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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPRITO SANTO UFES
CENTRO DE CINCIAS HUMANAS E NATURAIS - CCHN
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIA
ALEX ROBERTO MACHADO
FORMAO DE CLASSES FUNCIONAIS DE ESTMULOS MUSICAIS
Vitria ES
2008
1
ALEX ROBERTO MACHADO
FORMAO DE CLASSES FUNCIONAIS DE ESTMULOS MUSICAIS
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Psicologia da Universidade
Federal do Esprito Santo, como requisito parcial
para obteno do grau de Mestre em Psicologia,
sob a orientao do Prof. Dr. Elizeu Batista
Borloti.
UFES
Vitria, Fevereiro de 2008
2
Dados Internacionais de Catalogao-na-publicao (CIP)(Biblioteca Central da Universidade Federal do Esprito Santo, ES, Brasil)
Machado, Alex Roberto, 1982-M149f Formao de classes funcionais de estmulos musicais / Alex
Roberto Machado. 2008.89 f. : il.
Orientador: Elizeu Batista Borloti.Dissertao (mestrado) Universidade Federal do Esprito
Santo, Centro de Cincias Humanas e Naturais.
1. Comportamento Avaliao. 2. Msica. I. Borloti, Elizeu Batista. II. Universidade Federal do Esprito Santo. Centro de Cincias Humanas e Naturais. III. Ttulo.
CDU: 159.9
3
FORMAO DE CLASSES FUNCIONAIS DE ESTMULOS MUSICAIS
ALEX ROBERTO MACHADO
Dissertao submetida ao Programa de Ps-Graduao em Psicologia da
Universidade Federal do Esprito Santo, como requisito parcial para obteno do
grau de Mestre em Psicologia.
Aprovada em 17 de Maro de 2008, por:
Prof. Dr. Elizeu Batista Borloti Orientador, UFES
Prof. Dr. Sergio lvares - UFES
Profa. Dr. Rosana Suemi Tokumaru - UFES
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AGRADECIMENTOS
A Adriana, pela companhia, amor e fora.
A Aluizo e Aparecida, torcida constante, amor
verdadeiro.
A Elizeu, orientaes valiosas, modelo de
atuao.
5
SUMRIO
1 INTRODUO .............................................................................................. 132 MSICA: DEFINIES E PROPRIEDADES .............................................. 162.1 CRITRIOS DE DEFINIO DE MSICA ................................................ 162.2 CONCEITOS ESPECFICOS UTILIZADOS EM MSICA ......................... 183 MSICA E PSICOLOGIA ............................................................................. 203.1 ESTUDOS DA ORIGEM DA RESPOSTA MUSICAL ................................ 203.1.1 Como produo da espcie humana .................................................. 213.1.2 Como produo neurolgica ............................................................... 223.1.3 Como produo de uma histria individual ....................................... 233.2 ESTUDOS DOS EFEITOS DO ESTMULO MUSICAL .............................. 243.2.1 Sobre condies mdico-psicolgicas .............................................. 243.2.2 Sobre o comportamento em geral ....................................................... 253.2.3 Sobre processos psicossociais .......................................................... 263.2.4 Sobre emoes ..................................................................................... 273.2.5 Sobre a percepo de propriedades do estmulo .............................. 284 MSICA E ANLISE DO COMPORTAMENTO .......................................... 324.1 MSICA COMO EVENTO COMPORTAMENTAL ..................................... 334.2 MSICA COMO EVENTO AMBIENTAL .................................................... 344.2.1 Funes do estmulo musical .............................................................. 34 a) Funo eliciadora .................................................................................. 34 b) Funo reforadora ............................................................................... 35 c) Funo discriminativa ............................................................................ 36 d) Funo condicional ................................................................................ 37 e) Funo estabelecedora ......................................................................... 384.3 AGRUPAMENTOS DE ESTMULOS SONOROS EM CLASSES ............. 395 JUSTIFICATIVA, PROBLEMA E OBJETIVOS DA PESQUISA .................. 466 MTODO ...................................................................................................... 486.1 PARTICIPANTES ...................................................................................... 496.2 INSTRUMENTOS E MATERIAL ................................................................ 496.3 PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS ............................................ 546.4 TRATAMENTO E ANLISE DE DADOS .................................................. 606.5 ASPECTOS TICOS, RISCOS, BENEFCIOS E DESTINAO DOS
DADOS ............................................................................................................ 637 RESULTADOS E DISCUSSO ................................................................... 647.1 FORMAO DAS CLASSES MELODIAS EM MODO MAIOR E
MELODIAS EM MODO MENOR ................................................................... 657.2 FORMAO DAS CLASSES MELODIAS EM ANDAMENTO RPIDO
E MELODIAS EM ANDAMENTO LENTO ..................................................... 687.3 FORMAO DAS CLASSES MELODIAS EM MODO MAIOR E
ANDAMENTO RPIDO E MELODIAS EM MODO MENOR E
ANDAMENTO LENTO .................................................................................... 70
6
8 CONCLUSO ............................................................................................... 749 REFERNCIAS ............................................................................................ 78APNDICE - TCLE ......................................................................................... 89
7
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 D maior ......................................................................................... 50Figura 2 D menor ........................................................................................ 50Figura 3 Mi maior .......................................................................................... 50Figura 4 Mi menor ......................................................................................... 50Figura 5 Lb maior ........................................................................................ 50Figura 6 Lb menor ....................................................................................... 50Figura 7 Layout principal do programa, com os botes e os indicadores de
desempenho .................................................................................................... 53Figura 8 Layout principal do programa, com os botes e os indicadores de
desempenho .................................................................................................... 54Figura 9 Instrues para a Fase 1 do software SomPsi ............................... 56Figura 10 Instrues para a Fase 2 do software SomPsi ............................. 56Figura 11 Apresentao dos pontos conquistados por resposta correta ...... 57Figura 12 Tela que informa o final de um bloco de tentativas em que o
participante no atingiu os pontos para passar de fase .................................. 58Figura 13 Instrues para a Fase 4 do software SomPsi ............................. 59Figura 14 Relatrio processado pelo software para o desempenho de cada
participante ...................................................................................................... 60Figura 15 Planilha com a tabulao dos dados no Excel ............................. 61
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Condies experimentais e propriedades dos estmulos sonoros . 51Tabela 2 Delineamento do procedimento...................................................... 55
9
LISTA DE GRFICOS
Grfico 1 Freqncia Relativa de um desempenho simulado ...................... 58Grfico 2 Freqncia Relativa de resposta de clique na condio A
Modo ................................................................................................................ 61Grfico 3 Freqncia Relativa de resposta de clique na condio B
Andamento ....................................................................................................... 64Grfico 4 Freqncia Relativa de resposta de clique na condio C
Mista ................................................................................................................ 66Grfico 5 Comparativo do desempenho dos participantes na Fase 4 .......... 68
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Machado, Alex Roberto. FORMAO DE CLASSES FUNCIONAIS DE ESTMULOS MUSICAIS. Vitria, 2008, 89 pginas. Dissertao de mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Psicologia da Universidade
Federal do Esprito Santo.
Resumo
Uma abordagem comportamental da msica considera a ao musical como
comportamento e a msica como estmulo, produto dessa ao. O objetivo geral
aqui proposto foi o de verificar o efeito do treino discriminativo sobre a formao de classes funcionais de melodias em andamentos e modos diferentes.
Participantes: 9 estudantes do segundo perodo da Graduao em Psicologia da
Unilinhares (Linhares ES), divididos em trs grupos. Cada grupo foi submetido a
uma das condies experimentais (modo, andamento ou mista). Para a coleta de
dados foi utilizado um software, produzido especialmente para este estudo -
SomPsi - que executou todo o treinamento dos participantes e gerou relatrios
com informaes sobre o desempenho dos mesmos, fase a fase. Fase1: linha de
base, apresentados 6 estmulos sonoros por 2 vezes; Fase 2, treinou-se a relao
AB; Fase 3, a relao BC (nestas duas fases foram apresentados 4 estmulos 5
vezes cada); Fase 4: teste da formao de classes funcionais de estmulos
musicais, organizada de forma similar Fase 1. Os dados demonstram que os
objetivos da pesquisa foram alcanados, pois o treino proposto mostrou-se
eficiente para a formao das classes funcionais de estmulos musicais. Houve
diferenas nos desempenhos dos participantes nas condies experimentais,
corroborando os achados em pesquisas levantadas na reviso do tema, a saber:
agrupamentos de estmulos pela propriedade andamento foram mais fceis de
discriminar do que aqueles agrupados pela melodia. Alm disso, a manipulao
combinada das duas propriedades, em condio convergente, permitiu
desempenho ainda superior dos participantes, como demonstrado na condio
Mista.
PALAVRAS-CHAVES: Anlise Experimental do Comportamento. Classes
funcionais de estmulos. Msica.
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Abstract
A behavioral approach of music considers the musical action as behavior and the
music as stimuli, this actions product. The general objective here proposed was to
verify the discriminative trainings effect above mode and tempo different melodies
functional classes formation. Participants: 9 of Unilinhares students (Linhares
ES) second period psychologys graduation, divided in three groups. Each group
was submitted in one of the experimental conditions (mode, tempo or mix). For
data collect was utilized a software, especially designed for this study - SomPsi
which executed all the participants training and generated reports with
informations about their performance, fase by fase. Fase 1: baseline, presented 6
sound stimuli twice; Fase 2, relation AB trained; Fase 3, the BC relation (in this
two fases were presented 4 stimuli, 5 times each); Fase 4: functional classes
formation test, organized similarly to Fase 1. Data showed that this researchs
objectives were reached, because the training was efficient to musical stimulis
functional classes formation. There were differences between participants
performance in the experimental conditions, corroborating with researches
findings, as found in themes revision, just like: stimuli grouping by tempo property
were easier to discriminate than those grouped by the mode. Thus, combined
manipulation of the two properties, in convergent condition, allowed even better
participants performance, like showed in Mix condition.
KEYWORDS: Experimental Behavior Analysis. Functional stimuli classes. Music.
