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GÊNEROS TEXTUAIS NOS LIVROS DIDÄTICOS: PROBLEMAS DO ENSINO E DA
FORMAÇÃO DOCENTE
Dra. Leonor Werneck dos Santos (UFRJ / leonorwerneck@yahoo.com.br)
Resumo: Desde a publicação dos PCN, com as avaliações de livros didáticos organizadas
pelo MEC, vem sendo defendido o ensino de língua portuguesa pautado em gêneros textuais e
outros pressupostos teóricos apresentados pela Linguística Textual, como os conceitos de
referenciação, sequenciação, etc. Entretanto, é necessário analisar de que maneira os livros
didáticos de língua portuguesa vêm colocando em prática alguns desses conceitos. Este artigo
discutirá a abordagem de tipologia e gênero textual nos PCN e nas onze coleções de livros
didáticos de língua portuguesa aprovadas pelo PNLEM 2009. São discutidos os conceitos
presentes nesses manuais didáticos e sua aplicação, visando a observar: (1) de que maneira a
teoria de gêneros textuais vem colaborando para uma visão mais crítica do ensino de língua
portuguesa, enfatizando leitura e produção textual; e (2) se esses materiais didáticos oferecem
subsídios básicos para os docentes abordarem tais conceitos.
Palavras-chave: ensino, língua portuguesa, Linguística Textual, PCN, gêneros textuais,
livros didáticos.
Abstract: For a long time, a critical view of Portuguese language teaching has been proposed
and it has been emphasized the importance of developing reading and writing skills. Since the
publication of the National Curriculum Parameters (PCN) and the evaluation of class books
by the Ministry of Education (MEC), the linguistics approach of Portuguese language
teaching has been based on some concepts of Text Linguistics, as reference, text genres,
sequencing etc. However, it is necessary to analyze how Portuguese class books are
presenting such concepts. So, this paper aims to contribute to this discussion showing how
these concepts are presenting by some of these books.
Keywords: Portuguese language teaching, Text Linguistics, school curricular parameters, text
genres, class books.
1. Introdução
Este artigo pretende analisar de que maneira os livros didáticos de português (LDP) de ensino
fundamental e médio publicados a partir de 2004 estão apresentando e aplicando o conceito
de gêneros textuais (GT), apresentado por teorias que defendem o caráter sociointeracional
dos textos, como a Linguística Textual. Os objetivos desta etapa da pesquisa foram: analisar o
tratamento dado aos GT nos LDP, elencando os equívocos teóricos referentes a esse conceito
e os problemas referentes à nomenclatura – para isso, foi necessário observar também de que
maneira as tipologias textuais (TT) aparecem nos LDP; comparar a apresentação teórica do
Manual do Professor (MP) encartado nesses livros com a abordagem no material do aluno
(teoria e atividades propostas); analisar os pressupostos teóricos que norteiam o trabalho com
GT e TT, com base no MP e nos capítulos do livro1; analisar as atividades de leitura e
produção textual propostas nos LDP, explícita ou implicitamente relacionadas pelos autores a
GT e TT.
Os pressupostos que norteiam o embasamento teórico sobre GT geralmente retomam Bakhtin
(1929[1992]) e encontram-se em obras recentes – de autores postulantes de linhas teóricas
diversas –, dentre as quais podemos citar Karkowsky et al. (2006), Cavalcante et al. (2007),
Koch (2002, 2003), Koch & Elias (2006), Meurer et al. (2005), Dolz & Schneuwly (2004),
Marcuschi (2002, 2008), Travaglia (2003, 2007a, 2007b), dentre outros. Neste artigo, faremos
uma breve apresentação teórica sobre GT e TT, relacionando esses conceitos aos que
aparecem nos documentos oficiais voltados para o ensino médio – PCNEM e PCNEM+ – e
também para o ensino fundamental – PCNEF e PCNEF em ação –, que fundamentam e
inspiram as referências bibliográficas dos manuais didáticos analisados. Como os livros
didáticos privilegiam a terminologia gêneros textuais e tipologias textuais, justificamos nossa
opção por essa nomenclatura como ponto de partida para a análise dos LDP, embora
apresentemos outros termos que aparecem nos manuais.
1 Além da análise dos LDP, cerca de 200 professores recém-formados e formandos de Letras de Universidades públicas do Rio de Janeiro foram entrevistados, para traçar um panorama da formação desses profissionais sobre o conceito de GT e sua importância no ensino. Os resultados dessa entrevista, porém, não constam deste artigo.
A discussão a respeito da abordagem teórico-metodológica de Tipologia Textual (TT) e
Gênero Textual (GT) será feita nas onze coleções de LDP de ensino médio aprovados pelo
Programa Nacional do Livro Didático de Ensino Médio (PNLEM-2009)2. É importante
destacar, porém, que não temos a intenção de avaliar a qualidade desses materiais didáticos
nem a pertinência da avaliação dos programas oficiais do MEC, mas pretendemos incluir no
debate sobre ensino de língua portuguesa o conflito teoria/prática percebido nos manuais
didáticos no que se refere a TT e GT.
Apesar do destaque que o trabalho com gêneros textuais variados vem recebendo nas
pesquisas acadêmicas e propostas pedagógicas, nem sempre os livros didáticos de português
parecem aplicar coerentemente esse conceito. Como para muitos professores os LDP
configuram-se, mais que um material de trabalho com os alunos, um apoio teórico-
metodológico para a atuação em sala de aula, é necessário, portanto, discutir o ensino de GT,
analisando os manuais didáticos e a formação docente para pensar numa metodologia de
abordagem do tema coerente com os princípios de formação de cidadãos críticos e
conscientes, tão defendida nos documentos oficiais.
2. O texto nos PCN: aspectos teórico-metodológicos e consequências no ensino
Uma das discussões mais frequentes atualmente na área de educação engloba os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) e seu reflexo no ensino. Com relação à língua portuguesa, os
PCN apresentam propostas que valorizam as variedades e pluralidade de uso linguístico, em
diversos gêneros textuais orais e escritos, em todas as séries do ensino fundamental e médio.
