Post on 15-Nov-2018
3918
FORMAÇÃO DE PROFESSORES E SUA ADESÃO A VALORES MORAIS: UMA
POSSIBILIDADE DE SUPERAÇÃO DOS PROBLEMAS DE CONVIVÊNCIA E
ERRADICAÇÃO DO BULLYING NA ESCOLA
Luciene Regina Paulino Tognetta – FCLar/UnespRafael Petta Daud – FCLar/Unesp.
Eixo temático: Formação continuada e desenvolvimento profissional de Professores da Educação BásicaAgência Financiadora: Fundunesp/PROPe/CDC
email: lrpaulino@uol.com.br
INTRODUÇÃO
No dia-a-dia da escola, os profissionais em educação se deparam,
frequentemente, com pequenos conflitos e desavenças entre seus alunos. Existem
inúmeros estudos indicando como queixa constante o crescimento desses conflitos
(VASCONCELOS, 2005; LEME, 2006; 2009). Investigações atuais também constatam a
angústia, aflição ou irritabilidade que os educadores dizem sentir ao se deparar com
inúmeras situações cotidianas de desrespeito (furtos, danos ao patrimônio, agressões,
incivilidades) não sabendo lidar com essa problemática que os aflige. Neste ínterim, um problema presente no cotidiano das escolas chama-nos a
atenção pela sua especificidade, já atestada em diferentes investigações, e pela
frequência reiterada em pesquisas no Brasil e no mundo. Estamos falando do bullying.
Sabe-se que há um quadro de desinformação entre educadores em geral quanto à
compreensão do que seja essa forma de violência e as ações pelas quais se pode vencer
o problema. Somada à desinformação, há uma tendência a menosprezar-se esse tipo de
violência, já que ela não afeta diretamente a autoridade em questão. Ao julgar, muitas
vezes, como natural entre as crianças e jovens, ou mesmo como uma forma de
aprendizagem, os educadores parecem mais refutar o problema do que auxiliar na sua
superação. Diferentes investigações têm alertado para o fato de que o bullying é uma forma
de desrespeito (OLWEUS, 1993; 1994; 1997; 1999; COWIE, 2005; AVILÉS, 2008;
TOGNETTA & ROSÁRIO, 2013; TOGNETTA, MARTINÉZ & ROSÁRIO, 2014). Por isso,
sua superação implica em constatar sua natureza moral. Num cenário em que a falta de
respeito é uma das demandas atuais mais contingentes, é possível inferir o quanto estão
ausentes os conteúdos morais nas instituições que, por excelência, têm a
responsabilidade por educar moralmente (TOGNETTA & VINHA, 2009; AVILÉS, 2012).
Estamos falando da escola, seja ela pública ou particular, de Educação Básica ou de
Ensino Superior, visto que o bullying é um problema das relações humanas que se
estabelecem onde existem pares.
3919
Desta forma, tanto o bullying como outros problemas de convivência presentes
nas escolas revelam a necessidade de se encontrar respostas a uma pergunta que tem
se mostrado frequente, principalmente entre educadores brasileiros cujas intervenções
equivocadas são fadadas ao fracasso: o que fazer para educar moralmente a fim de que
se tenha uma convivência pacífica? Certamente, as formas pelas quais educadores brasileiros têm conduzido os
problemas de convivência na escola indica um despreparo e falta de conhecimentos
sobre a natureza deste domínio moral, além da pouca reflexão sobre os valores morais
que almejam, mas que pouco sabem como formar em seus alunos. Pode indicar,
também, a baixa adesão a esses mesmos valores apontando, assim, como esses
mesmos professores estão fadados a uma condição de heteronomia que lhes
impossibilita formar sujeitos autônomos. Mas, que relações podem ser estabelecidas entre este fato e a superação do
bullying escolar? É o que passamos a apresentar.