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1 INTRODUO
M.si.ca sf 1. Arte de combinar sons e coordenar fenmenos acsticos de maneira agradvel ao ouvido. 2. Qualquer composio musical. 3. Execuo de pea musical. 4. Msica escrita; solfa. 5. Conjunto de msicos. 6. Conjunto de sons harmoniosos; orquestra (Muniz & Castro, 2005).
As definies de msica acima indicam pontos interessantes a serem discutidos
no presente trabalho, uma vez que parecem tratar tanto da ao de algum,
quanto de caractersticas de determinados estmulos ambientais produzidos por
essa ao. Na primeira definio, ainda que a palavra arte tenha sido colocada,
os verbos utilizados do carter de ao do msico, do artista, que pode ser
corroborada pela terceira definio. No entanto, a sexta definio d maior nfase
propriedade harmonia de um conjunto de sons, independente do agente que
o produziu.
Esta pluralidade de recortes possveis no conceito de msica parece sinalizar a
complexidade do fenmeno. Entretanto, isto no impediu o interesse em estud-lo
no projeto que deu origem a esta dissertao. As credenciais do seu autor
instrumentista, psiclogo e profundo amante da msica j o haviam levado a
buscar, no trabalho de concluso da Graduao em Psicologia, uma primeira
aproximao entre Anlise do Comportamento e Msica (Machado, 2005). Desde
aquela ocasio, havia um interesse em fazer cincia com a arte, no sentido de
pesquisar cientificamente a msica. De fato, as inmeras audies de tantas
msicas, somadas s observaes do autor em vrias aulas de msica instigaram
a discriminao de alguns processos em curso, mas no respondia a algumas
questes: Como explicar a relao entre msica e respostas emocionais; entre
treino e aquisio de comportamentos musicais; entre os processos
comportamentais bsicos e a arte das musas? Primeiramente, a investigao foi
norteada pela relao msica-emoo. Posteriormente, com a constatao de
que se trataria de uma relao de comportamentos respondentes (inatos ou
condicionados), o interesse voltou-se para como se daria a combinao de sons
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que poderiam ser utilizados para eliciar tais respostas. Em outras palavras, como
agrupar estmulos sonoros em classes?. O trabalho daquela poca utilizava um
software que apresentava acordes1 musicais aos participantes e esses deveriam
agrup-los em duas classes, comportando-se de uma forma especfica diante de
cada uma delas. Percebeu-se grande dificuldade dos participantes em agrupar
aqueles acordes em classes, possivelmente por falta de treino especfico da
discriminao de acordes musicais em sua histria prvia.
O resultado negativo desmotivou o autor a continuar a linha de pesquisa. Mas,
com aprofundamento de leituras na rea (e porque no dizer tambm pelo grande
valor reforador da msica) optou-se por dissecar o trabalho anterior,
aprendendo com suas falhas. Tal atitude culminou no presente trabalho, no qual
os acordes foram substitudos por melodias, uma vez que a relao dos
participantes com essas possivelmente mais freqente. Alm disso, alguns
ajustes no procedimento tambm foram propostos, sempre visando uma interface
visual mais agradvel, mais gil e instrues mais claras.
Marcado com esta histria, este estudo teve o objetivo de verificar o efeito do treino discriminativo sobre a formao de classes funcionais de melodias em
andamentos e modos diferentes e est assim organizado: primeiro, no Captulo 1,
so apresentados alguns conceitos especficos, relacionados msica, uma vez
que o delineamento experimental lida com as propriedades especficas do
estmulo musical postas no objetivo (modo e andamento termos do problema e
do objetivo da pesquisa que foram definidos de acordo com a teoria musical).
Num segundo momento, no Captulo 2, so apresentados alguns estudos que
buscaram investigar aspectos da msica luz da Psicologia. O Captulo 3
descreve uma srie de estudos empricos em Anlise Experimental do
Comportamento usando a msica como estmulo ambiental com variadas
funes. Logo aps, h a apresentao de uma reviso conceitual sobre classes
de estmulos e os procedimentos para produzi-las, uma vez que isto
efetivamente o que se pretendeu no objetivo. Depois, no Captulo 4, descreve-se
o mtodo para responder ao problema e aos objetivos da pesquisa aqui
dissertada. O Captulo 5 apresenta os resultados da pesquisa e seguido pela 1 Segundo Sadie (1994, p.5), o termo acorde pode ser definido como O soar simultneo de duas ou mais notas.
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concluso e por algumas consideraes finais sobre as questes tericas neles
envolvidas e sobre os seus desmembramentos em estudos futuros.
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2 MSICA: DEFINIES E PROPRIEDADES
No decorrer deste trabalho, fez-se necessria a produo de um Captulo que
tratasse de conceitos relacionados msica. Em parte, para que os termos
fossem utilizados corretamente; em parte para que os leitores menos
familiarizados com o tema msica pudessem acompanhar o raciocnio terico-
metodolgico da investigao. Desta forma, os objetivos deste Captulo so: 1)
apresentar e discutir os critrios da definio de msica sob o ponto de vista
daqueles que a estudam como msicos e 2) definir conceitos especficos usados
em teoria musical sobre propriedades dos estmulos musicais, a serem
empregados no delineamento experimental descrito no prximo Captulo.
2.1 CRITRIOS DE DEFINIO DE MSICA
Como j citado no incio deste trabalho, uma definio precisa sobre a msica
parece complicada e uma definio nica impossvel. A distino previamente
feita entre definies de msica como estmulo e como ao de algum, apesar
de no encerrar a discusso, oferece considervel avano prtico na explicao
do fenmeno, pois permite organizar os tantos significados atribudos ao termo
msica em duas categorias: 1) msica estmulo produto de resposta do
msico e 2) msica a prpria resposta do msico.
Entretanto, algumas definies permitem uma categorizao dbia. Tome-se
como exemplo a definio de Wagner2 (citado por Jeandot, 1990, p. 7), que
aponta a msica como (...) a linguagem do corao. Analisada do ponto de vista
do ouvinte, esta definio aproxima-se da categoria estmulo, pois algum tipo de
cdigo apresentado a ele. Do ponto de vista do msico, aproxima-se da
categoria ao, pois linguagem emitida por ele (ou, melhor, pelo corao do
2 Richard Wagner (1813-1883), artista e pensador cuja vida, segundo Jeandot (1990), foi to rica quanto sua obra, que inclui implicitamente um programa filosfico e esttico. Foi um compositor, maestro, terico musical, ensasta e poeta alemo, considerado um dos expoentes do romantismo e dos mais influentes compositores de msica erudita j surgidos. Com a sua criatividade, inmeras inovaes foram trazidas para a msica, tanto em termos de composio quanto em termos de orquestrao. Wagner expandiu e enriqueceu as possibilidades da orquestra sinfnica, chegando a inventar um novo instrumento, a trompa wagneriana (Sadie, 1994).
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http://pt.wikipedia.org/wiki/Trompa_wagnerianahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Orquestra_sinf?nicahttp://pt.wikipedia.org/wiki/M?sica_eruditahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Romantismohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Alemanhahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Poetahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ensaistahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_musicalhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Maestrohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Compositor
msico). Como se v, a definio oferecida por Wagner, mesmo que imprecisa e
subjetiva, pode ser analisada por ambas as categorias conceituais aqui propostas.
Talvez com o objetivo de evitar conceitos de significados dbios, no tradicional
Dicionrio Grove de Msica (Sadie, 1994) o verbete msica no aparece
definido separadamente. O editor parece ter dado prioridade a definies
vinculadas a perodos histricos ou prticas culturais. Algumas delas esto
descritas a seguir:
Msica antiga. Definida como no apenas a msica de uma poca antiga, mas tambm a uma atitude particular com relao sua execuo. Msicos que a
praticam ocupam-se da execuo, recriao e utilizao de instrumentos de
poca, bem como de tcnicas e concepes.
Msica clssica. Ao definir este verbete, o autor avisa sobre a variedade de msicas de diferentes culturas que o utilizam. Alm de no pertencer s tradies
folclricas e populares, o termo refere-se a (...) qualquer coletnea de msica
encarada como um modelo de excelncia ou disciplina formal (Sadie, 1994,
p.632). Segundo o autor, o termo mais frequentemente relaciona-se ao chamado
classicismo vienense, e tem em Haydn, Mozart e Beethoven seus principais
representantes.
Msica folclrica. Msica que parte integrante de dada comunidade, e que transmitida oralmente. De natureza sempre mutante, est associada a culturas
rurais em reas onde tambm existe uma tradio de msica culta (eclesistica,
cortes, burguesa).
Msica popular. O autor aponta que este termo pode ser utilizado ao referir-se a todos os tipos de msica tradicional ou folclrica que, criada por pessoas
iletradas, no era escrita. No Brasil, esta categoria beneficiou-se de um
cruzamento entre lirismo portugus, elementos rtmicos fortes africanos, o
manancial folclrico, sobretudo da regio nordeste, e sofisticaes harmnicas
que resultaram na Bossa-nova.
Percebe-se que os agrupamentos acima se do basicamente por critrios
culturais. Entretanto deles podem ser inferidas as propriedades que definem cada
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categoria. Os subttulos a seguir discutem os conceitos empregados no estudo da
msica para a definio dessas propriedades. Vale lembrar que, partindo da
orientao terica Behaviorista Radical, os termos das definies que no sejam
operacionais e descritivos, por atriburem causas mentais fictcias ao
comportamento manifesto, foram postos entre aspas. Quando possvel, um termo
comportamental substituto foi posto entre parnteses.
2.2 CONCEITOS ESPECFICOS UTILIZADOS EM MSICA
Segundo Sadie (1994, p. 592), melodia, ritmo e harmonia so considerados (...)
os trs elementos fundamentais da msica, que so interdependentes. As
descries destes e de outros conceitos aplicados na msica, e relevantes para
este trabalho, so apresentadas a seguir.
Melodia. Definida como srie de notas musicais dispostas em sucesso, num determinado padro rtmico, formando uma unidade identificvel. O termo
identificvel remonta capacidade do ouvinte em discriminar tal seqncia de
estmulos.