Esse é um dos aspectos através dos quais os PCN pretendem colaborar na formação de
cidadãos críticos e conscientes.
Entretanto, como já alertamos em Santos (2005), apesar de algumas ideias que aparecem nos
PCN não serem novas – pelo contrário, são objeto de debate há décadas, como é o caso, por
exemplo, dos pressupostos da Linguística Textual e da Análise do Discurso –, a reação dos
profissionais de educação nem sempre é de concordância com as mudanças engendradas pelos
2 Originalmente, em 2005, foi feita a avaliação dos LDP de ensino médio publicados até 2004 e inscritos neste Programa de avaliação; entretanto, as resenhas das 11 coleções aprovadas só foram divulgadas em 2008, na publicação intitulada Catálogo do PNLEM 2009.
Parâmetros. Desde a década de 1980, diversos autores se pronunciaram a favor de um ensino
de língua portuguesa pautado na abordagem textual, para que o professor perceba, como
destaca Souza, a importância de “ensinar a pensar a e na sua língua” (1984, p. 6 [grifos do
autor]). Porém, por deficiências na sua formação e/ou falta de atualização, o professor se
confunde em meio a termos e teorias que não domina – como o conceito de gênero textual,
por exemplo –, ao ler os PCN e os livros didáticos que adota. Então, é este o crítico quadro
com o qual se depara o professor: devido à exigência do MEC, uma vez que são avaliados
conforme os Parâmetros, esses materiais se baseiam nos PCN, mas nem sempre a abordagem
de língua e texto é coerente; e nem sempre os próprios Parâmetros são claros quanto a esses
temas.
Começando pelos Parâmetros voltados para o ensino fundamental – que de certa forma são
retomados nos documentos destinados ao nível médio –, a perspectiva atual de ensino de
língua apresenta a leitura e a produção de gêneros textuais variados como base para a
formação do aluno, mostrando que a língua não é homogênea, mas um somatório de
possibilidades condicionadas pelo uso e pela situação discursiva. Dessa forma, é reprovado
pelos PCNEF (Brasil, p. 18) o “ensino descontextualizado de metalinguagem” com base em
uma “teoria gramatical inconsistente”, em que o texto é usado apenas como pretexto para
retirar exemplos de “bom uso” da língua. Assim, os PCN defendem que o texto deva ser a
unidade de ensino, com base numa diversidade de GT.
Essa concepção do texto como unidade de ensino para desenvolver a competência
comunicativa dos alunos também é defendida por Travaglia (1996, 2003), para quem a língua,
mais que teoria, é um “conjunto de conhecimentos linguísticos que o usuário tem
internalizados para uso efetivo em situações concretas de interação comunicativa” (2003, p.
17) e só assim se pode conceber o ensino dessa disciplina, na produção e leitura de textos
diversos. Esse mote da perspectiva de ensino de língua mais produtivo ecoa nos PCNEF
(Brasil, p. 23): “Toda educação comprometida com o exercício da cidadania precisa criar
condições para que o aluno possa desenvolver sua competência discursiva”. É, portanto, na
percepção das situações discursivas, materializadas nos GT, que o aluno poderá se constituir
como cidadão e exercer seus direitos como usuário da língua.
Além disso, nos PCNEF (Brasil, p. 49), enfatiza-se que
No trabalho com os conteúdos previstos nas diferentes práticas, a escola deverá organizar um conjunto de
atividades que possibilitem ao aluno desenvolver o domínio da expressão oral e escrita em situações de uso
público da linguagem, levando em conta a situação de produção social e material do texto (lugar social do
locutor em relação ao(s) destinatário(s); destinatário(s) e seu lugar social; finalidade ou intenção do autor; tempo
e lugar material da produção e do suporte) e selecionar, a partir disso, os gêneros adequados para a produção do
texto, operando sobre as dimensões pragmática, semântica e gramatical.
Dessa forma, os PCNEF apresentam as três práticas – escuta de textos orais / leitura de textos
escritos, produção de textos orais e escritos, análise linguística –, que sustentam o ensino de
língua portuguesa, funcionando como um bloco na formação dos alunos. Os conteúdos
partem, portanto, de textos, valorizando e destacando diferenças e semelhanças, fazendo com
o aluno discuta o que vê ⁄ lê para conseguir se sentir usuário da língua e participante do
processo de aprendizagem. Em resumo, tem-se o princípio uso→ reflexão→ uso (Brasil,
1998, p. 65), já defendido por Travaglia (1996), de uma pluralidade de gêneros. E o objetivo
principal desse acesso a uma pluralidade de gêneros é desenvolver no aluno uma competência
metagenérica, que, segundo Koch & Elias (2006, p. 102), “possibilita a produção e a
compreensão de gêneros textuais, e até mesmo que os denominemos”.
Entretanto, há diversos problemas que permanecem no ensino de língua portuguesa, apesar
das mudanças propostas pelos Parâmetros. Dionísio & Bezerra (2002), por exemplo,
apresentam uma série de temas presentes em livros didáticos que carecem de fundamentação
teórica coerente e sistemática. Da pontuação à leitura e produção de textos, passando pela
morfossintaxe, os artigos organizados pelas autoras mostram quantos problemas advêm da
falta de organização de conteúdos e da metodologia inadequada. Os PCN sozinhos não
conseguem resolver isso, mas indicam alguns caminhos que deveriam ser seguidos por
autores de livros didáticos e professores. Para seguir os PCN, portanto, a abordagem textual,
por meio de GT variados, tem sido privilegiada nos livros didáticos, mas nem sempre de
maneira coerente, como se pode perceber numa rápida análise desses materiais.
O que percebemos é que os Parâmetros consideram o texto, tal qual apregoa Marcuschi (2008,
p. 72), como “um evento comunicativo em que convergem ações linguísticas, sociais e
cognitivas”. Porém, Marcuschi critica os PCN, afirmando que, com relação aos GT, há
“sugestão pouco clara do seu tratamento” e alerta que, como consequência, nos LDP, “são
poucos os casos de tratamento dos gêneros de maneira sistemática” (id., p. 207).
