Post on 06-Oct-2021
Grupo de Trabalho 6 – Interdisciplinaridade e ciências humanas na educação
A BNCC do Ensino Médio: entre a difusa interdisciplinaridade e o estreitamento
curricular – as Ciências Humanas e Sociais Aplicadas
Agnes Cruz de Souza, IFSP Campus Boituva, agnesouzasoc@gmail.com
Rogério de Souza Silva, IFSP Campus São Roque, rogeriosrq@gmail.com
A BNCC do Ensino Médio: entre a difusa interdisciplinaridade e estreitamento
curricular – as Ciências Humanas e Sociais Aplicadas
Agnes Cruz de Souza (IFSP Campus Boituva)
Rogério de Souza Silva (IFSP, Campus São Roque)
Resumo: O presente trabalho problematiza a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para
o Ensino Médio, apresentada em abril de 2018 pelo Ministério da Educação (MEC) como
parâmetro curricular para esta esfera da educação básica. Tal documento, enquanto
propositura curricular permeia o campo da interdisciplinaridade, contextualização e
flexibilização abrindo mão da disciplinaridade para propor um modelo hierarquizante relativo
às ciências a serem apreendidas na escola distribuindo-as de forma desigual. Propõe-se por
meio da base um modelo de ensino fragmentando e de estreitamento curricular vinculado às
competências e habilidades relacionadas às áreas de conhecimento. Assim, o artigo aponta as
incongruências e problemas constantes na BNCC quando esta preconiza a
interdisciplinaridade, aponta as divergências em relação à legislação educacional e fará
menção à área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas como suporte de análise.
Palavras-chave: BNCC. Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. Estreitamento curricular.
Interdisciplinaridade.
1. Introdução
Apresentada para análise e debate em abril de 2018, a terceira versão da Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Médio foi entregue pelo Ministério da
Educação sob o governo Michel Temer (MDB). Orquestrada nos gabinetes técnicos do
Conselho Nacional de Educação (CNE) e com tímida e degradada participação social1, o
documento terá como propósito dar suporte, orientações e nortear aos currículos das escolas
do país. Reflete-se na BNCC divergências e conflitos de grupos em disputa acirrada por
interesses, sendo a educação básica a “bola da vez” do mercado educacional. É um
1 Participação promovida via online e audiências públicas.
documento que, sendo a mola propulsora da Reforma do Ensino Médio (Lei 13.415/2017)
avança na agenda de estabelecer o currículo brasileiro, no entanto, ficam em segundo plano o
funcionamento, as condições das escolas, a valorização do magistério e o financiamento da
educação pública.
Dimensionada para garantir direitos de aprendizagens aos discentes da escola média, a
BNCC enfatiza a importância da interdisciplinaridade, da contextualização e das áreas de
conhecimentos, estas, sobrepostas às disciplinas científicas, excetuando-se a Língua
Portuguesa e a Matemática. Com uma ode ao privilégio disciplinar, a base hierarquiza áreas e
verticaliza a importância das diferentes ciências com suas especificidades. Assim, é
importante questionar sobre como operacionalizar a interdisciplinaridade através de um
currículo que precariza a formação discente já que em seu nascedouro incumbe-se do
empobrecimento, estreitamento curricular e prevê fraca formação para o Ensino Médio.
Visualiza-se nesta escolha, a inspiração internacional que inclui como obrigatórias
apenas disciplinas cobradas em avaliações internacionais para medir a educação do país. A
terceira versão da base não é continuidade da primeira e segunda, cuja elaboração fora
realizada por outros especialistas ligados ao ambiente escolar e da pesquisa educacional que
não somente os signatários do Ministério da Educação (MEC), caso do documento atual e que
segue às pressas e sem espaço de debate para determinar o que se deve ensinar no país.
Partindo das questões aqui impetradas, o artigo discute teoricamente o currículo e
nesse ínterim destaca a BNCC do Ensino Médio ressaltando as prioridades do documento
para esta etapa da educação básica e as questões que envolvem a difusa visão de
interdisciplinaridade do documento, o privilégio hierarquizante de determinadas disciplinas e
o paulatino estreitamento curricular, a fragmentação do conhecimento para o estudante e a
negação de direitos de aprendizagens, explicitamente a base do documento que figura como
pilar coadjuvante central da Reforma do Ensino Médio Brasileiro. Para o destaque dos
aspectos citados, faremos menção à área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas na atual
BNCC.
2. Fundamentação Teórica
As discussões que envolvem a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) têm a ver
com o se debruçar sobre propostas curriculares, seus sentidos e estes, envolvem questões
relativas ao saber, identidade e poder. Assim, o currículo escrito, por um lado, indica
publicamente determinado conjunto de retóricas, valores, intenções, objetivos concebidos e
produzidos em um determinado contexto social e, por outro, é traduzido para as salas de aula.
Trata-se de uma arena do constructo sócio histórico e de um processo de reinterpretação e
recontextualização. Em geral são textos produzidos por uma fração de ideias que não são
sempre consensuais, denotando-se a exclusão de uns saberes em favor de outros que são
validados (BERNSTEIN, 1996; GOODSON, 1995; SILVA, 2009).
A construção de uma base nacional comum, desde que preconizada, foi imaginada
para ser um mecanismo de amparo, participação social, bem como de auxílio no alcance da
equidade e qualidade na educação brasileira. Elencada como âncora da recente Reforma do
Ensino Médio (Lei nº 13.415/2017) impetrada por Medida Provisória (MP nº 746/2016), a
Base Nacional Comum Curricular (BNCC) figura como instrumento fundamental de
organização do currículo brasileiro, temática com ampla centralidade no debate educacional
contemporâneo.
Solidifica-se, conforme destaca Goodson (1995) que é fundamental investigar as
concepções de sociedade e ensino em que se apoiam documentos oficiais curriculares, uma
vez que, baseando-se em fontes históricas, são concebidos circulando entre instituições,
docentes e discentes, no entanto, é resultado de uma seleção e está implicado em relações de
poder e, portanto “(...) não é um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do
conhecimento social” (MOREIRA e TADEU, 2011, p. 14). Ainda, de acordo com Apple
(2006), por razões metodológicas não se pode tomar como certo que o conhecimento
curricular seja neutro e com isso “(...) os conflitos em torno da definição do currículo escrito
proporcionam uma prova visível, pública e autêntica da luta constante que envolve as
aspirações e objetivos da escolarização” (GOODSON, 1995, p. 17).