Ritmo. O autor Sadie (1994) conceitua ritmo como a subdiviso de um lapso de tempo em sees perceptveis, como o grupamento de sons musicais por meio de
durao e nfase. Novamente, exigido um repertrio discriminativo do ouvinte.
Harmonia. Entendida como a combinao de notas soando simultaneamente, produzindo acordes, a serem utilizados em progresses.
Um bom exemplo da interao dos elementos acima descritos seria um intrprete
cantando e tocando a msica guas de Maro, de Tom Jobim. A harmonia representa a progresso de acordes tocados no violo, organizados em funo de
um ritmo uma organizao temporal caracterstico da Bossa-nova, que servem de acompanhamento para que a letra seja cantada de acordo com alturas
de sons de sua melodia principal.
Para o presente trabalho, dois termos ainda necessitam ser definidos, pois
nomearo as condies experimentais do procedimento aqui proposto:
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Andamento. Definido como a indicao da velocidade em que uma pea musical deve ser executada. Tal indicao pode ser feita especificando o andamento em
termos de unidades mtricas por unidade de tempo (aferido por um metrnomo,
um pndulo, a pulsao cardaca, etc.). Sadie (1994) ainda lembra que desde o
barroco tardio, o andamento passou a ser indicado pelo uso de modelos italianos
de instruo de andamento, tais como allegro, andante, adgio, etc., alguns dos
quais poderiam sugerir tambm a (...) atmosfera emocional em que a pea deve
ser executada (p. 29). Naturalmente, o termo atmosfera emocional no diz
muito do que ocorre na situao. Poderia aqui ser substitudo pela emoo
condicionada concomitante a determinada topografia de resposta. Desta forma, o
termo allegro controlaria, alm da velocidade da execuo, a topografia (forma)
da resposta, que pode ser discriminada tanto pelo prprio executor como pelo
ouvinte em funo da emoo condicionada msica associada.
Modo. Sadie (1994) apresenta 3 aplicaes para este termo: medida (relao entre valores de notas, na notao antiga), padro (intervalos, na antiga teoria
medieval) e maneira (tipo de escala e tipo de melodia). No sentido mais comum,
significa a escala ou seleo de notas usada como base para uma composio.
comum a utilizao do termo tonalidade como sinnimo de modo. Entretanto, tonalidade foi descrita pelo mesmo autor como uma srie de relaes entre notas,
em que uma em particular a tnica central. Sadie (1994, p. 953) vincula
sua aplicao ao sistema utilizado na musica erudita ocidental (sc. XVII a XX),
que trabalha com a concepo de que a msica tem determinada tonalidade
quando as notas predominantemente utilizadas formam uma escala maior ou
menor: [...] a tonalidade da tnica, ou nota final desta escala, e maior ou
menor segundo as alturas das notas que a escala abrange.
Diante de tais conceitos apresentados, o trabalho agora se direciona s possveis
interfaces entre msica e psicologia.
19
3 MSICA E PSICOLOGIA
A definio polissmica de msica se relaciona com o modo como ela vem sendo
considerada nas pesquisas acadmicas. O objetivo deste Captulo descrever
estes modos de considerar a msica como um objeto da pesquisa em Psicologia
ou em suas reas de interface. Em geral, tais pesquisas podem ser agrupados em
dois blocos distintos: (1) estudos da origem da resposta musical e (2) estudos dos
efeitos do estmulo musical.
Considerando ser difcil diferenciar alguns estudos da percepo da msica de
alguns estudos de certas propriedades dos estmulos musicais (uma vez que
essas propriedades so sempre avaliadas pela forma como so discriminadas via
processo sensorial exteroceptivo), optou-se por incluir os estudos sobre
percepo da msica no bloco dos estudos dos efeitos do estmulo musical. A
este respeito, importante dizer, ainda, que a diviso que se adotou para os sub-
blocos dentro de cada bloco apenas convencional (no primeiro bloco, por
exemplo, dividem-se os estudos que priorizam as variveis filogenticas e
ontogenticas; no entanto entende-se que elas se sobrepem na produo da
resposta musical). s vezes a diviso adotada para os sub-blocos obedece ao
critrio simplista da diviso das reas do conhecimento (Psicologia Evolucionria,
Psicofisiologia, etc.); outras vezes, ao aspecto pesquisado (bases neurais,
evolutivas ou da aprendizagem).
3.1 ESTUDOS DA ORIGEM DA RESPOSTA MUSICAL
Como dito no Captulo 1, parte do que se entende como msica o prprio
comportamento do msico. Este item se ocupa de demonstrar alguns trabalhos
que investigaram as determinaes do fazer msica. So considerados
elementos inatos espcie, relacionados ao funcionamento cerebral e histria
individual. Um primeiro passo para estudar cientificamente uma arte, talvez seja
a anlise de sua expresso.
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3.1.1. Como produo da espcie humana
Dentro do primeiro bloco h um primeiro sub-grupo de estudos na Psicologia
Evolucionria que considera a msica como uma prtica social da espcie
humana. Hagen e Bryant (no prelo) buscaram apontar as possveis funes da
prtica musical, entendendo-a como evolutivamente importante por sinalizar a
qualidade da coalizo de grupos sociais. A msica no seria a origem da coalizo,
j que um grupo coeso teria sido necessrio para o tempo de ensino e o treino
musical de alguns membros em futuras apresentaes para ou com outros
membros. Assim, a harmonia em questo no diria respeito apenas aos sons
executados, mas tambm qualidade da integrao dos instrumentistas que os
executam. Essa integrao teria outras funes.
Malinowski (1925) e Denig (1930), a partir de estudos com tribos, apontaram para
o comportamento musical com funo de seduo do sexo oposto:
Mokadayu, de Okopukopu, foi um famoso cantor. Como todos de sua
profisso, no era menos conhecido pelo seu sucesso com as
senhoritas. O porqu, dizem os nativos, que a garganta uma longa
passagem como a vagina, e os dois se atraem. Um homem com uma
voz bela gostar muito de mulheres e elas gostaro dele (Malinowski,
1925, p.203).
Nesta perspectiva evolucionria, Mithen, Morley, Wray, Tallerman e Gamble
(2005) questionam: por que os humanos seriam musicais? Por que pessoas em
vrias culturas cantam ou tocam instrumentos? Por que parecemos ter aparatos
neurolgicos especializados para escutar e interpretar msica como distinta de
outros sons? Lanando mo de achados da Antropologia e Arqueologia, os
autores defendem a tese de que a musicalidade se desenvolveria juntamente com
a linguagem. Esta tese levantou, inclusive, a hiptese de que os Neandertais3
poderiam ter uma experincia musical maior que os Homo sapiens, uma vez que
a experincia dos ltimos seria inibida pela linguagem vocalizada extremamente
desenvolvida. Os autores pautam tais idias com argumentos de estudos que
3 O Homem de Neandertal uma espcie fssil do gnero Homo (Homo neanderthalensis) que habitou a Europa e partes do oeste da sia, de cerca de 300 000 h aproximadamente 29 000 anos atrs (Paleoltico Mdio e Paleoltico Inferior, no Pleistoceno), tendo coexistido com os Homo sapiens de que so considerados, por alguns autores (Andrade, 2004; Mithen et al, 2005), como uma subespcie (nesse caso, Homo sapiens neanderthalensis).
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http://pt.wikipedia.org/wiki/Pleistocenohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Paleol?tico_Inferiorhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Paleol?tico_M?diohttp://pt.wikipedia.org/wiki/?siahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Europahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Homohttp://pt.wikipedia.org/wiki/F?ssil
apontam que a habilidade de ouvido absoluto4, presente em alguns bebs, pode
ser posteriormente perdida com o desenvolvimento concomitante da linguagem.
3.1.2. Como produo neurolgica
A possvel relao entre msica e linguagem impulsionou um segundo sub-grupo
de estudos, com enfoque na Psicofisiologia. Peretz (2002), Panksepp e Bernatzky
(2002), Peretz e Coltheart (2003) e Kallinen (2005) defendem que a apreciao
musical, assim como a compreenso da linguagem, parece ser produto de uma
organizao cerebral especfica. As evidncias disto so as observaes de que
algumas alteraes neurolgicas (produzidas por acidentes vasculares cerebrais,
traumatismos cranianos e anomalias cerebrais congnitas) isolam as habilidades
musicais do restante do sistema cognitivo5.
Hyde e Peretz (2004), em direo semelhante, resolveram investigar o efeito do
treino discriminativo de tonalidades e de andamentos com 10 adultos voluntrios
diagnosticados com amusia (perda da capacidade de identificar tonalidades), cujo
desempenho foi comparado com o de um grupo controle. O desempenho de
participantes dos grupos experimental e controle foi muito semelhante diante do
treino de andamento. Diante de tonalidades distintas, apenas o grupo controle
realizou a tarefa corretamente, conforme esperado.
Peretz (2002) lembra que uma possvel especializao cerebral musical no
deveria ser compreendida como um centro musical no crebro, mas sim como
mltiplas redes neuronais interligadas responsveis pela especializao cerebral
musical. A discusso das especificidades de tal atividade neuronal aprofundada
por Peretz e Zatorre (2005), que descrevem reas cerebrais envolvidas no
processamento das informaes relacionadas tonalidade, ritmo, memria
(fixao e evocao de informaes musicais), emoes (eliciadas por variados
4 Capacidade de identificar a altura de uma nota ou de ento-la sem referncia a uma nota anteriormente tocada. Chamado s vezes de ouvido perfeito (Sadie, 1994, p.689).5 Para um estudo comparativo entre as habilidades cognitivas entre msicos e no-msicos, veja Brandler e Rammsayer (2003).
22
estmulos musicais), leitura primeira vista de partituras e cifras e ao canto, toque
de um instrumento e treino musical.