Assim, o professor e o autor de LDP que decidirem se basear nos Parâmetros para
compreender e aplicar as teorias de GT e TT, encontram alguns problemas: o primeiro, que
parece refletir no tratamento dado ao tema nos LDP, refere-se à oscilação na nomenclatura; o
segundo é a falta de definições consistentes nesses documentos oficiais; o terceiro é a falta de
relação entre terminologia utilizada e referências bibliográficas citadas (nem sempre cita-se o
teórico em que o documento está se baseando para determinada definição). Para ilustrarmos
esse problema, vejamos o Quadro 1, que lista os termos usados nos PCN:
Documento Nomenclatura para GT Nomenclatura para TT Presença de definição
PCNEF
(1998)
Gêneros (cf. p. 21) Sequências (p. 21), sequências
discursivas: narrativa, descritiva,
argumentativa, expositiva e
conversacional (p. 21, 56, 60)
Definição de gêneros (p. 20-
21), sequências (p. 22) e
suporte (p. 22)
PCNEF em
ação (3º. e
4º. ciclos),
vol. 1
Gêneros textuais (p. 166) Sequência descritiva (p. 150),
“tipo de texto (publicitário)” na
p. 117, “tipo de veículo”,
referindo-se a suporte (p. 119)
Não há definição dos termos.
Há comentários gerais sobre o
tema e listas de gêneros a
serem trabalhados no 3º. e no
4º. ciclos.
PCNEM Gêneros discursivos (p. 8,
21)
Tipos de discurso (p. 22) Não há definição dos termos.
Há comentários gerais sobre
gêneros.
PCNEM + Gêneros (p. 59), gêneros
textuais (p. 60, 64, 97).
Fala-se também de “tipos de
texto” para se referir a
gêneros (p. 39, 46)
Tipologia textual (p. 69), mas na
p. 62 aparece “sequências e
tipos”, dando a entender que são
aspectos diferentes da
constituição textual.
Definição de GT na p. 60. Há
diversos comentários teórico-
metodológicos sobre GT. Não
há definição de TT.
Quadro 1: Tipologia e gêneros textuais nos PCN
Essa oscilação na nomenclatura e a falta de definições têm consequências no ensino, pois os
autores de livros didáticos, na hora de citar termos e elaborar definições, nem sempre
demonstram em que textos pretendem se apoiar, talvez por isso, conforme veremos na seção a
seguir, haja incoerências teóricas e falta de sistematização no trabalho com GT e TT. O que
parece é que, nos LDP, se passou do período da inexistência de um trabalho coerente e
produtivo com textos, até a década de 90, para um período atual, de equívocos teóricos devido
à referência a termos e teorias nem sempre bem assimiladas por professores e autores de
livros didáticos.
No que se refere aos Parâmetros elaborados especificamente para o ensino médio, percebemos
que entre os dois materiais voltados para esse nível de ensino, PCNEM e PCNEM+, há
diferença de nomenclatura – além disso, o primeiro documento não define gênero, apenas tece
considerações gerais, enquanto os PCNEM+ definem gênero e detalham como deve ser a
abordagem em sala de aula. Nesses dois documentos, aparecem, respectivamente, os termos
“gênero discursivo” e “gênero textual”, e para alguns teóricos, classificar uma carta, por
exemplo, de um ou outro modo faz muita diferença. Rojo (in Meurer et al., 2005, p.
186[grifos da autora]) levanta a discussão: “Será que quando enunciamos, aparentemente
indiferentemente, as designações gêneros do discurso (ou discursivos) ou gêneros textuais (ou
de texto) estamos significando o mesmo objeto teórico ou objetos ao menos semelhantes?”. A
autora defende o termo “gênero discursivo”, que, entretanto, não figura na maioria dos
documentos oficiais e manuais didáticos. Mas seu questionamento ilustra o debate que vem
sendo feito academicamente sobre o tema.
Em linhas gerais, para Rojo (id., p. 189), a discrepância teórica decorre da maneira como
gênero e texto são tomados por linhas como Linguística Textual e Análise do Discurso, mas,
no que se refere aos gêneros, o que é grave para a autora é que considerar a terminologia
gênero textual implica minimizar o papel discursivo, sócio-histórico dos gêneros, e considerá-
los quase sinônimo de texto, como se percebe a seguir , no comentário feito (id, p. 188[grifos
da autora]) a um excerto de Marcuschi (2002): “...temos a diluição da fronteira entre gêneros
e textos. As palavras gêneros (...) deveriam ser, no meu entender, substituídas por textos ou
enunciados e seu uso, no enunciado acima, aponta para a quase sinonímia entre os dois termos
adotada pelo autor”. O próprio Marcuschi, entretanto, em obra publicada recentemente,
defende o caráter sociointeracional dos gêneros e destaca que essa diferença terminológica
parece secundária, por isso alerta que, no livro (2008, p. 154) em questão, não pretende
discutir
se é mais pertinente a expressão “gênero textual” ou a expressão “gênero discursivo” ou “gênero do discurso”.
Vamos adotar a aposição de que todas essas expressões podem ser usadas intercambiavelmente, salvo naqueles
momentos em que se pretende, de modo explícito e claro, identificar algum fenômeno específico.
Não parece haver nos Parâmetros, porém, essa preocupação terminológica, pois a
nomenclatura utilizada oscila num mesmo documento. Além disso, fatores semânticos
também parecem influenciar: tanto nos PCN quanto nos LDP, a palavra “tipos” parece ser
usada, às vezes, como sinônimo de “exemplos”, entretanto, como já há “tipos de textos”
referindo às tipologias narração, descrição etc., alguns trechos ficam ambíguos e pode-se
interpretar que tipos e gêneros referem-se ao mesmo conceito (cf. PCNEM+, p. 39 e 46). O
trecho abaixo, retirado de um dos LDP analisados (Amaral et al. (2005, v. 1, p. 248), ilustra
essa questão:
você vai entrar em contato com vários exemplos de textos com os quais convivemos cotidianamente: bilhetes,
cartas, letras de música, e-mails, reportagens, poemas, relatos, discursos, charges, quadrinhos, crônicas,
editoriais de jornal e revista etc. Reconhecer alguns desses tipos de textos(...) [grifos nossos].