As relações entre bullying e o tipo de ambiente Em investigação conduzida entre estudantes brasileiros, (TOGNETTA & VINHA,
2010) foi indagado a eles sobre as possíveis formas de tratamento recebido por seus
professores com a pergunta: “Você já foi humilhado, diminuído, desprezado ou caçoado
por algum de seus professores?”. Os resultados indicaram que os alunos eram também
destratados, humilhados, ameaçados, desprezados na frente dos colegas, por seus
professores. 22% de respostas obtidas entre estudantes do 4º ano do EF I ao 2º ano do
EM apontaram este fato. Essa investigação, somada a outras já realizadas, demonstra
um problema que surge para se pensar o combate a um tipo de violência quando o
ambiente potencializa esse mesmo substrato de comportamento. Mostra, também, a
dificuldade de implementação de propostas de intervenção ao bullying quando, na
verdade, não se têm consolidados os pressupostos anteriores à intervenção voltada ao
enfrentamento do fenômeno. Nossos educadores pouco sabem a respeito de propostas
colaborativas em sala de aula e mesmo sobre possibilidades de sancionar um
comportamento equivocado de um aluno que não seja por meio de um castigo ou
punição. E ainda, falta-nos, enquanto professores, olhar para o bullying não como
brincadeira, mas exatamente como mais uma oportunidade de, a partir de um conflito, se
aprender a conviver num clima escolar de qualidade. Isso porque estudos recentes
mostram o quanto o clima escolar proporcionado pelos professores pode influenciar na
forma de atuação dos envolvidos em situações de bullying. Em uma investigação anterior,
pudemos comprovar a importância de ambientes cooperativos para a superação deste
tipo de problema (FRICK, MENIN & TOGNETTA, 2013).
3920
Ferráns & Selman (2014), em estudo atual relacionando a vitimização entre pares
com o tipo de clima escolar vivenciado, encontraram que somente em ambientes coesos,
em que a confiança e o cuidado são sentidos pelos alunos e onde as regras são
construídas com significados atribuídos por eles em colaboração com seus professores
teremos, por exemplo, espectadores de bullying que se colocam a serviço do auxílio às
vítimas e as defendem sem o emprego da força. Aceves e colaboradores (2010) em outra
investigação, avaliaram a percepção de adolescentes sobre a capacidade de seus
professores lidarem com os conflitos e as estratégias que seus alunos usavam para
resolver as situações de bullying. Os resultados desta pesquisa indicam a relação
existente entre a confiança nos professores – de que esses seriam justos e que o conflito,
portanto, seria resolvido – com a busca de ajuda por parte dos alunos. Contudo, os mesmos autores apontam para a questão que apresentamos para
essa investigação: o quanto professores não sabem como lidar com os conflitos e,
mesmo, o quanto pouco reconhecem que atuar em situações de bullying e em outras
violências requer uma formação adequada. Parece-nos evidente que, para saberem lidar com situações de conflitos
interpessoais, principalmente como o bullying (cujas características são peculiares e
exigem tanto um esforço de compreensão dos esquemas psicológicos presentes em
cada personagem envolvido para então se pensar em formas de intervenção adequadas),
é preciso que esses adultos tenham, primeiramente, construído também estratégias mais
assertivas de negociação e resolução de conflitos, o que requer, por sua vez, que esses
mesmos adultos possam ter aderido a valores morais de forma mais evoluída. Em outras palavras, para uma intervenção adequada aos problemas cotidianos
em que violências como o bullying estão presentes, será preciso que aqueles que
educam tenham incorporado à sua própria identidade os valores morais que tanto
desejamos como acima das normas sociais e convencionais, sendo, assim, também
autônomos moralmente. Nesse sentido, é possível pensar o seguinte problema de pesquisa: haverá
diferenças entre professores que passaram por uma formação sobre a construção da
convivência ética na escola e aqueles que não o fizeram quanto a maneira como aderem
a valores morais como justiça, respeito, solidariedade e convivência democrática?
