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O PR-SAL E AS MUDANAS DA REGULAO DA INDSTRIA DO
PETRLEO E GS NATURAL NO BRASIL: UMA VISO INSTITUCIONAL
Autor: Bruno Conde Caselli1
Abril de 2011
RESUMO
Na segunda metade da dcada de 90 no Brasil, no escopo da reorientao da poltica
econmica nacional, voltada para a reduo da participao direta do Estado na
economia e para a criao de incentivos aos investimentos privados em setores como
energia e telecomunicaes, foram criadas as agncias reguladoras nacionais, dentre as
quais a Agncia Nacional do Petrleo, Gs Natural e Biombustveis (ANP). O marco
regulatrio ento criado resultou em um ambiente institucional que privilegiava a baixa
capacidade de interferncia do governo em assuntos relativos execuo das aes de
fiscalizao, contratao e regulao da indstria do petrleo. Todavia, o fato relevante
da descoberta de grandes reservas de hidrocarbonetos na rea denominada de pr-sal
associado motivou a proposio, pelo governo, de medidas legais visando alterao do
marco regulatrio anterior, em especial para as atividades de explorao e produo de
petrleo e gs. A aprovao dos projetos de lei pelo Congresso Nacional ao final de
2010 criou novos agentes participantes da regulao do setor e concretizou a redefinio
das atribuies e do papel a serem desempenhados por cada instituio, colocando em
foco a necessidade de coordenao interinstitucional.
SUMRIO
1. Introduo .................................................................................................................. 2
2. A viso institucional .................................................................................................. 3
3. As reformas da dcada de 1990 e a criao da ANP ................................................. 8
3.1 A Lei do Gs: uma primeira mudana ............................................................. 16
4. O pr-sal e a reconfigurao institucional da regulao do P & G no Brasil .......... 19
5. Concluses .............................................................................................................. 27
6. Referncias .............................................................................................................. 29
1 O autor Especialista em Regulao de Petrleo e Derivados, lcool Combustvel e Gs Natural daAgncia Nacional do Petrleo, Gs Natural e Biocombustveis (ANP) desde novembro de 2005 e,atualmente, est lotado na Coordenadoria de Defesa da Concorrncia da Agncia. Destaca-se que asopinies expressas neste trabalho so de exclusiva responsabilidade do autor.
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1. Introduo
Durante a dcada de 90, diferentes setores da economia mundial, particularmente
como verificado em diversos pases da Amrica Latina, passaram por intensas reformas
institucionais, as quais se destacam aquelas associadas s atividades da indstria de
energia (petrleo, gs natural e energia eltrica), telecomunicaes, petroqumica. Tais
reformas tinham o objetivo de alterar a configurao produtiva at ento dominante,
caracterizada pela forte participao direta do Estado nas atividades econmicas por
meio de empresas estatais. O cenrio vivenciado poca, com grandes dificuldades em
nvel macroeconmico (crises fiscal e da dvida externa), que repercutiam na
incapacidade do Estado de dar continuidade aos investimentos antes realizados, criou o
ambiente propcio e estimulou a adoo de reformas estruturais na economia e em
diversos setores produtivos que ainda tinham forte participao estatal direta.
Assim, na segunda metade dos anos 90, foi implementado no Brasil um modelo
de liberalizao econmica, por meio de medidas que objetivaram aumentar a
participao brasileira no comrcio internacional, com a extino de polticas
protecionistas indstria, assim como atravs da promoo de reformas voltadas para o
mercado, em sua maioria em conformidade com as propostas oriundas das agncias
internacionais, como o Banco Mundial. Vale destacar que este movimento reformista,
com a reviso de polticas protecionistas e a reduo da participao direta do Estado na
economia, ocorreu em diversos pases da Amrica Latina.
Como resultado, ento, no escopo deste processo de reforma vivenciado na
economia brasileira, foram criadas as agncias reguladoras setoriais, que se
diferenciavam dos rgos de governo at ento existentes, principalmente em funo da
instituio de uma srie de regras e normas de funcionamento previstas em lei, de modo
que se assegurasse, dentre outros, autonomia decisria, deliberao em regime de
colegiado, competncia para a edio de normas e especificidade tcnica. Neste novo
modelo de atuao e organizao do Estado, em concomitncia com as polticas de
privatizao de diversas empresas estatais, as agncias reguladoras, dotadas de elevada
autonomia, passaram a desempenhar um papel crucial na regulamentao das atividades
setoriais, bem como na fiscalizao dos agentes regulados e na execuo das polticas
pblicas. Visto de outra forma, em funo da incapacidade dos Estados nacionais
(enfraquecimento poltico e econmico) em darem continuidade ao modelo adotado em
anos anteriores, caracterizada por elevados investimentos diretos setoriais, a criao das
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agncias remodelou o aparato institucional, alterando o papel e o peso dos diferentes
agentes da economia.
Todavia, tendo em vista as consequncias tanto negativas quanto positivas
verificadas aps as reformas liberalizantes, assim como considerando o contexto
positivo do ponto de vista econmico vivenciado no Brasil e internacionalmente, mais
claramente at meados de 2008, possvel afirmar que a questo regulatria,
atualmente, passa por um processo de reflexo e reconfigurao poltica e institucional
no pas. Nas atividades voltadas ao setor de energia, como petrleo, gs natural,
biocombustveis e energia eltrica, pode-se perceber que as polticas pblicas de energia
tm se tornado mais ativas, com maior participao direta dos ministrios, por exemplo,
em assuntos relativos segurana do abastecimento e dependncia energtica. No caso
brasileiro, paralelamente a esta reviso do processo de elaborao, execuo e
implementao de polticas pblicas, inclusive com a proposio de revises legais,
como a que se seguiu descoberta de petrleo na camada denominada pr-sal, altera-se
tambm o papel de cada agente no contexto institucional e reconfigura-se o ambiente
regulatrio. Como veremos a seguir, a viso terica institucional contribui para anlise
do ambiente da regulao da indstria de petrleo e gs no Brasil a partir da
reformulao de competncias e das relaes entre a Agncia Nacional do Petrleo, Gs
Natural e Biocombustveis (ANP) e as demais instituies atuantes no setor, as quais
foram modificadas aps a descoberta de hidrocarbonetos no pr-sal, repercutindo nos
mecanismos de coordenao institucional e nas formas de organizao e de atuao de
cada rgo. Nas sees seguintes, abordaremos algumas questes conceituais que se
aplicam s instituies e apresentaremos tanto o processo que resultou na criao da
ANP, quanto as mudanas verificadas aps o novo marco regulatrio institudo no ano
de 2010 em funo das recentes descobertas petrolferas.
2. A viso institucional
As contribuies tericas que examinam as sociedades sob a tica institucional
procuram, de um modo geral, relacionar os diferentes padres de desenvolvimento
econmico dos pases, com o nvel de desenvolvimento de suas instituies internas,
estas compreendendo elementos polticos, econmicos e sociais. Neste sentido, os
trabalhos de Douglass North, como um dos principais representantes da escola
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institucionalista, pretendem analisar compreensivamente a evoluo das sociedades,
mostrando as possveis origens das desigualdades entre as diversas economias.
O autor conceitua as instituies (NORTH, 1991) como sendo restries
(normas) construdas pelos seres humanos de forma a estruturar as interaes sociais,
econmicas e polticas. Tais restries podem constituir-se de regras informais (sanes,
tabus, costumes, tradies e cdigos de conduta) ou regras formais (constituies, leis e
direitos de propriedade). A funo precpua das instituies, ao longo do tempo, seria a
de ordenar e reduzir as incertezas nas relaes entre os agentes, provendo uma
determinada estrutura de incentivos na economia, que se desenvolve de modo a
direcionar as mudanas econmicas para o crescimento, estagnao ou declnio.
Em outras palavras, na viso de North (1991), o principal papel das instituies
seria o de reduzir as incertezas existentes no ambiente, criando estruturas estveis e
capazes de regular e controlar a interao entre os indivduos. Por conseguinte, os
diferentes padres de desenvolvimento dos pases seriam explicados pelos processos de
evoluo das respectivas instituies, os quais conduziriam a desempenhos mais ou
menos favorveis, a depender de cada arranjo institucional (TOYOSHIMA, 1999).
Neste contexto, todavia, tanto a existncia de instituies quanto a efetividade de
sua imposio (enforcement) so determinantes para reduzir e definir os custos de
transao, os quais, em conjunto com os custos de produo, permitem aumentar os
ganhos provenientes das relaes de troca. A matriz institucional tem em sua essncia,
portanto, instituies de carter poltico e econmico, as quais, contrapondo-se com a
teoria neoclssica, no so variveis exgenas anlise econmica, e sim endgenas ao
sistema, criando uma relao direta entre a histria do desenvolvimento econmico das
sociedades e a evoluo das respectivas instituies polticas e econmicas.