Ainda com relação às tipologias textuais, os Parâmetros também oscilam na nomenclatura,
com predomínio de “sequências” (sem adjetivação “textual” ou “discursiva” predominante) –
mas a maioria dos livros didáticos prefere usar “tipologia textual”, embora alguns manuais
mesclem ambos os termos, como se verá na seção seguinte. Mais uma vez, há confusão
terminológica, e chama a atenção o fato de somente os PCN de ensino fundamental definirem
o que chamam de sequências, a despeito de esse tema ser muito comum em LDP de ensino
médio devido aos diversos exames pelos quais os alunos concluintes costumam passar, como
vestibulares e Enem. Além disso, nos PCNEM+, por exemplo, há um trecho que se refere a
“sequências e tipos”, sem mais explicações, o que pode induzir o professor a acreditar que são
conceitos completamente diferentes, quando, na verdade, não são.
Os comentários de Marcuschi a esse respeito são esclarecedores: para o autor (2008, p. 154-
155 [grifos do autor]), o tipo textual se caracteriza
muito mais como sequências linguísticas (sequências retóricas) do que como textos materializados; a rigor, são
modos textuais. Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como:
narração, argumentação, exposição, descrição, injunção. (...) Em contraposição aos tipos, os gêneros são
entidades empíricas em situações comunicativas e se expressam em designações diversas, constituindo em
princípio listagens abertas. (...) Como tal, os gêneros são formas textuais escritas ou orais bastante estáveis,
histórica e socialmente situadas.
Embora possamos questionar a relevância de discutir nomenclatura num momento em que os
textos estão recebendo lugar de destaque nos LDP, o alerta de Rojo e a inconsistência
terminológica dos PCN preocupam. Concordamos com o comentário de Bonini (2001, p. 7):
“o surgimento da noção de gênero nos termos em que está posta atualmente (...) é
extremamente recente, havendo ainda muito a ser clareado por meio de pesquisas e
discussões”. Muitas pesquisas têm sido feitas, mas nem sempre elas chegam às salas de aula,
então o manual didático passa a ser, para muitos professores, a referência teórica para o
trabalho com os textos. E a instabilidade na nomenclatura pode confundir os professores e os
alunos.
3. Análise de LDP de ensino médio
Conforme já afirmamos, nossa pesquisa analisou a abordagem dos GT nos LDP, mas
precisamos também tratar da abordagem das TT, uma vez que há muita confusão quanto a
esses conceitos e às vezes apenas um deles aparece nos livros didáticos. Diversos autores,
como Dolz & Schneuwly (2004), Marcuschi (2002), Dionísio et al. (2002), destacam que é
tradição escolar apresentar uma pluralidade de gêneros, visando à formação de leitores e
produtores de textos, ainda que em LDP mais antigos predominassem textos do domínio
discursivo literário. Entretanto, mesmo quando há variedade de textos, de domínios
discursivos diversos, nem sempre a abordagem dos gêneros nos LDP se caracteriza por uma
sistematização coerente e uma reflexão sobre os papéis dos interlocutores, os objetivos do
texto e as estratégias necessárias para lê-lo/produzi-lo.
Segundo Bunzen (2007, p. 9), é importante observar, nos LDP, como os “gêneros foram
selecionados/tratados e quais domínios discursivos são priorizados neste percurso”. O que se
percebe, muitas vezes, conforme alerta o autor, é a ênfase em um ou outro domínio
discursivo, como o jornalístico e o literário, sem que a análise dos textos e as propostas de
“redação” levem em consideração as características intrínsecas aos GT em questão. Em sua
pesquisa sobre o ensino de produção textual em LDP de ensino médio, Bonini (1998) já
alertava para alguns desses problemas: no corpus da sua pesquisa, composto de livros da
década de 90 – portanto, anteriores ao PNLEM –, geralmente há referência à tipologia que
precisa ser elaborada pelo aluno (narração, por exemplo), mas não ao GT. Com isso, a
produção dos textos fica artificial, uma vez que, sem considerar o GT, também fica difícil
saber o que será o texto, para quem ele se destina etc.
Esses problemas permanecem, mesmo em livros mais recentes. Na análise das coleções de
LDP aprovadas pelo PNLEM/2009, percebe-se que os manuais oscilam entre terminologias
distintas (tipologia, sequência e gênero, por exemplo) e, quando optam por uma
nomenclatura, não necessariamente a aplicam com coerência. Essa oscilação – e muitas vezes
também equívocos – ao optar por terminologia e definições transparece tanto no material do
aluno quanto no Manual do Professor (MP). Em alguns casos, o que é apresentado no MP
difere totalmente do que se propõe nos capítulos do livro. Além disso, há casos em que
tipologia e gênero são tomados indistintamente, seguidos de exemplos que não só misturam
esses dois conceitos, como também acrescentam outros – é o que podemos perceber no
gráfico 1.
Tipologia e Gêneros Textuais nos LDP
02468
1012
Teoria
GT
Teoria
TT
Ativid
ades
GT
Ativid
ades
TT
Só Nom
encla
tura
Mist
ura d
e Tem
inolo
gia
Sem T
ermin
ologia
Livro do Aluno Manual do Professor
Gráfico 1 – Abordagem teórica e prática nos LDP
Os números do Gráfico 1 não são absolutos, pois, conforme veremos no Quadro 2, a seguir,
alguns LDP usam apenas uma nomenclatura, outros apresentam a terminologia mas não
propõem atividades etc. Entretanto, já é possível observar a discrepância teórico-
metodológica entre os livros: sete deles utilizam apenas nomenclatura, sem sequer definir os
termos, no Manual do professor; três deles ignoram termos e conceitos referentes a TT e GT
no material destinado aos alunos; e vários LDP misturam termos no material do aluno e no
Manual do Professor. Além disso, há um descompasso entre atividades propostas para TT e
GT: reforçamos a constatação de Bonini (1998), sobre o predomínio da abordagem das
tipologias, apesar de tanto estar sendo discutido a respeito da importância de priorizar os GT,
desde as primeiras versões dos Parâmetros, também em 1998.