Metodologia A amostra for formada por um total de 1310 professores de Educação Básica,
provenientes de 75 escolas públicas e privadas do Estado de São Paulo. Destes, 24 %
estavam ou estiveram, durante esta investigação, frequentando cursos de formação de
professores voltados à convivência na escola e à educação moral. Estes professores são
pertencentes às redes pública e privada de Campinas e região e comporão o que
3921
chamamos de grupo B. Quanto aos demais professores, que não passaram por formação
recente relacionada às temáticas apresentadas, formarão o grupo A. Portanto, o grupo B
se constitui por professores que tiveram ou estavam tendo uma formação baseada em
pressupostos construtivistas, sistematizada pelo GEPEM – Grupo de Estudos e
Pesquisas em Educação Moral (Unesp/Unicamp) na forma de cursos de extensão
universitária, com duração mínima de 45 horas.Esta investigação foi organizada em dois estudos separando-se sempre os dois
grupos pesquisados. No primeiro, o objetivo foi verificar a adesão, por parte dos
professores, aos valores morais consonantes com os Parâmetros Curriculares Nacionais
(BRASIL, 1998), os quais: solidariedade, justiça, respeito e convivência democrática. No
segundo, procurou-se encontrar correspondências entre as variáveis escolares, conforme
descrição dos participantes, e a adesão aos valores estudados.O instrumento utilizado foi criado a partir de uma investigação conduzida junto à
Fundação Carlos Chagas, com a coordenação da professora Marialva Tavares Rossi1, em
que se pretendeu construir e validar uma escala que pudesse avaliar a adesão aos
valores por alunos do Ensino Fundamental II (6° ao 9° ano), Ensino Médio e professores
de Educação Básica. Com isso, com base nos pressupostos de Piaget (1932) e de
Kohlberg (1992), foi construída uma matriz de valores e seus respectivos descritores. O
instrumento contém histórias hipotéticas em quatro lócus (família, escola, internet e
ambientes sociais diversos) e apresenta itens em forma de situações problemas,
oferecendo como alternativa para cada item três escolhas favoráveis ao valor em questão
(pró-valor) e duas contrárias a este (contra-valor). Com isso, é possível, por meio do
instrumento, mensurar os níveis em que se situam as pessoas conforme um valor em
jogo, contra ou a favor. Três possíveis níveis foram indicados a partir da perspectiva
social de Kohlberg (1992): egocêntrico (em que o indivíduo se coloca em relação a si
mesmo), sociocêntrico (às expectativas dos outros, às normas e convenções sociais) e,
finalmente, baseado em princípios universalizáveis (frente aos princípios universais mais
amplos).Para o segundo estudo, buscou-se encontrar possíveis correspondências entre o
os resultados quanto à adesão a valores e algumas variáveis escolares que foram
apresentadas no questionário como, por exemplo, a forma pela qual os educadores
atuavam diante dos conflitos.
Resultados e discussãoEstudo 1
Nossa proposta inicial foi verificar se haveria diferenças entre os professores do
grupo A e os professores do grupo B quanto à maneira pela qual aderem aos valores
morais como justiça, respeito, solidariedade e convivência democrática. Os resultados
sugerem a confirmação desta hipótese. Contudo, a diferença encontrada, como veremos,
3922
deve ser considerada com cautela. Ela apenas é um indicativo de que os educadores do
grupo B teriam melhor adesão aos valores. Os itens respondidos pelos participantes foram alocados em uma escala conforme
os níveis das perspectivas sociais correspondentes. Como forma de avaliar as respostas
a partir de suas relações com uma maior adesão a um nível ou não (e não como “certas”
ou “erradas”), recorreu-se para o processamento das escalas, à Teoria de Resposta ao
Item (TRI). Foram estabelecidos intervalos na escala para identificar o limiar a partir do
qual um sujeito deixa de aderir a um valor de uma maneira, ou seja, pró-valor, porém de
forma egocêntrica (que seria P1) e passa a aderir ao valor de forma sociocêntrica, ou
seja, em uma perspectiva mais social (P2). Desta forma, partimos da posição mais alta
da perspectiva sociomoral, correspondente ao nível IV, ou seja, estabelecido conforme
aderência a um valor por um sujeito conforme o reconhecimento do princípio pelo qual
ele se justifica. Com isso, quando 100% dos itens tivessem suas alternativas marcadas
em P2 e pelo menos 75% marcadas em P3, o nível de adesão seria correspondente à
alternativa mais elevada, ou seja, P3. Este critério foi estendido para todas as demais
alternativas relacionadas às perspectivas sociomorais investigadas neste projeto (C1, C2
– contra-valor e P1, P2 e P3 pró-valor), como é possível observar através do quadro 1.