North (1991) compara diferentes tipos de sociedades, cada uma com distintos
graus de complexidade e nveis de atividade comercial. Segundo sua abordagem, na
medida em que as sociedades tornam-se mais urbanas, com maior diviso do trabalho e
produo em larga escala, o nvel de organizao tambm aumenta, criando uma
complexa rede de relacionamentos e de oferta de produtos e de servios demandados
pelos indivduos. Esta especializao cada vez mais avanada (no comrcio, bancos,
seguros e na prpria coordenao econmica) reflete-se em crescimento da participao
do setor de transaes na economia como um todo e, consequentemente, tal
especializao e a diviso do trabalho passam a requerer instituies e organizaes que
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garantam os direitos de propriedade, reduzam os riscos, as incertezas e as assimetrias de
informaes existentes no mercado. importante destacar que esta dinmica
institucional intrinsecamente inovativa, guardando relao com o passado e
representando um processo de desenvolvimento e evoluo dos correspondentes
arranjos institucionais.
No tocante ao Estado, o autor salienta que este teve um papel de destaque em
todo o processo de evoluo institucional, garantindo a credibilidade das relaes entre
os indivduos da sociedade. Alm disso, as polticas de Estado foram fundamentais para
assegurar os direitos de propriedade, eliminando eventuais riscos associados ao confisco
de bens e incertezas relacionadas ao correspondente poder coercitivo, limitando os
comportamentos arbitrrios por parte de governantes e desenvolvendo normas e regras
de carter impessoal.
Ainda no que concerne evoluo das instituies, a interferncia da
dependncia da trajetria mais do que um processo adicional, na medida em que o
quadro institucional anterior cria as oportunidades a serem aproveitadas no momento
seguinte. Assim, os elementos trazidos por North (1991) demonstram que a anlise do
papel e da evoluo das instituies representa uma abordagem capaz de permitir uma
melhor compreenso do desempenho e das mudanas econmicas. Todavia, embora a
estrutura institucional crie incentivos e oportunidades para a evoluo das organizaes,
a direo de cada desenvolvimento depender dos interesses e objetivos dos indivduos
e organizaes dominantes em cada sociedade.
Ainda com relao ao conceito de instituies interessante destacar as
consideraes mais recentes feitas por Rodrik (2004) acerca do papel das instituies no
desenvolvimento das economias. De acordo com este autor, consenso entre os
economistas que uma elevada qualidade institucional est relacionada com padres de
sucesso e de prosperidade econmica ao redor do mundo. Todavia, embora haja uma
relao de causalidade entre instituies, desenvolvimento e histria econmica, poltica
e social das naes, os resultados de uma anlise visando entender o progresso
econmico pode no ser determinada pela varivel histria e, mais do que isso, pode no
ser replicvel entre diferentes naes.
Para Rodrik (2004), o desafio para a literatura emprica sobre as instituies
explorar determinados padres, como a geografia e a disponibilidade de recursos
naturais, sem cair na armadilha do reducionismo ou do determinismo histrico e
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geogrfico. O entendimento das instituies desta forma determinstica caracterizaria as
transformaes (ou formaes) institucionais como fortemente resultantes de variveis
exgenas, quando, na verdade, os processos atravs do quais os pases constituram
instituies de qualidade , geralmente, bastante idiossincrtico e correlacionado a
contextos especficos.
De forma abrangente, no h apenas um tipo de caminho a ser seguido com
vistas a alcanar resultados institucionais desejveis. Em outras palavras, os resultados
institucionais eficazes no esto vinculados a tipos pr-definidos de desenhos
institucionais, o que nos permite concluir que no satisfatrio tentar identificar
regularidades empricas que estejam correlacionadas a determinado regime jurdico para
os resultados econmicos. Adicionalmente, relevante destacar que somente o aspecto
formal do ambiente institucional pode no ser capaz de garantir bons resultados e que as
caractersticas locais e as oportunidades possuem importante papel na eficcia do
desenho institucional. Assim, alcanar o crescimento econmico sustentado, embora
exija a formao de uma boa qualidade institucional, dificilmente depende de grandes
transformaes institucionais. Rodrik (2004) defende que um surto inicial de
crescimento pode ser alcanado com mudanas mnimas nos arranjos institucionais, ou
seja, importante distinguir o estmulo ao crescimento econmico de sua sustentao. A
solidez e a maturidade das instituies correlacionam-se mais com o crescimento de
longo prazo do que com o estmulo ao crescimento, de modo que uma vez que o
crescimento colocado em movimento, torna-se mais fcil manter um ciclo virtuoso de
crescimento elevado e transformao institucional, que se reforam mutuamente.
Portanto, relevante a abordagem do autor no sentido de atribuir a mudanas de
menor porte, como alteraes nas atitudes de dirigentes polticos, sem a necessidade de
grandes transformaes legais e institucionais, um papel to significativo quanto uma
ampla reforma poltica. Isto sugere que os pases no precisam de uma longa lista de
reformas institucionais e de governana para iniciar o crescimento e que movimentos
moderados na direo certa podem produzir um positivo crescimento econmico,
eliminando a exigncia de reformas ambiciosas e permitindo maior liberdade s
decises polticas, permanecendo, entretanto, a necessidade de identificar, em momento
relevante do tempo, qual a restrio para o crescimento econmico.
Nelson e Sampat (2001), apresentando as vises de diferentes autores acerca do
conceito de instituies, destacam que estas atuam como importante fator de regulao
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do desenvolvimento econmico. Neste sentido, feita a proposio de que o conceito de
instituies seja compreendido como formas padronizadas e esperadas de interao
entre os agentes econmicos visando alcanar determinado objetivo, ou seja, as
instituies so entendidas como fator capaz de regular o comportamento humano2 e
interferir no processo de interao humana na vida econmica. O conceito de atividade
econmica, alm de considerar os fatores de produo, passa a incluir a interao entre
todas as partes envolvidas no funcionamento das estruturas de produo, com processo
de interao ocorrendo tanto dentro das unidades econmicas quanto entre elas.
Os autores salientam que as instituies esto associadas, tambm, s
tecnologias sociais que um determinado grupo relevante considera como padro em
um contexto particular. De modo resumido, tais tecnologias sociais refletem o modo
pelo qual os indivduos atuam e interagem objetivando a coordenao efetiva no
processo de interao, sendo consideradas instituies quando transformadas em
padres esperados, dados o contexto e os objetivos. Deste modo, a evoluo
institucional pode ser compreendida como um processo de aprendizado constante, com
erros e acertos, que envolve interao, reflexo, planejamento e aes deliberadas dos
indivduos, organizaes e grupos coletivos (NELSON; SAMPAT, 2001).
A anlise das instituies formulada por Goodin (1996), por sua vez, destaca que
o desenho institucional deve considerar uma multiplicidade de fatores sociais, assim
como a natureza das interaes entre os indivduos no ambiente social, especialmente
entre aqueles que mais influenciam a formulao de polticas tanto na esfera pblica
quanto na esfera privada. As instituies no podem se abster de observar a realidade
local sobre a qual tero impacto, sob pena de no atingirem o objetivo esperado. Isto
fica ainda mais evidente quando consideramos os efeitos da racionalidade limitada e das
assimetrias de informao, de poder e de interesses no processo de interao entre os
indivduos da sociedade, de modo que a participao dos envolvidos (agentes locais ou
setoriais) no processo de evoluo institucional, por meio de negociao, por exemplo,
capaz de minimizar eventuais discrepncias ou assimetrias e equilibrar possveis
conflitos de interesse.
Deste modo, embora de forma resumida, a viso institucional trazida pelos
autores mencionados tem papel relevante na anlise do ambiente institucional associado
ao processo de regulao econmica, uma vez que este est intimamente ligado a foras
2Como exemplo, os autores citam: regras do jogo, estruturas de governana e valores culturais gerais.
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polticas que interagem constantemente, tendo por base os interesses, configurao de
poderes e demais instituies, no conceito apresentado por North, intrnsecas quele
espao econmico. So, portanto, atores neste curso de mudana institucional, no que
tange regulao da indstria de petrleo e gs natural no pas, o governo, as empresas
estatais e privadas, o legislativo e a prpria agncia reguladora, no caso a ANP.