O Quadro 2 mostra de que maneira TT e GT aparecem nos LDP aprovados pelo
PNLEM/2009:
Livro Abordagem de tipologia textual (TT) Abordagem de gênero textual (GT)
Na p. 11, aparece Tipologia Textual, sem teoria
nem comentários. Na p. 20, ao falar do capítulo
3, “este capítulo toma como base duas teorias
básicas para categorização dos textos: dos
gêneros discursivos e das sequências discursivas
ipos de texto)”. Não há definições.
Na p. 9, fala-se de “gêneros e tipos de textos”,
mas não se apresenta nenhum conceito, só
exemplos de “textos variados”. Há também os
termos “gêneros discursivos e textuais” (p.
15) e “gêneros de textos/discursivos”,
definidos apenas como “formas ‘relativamente
estáveis de enunciados’’’ (p. 20), sem
explicação sobre a diferença terminológica.
(ou t
Takasaki
(2005)
Manual do
Professor
Livro do
aluno
Apresentam-se as “sequências discursivas” (cap.
3): Narração, Descrição, Argumentação,
Explicação (exposição), Conversação (p. 32,
com ex. de texto de jornal com diálogo).
Algumas atividades retomam o tema, pedindo
para identificar a sequência discursiva ( p. 82).
Define-se explicitamente no capítulo 3
(Gêneros textuais / gêneros do discurso
usados indistintamente). Algumas atividades
retomam a questão dos gêneros (p. 100).
Nas p. 3 e 6, destaca-se que “...tb esta edição
adota para o ensino-aprendizagem de produção
de texto a perspectiva de trabalho centrada nos
GT ou discursivos, sem deixar de lado alguns
aspectos relacionados com a tipologia, tais como
scrição a serviço de vários gêneros, o ponto
de vista narrativo a serviço de gêneros narrativos
ficcionais, as técnicas de argumentação e de
contra-argumentação a serviço dos gêneros
argumentativos, e assim por diante.”[grifos dos
autores].
Há definições, referências teóricas e sugestões
metodológicas. A terminologia usada é “GT
ou discursivos”, com predomínio de GT ao
longo do MP, sem esclarecer se há diferença
entre os termos. Os autores sugerem uma
aplicação dos GT “em espiral” nos moldes de
Dolz & Schneuwly (2004).
a de
Cereja &
Magalhães
(2005, 3 v.)
Manual do
Professor
Livro do
aluno
As TT aparecem mescladas aos capítulos em que
são trabalhados os diversos GT, em todos os
volumes.
No cap. 5, v. 1, por exemplo, sobre
fábula, aborda-se a descrição; no vol. 2
mostram-se características da narração em vários
capítulos; no vol. 3, destaca-se o trabalho com
texto dissertativo e argumentativo, mas alguns
capítulos sugerem que sejam gêneros (cf. p. 246
e 289).
Definição de GT no v. 1 (cap. 4); aplicação
em quase todos os capítulos de produção de
texto, em todos os volumes.
Murrie et al. Cita-se, apenas, “Tipo ou gênero textual” (p. Não há definição para GT, nem bibliografia
63), sem qualquer definição ou explicação. Não
ibliografia sobre o tema.
sobre o tema.
há b
(2004)
Manual do
Professor
Livro do
aluno
Há certa confusão, pois fala-se de “Tipo ou
gênero textual” (p. 161), para a seguir dar
exemplos como “narração, descrição,
dissertação, e-mails, epistolar, cartas,...”.
Não há
definição para TT.
Breve apresentação teórica dos GT (p.161),
embora chame de “tipos ou gêneros textuais”;
retomada em alguns capítulos de redação, mas
misturando terminologia.
Oscilação entre gênero e tipo de texto. Não há
definição para TT.
Nos comentários sobre os capítulos, vez por
outra aparece “gêneros” referindo-se às
variedades textuais apresentadas. Não há
definição para GT, nem bibliografia sobre o
tema.
Faraco (2003)
Manual do
Professor
Livro do
aluno
“tipos de textos” é a expressão utilizada para se
referir ora a TT ora a GT. Por ex., ao propor
uma produção textual, pergunta-se com que
“tipo de texto” o aluno se expressa melhor e
sugere-se que a resposta pode ser crônica, letras
para músicas, argumentar ou narrar (cf. p. 379).
Não há qualquer referência a gêneros, apenas
a “tipos de textos”, ora tomados como
gêneros, ora como tipologias, no material do
aluno.
Sobre TT, não há qualquer comentário, exceto à
p. 7, quando trata de produção de textos: “Nas
ostas de produção, enfatizamos, ao longo do
volume, o exercício da argumentação, que é uma
habilidade extremamente solicitada no dia-a-dia
de uma sociedade democrática.”. Não há
referência bibliográfica sobre TT.
Fala brevemente sobre “gêneros determinados
(panfleto, notícia, anúncio publicitário,
discurso político etc.), os quais são
ocorrências próprias de condições sócio-
históricas específicas” (p. 3). Não há
referência bibliográfica sobre GT.
prop
Maia (2004)
Manual do
Professor
Livro do
aluno
Cita tipos de texto: narrativos, informativos,
argumentativos, descritivos, injuntivos, poéticos
(embora não trabalhe os 3 últimos em nenhum
capítulo).
Não aborda GT, mas nos capítulos de
literatura trata de “gêneros literários”,
misturando com o conceito de TT
Na p. 10-11, há um box sobre as TT, com
poucas explicações, defendendo a classificação
Marcuschi: descrição, narração.
argumentação, injunção explicação.
Na p. 10-11, há várias citações de fontes
diversas (Koch, Bakhtin, Adam, PCN,
Marcuschi) que definem GT, mas não há
comentários do autor do LDP sobre o tema.
de
Nicola (2004,
3 v.)