A referência conceitual da terceira versão da BNCC é a noção de competências, que
segundo o documento:
Na BNCC, competência é definida como a mobilização de conhecimentos
(conceitos e procedimentos), habilidades (práticas cognitivas e socioemocionais),
atitudes e valores para resolver as demandas complexas da vida cotidiana, do pleno
exercício da cidadania e do mundo do trabalho (BRASIL, 2018, p. 08).
Assim, de acordo com a BNCC apresentada as competências têm a ver com o papel da
educação vinculado a valores que estimulem e contribuam para a transformação da sociedade
consolidando-a como mais humana, justa e voltada para a preservação da natureza (BRASIL,
2018). Conforme se prevê na base do Ensino Médio
Ao adotar esse enfoque, a BNCC indica que as decisões pedagógicas devem estar
orientadas para o desenvolvimento de competências. Por meio da indicação clara do
que os alunos devem “saber” (considerando a constituição de conhecimentos,
habilidades, atitudes e valores) e, sobretudo, do que devem “saber fazer”
(considerando a mobilização desses conhecimentos, habilidades, atitudes e valores
para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da
cidadania e do mundo do trabalho), a explicitação das competências oferece
referências para o fortalecimento de ações que assegurem as aprendizagens
essenciais definidas na BNCC (BRASIL, 2018, p. 13).
Orienta-se as escolas para que pedagogicamente enfoquem as competências, no
entanto, ao se verificar, em cada área de conhecimento do Ensino Médio, a BNCC prevê uma
listagem de códigos distribuídos mecânica e tecnicamente para serem cumpridos como
conteúdos. O documento é confeccionado de maneira a diluir as disciplinas em setores de
conhecimentos com determinadas habilidades em destaque que devem mensurar x
competências dos estudantes, excetuando-se Língua Portuguesa e Matemática destacadas
disciplinarmente. Além disso, as competências e habilidades mencionadas para as áreas de
conhecimento devem conjugar saberes que levem à interdisciplinaridade, outro terreno
arenoso na base apresentada.
Dificilmente não encontraremos em qualquer documento, projeto pedagógico ou
legislação escolar a ideia de que é necessária a elaboração de práticas interdisciplinares
envolvendo a rota formativa dos estudantes. Por outro lado, vivenciamos uma crescente
banalização da interdisciplinaridade pelos próprios especialistas de ensino que tem servido
mais como argumentação do que uma prática de fato para sua reflexão, esforço coletivo e
planejamento para sua concretização de fato.
Em linhas gerais, a interdisciplinaridade esforça-se pela construção de um diálogo
entre as áreas de saber, objetivando o desencadeamento de análises plurais, relacionais e
interacionais da realidade levando-se em conta sua grandeza e complexidade. Essa afirmação,
no entanto, não consiste em anular marcos epistemológicos, metodológicos e científicos
disciplinares. Assim, ao discutirmos a interdisciplinaridade, ao contrário do que muito se
professa, não é uma prática que visa à eliminação de conhecimentos das diferentes ciências.
De acordo com Morin (1999), não se deve negligenciar o tratamento disciplinar para a
interdisciplinaridade pois
(...) as disciplinas são plenamente justificadas intelectualmente, contanto que elas
guardem um campo de visão que reconheça e compreenda a existência de ligações
de solidariedade. E mais, elas só são plenamente justificadas se não ocultam as
realidades globais (MORIN, 1999, p. 76).
O discurso da interdisciplinaridade entre as áreas de conhecimento no Ensino Médio
presentes na BNCC dão a tônica dos objetivos educacionais para esta esfera. Nesse sentido,
Ramos (2011, p. 780) tangencia que as questões do eixo interdisciplinar nas propostas
curriculares enfatizam que
(...) o trabalho pedagógico assume a interdisciplinaridade como necessidade e como
problema, porque coloca a questão do conhecimento escolar também no plano
epistemológico, especialmente por serem as disciplinas científicas um dos principais
campos de referência para a seleção de conteúdos.
Com isso, sem os referenciais científicos, teóricos e metodológicos que amparam os
diferentes saberes, além de dificultar uma visão interdisciplinar, conduz-se a uma formação
sem preocupação com índices definidos de qualidade.
Nesse sentido, e levando em conta as considerações acima, a BNCC do Ensino Médio
traz um caráter peculiar relativo às politicas educacionais de currículo: abandona a esfera
disciplinar e dá ampla dimensão às áreas de conhecimento. No entanto, é preciso destacar,
como já mencionado, que hierarquicamente Língua Portuguesa e Matemática são obrigatórias
em todos os anos do Ensino Médio conforme o documento que é baliza e respaldo da
Reforma dessa etapa de acordo com a Lei 13.415/2017.
Embora menosprezando as ciências especializadas, a BNCC cita dentro das áreas de
conhecimento as disciplinas que a compõem. É importante destacar que somente a disciplina
de Matemática e suas Tecnologias comporta área com somente um componente curricular. As
demais áreas de conhecimento englobam outros saberes: Linguagens e suas Tecnologias
(Língua Portuguesa, Arte, Educação Física e Língua Inglesa), Ciências da Natureza e suas
Tecnologias (Biologia, Física e Química) e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (História,
Geografia, Filosofia e Sociologia).
Também é importante frisar que a apreciação do documento permite visualizar na área
de Linguagens e suas Tecnologias, uma supremacia de competências e habilidades atreladas
especialmente à Língua Portuguesa2. É difícil encontrar, por exemplo, no capítulo destinado à
2 Segundo o documento: “No que tange à Língua Portuguesa, esse componente – tal como Matemática – deve ser
oferecido nos três anos do Ensino Médio. Assim sendo, as habilidades desse componente apresentadas adiante,
também serão organizadas, como no Ensino Fundamental, por campos de atuação social, sem indicações de
área quais seriam as competências e habilidades para Artes, Educação Física e mesmo Língua
Inglesa, literalmente alijadas de espaço disciplinar-científico.
Destarte, a organização curricular por competências e habilidades próprias das áreas
de conhecimento ignora as especificidades de cada ciência e não constrói interdisciplinaridade
efetiva. Além disso, contribui para um retrocesso sobre a apropriação do conhecimento
docente que é especializado e não fragmentado.
