nos cursos atuais de música e que não recebeu críticas da comunidade, foi premiada em 1983. Ela sucumbiria às críticas mais comuns dos fundadores da sociologia do começo do século XX. Augusto Comte ridicularizava a forma compilatória e defendia uma história sem nomes. Herbert Spencer queixava-se que as biografias dos grandes, pouco esclareciam a respeito da ciência das sociedades.”

(Bromberg)

Músicos, sobre História

Melo/Almeida/Andrade: “co-incidência” (acrítica e apolítica da inserção

musical) da formação da música brasileira com a do Estado moderno (Andrade: “musicalmente colonial até 1914”).

Papel social da música (popular) por formas e gêneros (e não obras) nos costumes brasileiros

Identificação de formas musicais Danças (batuques, fandango, quadrilha, samba,

maxixe, frevo), cantigas (de trabalho, de ninar, modinhas, lundus, religiosas) e bailados (congos, maracatu, bumba-meu-boi)

Músicos, sobre História

Kiefer/Santos únicos a seguir carreira acadêmica

Almeida/Andrade/Gallet institucionalização do Folclore e da Música,

por incentivo de leis, e criação de conservatórios e centros

Músicos, sobre História

Crescente separação das músicas durante o séc. XX Erudita (cosmopolita), popular (urbana) e folclórica

(rural) Santos: música erudita, popular e dos primórdios

(indígena) Andrade: erudita, e popular Kiefer: História da Música Brasileira (1977), e

Música e Dança Popular: sua influência na Música erudita (1990)

Tinhorão: Música Popular (1966) e História Social da Música Popular Brasileira (1998)

Historiografia

Definição avaliação/crítica de obras históricas enquanto

documentos, como testemunhos de dimensões específicas de cada autor em relação à eleição de seus tópicos, métodos e contextos

Evolucionismo Procura da identidade nacional

Mestiçagem: “reconhecer-se-ia a arte musical de um país, através da influência dos povos que contribuíram para a constitucionalização de sua nacionalidade” (Melo)

Historiografia

Simples » Complexo Melo/Almeida/Cernicchiaro: “música brasileira como

primitiva e da europeia como superior”, “necessidade de desenvolvimento da música brasileira para tornar-se mais complexa, a exemplo da europeia”

Teatro jesuíta: “primeira exibição de arte musical brasileira baseada no sistema diatônico-cromático dos povos cultos” (Melo).

“a música brasileira formou-se dos elementos fundamentais [grande parte lusitana, depois negra e por fim indígena] numa mistura que se fez ao calor de um meio diferente, cuja ação deveria ser altamente modificadora das taras primitivas” (Almeida).

Métodos indutivo e dedutivo o povo brasileiro, “senhor de uma música popular”, analisada

para conhecer suas partes constituintes, e interesse da música (Andrade)

Historiografia

História da evolução dos gêneros Genealogia

“Uma linhagem dos gêneros legitimada através da descrição de evidências documentais que contribuiriam para provar a existência de um gênero desde os primórdios musicais”

“Nas obras de Mariz e Kiefer principalmente, a noção de evolucionismo está no desenvolvimento e organização dos estilos musicais”

Joseph Kerman Único livro traduzido para português sobre

Musicologia Biografias, estilos, gênese das formas e gêneros

Em debate (reprise)

“A estrutura curricular [da Musicologia no Brasil], longe de dirigir-se às discussões metodológicas e epistemológicas da Musicologia e de sua história permanece atada a estrutura da área a qual ela pertence, a Música, que visa à formação do músico prático, regente ou compositor.”

“Esquiva-se de disciplinas, e até da história da musicologia, formando gerações, que no mínimo desconhecem a origem da ciência na qual se especializam.”

“ausência de uma revisão historiográfica da produção”