3. As reformas da dcada de 1990 e a criao da ANP
No que tange abordagem das agncias reguladoras criadas no Brasil no final da
dcada de 1990, importante observar que a mudana no desenho institucional a partir
da criao de novos agentes com novas atribuies e competncias foi resultado da
poltica econmica adotada pelo governo, na poca, a qual buscava a menor interveno
direta do estado na economia, o aumento da competio interna e da competitividade
das empresas brasileiras e a abertura do pas entrada de capital internacional. Para
tanto, tal qual os modelos regulatrios adotados em diversos pases, como Estados
Unidos da Amrica (EUA) e Inglaterra, os rgos reguladores ento constitudos
deveriam refletir credibilidade e segurana ao investidor, especialmente nos mercados
intensivos em capitais, como energia eltrica, telecomunicaes, petrleo e gs natural.
Gilardi (2004), estudando a abordagem institucionalista numa perspectiva da rational
choice, explicita que a delegao de poderes s agncias reguladoras setoriais teria a
finalidade de assegurar credibilidade aos compromissos assumidos, bem como de
minimizar os efeitos das incertezas polticas nos direitos de propriedade. Isto se justifica
pelo fato de que a atrao do capital privado, especialmente em setores intensivos em
capital e com longos perodos de maturao dos investimentos, passa pela reduo dos
riscos polticos e regulatrios associados possibilidade, por exemplo, de interferncia
dos governos nos termos contratuais. A delegao de poderes, neste contexto, garantiria
maior credibilidade a normas, regulamentos e compromissos, atenuando a capacidade de
interferncia poltica direta nos setores regulados.
Assim, conforme abordado por Bresser-Pereira (2004), as reformas promovidas
pelo governo naquele perodo estavam baseadas em dois princpios bsicos: conceder
maior autonomia e responsabilidade aos administradores ou gestores pblicos e limitar
ao Estado a execuo direta de tarefas exclusivas ao prprio Estado, relacionadas ao seu
poder e dispndio de recursos.
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Ainda, de acordo com Oliveira & Arajo (2005, p.208), as medidas adotadas
demonstravam que ... o papel do governo na economia no [seria] o de produzir bens e
servios, mas sim reforar polticas e produzir regulaes que [pudessem] induzir
investidores privados a atender consumidores de forma justa e eficiente. Assim, as
aes realizadas resultaram em uma redefinio do papel do Estado, reduzindo a
interferncia direta do governo na economia, permitindo o controle social do poder
pblico e aumentando a participao das foras de mercado na atividade econmica. Ou
seja, o processo de reforma aboliu a ideia do Estado interventor ou executor, aplicando-
se o princpio do Estado regulador do mercado, voltado para a necessidade imediata de
se regulamentar as diversas atividades que estavam sendo privatizadas, muitas delas
relacionadas a setores de infra-estrutura, como no caso do petrleo, com a criao da
ANP e a flexibilizao do monoplio estatal.
interessante observar, no entanto, que esse processo de reforma poltica e
econmica vivenciado no Brasil durante a dcada de 1909, o qual alterou
significativamente e de forma brusca o ambiente institucional brasileiro de alguns
setores da economia, trazia tambm grande contedo histrico. Neste sentido, Bresser-
Pereira (2004) enfatiza que a transferncia de um conjunto de decises polticas para as
agncias reguladoras s foi possvel no contexto de uma sociedade dotada de imprensa
livre e munida de organizaes pblicas no-estatais com capacidade para exercer o
controle social. Todavia, era importante distinguir as tarefas centralizadas de formulao
e controle das polticas pblicas e as previstas em Lei, das tarefas de execuo, as quais
deveriam ser descentralizadas e transferidas para agncias executivas e agncias
reguladoras autnomas.
Nunes (2007), analisando o processo de formao das principais agncias
reguladoras no Brasil, constatou que, por exemplo, no caso da Agncia Nacional do
Petrleo3 (ANP), foi bastante conturbada a definio das atribuies e da forma de
organizao do novo rgo representante do Estado que surgia naquele momento. O
prprio governo no tinha plena definio de qual seria o papel da Agncia frente
fora poltica e econmica ainda detida pela Petrobras, empresa controlada pelo governo
e que detinha at anto o monoplio da indstria petrolfera brasileira. Embora estivesse
claro que, diante da flexibilizao, havia necessidade de fortalecer o poder regulador do
3A Lei n 11.097/2005 alterou alguns dispositivos da Lei do Petrleo ampliando as atribuies da ANP para todosos chamados biocombustveis, que passou tambm a regular, normatizar e fiscalizar as atividades relativas
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Estado no setor de petrleo e gs e que tal fortalecimento deveria ser feito por meio de
alterao legislativa no Congresso Nacional, Nunes (2007) expe ainda que era
nebuloso como este poder se materializaria.
Neste contexto de implementao de reformas no Estado brasileiro, tanto
administrativas quanto econmicas, a alterao da legislao vigente foi o ponto de
partida formal para redesenho do ambiente institucional de cada setor de atividade.
Assim, a partir da tica da indstria do petrleo e gs natural brasileira, o fato mais
relevante foi, certamente, a aprovao da Emenda Constitucional (EC) n 09,
promulgada em 09 de novembro de 1995, que dava nova redao ao pargrafo 1 do
artigo 177 da Constituio Federal, permitindo que as atividades da indstria do
petrleo, de monoplio da Unio, at ento desenvolvidas exclusivamente pela
Petrobras, pudessem ser realizadas por empresas estatais e privadas. Em seu texto
original, o pargrafo nico do artigo 177 dispunha:
Art. 177. Constituem monoplio da Unio:
I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petrleo e gs natural e outros
hidrocarbonetos fluidos;
II - a refinao do petrleo nacional ou estrangeiro;
III - a importao e exportao dos produtos e derivados bsicos resultantes das
atividades previstas nos incisos anteriores;
IV - o transporte martimo do petrleo bruto de origem nacional ou de derivados
bsicos de petrleo produzidos no Pas, bem assim o transporte, por meio de
conduto, de petrleo bruto, seus derivados e gs natural de qualquer origem;
V - a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrializao e o
comrcio de minrios e minerais nucleares e seus derivados.
1 O monoplio previsto neste artigo inclui os riscos e resultados decorrentes das
atividades nele mencionadas, sendo vedado Unio ceder ou conceder qualquer
tipo de participao, em espcie ou em valor, na explorao de jazidas de petrleo
ou gs natural, ressalvado o disposto no art. 20, 1. (BRASIL, 1988, grifo meu).
Todavia, com a promulgao EC n 09, de 1995, alterou-se o pargrafo primeiro
deste artigo, quebrando o monoplio da Unio quanto ao exerccio das atividades da
indstria do petrleo, bem como incluiu-se o pargrafo segundo, dando como nova
redao:
1 A Unio poder contratar com empresas estatais ou privadasa realizao
das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo observadas as condies
estabelecidas em lei.
produo, estocagem, distribuio e revenda de biodiesel. A Agncia passou a ser chamar, ento, Agncia Nacional
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2 A lei a que se refere o 1 dispor sobre:
I - a garantia do fornecimento dos derivados de petrleo em todo o territrio
nacional;
II - as condies de contratao;
III - a estrutura e atribuies do rgo regulador do monoplio da Unio(BRASIL, 1995, grifo meu).
Cumpre notar que o inciso terceiro do pargrafo segundo includo ao artigo 177
da Constituio de 1988 pela EC n 09/95 torna bem explcita esta inteno do governo
de garantir maior dinamismo nas atividades antes exercidas por empresas estatais e
estimular a participao do capital privado com a criao de rgos reguladores
independentes, uma vez que, pelo menos quanto ao setor de petrleo e gs, previu a
criao de dispositivo legal especfico para definio do rgo regulador do monoplio
mantido no mencionado artigo 177.
Assim, visando regulamentar as alteraes promovidas pela respectiva EC, foi
promulgada, em 06 de agosto de 1997, a Lei n 9.478, conhecida como Lei do
Petrleo, que concebeu um novo desenho institucional para o setor, criando no apenas
a ANP, mas tambm o Conselho Nacional de Poltica Energtica (CNPE). Este ltimo
tinha a misso de prestar assessoria e consulta Presidncia da Repblica, cabendo
Agncia, como rgo regulador da indstria do petrleo, promover a regulao, a
contratao e a fiscalizao das atividades econmicas integrantes da respectiva
indstria.
No entanto, importante salientar que, embora a nova lei mantivesse o
monoplio da Unio sobre os depsitos de petrleo, gs natural e outros
hidrocarbonetos fludos, por um lado esclarecia que a Petrobrs no era mais operadora
nica da atividade de explorao e produo e, por outro, preservava o controle
acionrio da empresa com a Unio, que manteve a ... propriedade e posse de, no
mnimo, cinqenta por cento das aes, mais uma ao, do capital votante, conforme
disposto no artigo 62 (BRASIL, 1997).