Cabe ainda frisar que a BNCC enquanto política curricular desalinha-se de
praticamente toda a produção em termos de legislação no que diz respeito ao currículo, em
específico àqueles relacionados ao Ensino Médio. Os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN) de 1999, os PCN+ Ensino Médio de 2002, as Orientações Curriculares Nacionais
(OCEM) de 2006 e as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) de 2013, embora amparados
pelo discurso da interdisciplinaridade, contextualização e flexibilização, dão espaço
disciplinar para as ciências, mesmo as que (no caso da Sociologia), por exemplo, não eram
disciplinas obrigatórias na escola média3 à época de sua implantação/realização. Isso
demonstra não só a descontinuidade em termos de valorização das áreas científicas que tem
saberes especializados e um conjunto de conceitos e metodologias, mas também as limitações
da nova base. Assim, nessa linha argumentativa os PCN + de 2002 acrescentam que
a interdisciplinaridade não dilui as disciplinas, ao contrário, mantém sua
individualidade. Mas integra as disciplinas a partir da compreensão das múltiplas
causas ou fatores que intervêm sobre a realidade e trabalha todas as linguagens
necessárias para a constituição de conhecimentos, comunicação e negociação de
significados e registro sistemático dos resultados (BRASIL, 2002, p. 89).
Interdisciplinaridade pressupõe planejamento educacional e realização de projetos que
incluam as diferentes áreas de conhecimento. Na BNCC fica explícita a importância deste
mecanismo, no entanto não se discute o como fazer, dando-se a entender que por si só a
interdisciplinaridade se realizará com as competências e habilidades listadas tecnicamente no
documento identificadas por um código alfanumérico, conforme exemplo abaixo que se refere
“(...) à terceira habilidade proposta na área de Linguagens e suas Tecnologias relacionada à
competência específica 1, que pode ser desenvolvida em qualquer série do Ensino Médio,
conforme definições curriculares” (BRASIL, 2018, p.34):
seriação. Essa decisão permite orientar possíveis progressões na definição anual dos currículos e propostas
pedagógicas de cada escola” (BRASIL, 2018, p. 477). 3 Há dez anos, a Lei 11.684/2008 incluiu Filosofia e Sociologia como obrigatórios em todos os anos do Ensino
Médio.
E M 1 3 L G G 1 0 3
O primeiro par de letras indica a etapa de Ensino Médio.
Os números finais indicam a competência específica à qual se relaciona a habilidade
(1º número) e a sua numeração no conjunto de habilidades relativas a cada
competência (dois últimos números). Vale destacar que o uso de numeração
sequencial para identificar as habilidades não representa uma ordem ou hierarquia
esperada das aprendizagens. Cabe aos sistemas e escolas definir a progressão das
aprendizagens, em função de seus contextos locais.
O primeiro par de números (13) indica que as habilidades descritas podem ser
desenvolvidas em qualquer série do Ensino Médio, conforme definição dos
currículos.
A segunda sequência de letras indica a área (três letras) ou o componente curricular
(duas letras): LGG = Linguagens e suas Tecnologias LP = Língua Portuguesa MAT
= Matemática e suas Tecnologias CNT = Ciências da Natureza e suas Tecnologias
CHS = Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (Adaptado de BRASIL, 2018, p. 34)
Os conhecimentos especializados na BNCC são conjugados em áreas que levam à
pasteurização, fragmentação e estreitamento curricular além da generalização de conteúdos
com redução de carga horária, em plena descontinuidade entre o Ensino Fundamental e
Médio.
As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2013, amplamente mencionada na BNCC,
ainda que menosprezada em diversos aspectos, destaca os problemas a serem enfrentados para
a concretização da interdisciplinaridade, no entanto, enfoca suas especificidades e o papel do
currículo do Ensino Médio e sua missão no ambiente escolar:
Tais estratégias e metodologias são práticas desafiadoras na organização curricular,
na medida em que exigem uma articulação e um diálogo entre os conhecimentos,
rompendo com a forma fragmentada como historicamente tem sido organizado o
currículo do Ensino Médio.
Nesta etapa de ensino, tais metodologias encontram barreiras em função da
necessidade do aprofundamento dos conceitos inerentes às disciplinas escolares, já
que cada uma se caracteriza por ter objeto próprio de estudo e método específico de
abordagem. Dessa maneira, tem se revelado praticamente difícil desenvolver
propostas globalizadoras que abranjam os conceitos e especificidades de todas as
disciplinas curriculares.
Assim, as propostas voltadas para o Ensino Médio, em geral, estão baseadas em
metodologias mistas (TOMÉ, 1998), as quais são desenvolvidas em, pelo menos,
dois espaços e tempos. Um, destinado ao aprofundamento conceitual no interior das
disciplinas, e outro, voltado para as denominadas atividades integradoras. É a partir
daí que se apresenta uma possibilidade de organização curricular para o Ensino
Médio, com uma organização por disciplinas (recorte no real para aprofundar
conceitos) e com atividades integradoras (imersão no real ou sua simulação para
compreender a relação parte-totalidade por meio de atividades interdisciplinares).
Há dois pontos cruciais nessa proposta: a definição das disciplinas com a respectiva
seleção de conteúdos; e a definição das atividades integradoras, pois é necessário
que ambas sejam efetivadas a partir das inter-relações existentes entre os eixos
constituintes do Ensino Médio integrando as dimensões do trabalho, da ciência, da
tecnologia e da cultura (BRASIL, 2013, p. 184).
Conforme os preceitos mencionados nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Ensino Médio, a BNCC apresentada distancia-se das propostas mensuradas quando restringe
conhecimentos aos estudantes e enfatiza a preponderância de duas disciplinas em favor das
demais, é equívoca com relação à interdisciplinaridade, tornando-a mero adorno do
documento e discute de forma rasa qualquer forma de integração de conhecimentos ou visão
globalizante dos saberes a serem apreendidos na escola média. Trata-se de uma base
fragmentada em amplos sentidos: no enxergar o discente, seu papel e os objetivos do ensino
médio para a sua vida; na propositura curricular empobrecida e com forte estreitamento
curricular; em não indicar como “fazer” interdisciplinaridade e relegar a tarefa às
competências e habilidades mencionadas em cada área; menospreza o papel do docente e seus
saberes adquiridos e não enxerga a escola para além de uma base curricular, como se ela por
si só fosse a solução para os problemas enfrentados nesta esfera social.
Dessa forma, a ampliação e visão de mundo dos jovens que estão no Ensino Médio
brasileiro ficarão relegadas à manutenção das desigualdades educacionais, reproduzindo a
exclusão, fragmentação, tecnicismo e valores de mercado como quesitos para a formação dos
discentes.
Ainda, o currículo baseado no modelo de competências e visando à
interdisciplinaridade propõe um fazer escolar imediato, sem preocupação com uma formação
humana integral que de fato dê aos jovens protagonismo para transformar a realidade. Para
que haja interação global de conhecimentos, os docentes precisam estar comprometidos
exclusivamente com a escola e seu projeto político pedagógico, e não atuar em diversas redes
aos mesmo tempo por questões salariais entre outras não priorizadas pelos legisladores
educacionais do congresso nacional. Interdisciplinaridade prevê planejamento e compromisso
e isso se atrela à políticas de valorização docente, quesito abandonado pela Reforma do
Ensino Médio.