Quadro 1. Critérios para determinação dos níveis de adesão aos valores morais
Nível Critérios para a determinação dos níveis de adesão as valores morais
IV (P3) Todos os itens devem atingir P2 e pelo menos 75% deles atingir P3.
III (P2) Todos os itens devem atingir P1 e pelo menos 75% deles atingir P2.
II (PI) Todos os itens devem atingir C2 e pelo menos 75% deles atingir P1.
I (C2) Todos os itens devem atingir C1 e pelo menos 75% deles atingir C2.
Quando o sujeito atinge o nível IV de adesão aos valores morais ele possui uma
perspectiva propriamente moral para aderir a um valor, pois considera como fundamento
o seu princípio pelo qual não se abre mão. Já no nível III, no qual necessidade atribuída
aos valores morais pelo sujeito se dá apenas a partir de uma convenção social, a adesão
é motivada, praticamente, pela manutenção ou obediência a leis e regras, assumindo,
portanto, uma perspectiva considerada sociocêntrica. Tanto o nível III quanto o nível IV
são considerados formas de adesão ao valor moral pelos sujeitos, pois estes consideram
a necessidade de agir a favor de um valor que está em jogo. Esta situação não ocorre
necessariamente no nível II, pois, tendo como motivações a necessidade de evitar as
consequências negativas para si ou o medo da autoridade, nem sempre o sujeito agirá
em prol de um valor moral. Finalmente, no nível I, a adesão ao valor moral é suprimida
pelo descaso ou pela omissão diante da responsabilidade perante a ação moral.
3923
Situadas estas considerações, segue o que encontramos entre os dois grupos que foram
investigados. Com auxílio da tabela 1 podemos visualizar as porcentagens de
professores que se situa em cada nível.
Tabela 1: Distribuição percentual dos professores por nível de adesão aos valores
Respeito Justiça solidariedade
C.Democrática
Nível
GrupoA
GrupoB
Grupo A
Grupo B
Grupo A
Grupo B
Grupo A
Grupo B
I 0,4% 0,4%II 6,6% 2,3%III 100% 100% 93,1
%97,3%
31,6%
17,5%
100%
100%
IV 68,4%
82,5%
A primeira das observações que podemos fazer desta tabela é uma constatação
importante: somente no valor da solidariedade é que os educadores, sejam eles dos
grupos A ou B, aderem a um valor num nível dos princípios. Essa questão será ainda
discutida. Com relação à formação de professores, como podemos notar, não há diferenças
entre as frequências nos níveis de adesão dos dois grupos de sujeitos para os valores
respeito e convivência democrática: 100% dos sujeitos aderem a esses valores no nível
III da respectiva escala. Isso significa que, em ambos os grupos, os educadores aderem
a esse valor considerando-o importante em função da obediência à lei ou por convenções
sociais vigentes. Contudo, para os valores de justiça e solidariedade, há uma diferença
apontando que os educadores do grupo B estariam mais propensos a níveis mais
elevados, em especial, na adesão ao valor solidariedade (68,4% dos professores do
Grupo A e 82,5% do grupo B). Mesmo quanto ao valor da justiça: no nível III, o nível mais
elevado que os professores aderem a esse valor, os professores do grupo B têm a maior
porcentagem das respostas (97,3% contra 93,1% do grupo A). Quando comparamos as médias encontradas na adesão aos valores para cada
um dos grupos estudados, temos os seguintes resultados apontados na tabela 2.