A concepo do CNPE com um rgo de carter consultivo e no executor foi
relevante para sinalizar a inteno do governo em reduzir as possibilidades de
interferncias polticas no processo de regulao econmica da indstria de petrleo e
gs. A leitura do artigo 2 da Lei n. 9.478/97 demonstra que suas deliberaes possuam
apenas um carter propositivo, por exemplo, sugerindo a adoo de polticas ao
do Petrleo, Gs Natural e Biocombustveis.
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Presidente da Repblica, estabelecendo diretrizes para o uso e comercializao de
derivados e submetendo medidas ao Congresso Nacional, neste caso quando da
necessidade da criao de subsdios para a garantia do suprimento de insumos
energticos a diferentes regies.
A participao do Ministrio de Minas e Energia (MME) no modelo ento criado
ficou restrita presidncia do CNPE, conforme estipulado no artigo 2 do Decreto n.
3.520/2000. Deste modo, o Ministrio passou a ter uma funo apenas administrativa,
limitando-se questo oramentria da Agncia, sem qualquer atribuio de execuo
ou atuao direta no setor. A ANP passou a centralizar as deliberaes e a elaborao de
normas correspondentes a indstria do petrleo, gs natural e biocombustveis no pas,
cabendo a ela, ainda, implementar as polticas energticas definidas pelo governo.
Do ponto de vista da hierarquia administrativa, embora a ANP tenha sido criada
mantendo o vnculo com o MME, tal como o rgo que a antecedeu4, foi instituda sob
o regime jurdico de autarquia especial, com personalidade jurdica de direito pblico e
autonomia patrimonial, administrativa e financeira, assegurando relativa independncia
decisria, mesmo tendo que seguir as diretrizes do CNPE. Tal vinculao com o MME,
embora obrigatria na formao do Estado Brasileiro, criou certa dependncia no que
concerne liberao de verbas para a contratao de funcionrios ou realizao de
estudos e pesquisas, j que tais recursos podem vir a ser contingenciados a critrio do
MME, que possuiu poder de deciso sobre a liberao total ou parcial dos recursos
aprovados no Oramento da Unio. A despeito disso, sob a tica regulatria, esta nova
concepo foi bastante positiva para sinalizar ao mercado as intenes da poltica
econmica do governo e transmitir um ambiente de maior credibilidade e segurana
institucional.
A estrutura organizacional da ANP ficou dividida em trs reas principais: a
Diretoria Colegiada, composta por um Diretor-Geral e quatro Diretores, todos nomeados
pelo presidente da repblica com aprovao posterior pelo senado federal, sendo os
respectivos mandatos de quatro anos, no coincidentes, permitida a reconduo; a uma
Procuradoria-Geral; e as Superintendncias de Processos Organizacionais. As fontes de
custeio e receitas foram estipuladas no artigo 15 da Lei n 9.478/97, visando garantir
que os recursos do rgo fossem oriundos das atividades por ele reguladas sem a
necessidade de transferncias de outras reas do poder executivo.
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As questes relativas estrutura regimental, efetiva implantao, recursos
humanos e infra-estrutura foram disciplinadas e regulamentadas atravs do Decreto n
2.455, de 14 de janeiro de 1998. O respectivo decreto definiu, tambm, as atribuies e
competncias da diretoria colegiada, da procuradoria-geral e das superintendncias.
Alm disso, transferiu para a Agncia todas as atividades, receitas, acervo tcnico e
patrimonial e obrigaes do DNC, ao mesmo tempo em que estipulou que a ANP
deveria ajustar, no que coubesse, o normas em vigor, haja vista a instalao do novo
modelo e as alteraes da legislao vigente.
No que tange s atribuies da Agncia, vale destacar que o princpio do Estado
regulador estava ratificado nos termos da lei, especialmente no inciso primeiro do artigo
8, o qual definiu a Agncia como responsvel pela implantao, em sua esfera de
atribuies, da poltica energtica nacional, devendo enfatizar a ... garantia do
suprimento de derivados de petrleo em todo o territrio nacional... e a ... proteo
dos interesses dos consumidores quanto a preo, qualidade e oferta dos produtos...
(BRASIL, 1997). Por outro lado, o inciso nove do mesmo artigo conferiu ANP a
preocupao com o cumprimento das boas prticas de conservao e uso racional de
energia e preservao do meio ambiente. Assim, pela primeira vez, a lei atribua mais
claramente ao regulador o papel de mediador de conflitos e zelador dos interesses da
sociedade, do que de interventor na atividade econmica.
O novo marco preocupou-se em manter com o Estado os poderes de anuir sobre
as atividades integrantes da indstria do petrleo, devendo os agentes econmicos
pblicos e privados se submeterem aos regulamentos publicados pelo rgo regulador
ento criado. Portanto, embora a redefinio de atribuies tenha introduzido elementos
que garantissem menor interveno direta do Estado na economia e proporcionassem
um ambiente mais estvel atrao do investimento privado, o Estado, por meio da
ANP, continuou com a atribuio de autorizar e fiscalizar o exerccio das atividades da
indstria e do abastecimento nacional de combustveis, assim como de aplicar as
sanes administrativas cabveis e de elaborar os editais e licitar as concesses de
blocos exploratrios.
Conforme explicitado anteriormente, a Lei do Petrleo ratificou que os depsitos
de petrleo, gs natural e outros hidrocarbonetos fluidos existentes no territrio
nacional, incluindo a parte em mar, continuavam pertencendo Unio, assim como a
4O Departamento Nacional de Combustveis (DNC), criado por meio do decreto n 99.180, de 15 de maro de 1990,
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atividades descritas nos incisos de I a IV do artigo 177 da Constituio Federal
permaneciam sendo monoplios do Estado Brasileiro. O artigo 5da Lei, no entanto,
regulamentava o modelo de contratao das empresas interessadas em exercer tais
atividades, instituindo o regime de concesso ou autorizao, conforme transcrio a
seguir:
Art. 5 As atividades econmicas de que trata o artigo anterior sero reguladas e
fiscalizadas pela Unio e podero ser exercidas, mediante concesso ou
autorizao, por empresas constitudas sob as leis brasileiras, com sede e
administrao no Pas. (BRASIL, 1997).
Mais especificamente nos casos de blocos exploratrios de petrleo e gs
natural, a Lei disps em seu artigo 23 que:
Art. 23. As atividades de explorao, desenvolvimento e produo de petrleo e degs natural sero exercidas mediante contratos de concesso, precedidos de
licitao, na forma estabelecida nesta Lei.
Pargrafo nico. A ANP definir os blocos a serem objeto de contratos de
concesso.(BRASIL, 1997, grifo meu).
interessante observar, portanto, que nesta nova concepo, a ANP tornou-se
no apenas a nica entidade responsvel por todas as atividades correlacionadas a
gesto, regulao e fiscalizao dos contratos assinados entre as empresas
concessionrios e a Unio, representada pela Agncia nos contratos de explorao depetrleo e gs natural, mas tambm o rgo responsvel pela definio dos blocos que
seriam objeto de licitao com vistas concesso. Ou seja, ainda que polmico e sujeito
a questionamentos jurdicos, de acordo com texto da lei, o poder de outorgar estava
delegado Agncia, o que retirava do Ministrio a atribuio de definio dos blocos e
reas a serem licitadas e invertendo, por completo, a poltica setorial, antes plenamente
controlada pelo governo.
Alm de toda a regulao da indstria de petrleo e gs passar a ser executadapor uma agncia independente e dotada de atribuies claramente definidas em lei, o
prprio regime de explorao dos blocos por meio de contratos de concesso assegurava
maior estabilidade e criava fortes incentivos ao investimento privado, ainda que os
riscos da atividade fossem totalmente assumidos pelo concessionrio, pois, na hiptese
de sucesso, o produto da lavra seria de sua propriedade. O Artigo 26 da lei explicita esta
definio:
antecedeu a ANP na regulao do setor. O rgo foi extinto com a criao da ANP, em 1997.
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Art. 26. A concesso implica, para o concessionrio, a obrigao de explorar, por
sua conta e risco e, em caso de xito, produzir petrleo ou gs natural em
determinado bloco, conferindo-lhe a propriedade desses bens, aps extrados, com
os encargos relativos ao pagamento dos tributos incidentes e das participaes
legais ou contratuais correspondentes. (BRASIL, 1997). luz do exposto, portanto, notamos que o novo aparato legal modificava de
forma significativa o desenho institucional e o modelo regulatrio anteriormente
vigentes. O novo rgo criado pelo governo federal, a ANP, fora concebido como uma
autarquia federal, dotado de uma direo colegiada e tendo por atribuies: a garantia do
suprimento de derivados de petrleo em todo o territrio nacional, a elaborao de
editais e a promoo de licitaes para as concesses na rea de explorao,
desenvolvimento e produo de petrleo, alm da fiscalizao e regulamentao dasatividades de todas as atividades da indstria do petrleo, seus derivados, gs natural e
lcool combustvel.