3. As contradições da BNCC do Ensino Médio: interdisciplinaridade sem o pressuposto
disciplinar – hierarquização e empobrecimento curricular
A BNCC apresenta um conjunto orgânico de aprendizagens consideradas essenciais
aos estudantes brasileiros tendo como objetivo assegurar seus direitos de aprendizagem e
desenvolvimento no ambiente escolar.
Embora a BNCC comungue de princípios e valores mencionados em outros
documentos que balizam a educação brasileira4, conjuga de forma apressada e falaciosa uma
preocupação com a escola média brasileira e restringe-se a mencionar que com base na
Constituição de 1988, LDB de 1996, Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Básica de 2013, o Plano Nacional de Educação (PNE) e a Lei 13.415/2017 (Reforma do
Ensino Médio) está cumprindo o papel de implementar a base comum nacional curricular. E
cumpre somente este de fato, pois preocupação e compromisso com a formação de estudantes
ausenta-se do documento que se apresenta como mais um aparato técnico de fragmentação
dos conhecimentos, conjunto de interesses ligados a grupos específicos pela propriedade do
currículo brasileiro, com tímida participação social dos agentes envolvidos na comunidade
escolar, negligenciado a gestão democrática e negando, de fato, os direitos de aprendizagens
que são uma constante no documento, embora com falta de trato e propriedade na base
entregue pelo MEC em abril desse ano.
Toda a documentação produzida e relacionada à BNCC (disponibilizada no sítio:
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/) vincula sua formatação a uma política de Estado – e
não de governo – composta de maneira democrática e colaborativa, por meio de processo
iniciado em 2015:
Seu processo de elaboração foi conduzido pelo MEC, Conselho Nacional de
Secretários de Educação (Consed), União dos Dirigentes Municipais de Educação
(Undime) e Conselho Nacional de Educação (CNE), com a participação da
sociedade civil, de professores e de gestores. Durante o processo de elaboração do
documento, houve três etapas de revisão, a partir de sugestões de aprimoramento
feitas por especialistas, por educadores e pela sociedade (Adaptado de BRASIL,
2018b).
Conforme consta no sítio digital sobre a BNCC do MEC:
4 De acordo com o documento, a BNCC coaduna com preceitos previstos na Constituição de 1988 (artigos 205:
educação como direito fundamental e compartilhado entre escola, Estado, família e sociedade e artigo 210:
previsão de uma base nacional comum), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/1996 (com
destaque para o artigo 9º e 26º que versam sobre a previsão da base comum), as Diretrizes Curriculares
Nacionais de 2013 [destacando a ampliação do conceito de contextualização “(...) como a inclusão, a valorização
das diferenças e o atendimento à pluralidade e à diversidade cultural resgatando e respeitando as várias
manifestações de cada comunidade”, (BRASIL, 2018, p. 11)] e o Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014)
quanto à antecipação da base (BRASIL, 2018).
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter normativo
que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos
os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação
Básica. Conforme definido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB, Lei nº 9.394/1996), a Base deve nortear os currículos dos sistemas e redes de
ensino das Unidades Federativas, como também as propostas pedagógicas de todas
as escolas públicas e privadas de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino
Médio, em todo o Brasil. A Base estabelece conhecimentos, competências e
habilidades que se espera que todos os estudantes desenvolvam ao longo da
escolaridade básica. Orientada pelos princípios éticos, políticos e estéticos traçados
pelas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, a Base soma-se aos
propósitos que direcionam a educação brasileira para a formação humana integral e
para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva (BRASIL,
2018b).
Nesse sentido, a BNCC prevê então um conjunto basilar de aprendizados essenciais e
estes visam assegurar os direitos de aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes. Com
isso, tais direitos figuram de forma reduzida e limitada, uma vez que se prevê, de acordo com
os preceitos do novo ensino médio (Lei 13.415/2017) que 60% da carga horária das escolas,
ou seja, 1.800 horas serão dedicadas ao que se determinará na BNCC. Ainda, a leitura do
documento curricular publicado pelo MEC, evidencia que, do ponto de vista disciplinar, a
base é falha e pondera hierarquicamente a importância dos diferentes saberes a serem
apreendidos na etapa final da educação básica. O organização pode ser verificada na Figura 1.
Figura 1 – Competências Gerais da Educação Básica – Ensino Médio
Fonte: BRASIL, 2018, p. 468.
Objetiva-se então com a BNCC, que ela contemple 60% da formação discente na
última etapa da educação básica, enquanto que os 40% restantes, destinados ao itinerário
formativo a ser escolhido pelo estudante (nas cinco áreas de conhecimento: linguagens,
matemáticas, ciências da natureza, ciências humanas e formação profissional) não é
mencionado nesse documento. Ou seja, além de restringir o aprendizado científico das
diferentes disciplinas, não prevê o que se deve apreender quando o estudante optar por um dos
itinerários para concluir o Ensino Médio. Isto demonstra que aquilo que for opção para o
estudante, tampouco será contemplado ou assegurado pela base (e mesmo pela escola) que
representa apenas uma parte do aprendizado.
A BNCC do Ensino Médio promove empobrecimento ao aprendizado discente em sua
concepção. O foco nas competências, habilidades contextualização e interdisciplinaridade
entre as áreas de conhecimento conforma um modelo curricular que conduz ao estreitamento
curricular. Tal constatação favorece, segundo constatado na Lei nº 13.415/2017 o caráter
prematuro chamando a atenção para “(...) a complexidade de tratar integração curricular dos
conhecimentos que vem a ser um discurso hegemônico nas políticas educacionais que carrega
o sentido de inovação” (ROCHA, 2013, p. 30). São modelos de currículos que tendem à
homogeneização, elegendo conteúdos a partir de áreas do conhecimento, desconsiderando o
objetivo principal da formação de estudantes e de construção de conhecimentos significativos.
Lopes (2006) salienta que:
Variados discursos atuam como instrumentos de homogeneização nas políticas, –
listagens de competências, práticas de avaliação centralizada nos resultados,
modelos internacionais de avaliação, práticas de avaliação de livros didáticos e a
própria concepção de livro didático como um guia do trabalho docente –
construindo, de diferentes formas, um discurso favorável à centralização curricular
(LOPES, 2006, p. 43).
Tanto a Reforma do Ensino Médio, quanto seu pilar de sustentação curricular, que é a
BNCC, são paliativos que rejeitam atuar sobre as gritantes desigualdades educacionais
existentes no país, senão ampliá-las.