3.1.3. Como produo de uma histria individual
Um terceiro sub-grupo de estudos investiga o desempenho de msicos
(Sadakata, Ohgushi & Desain, 2004; Ebie, 2004). Collins (2005), por exemplo,
descreveu o processo de pensamento criativo na composio musical. Ele
acompanhou um compositor por 3 anos, registrando e salvando dados musicais
em arquivos digitais MIDI6, arquivos analgicos de udio, dados de entrevistas
com roteiro semi-estruturado, de relatos retrospectivos imediatos ao criativa e
de sesses nas quais o pesquisador avaliava o desempenho do compositor.
Momentos de insight criativo musical no desempenho do compositor foram
observados e analisados segundo a teoria da Gestalt de reestruturao de
problema. Uma sntese de diferentes processos criativos foi sugerida para
explicar o processo composicional.
McPherson (2005) tambm realizou um estudo longitudinal de trs anos, com 157
crianas (idade entre 7 a 9 anos) matriculadas em programas de ensino musical.
Foram administrados testes com as crianas e realizadas entrevistas com os pais
das crianas ao final de cada ano escolar para medir as habilidades de tocar
msicas ensaiadas, ler msicas primeira vista, tocar a partir da memria, tocar
por ouvido e de improviso e estimar o tempo mdio de treino com o instrumento.
As concluses apontadas pelo autor contribuem para o ensino da msica ao
sinalizarem para a importncia de auxiliar os estudantes a desenvolverem um
repertrio de estratgias para tarefas apropriadas que os permita pensar
musicalmente. Em outras palavras, auxiliar o desenvolvimento de habilidades
especficas para o planejamento da ao e a execuo de peas de diferentes
graus de dificuldade, mesmo na ausncia do instrumento alvo da aprendizagem.
6 MIDI (Musical Instrument Digital Interface - Interface Digital para Instrumentos Musicais) uma tecnologia padronizada de comunicao entre instrumentos musicais e equipamentos eletrnicos (teclados, guitarras, sintetizadores, seqenciadores, computadores, samplers, etc), possibilitando que uma composio musical seja executada, transmitida ou manipulada por qualquer dispositivo que reconhea esse padro. Um arquivo MIDI no contm o udio propriamente dito, mas as instrues (instrumentos, notas, timbres, ritmos, efeitos, etc.) para produzi-lo (Collins, 2005).
23
http://pt.wikipedia.org/wiki/?udiohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Samplerhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Sequenciadorhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Sintetizadorhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Guitarrahttp://pt.wikipedia.org/wiki/M?sicahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Tecnologia
3.2. ESTUDOS DOS EFEITOS DO ESTMULO MUSICAL
H, entretanto, outro grupo de trabalhos que se interessa pelos efeitos produzidos
pelos estmulos musicais sobre o comportamento do ouvinte e seus sub-grupos
podem ser organizados de acordo com o comportamento, ou aspecto do
comportamento, sobre o qual atua o estmulo musical.
3.2.1. Sobre condies mdico-psicolgicas
Dentro desse bloco h um primeiro sub-grupo de estudos que se destaca por
defender a funo teraputica do estmulo musical e justificar a musicoterapia
(Chlan, 1998; Hanser & Thompson, 1994; Hatem, Lira & Mattos, 2006; Hoskyns,
1988; Koger, Chapin & Brotons, 1999; Macdonald et al., 2003; Odell,1988;
Todres, 2006; White, 1992). O estudo de Nilsson, Unosson e Rawal (2005), por
exemplo, avaliou a influncia do uso de musicoterapia no perodo peri e ps-
operatrio em setenta e cinco pacientes encaminhados cirurgia de reparo de
hrnia sobre o estresse, comparando os efeitos das intervenes quanto ao
momento em que ocorriam. Os resultados apontaram que a musicoterapia no
perodo peri-operatrio diminuiu a dor no ps-operatrio. Alm disso, seu uso no
ps-operatrio produziu reduo de ansiedade, de dor e de consumo de morfina.
Rickson (2006) utilizou instrumentos percussivos num estudo comparativo entre
os modelos instrucional e improvisional de Musicoterapia para crianas com o
diagnstico de TDAH7. Os resultados apontaram que no houve diferena
estatstica relevante entre os efeitos teraputicos das duas modalidades. Ambas
foram eficientes para produzirem comportamentos mais adequados no repertrio
das crianas.
Intervindo num sintoma psicolgico, Johnston, Gallagher, Mcmahon e King (2002)
avaliaram os efeitos de estmulos musicais sobre alucinaes auditivas: uma
mulher de 50 anos acometida por alucinaes auditivas foi acompanhada no uso
de um aparelho pessoal de som que diminuiu a severidade dos sintomas
medidos atravs de escalas (Escala da sndrome positiva e negativa, Escalas
7 Transtorno de Dficit de Ateno com Hiperatividade (CID F90.0).
24
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?db=pubmed&cmd=Search&itool=pubmed_AbstractPlus&term="White+JM"%5BAuthor%5Dhttp://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?db=pubmed&cmd=Search&itool=pubmed_AbstractPlus&term="Brotons+M"%5BAuthor%5Dhttp://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?db=pubmed&cmd=Search&itool=pubmed_AbstractPlus&term="Thompson+LW"%5BAuthor%5Dhttp://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?db=pubmed&cmd=Search&itool=pubmed_AbstractPlus&term="Hanser+SB"%5BAuthor%5Dhttp://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?db=pubmed&cmd=Search&itool=pubmed_AbstractPlus&term="Chlan+L"%5BAuthor%5D
clnicas globais, Questionrio de crenas sobre vozes, Escala de auto-estima de
Rosenberg e Escala de topografia de vozes).
A musicoterapia para a qualidade de vida em idosos foi descrita por Hays e
Minichiello (2005). Os autores mostraram como a msica tem sido utilizada pelos
idosos tanto como uma busca por entretenimento como quanto um frum para
partilhar e interagir com seus pares. Os dados revelam que a msica auxiliou na
socializao e qualidade de vida, acompanhadas de mais relatos verbais de auto-
estima, competncia e independncia e menos de solido.
3.2.2. Sobre o comportamento em geral
Um segundo sub-grupo desse mesmo bloco de estudos busca usar os estmulos
musicais para produzir alteraes no comportamento, no necessariamente com
fins teraputicos (North & Hargreaves, 1999; Wilson, 2003). North e Hargreaves
(1999) utilizaram msicas com 3 nveis de complexidade (apresentados como
fundo) e uma condio sem msica para confirmar se a msica poderia
influenciar na quantidade de tempo que os participantes de seu estudo poderiam
esperar por uma tarefa (um suposto experimento). Os resultados indicaram que
os participantes esperaram menos na condio sem msica, e que no houve
diferena significativa entre os tempos de espera nos trs nveis musicais. Os
autores discutem que esse resultado se deveu distrao que a msica teria
proporcionado aos participantes e sugeriram sua aplicao em reas como a
Psicologia do Consumidor e do Trabalho.
Aproveitando esta sugesto, North, Shilcock e Hargreaves (2003) apresentaram
randomicamente msica clssica, popular (pop), ou silncio por dezoito noites
para ouvintes-clientes de um restaurante britnico. O consumo, segundo os
autores, foi significativamente maior na condio msica clssica. Vale lembrar
que outras variveis atuando sobre os resultados mereceriam ser discutidas pelos
autores, de modo a relacionar caractersticas dos participantes (idade,
escolaridade, contexto cultural ou o chamado estilo britnico) e caractersticas
do estilo musical clssico, caracterizado por Sadie (1994, p.632) pelo uso de
25
dinmicas e do colorido orquestral de modo temtico, bem distinto das melodias
repetitivas da msica pop.
Lesiuk (2005) mediu o efeito da escuta de msica sobre o humor, qualidade do
trabalho e tempo na tarefa de desenvolvedores de softwares. Os participantes (41
homens e 15 mulheres de 4 companhias canadenses de softwares) apresentaram
medidas de altos nveis de humor positivo na execuo de uma tarefa, alm de
uma maior qualidade da tarefa em um menor tempo de execuo, quando essa
tarefa era acompanhada por msica.
3.2.3. Sobre processos psicossociais
H ainda, parte dos demais, um outro sub-grupo de estudos, cujo interesse foi
investigar a influncia da msica sobre dois processos psicossociais relevantes: o
preconceito tnico e o altrusmo. Sousa, Neto, e Mullet (2005), com o objetivo de
reduzirem o preconceito de brancos em relao a negros, em crianas de sete a
dez anos, misturaram msicas cabo-verdeanas em uma srie de msicas
portuguesas populares, estudadas em cursos de msica nas escolas
portuguesas. Ao incio do estudo, todas as crianas apresentaram um nvel
moderado de esteretipos pr-brancos e anti-negros, sobretudo aquelas com
idade entre nove e dez anos. No final do estudo, o nvel de esteretipo decresceu
consideravelmente. Entretanto, como as msicas utilizadas tinham letra, no se
pode afirmar que a msica, por si s, tenha controlado o comportamento no-
preconceituoso.
North, Tarrant e Hargreaves (2004) avaliaram a influncia da msica sobre o
comportamento altrusta, utilizando duas condies (msica agitada e msica
lenta) em um ambiente natural (academia universitria de ginstica). Aps o
treino, os 646 participantes usurios da academia eram convidados a assinar um
manifesto a favor de um programa esportivo de caridade ou distribuir folhetos em
seu favor. Embora praticamente todos os participantes tenham contribudo com
suas assinaturas, o que sugeriria pouca ou nenhuma influncia da varivel
musical, a grande maioria que se ofereceu para distribuir os folhetos havia sido
exposta previamente s msicas animadas.
26
3.2.4. Sobre emoes
Outro sub-grupo de trabalhos trata da relao msica-emoo, avaliada por
medies fisiolgicas ou verbais. De Pascalis, Marucci e Penna (1987); Gupta e
Gupta, (2005); Khalfa, Peretz, Blondin e Manon (2002); Kristeva (1988); Iwanaga,
Kawasaki e Kobayashi (2005); Schweiger e Maltzman (1985) so exemplos de
estudos que usaram medies fisiolgicas dos efeitos emocionais da msica.