O novo ambiente institucional passou a ser compatvel com a estabilidade
necessria atrao do capital privado e minimizao dos riscos de interferncia
poltica ou de mudanas constantes de regras e, neste cerne, a ANP detinha as condies
requeridas para a essencial harmonia entre o modelo regulatrio brasileiro e a
liberalizao econmica ento implementada no pas. A figura abaixo ilustra os atoressetoriais e a relao entre eles:
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Figura 1 Atores do ambiente regulatrio aps a Lei do Petrleo
ANP
CNPEMME
MERCADO REGULADO (petrleo e seus
derivados, gs natural e biocombustveis)
Empresas estatais Empresas privadas
Regular, contratar e fiscalizar
OramentoDiretrizes de
Poltica Energtica
Explorao e
ProduoTransporte
Distribuio
Refino Revenda
ANP
CNPEMME
MERCADO REGULADO (petrleo e seus
derivados, gs natural e biocombustveis)
Empresas estatais Empresas privadas
Regular, contratar e fiscalizar
OramentoDiretrizes de
Poltica Energtica
Explorao e
ProduoTransporte
Distribuio
Refino Revenda
Fonte: Elaborao Prpria.
3.1 A Lei do Gs: uma primeira mudana
A observao da configurao institucional estabelecida pela Lei n. 9.478/97,
conforme avaliado anteriormente, demonstra que o peso do Ministrio de Minas e
Energia na regulamentao do setor de petrleo e gs no Brasil era muito inferior, seno
irrisrio, ao modelo existente antes da promulgao da EC n. 09/95, quando havia forte
centralizao no Estado e as polticas eram implementadas diretamente pela ao da
Petrobras, empresa estatal ento detentora de monoplio assegurado por lei.
No entanto, com a mudana de governo a partir da posse do Presidente Luis
Incio Lula da Silva, em 2003, as polticas pblicas voltadas para o setor de energia
tomam um novo direcionamento em prol da maior participao ativa do governo nas
aes e medidas de impacto no setor. Com este novo direcionamento, o governo, em
maro de 2006, envia para o Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 6.673/065visando
a alterar a legislao que disciplina a atividade de transporte de gs natural no pas, nos
termos da Lei n. 9.478/97. Aps grande discusso envolvendo toda a sociedade que
durou cerca de trs anos e meio, em 04/03/2009, promulgada a Lei n. 11.909,
denominada Lei do Gs, alterando artigos da Lei do Petrleo e criando nova
regulamentao para o exerccio das atividades relacionadas ao transporte de gs natural
no pas, envolvendo tambm tratamento, processamento, estocagem, liquefao,
regaseificao e comercializao de respectivo produto.
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Com isso, concedida uma participao mais ativa ao MME e, portanto, ao
governo. Enquanto na legislao anterior todas as atividades de transporte do gs natural
estavam sujeitas ao regime de autorizao, com preos livres e de acordo com o
interesse de construo ou ampliao de cada empresa atuante, pela nova legislao, os
novos gasodutos passam a no estar mais submetidos ao regime de autorizao, e sim
passam a ser regidos pelo regime de concesso, devendo ser precedidos de licitaes
pblicas, promovidas pela ANP, destinadas contratao das empresas operadoras,
cabendo ao Ministrio a definio do perodo de exclusividade, nos termos do artigo 3
da Lei 11.909/2009, a seguir transcrito:
Art. 3 A atividade de transporte de gs natural ser exercida por sociedade ou
consrcio cuja constituio seja regida pelas leis brasileiras, com sede e
administrao no Pas, por conta e risco do empreendedor, mediante os regimes de:
I - concesso, precedida de licitao; ou
II - autorizao.
1 O regime de autorizao de que trata o inciso II do caput deste artigo aplicar-
se- aos gasodutos de transporte que envolvam acordos internacionais, enquanto o
regime de concesso aplicar-se- a todos os gasodutos de transporte considerados
de interesse geral.
2 Caber ao Ministrio de Minas e Energia, ouvida a ANP, fixar o perodo de
exclusividade que tero os carregadores iniciais para explorao da capacidadecontratada dos novos gasodutos de transporte.(BRASIL, 2009).
Assim, a Lei do Gs redefiniu as atribuies, trazendo para o Estado, na figura
do MME e no da ANP, o poder de definir o modelo de contratao, bem como as
demais polticas para o transporte de gs natural, conforme pode ser observado pelo
disposto no artigo 4 da citada lei:
Art. 4 Caber ao Ministrio de Minas e Energia:
I - propor, por iniciativa prpria ou por provocao de terceiros, os gasodutos de
transporte que devero ser construdos ou ampliados;
II - estabelecer as diretrizes para o processo de contratao de capacidade de
transporte;
III - definir o regime de concesso ou autorizao, observado o disposto no 1o do
art. 3o desta Lei. (BRASIL, 2009).
A ANP passou a ter como atribuio a promoo do processo de licitao da
atividade de concesso de gs natural, bem como a elaborao dos respectivos editais e
dos contratos de construo e ampliao baseados na nova legislao. Alm disso, sob o
5Disponvel em: http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=314950. Acesso em: 25 mar 2011.
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regime de concesso, a Agncia passa a ser responsvel pela fixao das tarifas de
transporte e pela celebrao dos contratos, desde que delegados pelo MME. Desta
forma, a correspondente alterao do marco regulatrio ento criado em 1997, pode ser
considerada a primeira movimentao no sentido de conceder ao MME um papel mais
significativo na definio de diretrizes a serem seguidas pelo rgo regulador. Tal
afirmao fica ainda mais evidente a partir da anlise dos incisos includos no artigo 8
da Lei n. 9.478/1997, que define as atribuies da ANP, conforme destacado abaixo:
Art. 8 A ANP ter como finalidade promover a regulao, a contratao e a
fiscalizao das atividades econmicas integrantes da indstria do petrleo, do gs
natural e dos biocombustveis, cabendo-lhe: (Redao dada pela Lei n 11.097, de
2005)
(...)XX - promover, direta ou indiretamente, aschamadas pblicas para a contratao
de capacidade de transporte de gs natural, conforme as diretrizes do Ministrio
de Minas e Energia;
(...)
XXII - informar a origem ou a caracterizao das reservas do gs natural
contratado e a ser contratado entre os agentes de mercado;
XXIII - regular e fiscalizar o exerccio da atividade de estocagem de gs natural,
inclusive no que se refere ao direito de acesso de terceiros s instalaes
concedidas;
XXIV - elaborar os editais e promover as licitaes destinadas contratao de
concessionriospara a explorao das atividades de transporte e de estocagem de
gs natural;)
XXV - celebrar, mediante delegao do Ministrio de Minas e Energia, os
contratos de concesso para a explorao das atividades de transporte e
estocagem de gs natural sujeitas ao regime de concesso; (BRASIL, 1997, grifo
meu).
Notamos, assim, que em 2009 foi alterado o marco regulatrio do setor de gsnatural, especialmente no que tange modalidade do regime qual estaria submetida a
atividade de transporte do combustvel. No bojo de tal redefinio, o Ministrio adquiriu
um papel mais central na definio de diretrizes das polticas setoriais e das reas a
serem licitadas. ANP coube a implementao da poltica pblica, mantendo a
competncia para regular e fiscalizar as empresas do setor, tanto quando sob o regime de
concesso, quanto sob o regime de autorizao, vlidos para as atividades em execuo
antes da promulgao da Lei. Embora esta mudana seja relevante do ponto de vistainstitucional, ser a partir da descoberta de hidrocarbonetos na camada denominada de
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pr-sal, no entanto, que verificaremos uma significativa mudana na regulao de
petrleo e gs no Brasil, com a criao de novos atores e a redefinio das atribuies.
Na seo a seguir, ento, apresentaremos o novo ambiente institucional resultante do
processo de reviso da legislao.
4. O pr-sal e a reconfigurao institucional da regulao do P & G no Brasil
A partir do surgimento, em 2007, das primeiras informaes acerca das
potenciais descobertas de leo e gs nas regies localizadas abaixo da camada de sal,
prximo Bacia de Santos e em guas ultraprofundas, a mais de 7000 metros de
profundidade (FRANA, 2007), de acordo com as descobertas realizadas pela
Petrobras, o governo brasileiro optou por dar incio ao processo de reviso do marco
regulatrio de petrleo e gs no pas. A primeira medida foi a publicao da Resoluo
do Conselho Nacional de Poltica Energtica (CNPE), que retirou da 9 Rodada de
Licitaes de Blocos Exploratrios a ser promovida pela ANP todos os blocos
relacionados ... s possveis acumulaes em reservatrios do Pr-sal (CNPE, 2007).
