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IAMCR2010 . "MEDIA EDUCATION RESEARCH" . BRAGA . 18 A 22 DE JULHO 2010 GUARDIÕES DO “SCRATCH’ANDO COM O SAPO”: DESIGN DOS MEDIADORES DE
BRINCADEIRAS‐TRABALHO‐ESTUDO NO KIDS.SAPO.PT
Miriam Reis e Maria da Conceição de Oliveira Lopes
1. A FILOSOFIA DO PROJECTO SCRATCH’ANDO COM O SAPO
SER HUMANO é um privilégio extraordinário. Cada um de nós tem um património para valorizar e
multiplicar. Vivemos uma mudança de época e o futuro, também se escolhe, e essa escolha
depende, também, de cada um de nós. Os Direitos do ser Humano, qual porta que se abre por
dentro de cada um, num pátio de encontros e desencontros, são na actualidade, uma linha de
orientação de elaboração de conteúdos que promovam a aprendizagem social de convivialidade
inter‐seres.
Somos 6,6 mil milhões de cérebros a pensar em todo o mundo. Há trezentos anos existiam, apenas,
300 milhões. Nunca antes, como agora, existiram condições fascinantes para que a Humanidade
possa atingir os objectivos que desde sempre persegue e que Domenico De Masi (2008) sublinha
nos seus diálogos criativos: aumentar a esperança de vida, adiando a morte; controlar a dor; acabar
com a pobreza; eliminar o cansaço e o tirocínio das diversas formas de escravatura; evitar o tédio;
superar a tradição; desencorajar o autoritarismo e conquistar a beleza.
A época Pós‐Industrial, em que vivemos, revela como as instituições dos media mudaram face às
crianças. A quantidade de aplicações a elas dirigidas e veiculadas, sobretudo, pelos novos media,
cria impactos nos educadores que interagem com as crianças e nos pais que respondem à
capacidade de decisão e de influência dos filhos. É fascinante verificar como os adultos aceitam com
prazer ser ensinados pelas crianças. É de notar que em Portugal, 61 % das famílias com crianças têm
dois ou mais computadores, 39 % das crianças portuguesas, entre os 4 e os 5 anos utiliza
regularmente a internet, 67% das crianças entre os 6 e 7 anos utilizam o computador na suas
práticas quotidianas, e, a partir dos 8 e 9 anos, 78 % das crianças utilizam regularmente o
computador. Uma dessas aplicações, e gratuita, é o Scratch da autoria de Mitchel Resnick, Professor
do MIT, que reconhece o novo estatuto da criança, respeita o processo de co‐participação
comunicativa, reflexiva, criativa e lúdica da criança. Esta aplicação foi traduzida para português e
disponibilizada em Portugal pelo Portal SAPO Kids, da empresa Portugal Telecom.
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No Projecto “Scratch’ando com o sapo” reconhecemos a importância de interagir no presente para
que o futuro seja aquilo que hoje desenhamos, tentando responder ao desafio de criar impactos de
diálogo criativo que contrariem processos de design que se focalizem acriticamente nos resultados
pelos resultados. O conhecimento em design, comunicação, ludicidade e criatividade obriga à
qualidade da reflexão crítica sobre os valores humanos e sociais e impõe a lógica da
transdisciplinaridade ao processo de design. A busca da unidade de sentidos, na diversidade, a
crítica sem humilhação, a discordância sem discórdia, gera uma cultura de respeito, elegância,
beleza e expansão do conhecimento
Assim, os conteúdos incorporados nos perfis dos guardiões do “Scratch’ando com o sapo” são
referidos à Declaração Universal dos Direitos Humanos que, como já sublinhámos, é considerada,
neste projecto, um património extraordinário de beleza e de esperança.
Foi pretexto para muitas conversas entre adultos, os investigadores e entre estes e as crianças que
nos forneceram os dados que incorporámos na elaboração das narrativas e de que a ilustração dos
guardiões expressam.
No âmbito deste projecto dos laboratórios do sapo da Universidade de Aveiro construíram‐se
tutoriais – guias de acção para promover e desenvolver brincadeiras, trabalho e estudo de diversos
utilizadores do Scratch. Os guardiões do “Scratch'ando com o sapo” — o Pópio e a Pópia, o Argus e
a Sylla e a Bicuda e o Bilóca — são os personagens mediadores de brincadeiras‐trabalho‐estudo no
kids.sapo.pt que guiam as escolhas das crianças. Estes são, também, o foco central do trabalho que
se apresenta.