Tabela 2. Médias e respectivos IC (~95%) das escalas de adesão aos valores sociais para os
respondentes adultos
Grupo Limite inferior Média Limite superior Epm
JustiçaB 159,9 161,2 162,6 0,68
A 156,2 157,0 157,8 0,38
RespeitoB 169,1 169,5 169,8 0,18
A 168,5 168,7 168,9 0,10
3924
SolidariedadeB 168,5 169,8 171,2 0,68
A 165,1 165,8 166,6 0,37
C. DemocráticaB 198,2 198,9 199,6 0,35
A 196,3 196,7 197,2 0,22
Nota: Erro padrão da média (Epm); Limite inferior = média - 2xEpm; Limite superior = média +
2xEpm
A Tabela 2 apresenta as médias dos grupos A e B em cada uma das quatro
escalas de adesão aos valores (Justiça, Respeito, Solidariedade e Convivência
Democrática) e seus respectivos intervalos de confiança (~95%). Não foi encontrada
intersecção entre os intervalos de confiança dos grupos A e B. Constata-se uma diferença
favorável ao grupo B em termos das médias de adesão aos quatro valores, com uma
diferença estatisticamente significativa (p<0,05). Ou seja, esses resultados apontam para
o fato de que os professores do grupo B, que buscaram por uma experiência de formação
profissional cuja proposta foi de fundamentar e compreender formas de intervenção
levando em conta a construção de relações éticas na escola, apresentam médias mais
altas para todos os valores em relação à amostra de professores que não tiveram essa
formação. Embora as diferenças não sejam expressivas quando analisadas as
distribuições dos grupos A e B por níveis, como vimos, elas não negam o resultado
relativo às médias das escalas.
Estudo 2Passemos agora a apresentar as correspondências que estabelecemos entre a
adesão aos valores e algumas variáveis escolares e de perfil dos sujeitos. Elas podem
nos indicar diferenças significativas entre as médias de adesão aos valores entre os dois
grupos. Para isso, utilizou-se de uma ferramenta do SPSS em que se pode visualizar as
relações entre a forma de adesão aos valores e as variáveis escolares e de perfil dos
sujeitos. Trata-se das “Árvores de Classificação”. Quanto ao valor da solidariedade: a primeira relação estabelecida com a adesão
ao valor da solidariedade foi a variável “como considera que os alunos lhe tratam”. Pela
árvore, é possível considerar que a resposta “os alunos o tratam bem” está determinando
a maior média de adesão ao valor da solidariedade (167,24), enquanto que considerar a
resposta “os alunos tratam nem bem nem mal” está determinando a menor média de
adesão ao valor da solidariedade (162,13). Tais dados parecem indicar que manter uma
boa relação com os alunos está relacionado a ter uma maior adesão ao valor da
solidariedade. Tomemos agora o valor da justiça. A primeira relação estabelecida pelo programa
foi com a variável “O que faz na maioria das vezes se ocorre um conflito entre alunos em
sua aula”. Como resultados, obteve-se que a maior média de adesão a esse valor
(158.82) está relacionada à “resolve na hora com os alunos” com 83,6% das respostas
3925
enquanto 12,1% das respostas se relaciona a “encaminhar os alunos para o orientador
pedagógico” (média de 153.85 de adesão ao valor da justiça) e ainda “encaminha o caso
do conflito para a direção” está relacionado a menor média de adesão ao valor (149.69).