4. As Ciências Humanas e Sociais Aplicadas e o espaço reducionista da BNCC
De acordo com os princípios da BNCC do Ensino Médio, a organização por áreas do
conhecimento não exclui as disciplinas com suas especificidades e saberes, mas implica o
fortalecimento da relação entre elas e sua contextualização para apreensão e intervenção na
realidade requerendo trabalho conjugado e colaborativo entre professores no planejamento e
execução dos planos de ensino (BRASIL, 2018). Destarte, de acordo com o documento essa
“(...) organização, portanto, deve contribuir para a integração dos conhecimentos, entendida
como condição para a atribuição de sentidos aos conceitos e conteúdos estudados nas escolas”
(BRASIL, 2018, p. 469).
As competências e habilidades segundo a BNCC articulam-se às aprendizagens
essenciais estabelecidas para o Ensino Fundamental5 (com propositura disciplinar: Língua
Portuguesa, Arte, Educação Física, Língua Inglesa, Matemática, Ciências, Geografia, História
e Ensino Religioso) e tem objetivo de consolidar, aprofundar e ampliar a formação integral
dos estudantes atendendo às finalidades do Ensino Médio. Nesse ponto é importante ressaltar
que embora pregue a continuidade, a base apresentada para a escola média é diametralmente
descontínua em relação à etapa anterior, esta, prevista de forma disciplinar e a posterior,
elencada em áreas de conhecimento com a definição de duas disciplinas como significativas
para os discentes e atrelando a flexibilidade ao aprendizado por áreas do saber. A questão que
cabe é: como fica o aprofundamento dos conceitos relativos às diferentes ciências? Estes
serão integralizados? De que maneira? A BNCC desponta mais como discurso que como
prática.
Ainda, há confusão semântica no documento da base pois
(...) a BNCC do Ensino Médio não se constitui no currículo dessa etapa, mas define
as aprendizagens essenciais a ser garantidas a todos os estudantes e orienta a
(re)elaboração de currículos e propostas pedagógicas, seja no que diz respeito ao
âmbito específico da BNCC, seja no tocante à organização e à proposição de
itinerários formativos (BRASIL, 2018, p. 471).
Assim, ao afirmar que a BNCC não é currículo, mas que define aprendizagens, orienta
propostas pedagógicas pecando por excesso: o documento é uma listagem de saberes e um
currículo milimetricamente cronometrado em códigos alfanuméricos para serem apreendidos
no ensino médio brasileiro.
O currículo da BNCC não é flexível, ao contrário, é ultra condensado e como política
curricular, mais fragmentado que outros modelos praticados no país. Confunde-se
5 No Ensino Fundamental dividiu-se na BNCC os conhecimentos em áreas (5) e saberes dos diferentes
componentes curriculares decompostos entre os Anos Iniciais e Finais. Com isso, destaca-se as competências das
áreas de conhecimento, os componentes curriculares contemplados e os saberes específicos dos componentes
curriculares (BRASIL, 2018).
flexibilidade e modelo diversificado com reducionismo e achatamento de conhecimentos de
determinadas disciplinas. Ademais, o documento define possibilidades de articulação entre as
áreas de conhecimento já amplamente debatidas e praticadas salas de aula Brasil afora
(laboratórios, oficinas, clubes, observatórios, incubadoras, núcleo de estudos e núcleos de
criação artística) continuando ausentes da BNCC as condições práticas e efetivas sob as quais
os docentes possam realizar e protagonizar junto aos discentes a integralização dos
conhecimentos entre as áreas, questão postergada tanto pela Reforma do Ensino Médio
quanto pela base.
Para elucidar as indagações impetradas no artigo a respeito da BNCC, faremos
menção à organização da área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, objetivando
estabelecer o lugar que se ocupa e disputa no âmbito disciplinar.
A área, tal qual se ressalta na BNCC integra as disciplinas de Filosofia, Sociologia,
História e Geografia e tem como elemento fundante a construção de uma educação ética
baseada na conduta humana com vistas para a justiça, a solidariedade e o livre-arbítrio. Um
dos focos centrais para as Ciências Humanas e Sociais Aplicadas é compreender e reconhecer
as diferenças, respeitar os direitos humanos, reconhecer as diferenças e a interculturalidade,
combatendo os preconceitos (BRASIL, 2018, p.547).
Além de elencar uma série de tarefas para a área (tais como problematização; propor e
questionar hipóteses; identificar ambiguidades e contradições; estabelecer diálogos; dominar
conceitos e metodologias próprias da área; construir argumentos; analisar, relacionar
comparar e compreender contextos e identidades; aprender a indagar – com reflexão crítica
entre outros), a BNCC designa categorias que devem ser tematizadas e problematizadas:
Tempo e Espaço, Territórios e fronteiras, Indivíduo, Natureza, Sociedade, Cultura e ética,
Política e Trabalho. Dessa forma, as competências e habilidades das Ciências Humanas e
Sociais Aplicadas deve considerar as categorias mencionadas. De antemão se restringe tão
ampla gama de conhecimentos a menos de uma dezena de temas, ponto não especificado nas
demais áreas como Linguagens, Matemática e Ciências da Natureza. De acordo com destaque
do documento
Considerando esses desafios e finalidades no tocante às aprendizagens a ser
garantidas aos jovens, a BNCC da área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas
está organizada de modo a tematizar e problematizar, no Ensino Médio, algumas
categorias dessa área, fundamentais à formação dos estudantes: tempo e espaço;
territórios e fronteiras; indivíduo, natureza, sociedade, cultura e ética; e política e
trabalho (BRASIL, 2018, p. 549).
Ainda, para explicitar as categorias menciona-se que elas são
(...) fundantes para a investigação e a aprendizagem, não se confundindo com temas
ou propostas de conteúdos. São aquelas cuja tradição nos diferentes campos das
Ciências Humanas utiliza para a compreensão das ideias, dos fenômenos e dos
processos políticos, sociais, econômicos e culturais (BRASIL, 2018, p. 549).
Igualmente, as categorias são mencionadas no sentido de atribuir e possibilitar o
acesso a conceitos, dados e informações que permitam aos discentes atribuir sentidos aos
conhecimentos da área e utilizá-los para a compreensão, crítica e enfrentamento ético de
desafios cotidianos.
Além das categorias já referenciadas, a área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas
deve garantir aos estudantes o desenvolvimento de competências específicas enumeradas em
seis (6)6 e relaciona-se a elas o desenvolvimento de habilidades a serem alcançadas nessa
etapa, um total de 31 habilidades relacionadas às competências da área7.