2. PERFIS DOS GUARDIÕES DO “SCRATCH’ANDO COM O SAPO”
Ao desenvolver os guardiões do projecto “Scratch'ando com o sapo” teve‐se como pressuposto
base ir ao encontro das representações visuais das crianças dos 3 aos 13 anos, que constituem a
amostra do projecto. O desenho destes personagens foi determinado pela análise das narrativas
associadas aos perfis de cada um deles. Estas narrativas foram construídas, a partir da análise dos
resultados das conversas realizadas com as crianças e interpretados por Conceição Lopes (Janeiro
de 2009).
2.1 Guardiões do “Scratch'ando com o sapo” para o Jardim‐de‐infância, dos 3 aos 6 anos
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O Pópio e a Pópia são os mediadores das acções das crianças dos 3 aos 6 anos no Scratch. Estes
nomes são da autoria do menino Guilherme Gil Pereira à data com 2 anos e 11 meses de idade.
O Pópio “é um menino que sonha chegar com a cabeça à lua, mas, de dia porque à noite ele sabe
que é hora de dormir. Dormir para que o dia chegue rápido. Logo que acorda, chama a mãe para
comer o seu prato de estrelitas. Sim! Estrelas doces que o levam ao céu num salto. Depois lava os
dentes, faz xixi, lava as mãos e veste‐se. Sempre o mesmo ritual. Sempre a mesma vontade de viver
o dia que começa. Há muito para descobrir, conversar, partilhar com os amigos. Fala, fala sem parar
e se está calado, está a ouvir para depois perguntar.
Alguns dos traços físicos, psicológicos e de sociabilização, característicos deste personagem são os
seguintes: o Pópio é um menino de figura morena, sensível, com destreza física, autónomo,
afectivo, gosta de compartilhar com os outros os brinquedos, as bolachas e o pão com doce, é
educado e elegante no trato com os outros, sejam crianças ou adultos. É também um observador
atento, faz muitas perguntas, gosta de conversar, tem amigos reais e imaginários com quem
conversa muito e aos estranhos não dá confiança. Gosta muito de ir com a avó observar as gruas
que no cais carregam os navios. Adora livros sobretudo os pop‐ups e não há noite nenhuma em que
a mãe não lhe conte uma história. A praia, o mar e a quinta são lugares predilectos para passear e
recolher coisas que traz nos bolsos. Tem um armário onde guarda os tesouros, entre os quais as
ferramentas da carpintaria, e todos os dias escolhe um que leva para o Jardim‐de‐infância, gosta de
ser útil e ajudar os outros. E, varrer com a vassoura grande é, para ele, muito divertido para além
das brincadeiras com os amigos.”
A Pópia “é muito amiga do Pópio. Andam na mesma escola, mas nem sempre brincam juntos.
Quando brincam, acabam sempre à bulha. Zangam‐se e depois fazem as pazes. Mas não é logo
porque a Pópia não gosta de pedir desculpa.
A Pópia gosta muito de bolachas. Todos os dias leva um pacote e bolachas para a escola. Os amigos
chamam‐lhe o monstro das bolachas porque ela nunca lhes dá uma. Come tudo até acabar e faz
pirraça. Por isso eles depois não querem brincar com ela.
As meninas querem brincar com ela às bonecas, mas ela não gosta muito. Tem a Shara e não quer
que as outras andem com ela ao colo. A Pópia adora jogar à bola mas os meninos não jogam com
ela e ela também não pede. Em vez de ficar sozinha, arranjou um amigo imaginário; o jasmim, e no
recreio joga com ele aos golos contra a parede. Quando fica farta desafia o amigo Pópio para
brincar às lutas dos animais. Com as meninas faz corridas a ver quem chega primeiro. Ela ganha
sempre. Se não ganha amua e diz que fizeram batota.
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Quanto aos traços de distinção da Pópia, esta personagem apresenta uma tez clara, tem destreza
física. É sensível mas, também, é autónoma. Não gosta muito de partilhar as suas coisas. E, umas
vezes é elegante no trato com os outros e, outras vezes, nem tanto é um pouco rude. Adora a sua
bola. Gosta de subir e descer as escadas à gato. Gosta de dançar mesmo sem música e é uma
apreciadora da vida na quinta. Para além de gostar muito de brincar com os amigos e com os
crescidos, gosta muito de ir com o avô aos concertos da banda no coreto. Já sabe conta, gosta muito
de desenhar e de escrever cartas com um código que ela mesma inventou.”