Manual do
Professor
Livro do
aluno
No vol. 1, o capítulo 3 cita as TT descrição,
narração, argumentação, injunção, explicação,
mas só as três primeiras são trabalhadas na
coleção. No mesmo capítulo, na p. 160, fala-se
de “sequência textual” (p. 160), após a
No v. 1 (cap. 3), define-se GT. O vol. 2
aborda gêneros jornalísticos, relacionando-os
às sequências textuais predominantes aos GT
estudados. O vol 3 apresenta diversos GT,
prioritariamente aqueles em que predominam
explicação quanto à predominância de uma ou
outra TT. O vol. 1 dá destaque à descrição; o
vol. 2, à narração; o vol. 3, à argumentação e
retoma-se a descrição.
sequências descritivas e argumentativas.
Na p. 6, fala-se da tentativa, ao longo do livro,
de “oferecer textos de tipologias distintas
ativas, dissertações, textos publicitários,
crônicas, letras de canções, poemas, etc.)”, ou
seja, os exemplos misturam TT e GT.
Apesar das fundamentas recomendações aos
(narr
professores e das referências teóricas
sugeridas, não se aborda a questão dos GT
explicitamente no MP. Na p. 10, fala-se dos
“mais variados tipos textuais” e depois citam-
se artigos (Bonini; Brandão), que falam de
GT, mas em comentários adicionais.
Infante (2004)
Manual do
Professor
Livro do
aluno
Não há referência à nomenclatura TT. Narrar,
descrever e dissertar são apresentadas como
“atitudes linguísticas” (cf. p. 194, 296).
Há proposta, implícita, de tratamento dos
textos, segundo a teoria dos GT. Não há
referência à nomenclatura GT.
Na p. 5, fala-se de “tipos de textos”, defendendo
o estudo de três “unidades composicionais”:
narração, exposição e argumentação, uma vez
descrição e injunção são “constitutivas da
narração, da exposição e da argumentação”.
No MP, fala-se de GT e “Gêneros do
Discurso”, sem definições.
que
Abaurre et al.
(2004, 3 v.)
Manual do
Professor
Livro do
aluno
Privilegia-se narração, exposição e
argumentação, sem usar a nomenclatura TT ou
sequência.
Não aborda GT em nenhum capítulo.
No MP, fala-se das “tipologias e das sequências
prototípicas textuais” (p. 12), sem defini-las,
nem exemplificá-las.
No MP, usam GT, mas dão exemplos
misturados com suportes: “quadrinhos,
cartum, propaganda, televisão, cinema, rádio,
música popular”(p. 2). Não há definição sobre
GT.
Faraco &
Moura
(2005)
Manual do
Professor
Livro do
aluno
No material do aluno (p. 210), ao falar de notícia
e reportagem, aborda-se a predominância de
narração naquela e de exposição nesta, sem
definições nem comentários.
Por ex., na p. 210, cap. 1 da unidade 3,
afirma-se que “Tanto a notícia quanto a
reportagem são formas de relatos.” (p.
210)[grifo dos autores], sem qualquer
explicação sobre os relatos e sem que as
tipologias presentes nos GT citados (narração
e explicação, no caso da reportagem) sejam
definidas anteriormente. Não há definição
sobre GT, embora apareçam comentários
esparsos sobre os gêneros trabalhados.
Amaral et al.
No vol. 1, “modalidades típicas da redação:
descrição, narração e dissertação”(p. 12), na p.
Na p. 42, ao comentar os capítulos de redação,
fala-se de “leitura e reconhecimento dos
46, são chamadas de “modalidades clássicas” e
“tipos clássicos de organização textual”. As TT
são comentadas brevemente, por meio das suas
características básicas, sem relacioná-las aos
GT.
diversos tipos de texto”, citando ex, de GT.
Na p. 44, fala-se da “fusão de gêneros (poesia
e prosa; descrição / narração / dissertação)”.
Não há definição de GT.
Manual do
Professor
Livro do
aluno
No vol. 1 o cap. 6 dedica-se às “modalidades
clássicas de redação” (p...), que serão detalhadas
nos capítulos seguintes: descrever, narrar,
dissertar. No vol 2, enfatiza-se a narração; no
vol. 3, a dissertação e fala-se também da
argumentação.
Vol. 1, no cap. 1 de redação (p. 248), citam-se
exemplos de GT, chamados de “tipos de
textos”. Não há definição para GT nem se usa
essa terminologia.
Citam-se dos “tipos de composição escrita que
ele [o aluno] produz na escola (narração,
descrição, dissertação)”(p. 7), mas na p. 9, fala-
da “pertinência ao gênero (tipo de
composição)”. Não há definições no MP, apenas
no livro do aluno (cap. 9).
Não há definição de GT.
se
Terra & Nicola
(2004)
Manual do
Professor
Livro do
aluno
No cap. 9, citam-se os tipos textuais Narrativo,
Descritivo, Argumentativo, Explicativo ou
Expositivo, Injuntivo ou Instrucional, seguidos
de características básicas. Textos
conversacionais são apresentados, no capítulo
seguinte, como “sequências conversacionais ou
dialogais.”(p. 64), sem deixar claro se há
diferença entre sequência e tipo de texto.
No cap. 9, há explicações breves, mas sem
incoerências, sobre GT. No cap. 24, aborda-se
leitura e produção nos exames, citando
questões sobre GT.
Quadro 2 - Tipologia e gênero textual em alguns materiais didáticos – Ensino Médio (língua/literatura/redação)
Percebemos, portanto, que a maioria dos manuais didáticos oscila na terminologia; como
exemplo, podemos citar Murrie et al. (2004), que, além de não apresentar qualquer suporte
teórico sobre TT e GT no Manual do Professor, mistura esses conceitos, na única unidade em
que o tema é trabalhado teoricamente, como se constata nos trechos a seguir:
Tipo ou gênero textual é o nome dado às formas mais ou menos estáveis com que as pessoas podem se
comunicar e interagir. (...) Os recados nas secretárias eletrônicas são um bom exemplo dos gêneros mais novos.
(...) Dois grandes “gêneros” textuais parecem ser básicos e originar todos os outros, que seriam “partes” ou
combinações deles: narração e dissertação. (...) A carta comercial pode ser enquadrada no gênero epistolar.(p.