Tabela 1 – Competências Específicas da área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas
Competências Específicas – Ciências Humanas e Sociais Aplicadas
1 Analisar processos políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais nos âmbitos local, regional,
nacional e mundial em diferentes tempos, a partir de procedimentos epistemológicos e científicos, de modo
a compreender e posicionar-se criticamente com relação a esses processos e às possíveis relações entre eles.
2 Analisar a formação de territórios e fronteiras em diferentes tempos e espaços, mediante a compreensão dos
processos sociais, políticos, econômicos e culturais geradores de conflito e negociação, desigualdade e
igualdade, exclusão e inclusão e de situações que envolvam o exercício arbitrário do poder.
3 Contextualizar, analisar e avaliar criticamente as relações das sociedades com a natureza e seus impactos
econômicos e socioambientais, com vistas à proposição de soluções que respeitem e promovam a
consciência e a ética socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional, nacional e global.
4 Analisar as relações de produção, capital e trabalho em diferentes territórios, contextos e culturas,
discutindo o papel dessas relações na construção, consolidação e transformação das sociedades.
5 Reconhecer e combater as diversas formas de desigualdade e violência, adotando princípios éticos,
democráticos, inclusivos e solidários, e respeitando os Direitos Humanos.
6 Participar, pessoal e coletivamente, do debate público de forma consciente e qualificada, respeitando
diferentes posições, com vistas a possibilitar escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto
de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.
Fonte: BRASIL, 2018. Elaboração própria.
A seguir serão elencadas tabelas com as Competências e suas referidas habilidades
apresentadas em códigos alfanuméricos.
6 Ver Tabela 1.
7 Dispostas nas Tabelas 2 a 7.
Tabela 2 – Competência 1 - 6 habilidades
(EM13CHS101) Analisar e comparar diferentes fontes e narrativas expressas em diversas linguagens, com
vistas à compreensão e à crítica de ideias filosóficas e processos e eventos históricos, geográficos, políticos,
econômicos, sociais, ambientais e culturais.
(EM13CHS102) Identificar, analisar e discutir as circunstâncias históricas, geográficas, políticas, econômicas,
sociais, ambientais e culturais da emergência de matrizes conceituais hegemônicas (etnocentrismo, evolução,
modernidade etc.), comparando-as a narrativas que contemplem outros agentes e discursos.
(EM13CHS103) Elaborar hipóteses, selecionar evidências e compor argumentos relativos a processos políticos,
econômicos, sociais, ambientais, culturais e epistemológicos, com base na sistematização de dados e
informações de natureza qualitativa e quantitativa (expressões artísticas, textos filosóficos e sociológicos,
documentos históricos, gráficos, mapas, tabelas etc.).
(EM13CHS104) Analisar objetos da cultura material e imaterial como suporte de conhecimentos, valores,
crenças e práticas que singularizam diferentes sociedades inseridas no tempo e no espaço.
(EM13CHS105) Identificar, contextualizar e criticar as tipologias evolutivas (como populações nômades e
sedentárias, entre outras) e as oposições dicotômicas (cidade/ campo, cultura/natureza, civilizados/bárbaros,
razão/sensibilidade, material/virtual etc.), explicitando as ambiguidades e a complexidade dos conceitos e dos
sujeitos envolvidos em diferentes circunstâncias e processos.
(EM13CHS106) Utilizar as linguagens cartográfica, gráfica e iconográfica e de diferentes gêneros textuais e as
tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas
práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir
conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.
Fonte: BRASIL, 2018. Elaboração própria.
Tabela 3 – Competência 2 - 6 habilidades
(EM13CHS201) Analisar e caracterizar as dinâmicas das populações, das mercadorias e do capital nos diversos
continentes, com destaque para a mobilidade e a fixação de pessoas, grupos humanos e povos, em função de
eventos naturais, políticos, econômicos, sociais e culturais.
(EM13CHS202) Analisar e avaliar os impactos das tecnologias na estruturação e nas dinâmicas das sociedades
contemporâneas (fluxos populacionais, financeiros, de mercadorias, de informações, de valores éticos e
culturais etc.), bem como suas interferências nas decisões políticas, sociais, ambientais, econômicas e culturais.
(EM13CHS203) Contrapor os diversos significados de território, fronteiras e vazio (espacial, temporal e
cultural) em diferentes sociedades, contextualizando e relativizando visões dualistas como civilização/barbárie,
nomadismo/sedentarismo e cidade/campo, entre outras.
(EM13CHS204) Comparar e avaliar os processos de ocupação do espaço e a formação de territórios,
territorialidades e fronteiras, identificando o papel de diferentes agentes (como grupos sociais e culturais,
impérios, Estados Nacionais e organismos internacionais) e considerando os conflitos populacionais (internos e
externos), a diversidade étnico-cultural e as características socioeconômicas, políticas e tecnológicas.
(EM13CHS205) Analisar a produção de diferentes territorialidades em suas dimensões culturais, econômicas,
ambientais, políticas e sociais, no Brasil e no mundo contemporâneo, com destaque para as culturas juvenis.
(EM13CHS206) Compreender e aplicar os princípios de localização, distribuição, ordem, extensão, conexão,
entre outros, relacionados com o raciocínio geográfico, na análise da ocupação humana e da produção do
espaço em diferentes tempos.
Fonte: BRASIL, 2018. Elaboração própria.
Tabela 4 – Competência 3 - 6 habilidades
(EM13CHS301) Problematizar hábitos e práticas individuais e coletivos de produção e descarte (reuso e
reciclagem) de resíduos na contemporaneidade e elaborar e/ou selecionar propostas de ação que promovam a
sustentabilidade socioambiental e o consumo responsável.
(EM13CHS302) Analisar e avaliar os impactos econômicos e socioambientais de cadeias produtivas ligadas à
exploração de recursos naturais e às atividades agropecuárias em diferentes ambientes e escalas de análise,
considerando o modo de vida das populações locais e o compromisso com a sustentabilidade.
(EM13CHS303) Debater e avaliar o papel da indústria cultural e das culturas de massa no estímulo ao
consumismo, seus impactos econômicos e socioambientais, com vistas a uma percepção crítica das
necessidades criadas pelo consumo.
(EM13CHS304) Analisar os impactos socioambientais decorrentes de práticas de instituições governamentais,
de empresas e de indivíduos, discutindo as origens dessas práticas, e selecionar aquelas que respeitem e
promovam a consciência e a ética socioambiental e o consumo responsável.