2.2 Guardiões do “Scratch'ando com o sapo” para o 1º ciclo do ensino básico, dos 7 aos 9 anos
O Argus e a Sylla são os mediadores das acções das crianças dos 7 aos 9 anos no Scratch.
O Argus “está sempre com um sorriso nos lábios. É bem disposto, simpático quando quer e vaidoso.
Tem a mania que só os meninos são fortes. Não gosta que as meninas brinquem com os brinquedos
dele ou que o agarrem. Muito menos a irmã. Um dia sonhou que uma menina o agarrou e beijou.
Acordou cheio de medo e foi perguntar ao pai, porque é que se beija na boca? Esta foi a primeira
pergunta de muitos porquês. O Argus questiona tudo o que vê, nunca se cansa de fazer perguntas.
Gosta de se vestir com a roupa dos super heróis e brincar com o pai em cima da cama. O pai perde
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sempre. Na escola conta as aventuras e os relatos do futebol. Sim, o Argus é do Sporting e este fim
de semana o Sporting ganhou ao Benfica. O Argus foi para a escola com o equipamento completo
do Liedson, apesar do frio. É um leão que puxa pela equipa no estádio e pelos amigos quando estão
a perder.
O Argus tem os olhos grandes, o cabelo liso e louro, é forte e robusto e muito brincalhão. Respeita
sempre os outros e gosta que o respeitem da mesma forma e fica zangado quando tal não acontece.
É um menino fraterno, gosta de conversar, de fazer perguntas e de construir respostas com os
amigos. Adora brincar com os pais no computador e inventar problemas para resolverem em
conjunto, gosta de inventar histórias e pôr o mundo de pernas para o ar.”
A Sylla “gosta muito de ler, dançar ballet e conversar. Adora falar, falar e, agora, que percebeu que
também pode falar no computador, não pára, é até a mãe se zangar, isto porque todas as suas
amigas estão no messenger. À noite depois de desligarem os pc’s trocam sms, conversam sobre a
escola, os rapazes, as músicas, os filmes... e o que elas mais gostam é quando dormem na casa umas
das outras. É uma festa! Conversar toda a noite. A Sylla gostava de ser bailarina, actriz e cantora.
Gosta muito de ver televisão e de ver concursos. Ela já pediu à mãe para concorrer, mas, a mãe diz
que tem de estudar e crescer. Agora, até dá um programa que a quem souber cantar a música da
Kate Perry ganha um mobile tv. Ela adorava ter um, nem dorme só a pensar. A Sylla é boa a inglês,
já sabe a letra toda e na escola dizem que é igual a ela.
A Sylla é uma menina mulata, com a boca e olhos grandes rasgados. É uma menina muito
brincalhona, respeita os outros e exige que a respeitem da mesma forma, adora fazer perguntas e
construir respostas com os amigos. É fraterna e gosta de conversar, adora cinema e sempre que
pode vai ver um filme a seguir à escola. Gosta muito de brincar com os amigos no jardim e na rede
de jogos de computador, gosta de pregar partidas aos amigos e quando se zanga amua com muita
facilidade.”
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2.2 Guardiões do “Scratch'ando com o sapo” para o 2º ciclo do ensino básico, dos 10 aos 12 anos
A Bicuda e o Bilóca são os mediadores das acções das crianças dos 10 aos 12 anos no Scratch.
A Bicuda “nasceu no Verão, de madrugada e, talvez, por isso acorda sempre cedo. De manhã come
nestum de arroz. Depois vai para a escola. Ela gosta de estudar, de ler e de aprender. Depois da
escola gosta de dançar, de ouvir música e de fazer ginástica. A mãe comprou uma revista que trazia
um vídeo de uma senhora a fazer ginástica, ela adorou o presente e sempre que pode fecha‐se na
sala a ver o vídeo e a imitar. É uma festa! À noite gosta de ajudar a fazer o jantar e adora inventar
comidas. Às vezes, depois do jantar que é quase sempre pescada cozida com batatas, gosta de
inventar umas misturas de massa de bolo e come com o irmão enquanto vêem e conversam sobre o
que estão a ver na televisão. É uma menina muito gulosa!!!
A Bicuda é alta, morena, tem o cabelo preto e com os olhos muito grandes. Adora acessórios e tem
vários anéis feitos com botões. É bastante autónoma, sensível, solidária e imaginativa, tem muitos
amigos, gosta de brincar no Scratch com os amigos, criar brincadeiras e jogos em conjunto e é
sempre a líder do grupo, adora ballet, ginástica, a praia e o sol, andar de bicicleta e escrever.”