Rickard (2004) investigou se msicas com um limiar maior para a eliciao de
emoes intensas produziriam nveis mais altos de alteraes fisiolgicas do que
msicas com um limiar menor. Vinte e nove participantes (9 mulheres e 20
homens) foram expostos a uma msica relaxante, a uma msica movimentada
(mas com um baixo limiar de eliciao emocional), a uma msica selecionada
pelos prprios participantes como emocionalmente poderosa e a uma cena de
filme com um limiar alto de eliciao emocional (a qual o autor chamou de cena
emocionalmente poderosa). As medidas fisiolgicas pr e ps-experimentais
mostraram que as msicas emocionalmente poderosas, quando comparadas
com as outras variveis independentes, eliciaram maior aumento na
condutividade galvnica e arrepios da pele.
Interessados pela relao msica-emoo mais a partir do julgamento verbal dos
ouvintes acerca dos trechos musicais ouvidos do que das medidas fisiolgicas,
Gagnon e Peretz (2003) apresentavam estmulos musicais de diferente modo e
tempo em condies convergentes e divergentes. Segundo os autores, as
condies convergentes uniriam modo maior e andamento rpido, compondo as
msicas descritas como alegres; ou modo menor e andamento lento, as msicas
tristes. H, nas condies divergentes, a inverso dessas propriedades,
combinando-se o modo maior ao andamento lento (msicas serenas,
associadas ao relaxamento); e o modo menor ao andamento rpido (msicas
agitadas, associadas raiva e/ou medo). Constatou-se que, embora o
andamento parea ser predominante sobre o modo para a determinao do
julgamento dos participantes, a utilizao das propriedades combinadas
produziu discriminaes mais facilmente.
27
Aprofundando esta questo, Nawrot (2003), influenciada por Bella, Peretz,
Rousseau e Gosselin (2001), investigou a relao entre etapas do
desenvolvimento infantil e classificao de emoes em funo de trechos
musicais. Dois estudos foram utilizados para esse fim. No primeiro, foi pedido que
crianas da Educao Infantil e adultos expostos a nove peas musicais as
pareassem com cinco expresses faciais fotografadas e rotuladas com nomes de
emoes (de alegria, tristeza, raiva e medo e uma neutra). Durante o
procedimento, as escolhas espontneas de fotografias e rtulos verbais pelas
crianas foram similares s dos adultos, indicando que o desenvolvimento no foi
um indicador de variveis relacionadas s classificaes observadas. No segundo
estudo, que teve como participantes bebs entre 5 a 9 meses de idade, foram
utilizadas msicas convencionalmente tidas como alegres ou tristes e um
display visual dinmico com imagens de paisagens para ser escolhido pelos
participantes em funo das msicas. Os bebs preferiram o display diante das
msicas alegres, no fixando o olhar no display diante das tristes. Tais
resultados sugerem, na opinio dos autores, que a percepo musical possa ter,
alm dos componentes aprendidos durante o desenvolvimento, componentes
inatos.
3.2.5. Sobre a percepo de propriedades do estmulo
Um ltimo sub-grupo deste bloco de estudos investiga se determinadas
propriedades dos estmulos musicais afetam como eles so percebidos em
funo de semelhanas ou diferenas entre suas propriedades. Bella e Peretz
(2005) investigaram a capacidade de msicos e no-msicos ocidentais e
orientais de identificar semelhanas entre trechos musicais dos perodos Barroco8
e Romntico9 da histria da msica. A maioria dos participantes apontou como
8 Estilo musical correlacionado com a poca cultural homnima na Europa, que vai desde o surgimento da pera no sculo XVII at a morte de Johann Sebastian Bach, em 1750. Trata-se de uma das pocas musicais mais longas, fecundas, revolucionrias e importantes de msica ocidental, e provavelmente tambm a mais influente. As caractersticas mais importantes so o uso do baixo contnuo, do contraponto e da harmonia tonal, em oposio aos modos gregorianos at ento vigente. Na realidade, trata-se do aproveitamento de apenas dois modos: o modo jnio (modo maior) e o modo elio (modo menor) (Sadie, 1994).
9Perodo da histria da msica que se convenciona classificar entre o ano de 1827 (ano da morte de Beethoven) at o incio do sculo XX. Designa ainda qualquer msica escrita aps esse
28
http://pt.wikipedia.org/wiki/S?culo_XXhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Beethovenhttp://pt.wikipedia.org/wiki/1827http://pt.wikipedia.org/wiki/Modo_e?liohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Modo_j?niohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Modos_gregorianoshttp://pt.wikipedia.org/wiki/M?sica_tonalhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Contrapontohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Baixo_cont?nuohttp://pt.wikipedia.org/wiki/1750http://pt.wikipedia.org/wiki/Johann_Sebastian_Bachhttp://pt.wikipedia.org/wiki/S?culo_XVIIhttp://pt.wikipedia.org/wiki/?perahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Europa
mais similares os pares de trechos com estilos de composio historicamente
prximos. Assim, os estilos foram considerados por todos os participantes como
diferentes em funo de certa ordem histrica: eles foram julgados como mais
diferentes quando a ordem era Barroco-Romntico do que quando era o contrrio.
Segundo os autores, este efeito de distanciamento histrico parece estar
relacionado com o ritmo, corroborando a hiptese de maior influncia deste na
identificao de diferenas entre estmulos musicais.
A percepo de outra propriedade dos estmulos sonoros foi investigada por Tan
e Spackman (2005). Eles examinaram como ouvintes (msicos e no-msicos)
julgariam semelhana (ou no) em 15 trechos de composies musicais
apresentados com alteraes (10 trechos) e sem alteraes (5 trechos). As
alteraes consistiram em combinar trs sesses de diferentes trechos, ou em
repetir a mesma sesso por trs vezes consecutivas. Ainda que as notas para os
15 trechos tenham sido similares, os participantes treinados e no-treinados
previamente focalizaram diferentes aspectos da msica. Ao relatar a percepo
de unidade, os msicos apontavam repetio de temas, transies, finalizaes e
contrastes; os no-msicos, o contorno da tonalidade, tempo, humor e pausas.
Esse trabalho dos autores aponta no s para as estratgias ontogenticas na
resoluo da tarefa diante da msica, como tambm para a possibilidade de que
at mesmo os ouvintes no-treinados na educao formal de msica possam ser
capazes de identificar e atribuir valor a certas propriedades dos estmulos
musicais apresentados.
Outros autores (Wan & Huon, 2005; Bahr, Christensen & Bahr, 2005) tambm
analisaram a percepo de propriedades da msica. Bahr et al. (2005), por
exemplo, investigaram as variveis que controlariam a habilidade de ouvido
absoluto em algumas pessoas. Para isso, desenvolveram e aplicaram um
programa interativo de computador para mapear as respostas de categorizar
perodo e que se enquadra dentro das normas estticas do perodo romntico (neo-romantismo). Foi precedido pelo Classicismo e sucedido pelas tendncias modernistas. A poca do romantismo musical coincide com o Romantismo na literatura, filosofia e artes plsticas. A ideia geral do romantismo que a verdade no poderia ser deduzida a partir de axiomas. Certas realidades s poderiam ser captadas atravs da emoo, do sentimento e da intuio. Por essa razo, a msica romntica caracterizada pela maior flexibilidade das formas musicais e procurando focar mais o sentimento transmitido pela msica do que propriamente a esttica, ao contrrio do Classicismo. No entanto, os gneros musicais clssicos, tais como a sinfonia e o concerto, continuaram sendo escritos (Sadie, 1994).
29
http://pt.wikipedia.org/wiki/Concertohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Sinfoniahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Axiomahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Artes_pl?sticashttp://pt.wikipedia.org/wiki/Filosofiahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Literaturahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Romantismohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Modernismohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Classicismohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Neo-romantismo
variadas notas como estmulos musicais. Uma diversidade no desempenho dos
indivduos parece refletir, segundo os autores, muito mais variveis indicadas por
uma histria singular de experincia musical do que uma suposta caracterstica
inata. Entretanto, os autores no investigaram em detalhes quais seriam as
variveis que comporiam essa histria.
No geral, alguns dos estudos citados neste Captulo apresentam problemas
metodolgicos relacionados ao controle de variveis dos estmulos empregados e
s caractersticas dos participantes. Em relao aos estmulos musicais utilizados,
esses, normalmente, so descritos por propriedades subjetivas (forte, suave,
agradvel, etc.) e imprecisas (a msica exata no informada; nem pela
nomenclatura, nem pela partitura10. Em relao aos participantes, possveis
variveis so desconsideradas. Nos trabalhos relacionados ao comportamento do
consumidor, por exemplo, associa-se o aumento de vendas (em supermercados
ou restaurantes) s msicas apresentadas nesses estabelecimentos,
independente das variveis dias da semana da coleta de dados ou preferncias
musicais dos consumidores, por exemplo. Talvez a impreciso na definio do
termo msica tenha alguma relao com os problemas metodolgicos de alguns
dos estudos citados neste Captulo.
Em geral, a preocupao com uma linguagem objetiva, clara e precisa uma
caracterstica de uma rea da Psicologia omitida neste Captulo: a Anlise
Experimental do Comportamento. Para os analistas do comportamento, um
estudo experimental confivel das interaes organismo-ambiente parte de uma
descrio operacionalizada dos conceitos utilizados. Objetiva-se, com isso, um
avano prtico na anlise, uma vez que Obtm-se uma vantagem considervel
ao lidar com termos, conceitos, constructos, etc., simplesmente na forma em que
eles so observados (Skinner, 1945, p.273). Por esta razo, o Captulo 4, a
seguir, fornece conceitos e mtodos para este estudo e pode apontar algumas
10 Uma partitura uma representao escrita de msica padronizada mundialmente. Tal como qualquer outro sistema de escrita, dispe de smbolos prprios (notas musicais) que se associam a sons. No contexto da msica assistida por computador, a partitura, ao contrrio das tablaturas, desempenha um papel crucial. Atravs de tecnologias como MIDI possvel traduzir uma partitura integralmente para um formato legvel pelo computador ou instrumentos electrnicos (como sintetizadores) para posterior reproduo (Sadie, 1994).