161); Você pode escolher o gênero: narração(...) ou dissertação (p. 174). [grifos nossos]
Mais adiante, apesar de algumas atividades serem interessantes – em unidades como a que
aborda as cartas, por exemplo – surge uma confusão de terminologias e exemplificações,
percebidas nos trechos a seguir (grifos nossos): “A carta como gênero discursivo” (p. 588);
“A carta, além de ser um texto, também apresenta um suporte de texto” (p. 591); “tipos de
textos que utilizamos na nossa vida de estudante” (p. 624), citando como exemplos resumo,
quadro sinótico, aula, palestra, seminário (e, para cada um deles, há um quadro em que se fala
do “ponto de vista da maximização da atividade com o gênero” – cf. p. 624-637); “gêneros
jornalísticos (informativo, interpretativo/crítico, opinativo, de entretenimento)” e “tipos de
texto (crônica, charge, editorial, lide, manchete, entrevista, notícia, cartas, propaganda...)” (p.
708-9). Ou seja, uma mistura de termos que, sem explicação devida e sem qualquer
referencial teórico no Manual do Professor, dificulta a compreensão e a aplicação dos
conceitos.
Com problemas semelhantes, o livro de Faraco (2003:382) apresenta GT diversos e algumas
atividades que de fato pretendem contextualizá-los, mas não usa a terminologia GT, apenas
“tipo de texto”: “Vamos, agora, dar atenção a um outro tipo de texto bastante frequente: o
texto de opinião.(...)Num jornal, vamos encontrar vários tipos diferentes de textos de opinião.
Um deles é o editorial.” [grifos do autor]. O mesmo autor, ao propor uma produção textual,
pergunta com que “tipo de texto” o aluno se expressa melhor e sugere que a resposta pode ser
crônica, letras para músicas, argumentar ou narrar (cf. p. 379); ou seja, coloca-se GT e TT
lado a lado, indistintamente. Mesmo que consideremos desnecessário sobrecarregar o aluno
com definições e novas nomenclaturas, é importante haver cuidado na apresentação desses
termos no LDP. Aqui também encontramos o que já apontamos na seção 2, a respeito da
ambiguidade presente na expressão “tipo de texto”.
Além das discrepâncias teóricas, são poucas as coleções que elaboram atividades
especificamente com base nos GT. A maioria apresenta boa coletânea de textos, mas eles são
trabalhados superficialmente ou como material de apoio para conceitos gramaticais e textuais
que enfatizam as tipologias. Uma exceção podemos encontrar em Cereja & Magalhães (2005,
p. 24), que destaca a importância de considerar aspectos como “estrutura (modo
composicional), do tema (conteúdo), do estilo (linguagem), do suporte e da situação de
interlocução” nas atividades de leitura e produção textual, ensaiando uma aplicação da
abordagem dos GT em espiral, conforme defendem Dolz & Schneuwly (2004).
Assim, como há instabilidade teórica nos manuais didáticos e os próprios PCN oscilam na
nomenclatura e nem sempre definem os conceitos, as definições e as atividades dos LDP (ou a
ausência de ambas...) reproduzem as dificuldades enfrentadas por autores e professores na
abordagem do tema, acabando por reduzir o tratamento dado aos textos a características
superficiais de alguns GT específicos, seguidas de questões de caráter redutor no que se refere
à análise dos textos.. Marcuschi (2008, p. 156) afirma que “não devemos imaginar que a
distinção entre gênero e tipo textual forme uma visão dicotômica, pois eles são dois aspectos
constitutivos do funcionamento da língua em situações comunicativas da vida diária”. Então,
é importante mostrar aos alunos que “todos os textos realizam um gênero e todos os gêneros
realizam sequências tipológicas diversificadas. Por isso mesmo, os gêneros são
tipologicamente heterogêneos” (id., p. 160). Para isso, porém, é necessário atentar para o que
alerta Brandão (2003, p. 17): “Para muitos, o texto ainda não chegou na sua dimensão textual-
discursiva. Uma dimensão discursiva do texto pressupõe uma concepção sociointeracionista
de linguagem centrada na problemática da interlocução”.
Retomamos, portanto, a constatação de Bonini (1998) sobre os manuais didáticos da década
de 90, pois os LDP atuais também ainda estão centrados na classificação tradicional das
tipologias textuais (narração, descrição, dissertação), comumente presentes nos concursos
vestibulares, dedicando a elas mais espaço que aos GT propriamente. Ainda que se cogite a
importância de enfatizar TT com a justificativa de preparar os alunos para vestibulares e
ENEM, esses exames estão mudando, e é comum atualmente a presença de enunciados nas
provas de língua portuguesa e redação, por exemplo, exigindo do candidato conhecimento das
situações de interação que constituem os gêneros e das tipologias predominantes num GT
específico. Os LDP, entretanto, não conseguem dar conta dessa abordagem, e os professores,
se contarem com o Manual do Professor como referencial teórico, também não terão subsídios
para trabalhar os textos de maneira produtiva, focando leitura e produção de gêneros diversos.
Fechamos nossa análise com o destaque de Marcuschi (2008, p. 158) sobre TT e GT, que, a
nosso ver, deveria nortear a abordagem do tema nos LDP: “para a noção de tipo textual,
predomina a identificação de sequências linguísticas como norteadora; e para a noção de GT,
predominam os critérios de padrões comunicativos, ações, propósitos e inserção sócio-
histórica”.
4. Conclusões
Muitas críticas são feitas aos PCN de língua portuguesa, mas as ideias apresentadas nos
Parâmetros, como já dissemos, não são tão novas: autores como Fávero & Koch (1983),
Travaglia (1996), Geraldi (1997), apenas para citar alguns, já sugerem uma abordagem mais
produtiva no ensino de língua portuguesa há muito tempo e certamente influenciaram a
elaboração dos PCN. Da mesma forma, pesquisas por todo o Brasil mostram como se pode
melhorar a concepção dos alunos a respeito da própria língua e diminuir o preconceito
linguístico, com atividades simples, que privilegiam o uso, a reflexão, no lugar de apenas
dividir e classificar termos, orações etc. Da parte do governo, as avaliações dos LDP vêm
tentando melhorar a qualidade dos materiais didáticos, com programas como o PNLEM.