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O Bilóca “nasceu no Inverno ao início da noite talvez, por isso, gosta muito da noite e de dormir. Ao
fim de semana, só acorda quando ouve a mãe dizer: almoço na mesa!! O Bilóca gosta de estar em
casa e de brincar sozinho, se tiver os seus jogos e a televisão não precisa de mais nada. Adora jogar
basquete, fazer judo e jogar à bola, mas, rapidamente se farta, só dos jogos de computador é que
não. O Bilóca é grande e forte mas tem cara de menino e por isso os meninos maiores estão sempre
a tentar pregar‐lhe partidas e a meter‐se com ele. Ele é tímido e não responde, foge a sete pés. O
Bilóca adora ir ao cinema, consegue ver 2 ou 3 filmes de seguida. Sabe o nome dos actores,
realizadores e até dos argumentistas. Quando vai ao cinema, de noite, a dormir, sonha alto, a mãe
diz que fala com a irmã, com quem divide o quarto. Falam, às vezes, mais de noite do que de dia. A
cumplicidade deles vive muitas vezes no silêncio e nos olhares que partilham. Ele adora as
miscelâneas que a irmã inventa. Ontem à noite era cerelac em pó com açúcar. Já experimentaram?
O Bilóca tem a pele castanha escura, farripas de cabelo pela testa a baixo, é magrinho e
desengonçado e tem os pés grandes. É um menino simpático, respeita os outros, é divertido e
brincalhão e aprendeu a conviver com os seus medos. Tem muitos amigos. Gosta de acampar e de
teatro e inventa muitas personagens inspiradas na mitologia grega. Na escola, gosta de alguns
professores. Ajuda os outros, adora matemática e música. Gosta muito de programar jogos e
brincadeiras e depois partilhá‐las com os amigos.”
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3. DA ILUSTRAÇÃO
Antes de avançarmos, para o enunciar das opções de ilustração que tomámos para o desenho dos
guardiões, impera que façamos algumas considerações sobre esta disciplina.
A ilustração é uma parte do design e certamente uma disciplina que lhe está intrinsecamente ligada.
De uma forma sucinta, poderemos afirmar que é uma forma de expressão que tem como principal
intuito comunicar. Na ilustração, o desenho, de uma forma concreta, serve para informar.
Para além do referido, no âmbito da representação e, consequentemente, da comunicação, a
ilustração torna‐se bastante mais concreta do que o código verbal escrito que, nesta dimensão,
poderá dizer‐se que tem uma forma abstracta e de mais difícil compreensão. A ilustração tem um
reconhecimento universal, é mais facilmente inteligível do que o código escrito, e pode ser
compreendida pela maior parte das pessoas, com a excepção de algumas representações de
carácter cultural e de índole étnica. Tem, portanto, também um carácter de inclusão, na medida em
que permite que o mais novo dos pré‐leitores consiga compreender de alguma forma, ainda que
não na totalidade, a história. Segundo Ju Godinho e Eduardo Filipe, ilustrações são “imagens que
nos contam histórias. (...) que fazem apelo a sentimentos e memórias profundas, que nos remetem
para o universo fantástico dos contos que nos ajudaram a ultrapassar medos, a transpor barreiras, a
crescer.” (Filipe & Godinho, 2003: 7).
No entanto, é errado pensar que a interpretação de imagens é um processo inato. Ainda que as
crianças passem a ser facilmente leitores de narrativas pictóricas e, assim, conseguindo dar sentido
a um conjunto de imagens, o entendimento pictórico e a compreensão da narrativa visual exige que
se vá aprendendo o código, e esta aprendizagem será construída socialmente, ainda que não exista
um ensino onde se aprenda a ler imagens. Esta aprendizagem, segundo Martin Salisbury, pode ser
denominada de “alfabetização visual”, referindo‐se este estudioso à destreza de ver, desenhar e
formar juízos estéticos e não só à capacidade de descodificar as imagens em palavras ou
significados (Salisbury, 2007: 7). A criança interpreta e reconhece as imagens devido às experiências
que vai acumulando do mundo, habituando‐se a lidar com a diferença, por vezes, abissal, que
separa a realidade e a representação desta. Neste sentido, poderemos afirmar que a ilustração
assume uma maior importância do que o texto, ao falarmos de crianças pequenas (leitores
iniciantes e pré‐leitores), fazendo com que exista igualdade no processo de apreensão e
compreensão da narrativa que, à partida, poderia ficar comprometido tanto nos leitores iniciantes
como nos que ainda não decifram o código verbal. Esta possui, também, um papel crucial,
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assumindo‐se como “factor de selecção e de definição do (des)gosto em face de uma obra, ou até
de (des)motivação para a sua leitura.” (Silva, 2002: 7).