30
http://pt.wikipedia.org/wiki/Sintetizadorhttp://pt.wikipedia.org/wiki/MIDIhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Tablaturahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Computadorhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Nota_musicalhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Sistema_de_escritahttp://pt.wikipedia.org/wiki/M?sica
contribuies da Anlise Experimental do Comportamento para a definio
conceitual do fenmeno msica.
31
4 MSICA E ANLISE DO COMPORTAMENTO
Alm de outras coisas, Skinner era msico (um saxofonista). Talvez por esta
razo, a msica foi citada em alguns de seus textos (Skinner, 1953; 1957; 1972)
exemplificando as funes do comportamento musical ou as funes da msica
como seu produto. Em Cincia e Comportamento Humano (Skinner, 1953), ao
comentar sobre a utilizao prtica do condicionamento reflexo ele escreveu que
em velrios e enterros a msica (juntamente com as flores) teria um efeito
imediato que se contraporia s reaes eliciadas por um corpo morto, criando
...uma predisposio mais favorvel para com as prticas funerrias. J em
Verbal Behavior ele ilustrou com a msica algumas diferenas entre o
comportamento ecico e o textual:
A distino ilustrada pelo cantor que canta de ouvido e l msica. Um
repertrio ecico desenvolvido por todo cantor habilidoso; qualquer
padro meldico contido em sua extenso tonal pode ser precisamente
duplicada (...). Eventualmente as dimenses do estmulo consistem em
uma extenso contnua de freqncias cujas dimenses da resposta
correspondem mais ou menos precisamente. Na leitura de um texto
impresso, por sua vez, os sistemas dimensionais so diferentes. A
resposta continua a ser representada como um ponto numa contnua
extenso de freqncias, mas o texto agora consiste em um arranjo
geomtrico de pontos discretos (Skinner, 1957, p.68).
Isto apontou, de certa forma, para as funes assumidas pelos estmulos
musicais ou pelo comportamento musical: evento ambiental ou comportamental.
O objetivo deste Captulo descrever como a msica tem sido considerada nas
pesquisas em Anlise do Comportamento. Ele insere elementos conceituais para
a definio dos termos analtico-comportamentais usados na anlise da formao
de classes de estmulos. Ele est dividido em itens e sub-itens, de acordo com as
funes assumidas pelas repostas ou estmulos musicais. Tendo em vista o
objetivo deste trabalho, um item especial apresenta os conceitos usados na
anlise dos agrupamentos de estmulos sonoros em classes.
32
4.1. MSICA COMO EVENTO COMPORTAMENTAL
O comportamento que produz estmulos sonoros pode ser analisado como os
demais comportamentos, j que est sob controle dos eventos ambientais
antecedentes e conseqentes. Mesmo que a msica o produto de tal
comportamento seja admirada como arte, a aquisio/manuteno de
comportamentos de manuseio ordenado das cordas vocais (ou de outras
estruturas antomo-fisiolgicas) e/ou de instrumentos musicais depende da
funo de tais atividades num dado contexto cultural. Considerados os sons
vocalizados emitidos pela movimentao das cordas vocais como verbais
(Skinner, 1957), os sons no vocalizados produzidos por essa parte e os
produzidos por outras partes do corpo, por intermdio ou no de instrumentos, e
com a funo de produzir determinado efeito em uma audincia especialmente
treinada por uma cultura musical seriam tambm verbais? Uma resposta
extrapola o objetivo deste estudo.
Vale lembrar que, frequentemente, o produto do comportamento musical funciona
como um evento ambiental tanto para os ouvintes quanto para o prprio msico.
Talvez seja por esta razo que na reviso da bibliografia especfica da Anlise do
Comportamento apresentada a seguir encontraram-se mais trabalhos que
estudavam a msica como um estmulo (com repercusso sobre outros
comportamentos de ambos, msico e demais ouvintes) do que trabalhos que
estudem o comportamento musical per se. So raros os estudos desse repertrio
e da sua relao com outros eventos ambientais e comportamentais. Uma
exceo por isto est citado logo e em separado o trabalho de Hbner
(comunicao pessoal, 29 de setembro de 2007), ainda em andamento, que
ilustrou parcialmente como efeitos sonoros do comportamento do msico e os
estmulos musicais presentes no contexto dos ensaios controlam a interpretao
da leitura de uma partitura. Ela descreveu parte do comportamento verbal e/ou
no verbal aberto e encoberto (autodescritivo) do msico brasileiro Fbio Luz
durante a execuo de sua interpretao de certas composies famosas,
ilustrando como estmulos verbais provenientes de auto-falas, de partituras e de
diferenas nos sons produzidos em funo de diferenas na presso, velocidade
e movimentao dos dedos imposta s teclas do piano se combinam em um
33
produto musical altamente qualificado, conforme atestado na crtica
internacional11.
4.2. MSICA COMO EVENTO AMBIENTAL
Como evento ambiental, msica pode ser definida por alteraes de estmulos
sonoros (ou sons) combinados que ocorrem no ambiente (pela manipulao de
um humano com a funo de produzir determinado efeito em uma audincia),
antecedendo ou sendo conseqncia de um determinado evento comportamental,
de modo que controlam a ocorrncia deste ltimo12. Como antecedentes ou
conseqentes, essas alteraes assumem diferentes funes.
4.2.1. Funes do estmulo musical
a) Funo eliciadora
Neste caso os estmulos sonoros eliciam respostas reflexas. Apesar de alguns
estmulos sonoros (ou suas propriedades) eliciarem incondicionalmente alguns
reflexos, o consenso que estmulos sonoros eliciadores de respostas reflexas
11 Fbio Luz, paulista de Sorocaba, h 12 anos residindo em Torino, na Itlia - o que explica o fato de ser relativamente um nome pouco conhecido no Brasil. Desde 1962 dedica-se ao piano. Estudou com Eudxia de Barros no Conservatrio de So Paulo, onde diplomou-se com grau mximo em 1975. No mesmo ano iniciou o curso de aperfeioamento com Maria Jos Carrasquera, concludo com louvor em 1977. No ano seguinte mudou-se para Paris onde freqentou a classe de Eliane Richpia na Universidade Musical Internacional at 1982, quanto conquistou o diploma de Mestre em Msica Francesa com o grau mximo. Concursos sucederam-se: desde o primeiro prmio do Conselho Estadual de So Paulo (1971) a idnticas colocaes no concurso em Paris (81) e Concurso Debussy, Frana (1978). Radicado em Torino, sua atividade intensa: desde a direo do Conservatrio Asti aos cursos de alto aperfeioamento pianstico, formando uma slida reputao, que inclui tambm a direo de corais, como do secular coral da Catedral de Santo Eustaqui em Paris. tambm compositor de msica de cmara e com mais de 400 apresentaes na Europa est provado o seu conceito. Uma das caractersticas de Fbio Luz sua capacidade de reter repertrios imensos e de extrema complexidade (Millarch, 1990).12 Neste trabalho esta ser a definio de msica adotada: um produto do comportamento. Perceba-se que ela mescla ao com produto da ao. Entretanto, este estudo evita a discusso sobre a msica ser ou no um comportamento verbal especial, ou se outras formas de estmulos ambientais sonoros seriam ou no msica. Tambm evitada a qualificao da combinao de estmulos sonoros como harmoniosa ou agradvel, comum a algumas definies tradicionais. Deste ponto em diante desta dissertao, os termos msica e estmulos sonoros so considerados como sinnimos.
34
adquiriram esta funo pelo fato de terem sido ...seguidos ou reforados por um
estmulo efetivo (frequentemente chamado de estmulo eliciador incondicionado)
na eliciao dessas respostas (Skinner, 1953, p.53), tornando-se estmulos
condicionados.
assim que uma msica torna-se eliciadora de medo, prazer sexual ou qualquer
outra forma de comportamento respondente. De fato, os estmulos eliciadores tm
uma forte ligao com as emoes: Os efeitos emocionais da msica (...) so
largamente condicionados (Skinner, 1953, p.57). Exemplos de aplicao da
msica como estmulo eliciador foram citados anteriormente nos trabalhos com
musicoterapia (Chlan, 1998; Hanser & Thompson, 1994; Hatem et al., 2006;
Hoskyns, 1988; KOGER et al., 1999; Macdonald et al., 2003; Nilsson et al., 2005;
Odell,1988; Todres, 2006; White, 1992) e comportamento do consumidor (North &
Hargreaves, 1999; North et al., 2003; Wilson, 2003). Contudo, nestes trabalhos
parece no haver uma preocupao em distinguir se a funo eliciadora da
msica seria incondicionada ou condicionada.
b) Funo reforadora
Com esta funo, os estmulos sonoros so conseqncias de determinada
resposta e produzem o aumento da probabilidade de emisso dessa resposta no
futuro. So denominados reforadores positivos, caso o estmulo sonoro seja
apresentado como conseqncia da resposta; ou negativos, caso seja retirado
(Skinner, 1953).
Os exemplos de estudos usando a msica como reforador podem ser agrupados
em quatro categorias: 1) adequao (estudos que objetivam mudar certos
comportamentos tornando-os adaptados ou produtivos pela apresentao ou
retirada do reforo positivo), 2) efetividade (estudos que descrevem e comparam
o valor reforador positivo de estmulos musicais e no-musicais), 3) mistos
(estudos de adequao e efetividade usando reforadores positivos) e 4) controle
aversivo (estudos que usam a msica com funo reforadora negativa).