De acordo com o entendimento daquele Conselho, a possibilidade de existncia de uma
nova e significativa provncia petrolfera no Brasil, com grandes volumes recuperveis
estimados de leo e gs, capazes de elevar substancialmente as reservas provadas do
Brasil, bem como os indcios inicias de que a especificao do leo corresponderia a
aqueles de alto valor comercial justificaram a deciso tomada, a qual resultou na oferta,
pela ANP, de blocos localizados somente em reas terrestres. interessante notar que a
citada resoluo, alm de retirar os blocos em mar, emitiu determinao ao MME no
sentido de iniciar os estudos necessrios reviso do modelo de explorao de petrleo
e gs, at ento orientado pela Lei do Petrleo de 1997. Neste contexto, destacamos que
o artigo 4 da norma disps o seguinte:
Art. 4 Determinar ao Ministrio de Minas e Energia que avalie, no prazo mais
curto possvel, as mudanas necessrias no marco legal que contemplem um novo
paradigma de explorao e produo de petrleo e gs natural, aberto pela
descoberta da nova provncia petrolfera, respeitando os contratos em vigor.
(CNPE, 2007).
Em funo deste novo cenrio que se constitui e aps quase dois anos da
primeira descoberta de leo na camada pr-sal feita pela Petrobras, o governo elaborou e
enviou ao Congresso Nacional, em 01/09/2009, quatro projetos de lei objetivando
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alterar a legislao at ento vigente para explorao de reas potencialmente produtoras
de petrleo e gs. A Tabela a seguir apresenta os quatro projetos:
Tabela 1 Descrio dos Projetos de Lei apresentados pelo Poder Executivo ao
Congresso Nacional
N do Projeto de Lei Objetivo
5938/2009
Dispe sobre a explorao e a produo de petrleo, de gs natural e de
outros hidrocarbonetos fluidos sob o regime de partilha de produo, em
reas do pr-sal e em reas estratgicas, altera dispositivos da Lei no
9.478, de 6 de agosto de 1997, e d outras providncias.
5939/2009
Autoriza o Poder Executivo a criar a empresa pblica denominada
Empresa Brasileira de Administrao de Petrleo e Gs Natural S.A.
PETRO-SAL, e d outras providncias.
5940/2009 Cria o Fundo Social - FS, e d outras providncias.
5941/2009
Autoriza a Unio a ceder onerosamente Petrleo Brasileiro S.A. -
PETROBRAS o exerccio das atividades de pesquisa e lavra de petrleo,
de gs natural e de outros hidrocarbonetos fluidos de que trata o inciso I
do art. 177 da Constituio, e d outras providncias.
Fonte: Cmara do Depurados Elaborao Prpria.
As referidas propostas foram objeto de forte discusso junto ao legislativo e aos
segmentos especializados da sociedade civil organizada, tendo em vista os possveis
impactos das mudanas legais sobre a segurana jurdica e regulatria do setor, bem
como os efeitos sobre os incentivos ao investimento privado e sobre a arrecadao
tributria da Unio, dos estados e dos municpios. Percebe-se que, de acordo com a
descrio dos projetos, o governo tinha como foco no apenas alterar a modalidade de
contratao de empresas quando da explorao em reas do pr-sal (PL n. 5938/2009),
mas tambm criar uma empresa pblica dedicada exclusivamente gesto dos contratos
destas reas (PL n. 5939/2009), instituir um Fundo Social independente que pudesse
garantir que o grande volume de recursos tributrios obtidos com a explorao das reas
fossem tambm usufrudos pelas geraes futuras (PL n. 5940/2009) e assegurar
Petrobras, por meio de uma cesso onerosa, as condies financeiras necessrias
superao dos custos e da necessidade de investimento relativa ao desafio exploratrio
da nova fronteira de produo de petrleo e gs no pas (PL n. 5941/2009).
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O primeiro projeto aprovado foi o de cesso onerosa, transformado na Lei n.
12.276, de 30 de junho de 2010, a qual autorizou a Unio a ceder onerosamente
Petrobras, em reas ainda no concedidas localizadas no pr-sal e em regime de
dispensa de licitao, o exerccio das atividades de pesquisa e lavra de petrleo, gs
natural e outros hidrocarbonetos, ficando a citada empresa controlada pelo governo com
a titularidade dos recursos petrolferos encontrados e produzidos. A efetivao de tal
cesso de direitos de explorao e produo dar-se- por meio de um contrato especfico
de cesso a ser assinado com a Unio, previamente submetido aprovao do CNPE,
limitando em cinco bilhes de barris equivalentes o volume total de leo produzido a ser
de propriedade da Petrobras. Nesta modalidade especfica de contratao, ANP foi
atribuda a responsabilidade de obter laudo tcnico com vistas a avaliar os volumes e
valores dos barris de leo equivalentes a serem potencialmente produzidos pela
Petrobras nas respectivas reas do pr-sal, bem como de regular e fiscalizar as
atividades realizadas no mbito do contrato de cesso onerosa.
interessante notar que a referida legislao promulgada em junho de 2010
pode ser compreendida como uma alterao inicial do modelo at ento vigente, uma
vez que, diferentemente dos ditames da Lei do Petrleo, a explorao de petrleo em
determinada rea definida pelo governo, mesmo sendo feita pela Petrobras, poder
ocorrer sem prvia licitao a ser promovida pela ANP, nos termos do artigo 23 ento
em vigor da Lei n. 9.478/97. A nova modalidade de contratao, no sujeita ao regime
de concesso, tem como objetivo permitir a capitalizao da Petrobras, criando as
condies necessrias ao financiamento do elevado volume de investimentos requeridos
para a superao do desafio tecnolgico de explorao e produo de hidrocarbonetos
em reas abaixo da camada de sal.
Dos projetos de lei enviados ao Legislativo, o de n. 5939/2009, foi o segundo a
ser aprovado, convertendo-se na Lei n. 12.304, de 2 de agosto de 2010, e autorizando o
Executivo a criar a denominada Empresa Brasileira de Administrao de Petrleo e Gs
Natural S.A (Pr-Sal Petrleo S.A. PPSA). A empresa ento instituda fica vinculada
ao MME e tem como objeto a gesto tanto dos contratos de partilha de produo quanto
dos contratos para a comercializao de petrleo, de gs natural e de outros
hidrocarbonetos fluidos da Unio. De acordo com o artigo 4 da lei e considerando o
escopo dos atos necessrios gesto dos contratos de produo sob regime de partilha, a
empresa ficou com a atribuio representar a Unio nos consrcios, fazer cumprir as
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exigncias de contedo local6, avaliar os critrios tcnicos e econmicos dos planos
relacionados s atividades exploratrias desenvolvidas pelas empresas contratadas sob o
regime de partilha, bem como auditar e monitorar a sua execuo e os custos e
investimentos a elas relacionados. No que tange aos contratos de comercializao do
leo, a PPSA tem a responsabilidade de celebrar os contratos com os comercializadores,
representando a Unio, verificar o cumprimento da poltica de comercializao disposta
no contrato de partilha, monitorar e auditar as operaes, custos e preos, assim como
examinar os dados ssmicos fornecidos pelos contratados.
Adicionalmente, a empresa pblica criada, nas hipteses em que jazidas de
petrleo venham a se estender para reas no concedidas ou no contratadas sob o
regime de partilha de produo, fica responsvel por representar a Unio nos
procedimentos de individualizao da produo. Sobre este aspecto, relevante
explicitar que esta competncia era anteriormente exercida exclusivamente pela ANP,
de acordo com o artigo 27 da Lei do Petrleo, sendo agora executada pela PPSA quando
se tratar de reas no pr-sal ou consideradas estratgicas. A relao com a ANP ficar
restrita ao fornecimento de dados necessrios a funo regulatria e anlise dos dados
ssmicos disponibilizados pela Agncia.