Tais resultados indicam que aqueles que mais aderem ao valor da justiça mais se
afastam de formas coercitivas ou mesmo de terceirização do problema para resolver os
conflitos em sala de aula. Quanto ao respeito, a primeira relação estabelecida entre a maior adesão a esse
valor e a forma pela qual o educador resolve os conflitos. As respostas: “em sala de aula
diretamente com os envolvidos” (83,1%) se relaciona à maior média de adesão ao valor
respeito (169.05). Mas há mais uma relação estabelecida pela árvore de classificação:
entre esses professores que resolvem os conflitos em sala de aula diretamente com os
alunos, a maioria (73,2%) não coloca os alunos para fora. Para a resposta “nunca ou
raramente” a média da adesão ao valor é de 169.17, enquanto que “muitas vezes” é
associada à menor média (168,19) com 9.9% das respostas. Tal resultado evidencia a
consonância entre a adesão a um valor e práticas mais sofisticadas de resolução de
conflitos entre os professores. Finalmente, quanto à convivência democrática, pela árvore de classificação, foi
possível constatar uma relação entre esse valor e a formação continuada do professor:
ter participado de cursos sobre “conteúdos e ou metodologias de ensino” ou “trabalhos
com atitudes e valores na escola” está associado à segunda média mais alta de adesão
(197,01) com 65,5% das respostas. Enquanto ter ambos os tipos de curso se associa à
média mais alta de adesão (198,65) com 22,2% das respostas. E, ainda, não ter
realizado cursos está relacionado à menor média (195.21) com 12,3% das respostas.
Tais resultados nos permitem confirmar uma hipótese de que há uma relação entre
adesão a um valor moral e a formação de professores.
Algumas conclusões e considerações finaisA hipótese de que a formação de professores se constitui em importante
estratégia para a superação dos problemas de convivência que se manifestam entre os
alunos na escola pode ser um indicativo confirmado com os resultados apresentados.
Mesmo não tendo avaliado a extensão deste pressuposto no cotidiano da escola, nem
obtido indicadores de que os problemas relacionados à convivência tenham diminuído
nas escolas em que os professores do grupo B atuam, os resultados apontam para a
urgência de que a formação de professores no Brasil deixe de ser tratada com
superficialidade e ingenuidade, se limitando, no caso específico dos problemas de
convivência como o bullying, a políticas públicas inócuas, que nada fazem além de
encaminhar cartilhas e campanhas de conscientização, disque-denúncias e outras
3926
posturas que transferem a responsabilidade das questões escolares para a polícia ou
para os conselhos tutelares. Podemos considerar, assim, três conclusões fundamentais para o problema de
pesquisa que formulamos. A primeira delas está posta: o instrumento utilizado por nós
para mensurar a adesão a valores morais mostra o quanto educadores encontram-se
num nível convencional desta adesão: acreditam que justiça, respeito, generosidade, são
valores que devem ser seguidos por que há lei ou convenção que os defendem, e não
porque precisamos da garantia desses mesmos valores como princípios dos quais não se
abre mão. Não é ao acaso, portanto, que a maioria de nossos educadores brigam tanto
por regras convencionais (como não usar boné em sala de aula, não usar o celular) e,
quando têm conflitos instaurados na sala de aula, encaminham os problemas à direção,
já que não podem “gastar tempo” com a construção de um valor que estaria em jogo (a
falta de respeito, a tolerância, etc). A segunda conclusão, não menos importante: é fundamental a formação de
professores para que haja, na escola, formas mais coerentes de resolução de conflitos.
