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Título: Filogenia e Evolução das Espécies Neotropicais de Pteris (Pteridaceae)
Pesquisador Responsável: Dr. JEFFERSON PRADO (Instituto de Botânica – IBt)
Equipe: Dra. Regina Y. Hirai (Instituto de Botânica – IBt)
1. INTRODUÇÃO
1.1. Considerações gerais
Pteridaceae é uma família de samambaias amplamente distribuída pelo
mundo, com a maioria das espécies ocorrendo nas regiões tropicais áridas. Essas plantas
podem ser encontradas como terrestres, rupícolas ou epífitas. Apresentam rizoma longo
a curto-‐reptante, ascendente, subereto ou ereto, com escamas (raramente com
tricomas); frondes monomorfas, hemidimorfas, ou dimorfas em alguns gêneros, simples
(em vitarioides), pinadas ou às vezes pedadas, às vezes mais decompostas; nervuras
livres, simples ou furcadas, ou variavelmente anastomosadas, formando uma venação
reticulada sem vênulas inclusas nas aréolas; soros marginais ou intramarginais, sem um
indúsio verdadeiro (pseudo-‐indúsio), geralmente protegidos pela margem da lâmina
reflexa, ou esporângios ao longo das nervuras; esporângios com ânulo vertical,
interrompido pelo pedicelo, sem receptáculo ou receptáculo obscuro; esporos triletes ou
monoletes (nas vitarioides) e número cromossômico igual a 29 ou 30 (Smith et al. 2006,
2008).
No sistema de classificação de Tryon & Tryon (1982), a família Pteridaceae foi
tratada em seis tribos: Taenitideae, Platyzomateae, Cheilantheae, Ceratopterideae,
Adianteae e Pterideae, contendo 35 gêneros. Posteriormente, Tryon (1986) elevou essas
seis tribos ao nível de subfamílias e desta forma foram consideradas no sistema de
classificação de Kramer & Green (1990).
Na atual classificação das samambaias, baseada em estudos filogenéticos e
morfológicos, a família Pteridaceae pertence à classe Polypodiopsida, ordem
Polypodiales. É uma das famílias mais derivadas dentre as samambaias
leptosporangiadas, apresentando ca. 50 gêneros e 950 espécies (Smith et al. 2006,
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2008). Diferentemente das classificações anteriores de Tryon & Tryon (1982) e Kramer
& Green (1990), Vittariaceae, uma família que era reconhecida nesses sistemas, é
atualmente um grupo pertencente às Pteridaceae. Juntas formam um grande grupo
monofilético.
Cerca de 10% da diversidade das samambaias atuais estão representadas
pelos táxons de Pteridaceae. Dentre os gêneros mais diversos dessa família, destacam-‐se
Pteris L., com ca. 250 espécies, Adiantum L., com ca. 200 spp. e Cheilanthes Sw., com
aproximadamente 150 spp. (Mickel & Smith 2004).
Especificamente no Brasil o gênero Pteris apresenta 24 espécies (Prado &
Windisch 2000), sendo que a maioria delas apresentam ampla ocorrência no país e
podem ser encontradas de norte a sul (e.g., Pteris brasiliensis Raddi, P. denticulata Sw., P.
deflexa Link, P. propinqua J. Agardh, etc). Por outro lado, há algumas que representam
endemismos restritos à Mata Atlântica brasileira, tais como: P. congesta J. Prado e P.
limae Brade. A região sudeste do Brasil é onde se concentra a maior diversidade do
gênero com 20, das 24 espécies e duas são endêmicas. Prado & Windisch (2000)
utilizaram-‐se apenas de morfologia para o reconhecimento de táxons ou grupos
informais de espécies dentro do gênero.
Em relação a estudos desenvolvidos particularmente com filogenia de
Pteridaceae, há dois trabalhos relevantes já publicados e que incluem as samambaias
pteridoides, alvo da presente proposta, a saber: Prado et al. (2007) e Schuettpelz et al.