(EM13CHS305) Analisar e discutir o papel dos organismos nacionais de regulação, controle e fiscalização
ambiental e dos acordos internacionais para a promoção e a garantia de práticas ambientais sustentáveis.
(EM13CHS306) Contextualizar, comparar e avaliar os impactos de diferentes modelos econômicos no uso dos
recursos naturais e na promoção da sustentabilidade econômica e socioambiental do planeta.
Fonte: BRASIL, 2018. Elaboração própria.
Tabela 5 – Competência 4 - 4 habilidades
(EM13CHS401) Identificar e analisar as relações entre sujeitos, grupos e classes sociais diante das
transformações técnicas, tecnológicas e informacionais e das novas formas de trabalho ao longo do tempo, em
diferentes espaços e contextos.
(EM13CHS402) Analisar e comparar indicadores de emprego, trabalho e renda em diferentes espaços, escalas
e tempos, associando-os a processos de estratificação e desigualdade socioeconômica.
(EM13CHS403) Caracterizar e analisar processos próprios da contemporaneidade, com ênfase nas
transformações tecnológicas e das relações sociais e de trabalho, para propor ações que visem à superação de
situações de opressão e violação dos Direitos Humanos.
(EM13CHS404) Identificar e discutir os múltiplos aspectos do trabalho em diferentes circunstâncias e
contextos históricos e/ou geográficos e seus efeitos sobre as gerações, em especial, os jovens e as gerações
futuras, levando em consideração, na atualidade, as transformações técnicas, tecnológicas e informacionais.
Fonte: BRASIL, 2018. Elaboração própria.
Tabela 6 – Competência 5 - 4 habilidades
(EM13CHS501) Compreender e analisar os fundamentos da ética em diferentes culturas, identificando
processos que contribuem para a formação de sujeitos éticos que valorizem a liberdade, a autonomia e o poder
de decisão (vontade).
(EM13CHS502) Analisar situações da vida cotidiana (estilos de vida, valores, condutas etc.), desnaturalizando
e problematizando formas de desigualdade e preconceito, e propor ações que promovam os Direitos Humanos, a
solidariedade e o respeito às diferenças e às escolhas individuais.
(EM13CHS503) Identificar diversas formas de violência (física, simbólica, psicológica etc.), suas causas,
significados e usos políticos, sociais e culturais, avaliando e propondo mecanismos para combatê-las, com base
em argumentos éticos.
(EM13CHS504) Analisar e avaliar os impasses ético-políticos decorrentes das transformações científicas e
tecnológicas no mundo contemporâneo e seus desdobramentos nas atitudes e nos valores de indivíduos, grupos
sociais, sociedades e culturas.
Fonte: BRASIL, 2018. Elaboração própria.
Tabela 7 – Competência 6 - 5 habilidades
(EM13CHS601) Relacionar as demandas políticas, sociais e culturais de indígenas e afrodescendentes no
Brasil contemporâneo aos processos históricos das Américas e ao contexto de exclusão e inclusão precária
desses grupos na ordem social e econômica atual.
(EM13CHS602) Identificar, caracterizar e relacionar a presença do paternalismo, do autoritarismo e do
populismo na política, na sociedade e nas culturas brasileira e latino-americana, em períodos ditatoriais e
democráticos, com as formas de organização e de articulação das sociedades em defesa da autonomia, da
liberdade, do diálogo e da promoção da cidadania.
(EM13CHS603) Compreender e aplicar conceitos políticos básicos (Estado, poder, formas, sistemas e regimes
de governo, soberania etc.) na análise da formação de diferentes países, povos e nações e de suas experiências
políticas.
(EM13CHS604) Conhecer e discutir o papel dos organismos internacionais no contexto mundial, com vistas à
elaboração de uma visão crítica sobre seus limites e suas formas de atuação.
(EM13CHS605) Analisar os princípios da declaração dos Direitos Humanos, recorrendo às noções de justiça,
igualdade e fraternidade, para fundamentar a crítica à desigualdade entre indivíduos, grupos e sociedades e
propor ações concretas diante da desigualdade e das violações desses direitos em diferentes espaços de vivência
dos jovens.
Fonte: BRASIL, 2018. Elaboração própria.
Considerando os limites que o artigo apresenta, não se fará uma pormenorização das
competências gerais da área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, mas serão
dimensionados os principais entraves para um modelo de política curricular tal qual
apresentado na BNCC do Ensino Médio, além dos já referenciados no decorrer trabalho e
implica igualmente a área.
Tal como preconizada, de forma centralizadora e disposta de modo a listar conteúdos e
códigos, evidencia-se a fragilização da formação crítica (ainda que destacada e defendida na
BNCC) e a autonomia intelectual discente. A mera enumeração de competências e habilidades
numa propositura curricular deve preceder ao planejamento pedagógico para se atingir o
objetivo de interdisciplinaridade e mesmo aplicabilidade do desenvolvimento das demandas
arroladas.
Demonstra-se, pela organização da BNCC a intenção de imposições e adequações
como meros mecanismos de controle sobre as avaliações em larga escala, deixando à mercê
os padrões de qualidade de ensino, direitos de aprendizagem de fato das diferentes ciências,
uma vez que elencar como disciplinas obrigatórias somente Língua Portuguesa e Matemática
implicará em desorganização do trabalho docente na escola, além do empobrecimento e
estreitamento curricular reducionista dimensionado dentro de um modelo que favorece uma
formação mecanizada, menos crítica e analítica.
A efetivação da interdisciplinaridade pressuposta no documento não se realizará no
âmbito escolar com a mera aglutinação de várias perspectivas focadas em competências e
habilidades, mas sim num movimento que oportunize efetivamente a construção de novos
conhecimentos, estes não necessariamente confrontando disciplinas já constituídas e
abandonando-as, mas erigindo uma postura cognitiva omnilateral apta a melhor interpretar a
realidade e atuar sobre ela.
No caso da área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, as redes de ensino deverão
organizar-se para dar conta dentro do universo disciplinar da Geografia, História, Filosofia e
Sociologia8 das seis competências gerais (restritas à área de conhecimento) desenvolvendo
junto aos estudantes um conjunto de 31 habilidades relacionadas às competências. Além de
reducionismo no currículo e de uma proposta interdisciplinar difusa, não se esgota a
indagação de como se fará o organizará tal empreitada.
Com isso, seria importante a ressignificação dos atos de aprender e ensinar e estes não
foram objetivos ponderados na BNCC senão pasteurizar o conhecimento do Ensino Médio
propagandeando-o como novo e com pilares reformistas, que na verdade não transformam,
modificam ou reestruturam essa etapa da educação básica, senão, demonstram a opção pelo
caminho de menor custo para a administração governamental e seus projetos emergenciais,
sem lidar com as necessárias e impreteríveis demandas da educação pública do país.