De forma semelhante a outros estudos que revelam a importância dos adultos diante dos
conflitos, já que eles exercem papel importante na formação moral de crianças e
adolescentes (DEVRIES & ZAN, 1995; VINYAMATA, 1999; VINHA & TOGNETTA, 2009;
VICENTIN, 2009), esta pesquisa demonstra o papel da formação de professores para
que as intervenções sejam de qualidade. É preciso refletir sobre a gênese e as
implicações pedagógicas para a construção dos valores morais desejados. E finalmente, a terceira conclusão a qual chegamos reitera também os resultados
já mostrados pela literatura: as maneiras mais assertivas de resolução de conflitos e as
relações estabelecidas na escola para a constituição de um ambiente sociomoral mais
cooperativo e menos coercitivo se relaciona com a adesão a esses valores. Temos,
portanto, respostas ao problema do bullying. A atitude do professor que tenta resolver os
conflitos cotidianos sem transferir esta responsabilidade para a direção ou coordenação,
ou seja, que entende que a convivência é um valor e que, portanto, deve “gastar tempo”
com ela, faz diferença, pois ele conduz os seus alunos de forma que eles entendam que
a violência ou a falta de respeito, de tolerância ao diferente, de generosidade são
questões que precisam ser discutidas e resolvidas com os próprios envolvidos. À medida
em que percebe que o valor da sala de aula é o respeito, já que o professor dedica seu
tempo a isso, a vítima de bullying se fortalece. Por mais que seja necessário um conjunto
de estratégias de prevenção e intervenção ao bullying, praticamente todas elas passam
por aqueles que são, de fato, formadores. As práticas de protagonismo infanto-juvenil,
que consistem em compartilhar formas de prevenção e combate ao bullying escolar com
os alunos, revelam a veracidade desta afirmação. Ao analisarmos os trabalhos com as
“Equipes de Ajuda” (COWIE et al., 2002: AVILÉS et al, 2008), nos quais os próprios
3927
alunos atuam diante de seus pares acolhendo as vítimas de bullying e ajudando na
resolução de conflitos, verificamos dois objetivos fundamentais no trabalho de formação
dos alunos participantes: desenvolver habilidades que lhes possibilitem abordar situações
de agressão com assertividade e escuta ativa e experimentar a promoção de valores de
não violência no contexto escolar. Obviamente, não é possível formar as equipes de
ajuda se aqueles que o farão não tiverem desenvolvidas estas habilidades e mesmo
experimentado a adesão mais evoluída a valores de não violência. Estamos assim, convencidos da urgência de políticas públicas que pensem a
formação docente que levem em conta a necessidade de propiciar aos educadores
condições para que se fortalecerem, pela reflexão e pela experiência, na compreensão
da gênese dos valores morais e suas implicações pedagógicas para que seja possível
erradicar as formas de violência que acontecem na escola. Isso porque falhar na
educação daqueles que educam pode levar ao enfado as próprias ações para que a
violência na escola seja superada.
REFERÊNCIAS
ACEVES, M. J. et al. Seek help from teachers or fight back? Student perception of
teachers’ actions during conflicts and responses to peer victimization. Journal of Youth
and Adolescence, 39, p. 658-669, 2010.AVILÉS, J. M., TORRES, N. Y VIAN, M.V. Equipos de ayuda, maltrato entre iguales y
convivencia escolar. En Electronic Journal of Research in Educational Psychology. 6 (3)
357-376. Universidad de Almería: Instituto de Orientación Psicológica, 2008.AVILÉS, J. M. Diferencias de atribución causal en el bullying entre sus protagonistas.
Electronic Journal of Research in Educational Psychology, 4(2), 136-148, 2008.AVILÉS, J. M. Prevención del maltrato entre iguales a través de la educación moral. IIPSI
Revista de Investigaciones Psicológicas, 15(1), 17-31, 2012.BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: temas transversais, ética. Brasília:
MEC/Secretaria de Educação Fundamental, 1998.DEVRIES, R. & ZAN, B. Creating a constructivist classroom atmosphere. Revista Young
Children, nov., pp. 4-13, 1995.COWIE, H. “El problema de la violencia escolar: trabajando las relaciones”. In: Sanmartín,
J. (Coord.) Violencia y escuela.. Valencia: Centro Reina Sofía para el estudio de la
violencia. pp. 183-187, 2005.COWIE, H., NAYLOR, P., TALAMELLI, L., CHAUHAN, P. and SMITH, P. K.