No que concerne ao processo decisrio da PPSA, a direo dar-se- por meio de
um Conselho de Administrao e uma Diretoria Executiva, ambos com cinco
integrantes7, sendo que no primeiro o mandato ter durao de quatro anos e haver a
possibilidade de uma reconduo. Em todos os casos, os nomes sero indicados pelo
Presidente da Repblica, sem a necessidade de aprovao pelo Senado Federal. As
atribuies de cada membro da Diretoria Executiva sero definidas por estatuto
aprovado por ato do Poder Executivo e suas deliberaes ocorrero por maioria
absoluta, ou seja, 3/5 dos diretores. A empresa estar sujeita superviso do MME e
fiscalizao da Controladoria-Geral da Unio e do Tribunal de Contas da Unio, nos
termos do artigo 17 da lei. Neste contexto, portanto, cumpre ressaltar que tanto os
6Regra a partir da qual a empresa contratada deve assegurar preferncia contratao de fornecedores brasileirossempre que suas ofertas apresentem condies de preo, prazo e qualidade equivalentes s de outros fornecedoresconvidados a apresentar propostas. Este dispositivo tem o objetivo de incrementar a participao da indstrianacional de bens e servios, em bases competitivas, nos projetos de explorao e desenvolvimento da produo depetrleo e gs natural. Disponvel em: http://www.anp.gov.br/?id=554. Acesso em: 27 fev 2011.
7
No caso do Conselho de Administrao, nos termos do artigo 10 da Lei 13.304/2010, a composio ser a seguinte:1 (um) conselheiro indicado pelo Ministrio de Minas e Energia, que o presidir; 1 (um) conselheiro indicado peloMinistrio da Fazenda; 1 (um) conselheiro indicado pelo Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto; 1 (um)conselheiro indicado pela Casa Civil da Presidncia da Repblica; e pelo diretor-presidente da PPSA.
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critrios de nomeao quanto o nvel de independncia institucional, especialmente no
que tange ao processo decisrio, diferem daqueles aplicveis ANP.
A partir de tal configurao, fica ratificado que a nova legislao, ao inserir um
novo agente no ambiente regulatrio, com atribuies antes exercidas exclusivamente
pela ANP e com novas competncias de carter tcnico e econmico, reconfigura o
desenho institucional da regulao de petrleo e gs no pas. Como veremos adiante,
interessante observar tambm que esta lei apresenta uma srie de conceitos que sero
definidos somente quando da aprovao do texto do PL n. 5938/2009, que instituiu o
regime de partilha e definiu, por exemplo, a rea do pr-sal, as reas estratgicas, o
prprio regime de partilha e o consrcio a ser formado para o contrato de partilha.
A terceira lei sancionada pelo Presidente da Repblica e resultante dos projetos
enviados ao Congresso Nacional foi a mais importante e consolidou o novo modelo a
ser aplicado explorao de petrleo e gs natural no Brasil, alterando, por conseguinte,
o marco regulatrio anteriormente criado pela Lei 9.478/97. Na realidade, o texto final
da lei ento aprovada aglutinou o contedo dos Projetos de Lei n. 5938/2009 e n.
5940/2009, de modo que, alm de modificar a Lei do Petrleo, disps tanto sobre a
explorao e a produo de petrleo, de gs natural e de outros hidrocarbonetos fluidos,
sob o regime de partilha de produo, em reas do pr-sal e em reas estratgicas,
quanto sobre a criao do Fundo Social.
Pelo regime de partilha, nos termos do artigo 2 da Lei n. 12.351/2010, o
contratado exercer, por sua conta e risco, as atividades de explorao e produo dos
hidrocarbonetos, tendo direito, na hiptese de descoberta comercial, apropriao do
custo em leo8, do volume da produo correspondente aos royalties9 devidos, bem
como de parcela do excedente em leo10, na proporo, condies e prazos
estabelecidos em contrato. O artigo 3 define a que rea se aplica o novo regime de
contratao:
8Conforme inciso II do artigo 2: ... parcela da produo de petrleo, de gs natural e de outros hidrocarbonetosfluidos, exigvel unicamente em caso de descoberta comercial, correspondente aos custos e aos investimentos
realizados pelo contratado na execuo das atividades de explorao, avaliao, desenvolvimento, produo e
desativao das instalaes, sujeita a limites, prazos e condies estabelecidos em contrato. (BRASIL, 2010c).9 De acordo com o inciso XIII do artigo 2, tal pagamento corresponde ... compensao financeira devida aosEstados, ao Distrito Federal e aos Municpios, bem como a rgos da administrao direta da Unio, em funo da
produo de petrleo, de gs natural e de outros hidrocarbonetos fluidos sob o regime de partilha de produo, nos
termos do 1o do art. 20 da Constituio Federal. (BRASIL, 2010c).10 Nos termos do inciso III do artigo 2, o excedente em leo refere-se ao valor da ... parcela da produo de
petrleo, de gs natural e de outros hidrocarbonetos fluidos a ser repartida entre a Unio e o contratado, segundocritrios definidos em contrato, resultante da diferena entre o volume total da produo e as parcelas relativas ao
custo em leo, aos royaltiesdevidos e, quando exigvel, participao de que trata o art. 43 da Lei 12.351/2010(BRASIL, 2010c).
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Art. 3 A explorao e a produo de petrleo, de gs natural e de outros
hidrocarbonetos fluidos na rea do pr-sal e em reas estratgicas sero
contratadas pela Unio sob o regime de partilha de produo, na forma desta Lei.
(BRASIL, 2010c, grifo meu).
Neste sentido, a delimitao das respectivas reas, aplicvel tambm atuaoda PPSA, conforme mencionado anteriormente, ficou definida nos incisos IV e V do
artigo 2, como a seguir transcrito:
IV - rea do pr-sal: regio do subsolo formada por um prisma vertical de
profundidade indeterminada, com superfcie poligonal definida pelas coordenadas
geogrficas de seus vrtices estabelecidas no Anexo desta Lei, bem como outras
regies que venham a ser delimitadas em ato do Poder Executivo, de acordo com a
evoluo do conhecimento geolgico;
V - rea estratgica: regio de interesse para o desenvolvimento nacional,
delimitada em ato do Poder Executivo, caracterizada pelo baixo risco exploratrio
e elevado potencial de produo de petrleo, de gs natural e de outros
hidrocarbonetos fluidos; (BRASIL, 2010c).
Outrossim, nos blocos sob o regime de partilha, a Petrobras passar a atuar como
operadora nica, sendo-lhe garantida a participao mnima de 30% nos casos em que a
licitao venha a ser ganha por outra empresa ou conjunto de empresas. Deste modo, a
empresa controlada pelo governo, embora passe a ser a nica responsvel pela execuo
dos servios de explorao, avaliao, desenvolvimento e produo de petrleo e gs
nas reas descritas nos incisos IV e V do artigo 2, fica a obriga a acatar as regras do
edital de licitao e a proposta vencedora11.
Todavia, as alteraes mais significativas que geraram impacto na regulao da
indstria nacional de petrleo e gs deram-se por meio das novas competncias
definidas para o MME, o CNPE e a ANP, as quais fortaleceram o papel dos rgos de
governo, como o Ministrio, e, em contrapartida, retiraram algumas das atribuies
anteriormente exercidas pela a Agncia. Como exemplo, vele destacar que os novos
contratos sob o regime de partilha passam a ser celebrados pela Unio, por intermdio
do MME, e no pela ANP, como ocorre com os contratos de concesso regidos pela Lei
do Petrleo. Ao mesmo tempo, a contratao poder ser feita diretamente com a
Petrobras, dispensada a licitao ou mediante licitao na modalidade leilo, cabendo
11De acordo com artigo 18 da Lei 12.351/2010, ser considerada vencedora a proposta mais vantajosa segundo ocritrio da oferta de maior excedente em leo para a Unio.
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PPSA a gesto dos respectivos contratos, sem que, com isso, incorra nos custos e riscos
referentes s atividades.
O CNPE, embora tenha mantido seu papel de propor ao Presidente as polticas
setoriais, estendeu seu escopo de atuao para os assuntos relacionados diretamente com
os contratos de partilha de produo, harmonizando-se com a nova legislao em vigor.
O artigo 9 da lei 12.351/2010 definiu que compete ao Conselho propor:
I - o ritmo de contratao dos blocos sob o regime de partilha de produo,
observando-se a poltica energtica e o desenvolvimento e a capacidade da
indstria nacional para o fornecimento de bens e servios;
II - os blocos que sero destinados contratao direta com aPetrobras sob o
regime de partilha de produo;
III -os blocos que sero objeto de leilo para contratao sob o regime de partilha
de produo;
IV -os parmetros tcnicos e econmicosdos contratos de partilha de produo;
V - a delimitao de outras regies a serem classificadas como rea do pr-sal e
reas a serem classificadas como estratgicas, conforme a evoluo do
conhecimento geolgico;
VI - a poltica de comercializao do petrleo destinado Unio nos contratos de
partilha de produo; e
VII - a poltica de comercializao do gs natural proveniente dos contratos de
partilha de produo, observada a prioridade de abastecimento do mercado
nacional. (BRASIL, 2010c, grifo meu).