Entretanto, no que se refere a TT e GT, os livros de ensino médio ainda têm um longo
caminho a percorrer. Os livros analisados nesta pesquisa, aprovados no PNLEM/2009,
servem como um panorama da confusa seara que tem se tornado abordar TT e GT. Isso não
compromete a qualidade dos LDP citados – nem foi objetivo deste artigo discutir esse aspecto
–, mas é digno de nota que, embora seja possível perceber a preocupação do PNLEM em
aferir a formação de leitores e produtores críticos e competentes, com base numa abordagem
coerente dos GT e das TT, os LDP ainda demonstram certa instabilidade de conceituação.
Como consequência, na escola há dificuldade para organizar o conteúdo programático
incluindo uma abordagem produtiva com gêneros textuais, que demonstre que os produzimos
em situações reais de interação. Muitas vezes o problema acontece porque o professor não
conhece teorias como Linguística Textual e Análise do Discurso, que se apropriam das idéias
de Bakhtin (1992 [1929]) sobre os gêneros e embasaram os PCN. Além disso, é comum o
professor considerar o livro didático, em especial o Manual do Professor, como referencial
teórico, mas nem sempre os autores desses manuais deixam claros os objetivos do trabalho
com gêneros ou definem corretamente os conceitos básicos. Se os materiais didáticos
apresentam falhas e os documentos oficiais nem sempre explicitam definições, o professor
acaba ficando sozinho na tarefa de definir como trabalhar os textos em sala de aula.
Os resultados desta pesquisa com ênfase na interface tipologia/gêneros textuais nos livros
didáticos de nível médio acenam para a necessidade de repensar a abordagem desse tema no
ensino, uma vez que os livros didáticos ignoram, confundem ou abordam de maneira
superficial as teorias que se baseiam em Bakhtin e que consideram os gêneros como práticas
sociais. Em alguns livros, quando há a expressão “gêneros textuais”, ela aparece como mais
um tópico teórico a ser explicado e estudado, não como pressuposto teórico para análise
textual. As tipologias textuais geralmente também são apresentadas de maneira estanque,
desconsiderando que cada gênero se organiza mesclando tipologias, ainda que uma possa
predominar; além disso, geralmente esse tema é abordado nos capítulos de redação, e as
atividades de leitura do livro ignoram a organização e a intencionalidade dos textos, ou
misturam os conceitos de tipologia e gênero.
Não transparece nos LDP analisados o cuidado nas definições e distinções entre TT e GT.
Para Marcuschi (2008, p. 159 [grifos do autor]),
As distinções entre um gênero e outro não são propriamente linguísticas e sim funcionais. Já para distinguir os
tipos textuais seriam linguísticas e estruturais, de modo que os gêneros são designações sociorretóricas e os tipos
são designações teóricas. Temos muito mais designações para gêneros como manifestações empíricas do que
para tipos.
Entretanto, como nos lembra Coscarelli (2007, p. 81), temos que tomar cuidado com a
aplicação de conceitos, pois, segundo a autora, “Estamos criando uma nova camisa de força.
Sai a gramática tradicional e entra o gênero textual”. Da mesma forma, concordamos com
Bunzen (2007, p. 22), que constata que
a recepção da Teoria dos Gêneros, seja ela de base mais textual ou discursiva, ainda precisa ser mais estudada e
detalhada nos trabalhos acadêmicos voltados para o ensino de língua materna. Precisamos saber o que estamos
fazendo ao receber e didatizar esses conhecimentos, uma vez que um trabalho com gêneros (e não sobre
gêneros) deveria estar fundamentado em uma concepção de língua menos formal ou normativa. [grifo do autor]
Na mesma linha, partilhamos das observações de Marcuschi (2008, p. 208[grifos do autor]):
em última análise, a distribuição da produção discursiva em gêneros tem como correlato a própria organização
da sociedade, o que nos faz pensar no estudo sócio-histórico dos GT como uma das maneiras de entender o
próprio funcionamento social da língua. Isto nos remete ao núcleo da perspectiva teórica dos estudos linguísticos
sobre o texto e do texto aqui empreendido, ou seja, a visão sociointeracionista.
Resumindo o resultado da análise dos livros didáticos de ensino médio, pudemos observar
que:
- não há coerência na nomenclatura utilizada: Tipologia Textual / Sequência Textual; Gênero
Textual / Gênero do Discurso, o que reflete a instabilidade dos próprios PCN sobre o tema;
- não há coerência na listagem das TT: narração e descrição aparecem em todos; injunção
raramente é citada; dissertação é apresentada ora como exclusivamente expositiva ora como
expositiva ou argumentativa, e às vezes sequer aparece; argumentação nem sempre é definida
como tipologia à parte;
- geralmente, os GT não aparecem como tópico do programa (teórico); na maioria das vezes,
aparecem apenas no Manual do Professor como uma diretriz presente no LDP para escolha
dos textos;
- as atividades de leitura e produção textual geralmente desconsideram a concepção de GT;
- com frequência aparece a preocupação de elaborar (não de analisar) TT nas propostas de
redação;
- as poucas atividades de leitura que tentam abordar GT e TT não costumam interagir com os
conteúdos de língua e literatura.
Torna-se necessário, portanto, discutir de que maneira é possível incluir tipologia e gênero
textual na elaboração de conteúdo programático e material didático e na formação dos
professores. Se são poucos os livros que, de fato, abordam a produção de sentidos dos textos,
com base nos gêneros e, além disso, a depender da linha teórica adotada, há problemas na
sistematização da nomenclatura (tipologia, sequência, gêneros textuais, gêneros do
discurso...), falta pensar numa metodologia de ensino que abarque esses conceitos sem
considerá-los tópicos do conteúdo programático. Afinal, muitos livros didáticos refletem essa
ausência de sistematização em propostas de leitura e produção textual que mascaram o
tratamento dos gêneros textuais. E a abordagem de gêneros textuais diversificados, que tanto
colabora na formação do leitor e produtor de textos, acaba ficando prejudicada.
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