KNOWLEDGE, Use of and Attitudes towards Peer Support’, Journal of Adolescence, 25
(5), pp. 453–67, 2002.FERRÁNS, S.D.& SELMAN, R. How Students’ Perceptions of the School Climate
Influence Their Choice to Upstand, Bystand, or Join Perpetrators of Bullying. Harvard
Educational Review: July 2014, Vol. 84, No. 2, pp. 162-187, 2014.
3928
FRICK, L.T.; MENIN, M.S.S.; TOGNETTA, L.R.P. Um estudo sobre as relações entre os
conflitos interpessoais e o bullying entre escolares. Revista Reflexão e Ação, vol. 21, no.
01 – jan/jun.2013. KOHLBERG, L. Psicología del desarrollo moral. Bilbao Spain: Desclée de Brouwer, 1992.LEME, M. I. S. A gestão da violência escolar. Revista Diálogo Educacional, pUCPR.
Curitiba, PR: v. 9, p. 541-555, 2009.LEME, M. I. S. Convivência, conflitos e educação nas escolas de São Paulo. São Paulo:
ISME, 2006.OLWEUS, D. Bullying at school: what we know and what we can do. Blackwell: Oxford,
1993. OLWEUS, D. Bullying at school: basic facts and effects of a school based intervention
program. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 35, 1171-1190; 1994.OLWEUS, D. Bully/victim problems in school. Irish Journal of Psychology, 18(2), 170-190,
1997. OLWEUS, D. NORWAY. En R. Catalano et al. (Eds.). The nature of school bullying: a
cross-national perspective (pp. 28-48). London: Routledge, 1999.PIAGET, J. (1994). O juízo moral na criança. São Paulo: Summus. (Original publicado em
1932)TOGNETTA, L.R.P.; VINHA, T. P. Estamos em conflito: Eu, Comigo e com Você!Uma
reflexão sobre o bullying e suas causas afetivas. In: CUNHA, J.L.; DANI ,L.S.C. (org.).
Escola, conflitos e violência. Santa Maria: UFSM, 2009.TOGNETTA,L.R.P; VINHA, T.P. Bullying e intervenção no Brasil: um problema ainda sem
solução. In: Actas do 8º. Congresso Nacional de Psicologia da Saúde: Saúde,
Sexualidade e gênero. ISPA – Instituto Universitário. Lisboa, Portugal. Anais eletrônicos,
p.487-494, 2010.TOGNETTA, L.R.P.; ROSÁRIO, P. Bullying: dimensões psicológicas no desenvolvimento
moral. Revista Estudos em Avaliação Educacional, 24(56), 106-137, 2013.TOGNETTA, L.R.P.; MARTINÉZ, J.M.A. ROSÁRIO, P. Bullying e suas dimensões
psicológicas em adolescentes. In: International Journal of Developmental and
Educational Psychology. INFAD Revista de Psicologia, no. 01, vol. 07, p. 289-296, 2014. VASCONCELOS, M. S. Indisciplina no contexto escolar: estudo a partir de
representações de professores do ensino fundamental e médio. Apresentação de
trabalho. Florianópolis: ANPEP, 2005.VICENTIN, V. F. Condições de vida e estilos de resolução de conflitos entre adolescentes.
2009, 223f. Tese (Doutorado em Psicologia) – Instituto de Psicologia, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2009.VINYAMATA, E. La resolución de conflitos. Cuadernos de Pedagogia, Barcelona, n. 246,
p. 89-91, 1999.
3929
1 O grupo envolvido nesta investigação é composto pelos seguintes pesquisadores: Maria Suzana de StéfanoMenin, Luciene Regina Paulino Tognetta, Telma Pileggi Vinha, Raul Aragão, Patrícia Batáglia e Adriano Moro.