5. Considerações Finais
Elencada como substrato da equidade educacional do país, a BNCC tem importância
estratégica na repercussão das avaliações nacionais, na formação continuada e de professores
afora a confecção de materiais didáticos. Daí compreendermos a pressa na implementação da
base nacional, subproduto da Reforma do Ensino Médio brasileiro promovido
antidemocraticamente pela Lei 13.4215/2017.
O documento enxerga no discente brasileiro aquele capaz de mobilizar conhecimentos
através de atitudes e valores que os prepararão para o mundo do trabalho e para a cidadania.
Com o aprimoramento pessoal baseado na ética, autonomia individual, pensamento crítico-
reflexivo, criatividade e sustentabilidade as competências presentes na BNCC serão o
respaldo para a empreitada educacional na escola média.
Sob a ótica da negação dos direitos de aprendizagem básicos, a BNCC insurge como
currículo e solução dos impasses no Ensino Médio brasileiro. Propondo um projeto difuso de
interdisciplinaridade, contextualização e flexibilização por áreas de conhecimento, o
documento indica visão hierarquizante do saber, persistindo em elencar um estreitamento e
8 Caso ela se mantenham como disciplinas no Ensino Médio. De acordo coma Lei 13.415/2017, os Conselhos
Estaduais de Educação (CEE) ficarão encarregados da sistematização e organização dos componentes
curriculares dentro das áreas de conhecimento. A legislação opta pela abertura e livre organização dentro das
demandas impetradas pelos Conselhos Estaduais.
pobreza curriculares alicerçando um projeto falho e de ampliação das desigualdades
educacionais.
Relegando-se a uma listagem de competências e habilidades para cada área de
conhecimento, aqui se destacou a composição das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. A
base restringe-se à fragmentação do conhecimento que se sobrepõe à interdisciplinaridade que
pressupõe minimamente a disciplinaridade, o planejamento pedagógico e a dedicação
exclusiva do corpo docente às instituições escolares para que possa de fato existir no plano
prático e não somente no teórico, atestando mais uma fraca e obtusa contribuição da BNCC
para a escola média.
6. Referências
APPLE, M. W. Ideologia e currículo. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.
BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico. Classe, códigos e controle.
Petrópolis: Rio de Janeiro: Vozes, 1996.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular, 2018. Disponível em:
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/wp-
content/uploads/2018/04/BNCC_EnsinoMedio_embaixa_site.pdf Acesso em 10 de junho de
2018.
______. Educação é a Base. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/ Acesso
em 10 de junho de 2018b.
______. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal:
Centro Gráfico, 1988. 292 p.
______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394/1996. Brasília: MEC,
1996.
______. Parâmetros Curriculares nacionais: ensino médio – Ciências Humanas e Suas
Tecnologias. Ministério da Educação, Brasília, 1999.
______. PCN + Ensino Médio: Orientações Educacionais Complementares aos
Parâmetros Curriculares Nacionais. Ciências Humanas e Suas Tecnologias. Secretaria de
Educação Média e Tecnológica. Brasília: MEC; SEMTEC, 2002.
______. Conhecimentos de Sociologia. In: Orientações Curriculares para o ensino médio.
Ciências Humanas e Suas tecnologias. Vol. 3. Ministério da Educação, Secretaria de
educação básica. Brasília, 2006. p. 101-133. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_03_internet.pdf Acesso em:
10/06/2009.
______. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica. Ministério da
Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Currículos e Educação Integral.
Brasília: MEC, DEB, DICEI, 2013.
______. Plano Nacional de Educação 2014-2024 [recurso eletrônico]: Lei nº 13.005, de 25
de junho de 2014, que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) e dá outras providências.
– Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2014.
______. Lei 13.415/2017. Altera as Leis nºs 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007, que
regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT,
aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e o Decreto-Lei nº 236, de 28
de fevereiro de 1967; revoga a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política
de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral.
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2017/lei-13415-16-fevereiro-2017-
784336-publicacaooriginal-152003-pl.html Acesso em 15 de junho de 2018.
CÁSSIO, F. Participação e participacionismo na construção da Base Nacional Comum
Curricular, Nexo Jornal, 2017. Disponível em:
https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2017/Participa%C3%A7%C3%A3o-e-
participacionismo-na-constru%C3%A7%C3%A3o-da-Base-Nacional-Comum-Curricular
Acesso em 12 de junho de 2018.
GOODSON, I, F. Currículo: teoria e história. Petrópolis: Rio de Janeiro: Vozes, 1995.
KRAWCZYC, N. O ensino médio no Brasil. São Paulo: Ação Educativa, 2009.
______. Reflexões sobre alguns desafios do Ensino Médio no Brasil hoje. Cadernos de
Pesquisa, v. 41, n. 144, set./dez. 2011, p. 752-769.
LIMA, J. G. S. A, COSTA, S.G e PERNAMBUCO, M. M. C. Ensino Médio e Interdisciplinaridade:
reflexões sobre o ensino de Sociologia. HOLOS, ano 28, vol. 2, p. 174-183, 2012.
LOPES, A. C. Discursos nas políticas de currículo. Currículo Sem Fronteiras, v. 6, n. 2,
jul/dez 2006b, p. 33-52.
MOREIRA, A. F. e TADEU, T. T. Sociologia e teoria crítica do currículo: uma introdução.
In: MOREIRA, A. F. e TADEU, T. T. Currículo, cultura e sociedade. São Paulo: Cortez,
2011.
MORIN, E. Articular os saberes. In: ALVES, N. & GARCIA, R. L. (orgs.). O sentido da
escola. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.
RAMOS, M. N. O currículo para o Ensino Médio em suas diferentes modalidades:
concepções, propostas e problemas. Educação & Sociedade. Revista de Ciências da
Educação. Campinas, v. 32, n. 116, jul.-set. 2011, p. 771-788.
ROCHA, A. A. C. N. Questionando o questionário: uma análise de currículo e sentidos
de Geografia no ENEM. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Faculdade de Educação,
UFRJ, 2013. (Tese de Doutorado).
SILVA, T. T. Documento de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 3ª ed.
Belo Horizonte: Minas Gerais: Autêntica, 2009.
ZAN, D. D. P. Documentos Curriculares para o Ensino Médio e a Agenda Política dos anos
de 1990 no Brasil. ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza,
2009. Disponível em: http://anais.anpuh.org/wp-
content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S25.1124.pdf Acesso em 10 de janeiro de 2014.