35
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?db=pubmed&cmd=Search&itool=pubmed_AbstractPlus&term="White+JM"%5BAuthor%5Dhttp://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?db=pubmed&cmd=Search&itool=pubmed_AbstractPlus&term="Koger+SM"%5BAuthor%5Dhttp://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?db=pubmed&cmd=Search&itool=pubmed_AbstractPlus&term="Thompson+LW"%5BAuthor%5Dhttp://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?db=pubmed&cmd=Search&itool=pubmed_AbstractPlus&term="Hanser+SB"%5BAuthor%5Dhttp://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?db=pubmed&cmd=Search&itool=pubmed_AbstractPlus&term="Chlan+L"%5BAuthor%5D
Os estudos de adequao (Barmann, Croyle-Barmann & Mclain, 1980; Wilson &
Hopkins, 1973; Greene, Bailey & Barber 1981; Lowe, Beasty & Bentall, 1983;
Hume & Crossman, 1992) destacam-se na Psicologia do Esporte. O trabalho de
Hume e Crossman (1992) ilustrativo do grupo pois demonstrou o efeito da
apresentao da msica no aumento da freqncia dos comportamentos
produtivos de nadadores durante treino em terra seca.
Entre os estudos mistos (Ferrari & Harris, 1981; Thompson, Heistad & Palermo,
1963; Vollmer & Iwata, 1991), destaca-se o mais recente, de Kennedy e Souza
(1995), que descrever e comparou o valor reforador de vrios estmulos,
incluindo a msica, para respostas incompatveis com a resposta de auto-
mutilao (lesionar os olhos) em crianas com atraso no desenvolvimento. A
msica mostrou-se menos efetiva como reforador para evitar as respostas
indesejadas do que os jogos eletrnicos.
H estudos que empregam controle aversivo, utilizando os estmulos sonoros
como reforadores negativos (Kelly, 1980; Mcadie, Foster & Temple, 1996). Esses
estudos parecem basear-se no antigo estudo experimental de Harrison e Abelson
(1959), que reforou negativamente a resposta de presso barra pela retirada
de um estmulo sonoro simples (campainha). Nesse e nos estudos de Kelly (1980)
e de McAdie et al. (1996), a remoo de um estmulo sonoro aversivo como
conseqncia da resposta foi eficiente para aumentar a sua taxa de emisso.
c) Funo discriminativa
Neste caso, o estmulo sonoro estabelece a ocasio para que um organismo
emita uma resposta que seguida por um reforador positivo. Na ausncia dessa
mesma ocasio, a mesma resposta no produz aquela conseqncia (Lundin,
1977). Catania (1999, p. 145) lembra que quando os estmulos se tornam efetivos
como sinais durante um treino, ...so nomeados de estmulos discriminativos, e
a relao entre esses estmulos e a resposta de operante discriminativo. O
mesmo autor informa que a notao para o estmulo correlacionado ao reforo
SD, o estmulo discriminativo, e que a ...notao para o estmulo correlacionado
com o no reforo ou extino S, o estmulo delta. (Experimentalmente, o
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procedimento para a aquisio deste controle discriminativo denominado treino
discriminativo e ser exposto adiante, pois parte do procedimento empregado
no delineamento deste estudo).
Entre os estudos na Anlise do Comportamento com estmulos sonoros
acessados, a maior parte os utilizaram com a funo de SD (Beecher & Harrison,
1971; Burlile, Feldman, Craig, & Harrison, 1985; Crites, Harris, Rosenquist, &
Thomas, 1967; Downey & Harrison, 1972, 1975; Farris, 1967; Green, 1975;
Harrison & Briggs, 1977; Harrison, Iversen & Pratt, 1977; Harrison, 1988; Herman
& Gordon, 1974; Lewis & Stoyak, 1979; Neill & Harrison, 1987; Neill, Liu, Mikati, &
Holmes, 2005; Raslear, 1975; Raslear, Pierrel-Sorrentino & Brissey, 1975; Reed,
Howell, Sackin, Pizzimenti, & Rosen, 2003; Schusterman, Balliet & Nixon, 1972;
Segal & Harrison, 1978; Stebbins, 1966).
Em Geral, estes estudos tm algumas semelhanas: freqentemente utilizaram
ratos como sujeitos e sons simples como estmulos (descritos pela freqncia em
Hertz). A maioria foi publicada na dcada de 70, sendo poucos na segunda
metade da dcada de 60 e outros poucos na segunda metade dos anos 80. Entre
os mais recentes cita-se o de Reed et al. (2003), que tinham como objetivo
investigar a habilidade de ratos discriminarem entre sons vocais. Apenas um rato
(de uma amostra de dez) no aprendeu a discriminar entre os estmulos. Por sua
vez, o estudo de Neill et al. (2005) comparou o desempenho de ratos (grupo
controle e grupo em convulso induzida pela administrao de Pilocarpina em
duas dosagens) na tarefa de discriminar um mesmo estmulo sonoro, cujas fontes
localizavam-se em duas diferentes posies. O processo de aquisio de
discriminao decresceu medida que a dosagem da droga aumentava.
d) Funo condicional
Nesta funo, os estmulos sonoros so apresentados fornecendo o contexto para
que determinado estmulo adquira funo de SD. O organismo aprende a
discriminar o momento em que deve responder conforme o SD especificar
(Catania,1999). Por exemplo, o som de uma msica o estmulo condicional que
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estabelece o momento de convidar para danar uma mulher discriminada entre
outras em uma festa.
Experimentalmente, a maneira de estabelecer a funo condicional de um
estmulo pelo procedimento de pareamento com o modelo (maching-to-sample),
descrito por Albuquerque e Melo (2005, p. 245) como [...]a apresentao do
estmulo condicional (modelo) juntamente com outros estmulos, denominados
discriminativos (de escolha ou de comparao). As relaes condicionais-
discriminativas que so conseqenciadas com reforo so fortalecidas e tm
maior probabilidade de ocorrer novamente no futuro.
Dentre os poucos estudos que conduziram o procedimento de pareamento com o
modelo usando estmulos sonoros em alguma etapa do procedimento (Galizio,
Stewart & Pilgrim, 2004; Hayes, Thompson & Hayes, 1989; Herman & Gordon,
1974), destaca-se o de Herman e Gordon (1974) que, apesar de ser o mais
antigo, o nico que utilizou estmulo sonoro como modelo e comparao (os
demais utilizam estmulos visuais, e apresentam os sonoros como reforadores).
Estes autores submeteram um golfinho a um pareamento com o modelo, testando
346 problemas de pareamento entre estmulos sonoros. Os resultados apontaram
um crescimento progressivo na porcentagem dos acertos.
e) Funo estabelecedora
Com esta funo, o estmulo sonoro, segundo Michael (1993) e Miguel (2000),
altera momentaneamente a efetividade reforadora de algum objeto, evento ou
estmulo (o chamado efeito estabelecedor do reforo), alm de alterar
momentaneamente a frequncia de resposas previamente reforadas por aquele
objeto, evento ou estmulo (o chamado efeito evocador da resposta). Apesar de
no ter sido encontrado nenhum estudo usando a msica com funo
estabelecedora, ela, se fosse usada, poderia estar presente apenas em
operaes estabelecedoras condicionadas (substitutas, reflexivas ou transitivas).
Nas operaes estabelecedoras condicionadas substitutas, eventos neutros,
pareados com operaes estabelecedoras incondicionadas adquirem as mesmas
38
funes. Este parece ser um dos objetivos dos jingles (temas musicais
apresentados em propagandas que enfatizam o nome de determinado produto) .
Obviamente, interessa aos fabricantes de um produto no somente a fixao de
determinada marca por parte do consumidor, mas a evocao de respostas que
levam aquisio do produto. Neste grupo tambm poderia estar o estudo
previamente descrito (de North et. al., 2003), sobre comportamento do
consumidor.
As operaes estabelecedoras condicionadas reflexivas, por sua vez, possuem a
funo de estabelecer sua prpria ausncia como reforadora. Para ilustrar tal
relao, cita-se alguns Jingles utilizados por candidatos em perodos eleitorais e
apresentados exaustivamente aos eleitores. Aps um longo perodo em contato
com tais estmulos, possvel notar seu poder de evocar respostas de retir-los
do ambiente.
J nas operaes estabelecedoras condicionadas transitivas h a presena de
um estmulo que tem a funo de modificar a efetividade reforadora
condicionada de outro estmulo. Suponha que um romntico prepare uma
surpresa para sua amada: cantar uma cano diante dela e de um amigo que o
acompanharia no violo. Neste exemplo, a msica apresentada (tocada) pelo
amigo aumenta o valor reforador condicionado da presena da amada (estmulo
discriminativo). Essa presena estabelece a ocasio para que o romntico faa
sua serenata e produza determinados reforadores.
4.3 AGRUPAMENTOS DE ESTMULOS SONOROS EM CLASSES
As funes geradas pelo controle dos estmulos sonoros sobre o comportamento
foram descritas at ento. No obstante, h a possibilidade de se ampliar o
controle sobre determinada resposta na medida em que se amplia a quantidade
de estmulos a ela associados, agrupando-os em uma classe. Da a importncia
da formao de classes, que pode se dar por relaes entre estmulos por
similaridade fsica ou atributos comuns, por relaes arbitrrias mediadas por
resposta comum e por relaes arbitrrias entre estmulos (De Rose, 1993).
39
A similaridade fsica ou atributos comuns diz respeito s propriedades fsicas de
classes de estmulos que controlam uma resposta comum. Adaptando o exemplo
de De Rose (1993) ao tema deste trabalho, tem-se uma classe maior de
estmulos que controlam a resposta verbal estilos musicais (Rock, Jazz, Blues,
etc.). Quando Blues includo na classe, diz-se que houve generalizao de
estmulos, visto que Blues, a despeito das diferenas que definem o estilo, tem
atributos em comum com os outros membros. Do mesmo modo, tais atributos
devem ser suficientes para possibilitar o agrupamento dos estmulos que os
definem numa classe menor, que passar a ser denominada pelo termo
especfico msica Blues. Desta forma, O conceito msica Blues descrever
uma classe de estmulos, nomeada a partir da interao com a comunidade
verbal, que relaciona os estmulos e sua correspondncia numa classe comum,
podendo esta classe pertencer a outra classe, por exemplo, estmulos sonoros
utilizados como fundo musical em trechos especficos de filmes (como aquele
trecho da cano Bad to the bone, de George Thorogood, apresentado na
ocasio da apario de um personagem sobre uma motocicleta usando jeans e
jaqueta de couro no filme O Exterminador do futuro 2).