Quanto ao sentido da palavra ilustração, contido na sua raiz etimológica, segundo o Dicionário
Etimológico da Língua Portuguesa, esta deriva do latim illustratiõne e representa “acto de iluminar,
de tornar brilhante”.
Assim, poderemos dizer que uma ilustração, sendo uma representação pictórica que pretende
complementar, adornar ou ajudar a esclarecer algo no texto, tendo, portanto, também um carácter
pedagógico, é, essencialmente, e exactamente como advém da sua raiz etimológica, “trazer luz para
uma obra”. (Maia, 2002) Neste seguimento, para Isidro Ferrer (1963‐), o acto de ilustrar quer
também dizer iluminar alguma coisa e, para o autor, a ilustração está em pleno quando permite
diferentes leituras e não repete só o texto. Nesta perspectiva, o ilustrador tem um papel fulcral na
transmissão da sua própria visão sobre as coisas já que este é também autor, tendo, portanto,
também responsabilidade sobre a obra, apesar de, por vezes, se esquecer disso (Ferrer, 2004).
Também para Steven Heller (2005), a ilustração tem como intenção iluminar, fazer viver um
manuscrito e dar‐lhe profundidade.
Como é óbvio, nas definições que apresentámos referimo‐nos à ilustração em livros, no entanto, e
apesar da ilustração destas personagens não seguir uma narrativa textual, a sua função mantém‐se.
Isto é, os guardiões também ajudam a esclarecer alguma coisa, têm carácter pedagógico,
pretendem fazer viver este projecto e incluir as crianças no mesmo.
Em relação à criação de personagens, na ilustração, é essencial que estas sejam convincentes, este
aspecto será determinante no sucesso da narrativa visual. Mesmo que todos os outros aspectos
estejam bem desenvolvidos, acabam por não ser relevantes se o utilizador não acreditar na
personagem. Claro que, para que isto aconteça, será necessário que o ilustrador também acredite
totalmente na sua criação.
A forma como se cria um personagem varia muito de ilustrador para ilustrador. Quando existe uma
narrativa textual para ser ilustrada, o ponto de partida pode ser uma detalhada descrição dos
hábitos dessa personagem, os movimentos, a aparência física, roupas, e assim por diante. O
ilustrador pode, consciente ou inconscientemente, basear a sua interpretação no conhecimento
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que tem da vida real. Em alguns casos os personagens tornam‐se tão fortes que podem mesmo
influenciar e ditar o rumo da narrativa.
O desenvolvimento de personagens com sucesso requer uma combinação de duas coisas: primeiro,
um interesse pelos caprichos e excentricidades da natureza humana e, segundo, a capacidade de
representar essas excentricidades através do desenho. O primeiro pode ser inerente, o segundo
pode ser aprendido (Salisbury, 2007).
Ao nível do desenho, estes personagens foram construídos tendo por base os perfis referidos acima,
um conjunto de dados recolhidos da observação participante e da recolha das orientações das
crianças dos diversos grupos do projecto. Associados em três faixas etárias — dos 3 aos 6 anos, dos
7 aos 9 anos e dos 10 aos 12 anos — , os guardiões projectam os universos visuais das crianças
participantes, podendo ser, por isso, facilmente, identificados pelos diversos grupos etários a que
pertencem. O mesmo acontece em relação aos acessórios que caracterizam cada uma das
personagens que, também, contribuem para a apreensão tanto ao nível do reconhecimento visual
como verbal. Assim, a Pópia e o Pópio guiam as acções das crianças entre os 3 e 6 anos e têm como
adereços a boneca, a bola, o livro e ferramentas. O Argus e a Sylla com idades entre os 7 e os 9
anos, são adereçados com fantasias de super heróis, estrelas, ipod, adornos para o cabelo e
microfone para karaoke. A Bicuda e Bilóca entre os 10 aos 12 anos exibem uma carteira, anéis,
avental da quinta, chapéu de jardineiro, ferramentas para cuidar da natureza e cesto de fruta.