Alm disso, as alteraes promovidas pela nova norma na Lei 9.478/97 no que
tange ao CNPE so ainda mais enfticas em assegurar a participao efetiva do
Conselho na definio dos blocos, uma vez que inclui os seguintes incisos ao artigo
segundo da lei de 1997:
VIII -definir os blocos a serem objeto de concesso ou partilha de produo;
IX -definir a estratgia e a poltica de desenvolvimento econmico e tecnolgico
da indstria de petrleo, de gs natural e de outros hidrocarbonetos fluidos, bem
como da sua cadeia de suprimento;
X - induzir o incremento dos ndices mnimos de contedo local de bens e servios,
a serem observados em licitaes e contratos de concesso e de partilha de
produo, observado o disposto no inciso IX.(BRASIL, 2010c, grifo meu).
O MME, por sua vez, assumiu uma srie de competncias antes sequer
mencionadas na Lei 9.478/97, de acordo com o artigo 10 da Lei 12.351/2010,
aumentando a participao direta do governo na definio de blocos a serem licitadosnas duas modalidades de contratao (partilha e produo), bem como no
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estabelecimento dos parmetros tcnicos e econmicos a serem aplicados aos contratos
de partilha de produo e das diretrizes a serem observadas pela ANP para a promoo
das licitaes e na elaborao dos editais e dos contratos relativos ao novo regime, os
quais tambm ficaram sujeitos aprovao do MME. As alteraes na Lei do Petrleo
tambm retrataram esta maior centralidade do Ministrio, garantindo ao rgo acesso
irrestrito e gratuito ao acervo tcnico constitudo de dados e informaes das bacias
sedimentares brasileiras12.
No novo modelo de contratao, embora a gesto dos contratos tenha sido
delegada PPSA, representando a Unio na figura jurdica de uma empresa pblica, a
fiscalizao e a regulao das atividades realizadas sob o regime de partilha de produo
ficaram a cargo da ANP, bem como a promoo das licitaes, tal qual ocorre com os
contratos sob o regime de concesso. Todavia, atividades que anteriormente eram
exercidas sem a necessidade de submisso ao MME, agora devem ser encaminhadas
para avaliao e deliberao daquele rgo do governo, conforme disposto nos incisos I
e II do artigo 11:
Art. 11. Caber ANP, entre outras competncias definidas em lei:
I - promover estudos tcnicos para subsidiar o Ministrio de Minas e Energia na
delimitao dos blocos que sero objeto de contrato de partilha de produo;
II - elaborar e submeter aprovao do Ministrio de Minas e Energia as minutas
dos contratos de partilha de produo e dos editais, no caso de licitao;
(BRASIL, 2010c, grifo meu).
Deste modo, possvel concluir que tais definies refletiram-se em uma
reorganizao do regime de competncias dos atores integrantes da regulao de
petrleo e gs natural no Brasil. Do ponto de vista das atividades exploratrias, a partir
da definio das reas consideradas estratgicas e do pr-sal, o exerccio da atividade de
explorao de petrleo e gs no Brasil passou a poder ser exercido de duas maneiras
distintas: por meio de contratos de concesso ou por contratos da modalidade de partilha
de produo. A nova redao dada ao artigo 23 da Lei do Petrleo deixa clara a
convivncia entre as duas modalidades de contratao:
Art. 23. As atividades de explorao, desenvolvimento e produo de petrleo e de
gs natural sero exercidas mediante contratos de concesso, precedidos de
licitao, na forma estabelecida nesta Lei, ou sob o regime de partilha de produo
nas reas do pr-sal e nas reas estratgicas, conforme legislao especfica.
(BRASIL, 2010c).
12Conforme incluso do pargrafo 3 do artigo 22 da Lei n. 9.478/97.
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A figura a seguir procura ilustrar os atores presentes no novo desenho
institucional da regulao da indstria de petrleo e gs n Brasil, a partir das mudanas
trazidas pelo conjunto de lei aprovados em 2010 o Congresso Nacional, que foram
resultantes das propostas enviadas pelo Executivo:
Figura 2 Ambiente regulatrio aps legislao do pr-sal e contratos de partilha
Fonte: Elaborao Prpria.
Assim, o novo marco institudo pelo conjunto de leis aprovadas no ano de 2010
alterou o papel das instituies atuantes na regulao da indstria de petrleo e gs no
Brasil, reconfigurando o ambiente de interao entre empresas, governo e agnciareguladora. Este novo cenrio apresenta-se como um desafio importante para a
coordenao entre as diferentes instituies, o que est intimamente associado a
potencial assimetria de poderes e de interesses entre elas.
5. Concluses
luz do exposto nas sees anteriores, notamos que foram promovidas
significativas mudanas na legislao aplicvel indstria de petrleo e gs natural noBrasil que se refletiram no desenho institucional da regulao econmica setorial. Na
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realidade, com a descoberta de fontes antes desconhecidas de hidrocarbonetos na regio
localizada na camada denominada pr-sal, o governo optou por reformular o marco
vigente de modo a permitir e garantir maior participao direta do Executivo nas
polticas pblicas e decises acerca dos contratos de explorao de petrleo e gs
natural.
Neste sentido, no caso do regime de contratao de empresas por meio de
concesso, permaneceram as regras anteriores dispostas pela Lei 9.478/97, com
regulao sendo feita estritamente pela ANP e com contratao, precedida de licitao
pblica, podendo ser feita a qualquer empresa qualificada de acordo com as regras do
Edital. No entanto, a despeito da manuteno de tal regime de contratao por meio de
concesso para reas consideradas no estratgicas, a nova legislao alterou
dispositivos importantes da Lei do Petrleo, refletindo uma mudana nas competncias
dos atores atuantes no ambiente regulatrio e, consequentemente, no desenho
institucional. Como exemplo, isto ficou evidente com a retirada da ANP da atribuio
de definir os blocos a serem objeto de licitao, conforme revogao do pargrafo
primeiro do artigo 23 da Lei 9.478/97, transferido tal competncia ao CNPE.
Alm disso, para os casos sujeitos ao regime de partilha de produo, foi criada a
figura de um novo agente representante do Estado, a PPSA, com funes de atuar na
gesto dos contratos de partilha de produo. Tal agente, por sua vez, na figura de uma
empresa pblica, integralmente controlada pela Unio, passar a atuar tambm no
monitoramento e auditoria dos elementos tcnicos e econmicos relativos execuo
dos servios pelo contratado, atuando em paralelo ANP. interessante notar tambm
que a estrutura deliberativa da PPSA difere daquela aplicvel Agncia, especialmente
com relao ao processo de seleo e aprovao dos integrantes do Conselho de
Administrao e da Diretoria Executiva. A relao de subordinao em relao ao MME
tambm distinta da ANP, a qual possui maior autonomia administrativa e financeira.
Cumpre destacar que, ao tempo em que na Lei 9.478/97 o MME no tinha
atribuio especfica, a partir da Lei 12.351/2010, o Ministrio passou a obter destaque
maior na formulao e implementao das polticas e diretrizes relacionadas indstria
do petrleo e gs, assumindo a responsabilidade de, dentre outros, propor os blocos a
serem licitados tanto no regime de concesso quanto no regime de partilha de produo,
bem como definir das diretrizes a serem seguidas pela ANP.
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No que concerne Petrobras, o novo modelo regulatrio tambm deixa de
consider-la apenas mais uma empresa passvel de participao em licitaes de blocos
exploratrios, passando a ser protagonista do regime de partilha de produo, tornando-
se, compulsoriamente, a nica empresa operadora com participao mnima de 30%.
Assim, este novo cenrio implica o desafio de buscar a coordenao
interinstitucional vis a visas novas competncias e, eventualmente, as sobreposies de
atribuies que venham a afetar a prtica regulatria. Ser necessrio o exerccio prtico
da regulao, em todas as suas esferas e considerando o ambiente institucional aplicvel,
para a avaliao e identificao dos requisitos institucionais capazes de assegurar a
harmonia entre os diferentes rgos e, consequentemente, permitir que sejam atingidos
os objetivos esperados com a nova legislao. Fatores polticos, sociais e econmicos
interferem diretamente na evoluo e na modificao institucional, na medida em que as
instituies so resultantes do processo de interao mtua e representam no apenas as
relaes formais entre os agentes, mas tambm as relaes de natureza informal. Ambos
os tipos de relaes, portanto, ao mesmo tempo em que devem estar no escopo de
delimitao deste novo modelo, devem tambm ser consideradas pelas entidades
privadas e pblicas participantes do processo de interao, que no caso, se refletem na
agncia reguladora setorial, no ministrio, no CNPE, na PPSA, na Petrobras e no
prprio setor privado, o qual possui papel importante no financiamento dos projetos
destinados explorao e produo de petrleo e gs natural nas reas do pr-sal.
6. Referncias
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