As relaes arbitrrias mediadas por resposta comum dizem respeito a relaes
entre estmulos que, mesmo sem similaridade fsica ou atributos comuns,
arbitrariamente, ocasionam a ocorrncia de uma resposta comum. De Rose
(1993) afirma que, desta forma, os estmulos tornam-se funcionalmente
equivalentes, constituindo uma classe funcional. Exemplos de estmulos que
formam uma classe funcional seriam violo e piano que, sem similaridade fsica,
ocasionam tanto a resposta verbal instrumento musical, quanto a resposta
motora tocar uma msica.
Segundo De Rose (1993, p.286), esta classe s demonstrada quando variveis
aplicadas diretamente sobre um estmulo tm efeito similar sobre os demais.
Nas palavras de Sidman, Wynne, Maguire & Barnes (1989, p.447) essa classe
emerge quando diferentes estmulos discriminativos em um set de contingncias
de trs termos (em discriminaes simples) ocasionam a mesma resposta.
Assim, diante de uma sala com diferentes objetos, e com a instruo verbal
limpar os instrumentos musicais, o encarregado do servio responde limpando
40
apenas os dois citados (violo e piano), a despeito dos demais estmulos
presentes que, naturalmente, no seriam instrumentos musicais. A resposta
comum utilizar-se de habilidades especficas para tocar alguma melodia,
possvel para ambos os estmulos, violo e piano, mediadora nesta relao
arbitrria, que os agrupa na classe denominada pela comunidade verbal de
instrumentos musicais. A resposta comum dita mediadora por unir estmulos
arbitrariamente, no por sua topografia, mas por sua funo em determinada
contingncia. As topografias das respostas, entendidas aqui como as tcnicas
empregadas para tocar um piano e um violo (respostas motoras de membros
superiores e inferiores do corpo do instrumentista), diferem entre si. Contudo, a
funo-produto Ter uma melodia tocada possvel s respostas em ambos os
estmulos, o que permite que sejam agrupados numa mesma classe.
O experimento de Vaughan (1988) tem sido citado (por exemplo, por Galvo,
1993) como o mais expressivo trabalho sobre a formao de classes funcionais
de estmulos a partir do desempenho de animais por demonstrar a formao das
relaes arbitrrias mediadas por resposta comum. De fato foi a primeira
demonstrao inequvoca de que isto ocorre.
Nesse experimento pombos foram ensinados a discriminar entre dois grupos de
estmulos: aquele diante do qual uma mesma resposta emitida (bicar um disco) foi
reforada e aquele diante do qual nenhuma resposta emitida produziu
reforadores. O primeiro grupo foi chamado positivo (S+) e o segundo, negativo
(S-). O experimento consistiu na apresentao individual e randmica de slides de
fotografias de rvores. Estas fotografias formavam dois grupos de estmulos, cada
um com 20 fotografias diferentes. Os sujeitos eram reforados por responder
bicando um disco quando o slide era positivo. Quando o slide era negativo, a
passagem de dois segundos produzia o trmino da tentativa. Depois de repetidas
reverses da discriminao original, isto , os 20 slides originalmente positivos
passavam a ser negativos e vice-versa, os sujeitos aprenderam a mudar seu
desempenho aps a apresentao de alguns poucos slides aps uma reverso.
Essas repetidas reverses implicavam na transferncia de funo, importante na
validao da partio em duas classes funcionais de estmulos. Se todos os
membros da classe de estmulos controlam a probabilidade de emisso da
41
mesma resposta, ou seja, se o sujeito responde da mesma forma para todos os
estmulos daquela classe, tais estmulos podem ser descritos como membros de
uma classe funcional.
Trabalhos mais recentes, baseados no estudo supracitado, trazem algumas
alteraes metodolgicas (Eikeseth & Smith, 1992; Meehan, 1999; Stromer, R.,
Mackay, H. A. & Remington, 1996; Tomonaga, 1999). Wirth e Chase (2002), por
exemplo, trabalharam com estudantes universitrios, treinando-os a dizer
palavras sem sentido na presena de conjuntos de smbolos arbitrrios. Esses
autores lanaram mo do uso de reverses discriminativas com o intuito de
analisar a estabilidade das classes funcionais formadas. Goulart, Galvo e Barros
(2003), por sua vez, tambm demonstraram a reverso discriminativa em
procedimento de discriminao simples em macacos.
De Rose (1993) avana na anlise, ao citar um terceiro grupo de relaes que
poderiam formar classes de estmulos: as relaes arbitrrias entre estmulos.
Elas ocorrem sem o requisito explcito de uma resposta mediadora, mas com o
estabelecimento da relao direta entre estmulos. Desta forma, no h a
necessidade de que os estmulos permitam respostas com a mesma funo. O
ensino tradicional da msica, a partir do pareamento de estmulos sonoros e
instrues verbais que os nomeiam, utiliza tais relaes. No a semelhana
fsica, ou uma resposta comum que une determinado som a uma nomenclatura
D, R ou Mi. Na verdade, reforada a emisso da resposta verbal
falada/escrita D, diante de um estmulo sonoro particular, e no de outros.
Os estudos de Sidman e Tailby (1982) e Sidman (1992) contriburam por oferecer
uma especificao formal dos critrios para verificar a formao de classes de
equivalncia entre estmulos. Tais critrios foram estabelecidos a partir das
propriedades das relaes entre os estmulos: simetria, transitividade e
reflexividade (De Rose, 1993).
A propriedade de reflexividade est presente quando so estabelecidas relaes
generalizadas de identidade (generalized identity matching) entre um estmulo
modelo e um estimulo de comparao idntico, sem que esta relao seja
42
ensinada previamente (Albuquerque & Melo, 2005). Por exemplo, a escolha de A
diante de um estmulo A e de B diante de um estmulo B.
A simetria, por sua vez, observada quando se reverte a ordem dos termos de
uma relao ensinada e a relao condicional entre os estmulos se mantm sem
a ocorrncia de um treino prvio. Ou seja, aps ensinar um sujeito diante de um
estmulo A responder B, este, diante da apresentao do estmulo B, responde A,
sem treino prvio.
A propriedade da transitividade observada quando, aps treinar pelo menos
duas relaes condicionais entre estmulos, por exemplo, A com B e B com C,
emerge uma terceira relao condicional, entre os termos incomuns das duas
relaes: o sujeito, na presena do estmulo A, escolhe C. A partir destas
propriedades, os estmulos so considerados equivalentes por se tornarem
...intercambiveis, substituveis uns pelos outros no controle do comportamento
(Albuquerque & Melo, 2005, p. 245).
Tais conceitos possibilitam questionar sobre as possveis interfaces entre as
classes funcionais e as classes equivalentes. Ou seja, a funo comum no
poderia ser entendida como equivalente? Se qualquer um dos membros da classe
pode ser utilizado para controlar determinada resposta isso no colocaria tais
membros como equivalentes? Ou ser que os critrios simetria, reflexividade e
transitividade, dificilmente aplicveis em classes funcionais pelo procedimento
(treino discriminativo) utilizado para produz-las, seriam os nicos critrios
seguros para se investigar a emergncia de equivalncia em classes de
estmulos? Nesta discusso, Sidman et al. (1989) apresentam a importncia da
possibilidade de mostrar equivalncia em classes funcionais, citando que:
[...] ao se mostrar empiricamente que classes funcionais implicam
relaes equivalentes no comportamento, independente de suas
diferentes definies e processos de testagem, ns alcanaramos um
notvel grau de elegncia terica, previsibilidade emprica e integrao
potencial de dados (Sidman et al., 1989, p.420).
43
Mais que simplesmente vislumbrar essas possibilidades, os referidos autores
apresentam sugestes de como tentar busc-las. No artigo Functional Classes
and Equivalence Relations (1989), sugerem um procedimento em que so
treinadas relaes AB num primeiro momento, seguidas de treino de relaes BC.
Num terceiro momento, investiga-se se a relao AC se estabeleceu sem treino
direto prvio. Duas mudanas foram realizadas nesse procedimento em relao
aos demais em discriminaes simples: a) uso de trs - ao invs de dois -
estmulos por tentativa (um S+ e dois S-, o que permite, segundo o autor, a
mudana da nomenclatura de reverso discriminativa para o termo mais genrico
mudanas da contingncia, visto que no seriam apenas dois grupos a serem
discriminados); b) a sinalizao aos sujeitos do S+ em uma das discriminaes, j
que na primeira tentativa, o sujeito nunca teria de experimentar a extino antes
de ter contato com uma mudana de contingncia. Uma vez que classes
funcionais tenham emergido os sujeitos seriam capazes de passar por um
completo bloco de teste sem erros.
Alguns trabalhos foram influenciados pelas sugestes de Sidman, apresentando
avanos metodolgicos (Goulart et al., 2003; Schusterman & Kastak, 1998).
Jitsumori, Siemann, Lehr e Delius (2002), por exemplo, utilizaram pombos como
sujeitos, treinando-os num procedimento de discriminao simples de dois grupos
de estmulos (A1, B1, C1, D1 e A2, B2, C2, D2). Os pssaros foram expostos a
uma srie de reverses discriminativas para o estabelecimento das classes AB e
CD. Posteriormente, foram treinados na relao AC e BD, e testada a emergncia
das relaes AD e BD. Dois dos quatro pombos exibiram a emergncia de uma
dessas relaes no treinadas, evidenciando a emergncia de relaes de
transitividade.
J o trabalho de Tyndall, Roche e James (2004) consistiu num treino
discriminativo com dois grupos (com seis estmulos cada), seguido por um
pareamento com o modelo. Este pareamento foi testado com duas condies:
utilizando-se somente estmulos do grupo S+ como estmulos modelo e de
comparao, e utilizando-se 3 estmulos de cada grupo S+ e S- como modelo
e comparao. Os resultados mostraram que, em mdia, foram necessrias mais
tentati