Relativamente às opções de ilustração é relevante salientar o uso das cores planas fortes e alegres,
da linha simples, de pouca textura e de pouco ruído visual, não exagerando nos pormenores, não só
porque os guardiões serão, essencialmente, para ser vistos num formato pequeno e no ecrã de
computador mas, conjuntamente, para conseguir manter o foco de atenção dos utilizadores no que
é essencial.
Sublinha‐se também, ainda que se trate de ilustração para a infância, o respeito pela anatomia
humana, isto é, optou‐se por desenhar as personagens com uma fisionomia o mais aproximada
possível da figura humana com o intuito de facilitar a inserção destas personagens no mundo real
da criança. Apesar deste aspecto, optámos por desenhar estas personagens de forma
bidimensional, sem lhes dar grande volume na medida em que, como também referimos, serão
para ser utilizados e visualizados numa plataforma web e com um tamanho bastante reduzido.
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Obviamente, tratando‐se de personagens para serem vistas e utilizadas no computador, optou‐se
pelo desenho digital, vectorial, que nos permitia ser mais rápidos nas alterações que pudessem ser
efectuadas, aumentar ou diminuir sem perder definição, se a determinada altura o projecto o
exigisse, mas, também, para estar de acordo com o espírito do projecto.
Na ilustração digital é normal, a certa altura, um determinado estilo de ilustrar estar na moda, e
toda a gente resolve experimentar e aprende a técnica. Isto torna‐se cansativo muito rapidamente.
Existem inúmeras pessoas a dominar o software de desenho e tratamento de imagem,
nomeadamente, o Photoshop e Illustrator, mas isso, por si só não é o suficiente para se ser
ilustrador e produzir um bom trabalho. É frequente acontecer, com as tecnologias emergentes, as
inovações facilitarem a criatividade, mas, também poderem asfixiar ou simplesmente restringi‐la.
Porém, neste caso, justifica‐se o recurso ao desenho digital pelos motivos já enumerados.
Neste projecto, tentámos desenvolver uma linguagem própria que se adequasse ao conceito
existente e que fosse de encontro às outras personagens que haviam sido criadas por outra
designer, Salomé Valente. Desta forma, seria necessário criar uma coerência gráfica ainda que os
guardiões não estivessem directamente relacionados com as outras personagens, ou seja, não
seriam para usar em simultâneo.
Para terminar consideramos que a criação e ilustração destas personagens, guardiões do
“Scratch’ando com o sapo” e mediadores de brincadeiras‐trabalho‐estudo no kids.sapo.pt foi uma
mais valia para a elaboração dos 11 tutoriais que contribuem para formar as crianças na literacia
Scratch. A simplicidade do seu desenho pode possibilitar a identificação das crianças com os seus
guardiões que neles se projectam. E, deste modo, promover as brincriações (brincadeiras e
criações) no “Scratch’ando com o sapo” e divertirem‐se.
Os multivalores da educação no século XXI deverão ser preservados como herança a transmitir, a
explicar e a praticar pelos educadores com as crianças, estes estão inscritos nas narrativas dos perfis
dos mediadores de brincadeiras‐trabalho‐estudo no kids.sapo.pt e na ilustração dos personagens.
Sublinharemos, alguns deles, o respeito pelos outros, as boas maneiras no relacionamento inter‐
pessoal, a igualdade para todos, a argumentação como forma de resolver problemas, a liberdade, a
fraternidade, a escuta activa, a fruição lúdica. Multivalores que nos constroem como Seres
Humanos.
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BIBLIOGRAFIA
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Ferrer, Vicente (2004). "Tertúlia" in Ilustração Portuguesa 2004. Lisboa: câmara Municipal de Lisboa
e Bedeteca de Lisboa. Filipe, Eduardo, & Godinho, Ju (coord.). (2003). Ilustrarte, bienal internacional de ilustração para a
infância. Barreiro: Ver Pra Ler Instituto Piaget. Heller, Steven (2005). "Intro, o estado mutável da arte" in Wiedemann, Julius, Illustration Now.
Köln: Taschen. http://labs.sapo.pt/ua/scratchando/ consultado a 15 de abril de 2010. Lopes, MCO (2009). Projecto "Scratch'ando com o sapo". Aveiro: http://labs.sapo.pt/ua/,
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Editorial Gustavo Gili. Silva, Sara Reis da (2002). "Das palavras às ilustrações: uma leitura de "o nabo gigante" e de "João e
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