(2007). Ambos os trabalhos realizaram estudos filogenéticos com vários membros da
família e estabeleceram as principais relações filogenéticas e afinidades entre as
subfamílias e seus gêneros. Prado et al. (2007) conduziram as análises utilizando apenas
um marcador do cloroplasto (rbcL), uma vez que o objetivo do trabalho foi investigar o
monofiletismo das seis subfamílias propostas por Tryon & Tryon (1982) e aceitas em
Kramer & Green (1990). Foram estudadas 38 espécies brasileiras de Pteridaceae (12
delas endêmicas) e mais 81 espécies que representam os grupos externos e outras
Pteridaceae extra-‐brasileiras. Apesar de ter sido utilizado apenas um único marcador
molecular neste estudo, os autores encontraram resultados interessantes e que
revelaram que a circunscrição para as tribos proposta por Tryon & Tryon (1982),
elevadas à categoria de subfamílias em Tryon (1986), necessitam ser revistas, uma vez
que não representam agrupamentos monofiléticos.
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Tanto no trabalho de Prado et al. (2007) quanto no de Schuettpelz et al.
(2007), cinco linhagens monofiléticas para Pteridaceae apareceram em todas as
análises, e diferem substancialmente das tribos de Tryon & Tryon (1982), a saber: 1)
ceratopteridoides (com Acrostichum L. e Ceratopteris Brongn.); 2) adiantoides (com
Adiantum mais as samambaias vitarioides); 3) cryptogramoides (com Coniogramme Fée,
Cryptogramma R. Br. e Llavea Lag.); 4) cheilantoides, contendo a maioria dos gêneros da
família e 5) pteridoides (Pteris s.str., Platyzoma R. Br., Neurocallis Fée, Ochropteris J. Sm.).
No sistema de classificação de Kramer & Green (1990) esses grupos correspondem às
subfamílias: Ceratopteridoideae, Adiantoidea, Cheilanthoidea e Pteridoideae, exceto as
cryptogramoides que eram tratadas também na subfamília Cheilanthoideae.
1.2. Os clados recentes de Pteris
Os clados de Pteris apresentados a seguir foram extraídos dos trabalhos de
Prado et al. (2007) (Figura 1) e Schuettpelz et al. (2007) (Figura 2) e, em ambos os
casos, foram obtidos com base em apenas algumas espécies do gênero. No trabalho de
Prado et al. (2007), particularmente em relação às samambaias pteridoides, foram
amostradas 13 espécies, a maioria pertencendo ao gênero Pteris (10 spp., sendo sete
brasileiras). Os resultados demonstraram claramente que os limites genéricos dentro da
subfamília precisam ser revistos (e.g., Pteris) e que algumas subfamílias não são
monofiléticas, considerando-‐se a circunscrição vigente nos sistemas de classificações
baseados em dados morfológicos (e.g., Tryon & Tryon 1982, Kramer & Green 1990).
Dentre as subfamílias que também necessitam mais estudos estão: Adiantoideae,
Ceratopteridoideae, Platyzomatoideae e Pteridoideae (ver Figura 1).
Mais especificamente sobre Pteris, as espécies aparecem em dois clados não
relacionados (Figura 1). Sendo que P. vittata, que é a espécie mais próxima da espécie-‐
tipo do gênero Pteris (P. longifolia L.), é o clado que de fato deve ser mantido o nome
genérico Pteris para suas espécies. Enquanto que as demais espécies, a maioria
neotropicais, agruparam-‐se em outro clado fortemente sustentado. Pteris fauriei Hieron.,
uma espécie também asiática, apareceu como um grupo irmão das espécies neotropicias,
mas não relacionada com P. vittata que também é uma outra espécie asiática da análise.
Esse clado neotropical precisa ser melhor investigado, incluindo um número maior de
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espécies para que possamos compreender se estas podem ser segregadas em outros
grupos (gêneros?) menores. Caso isto ocorra, já há nomes genéricos disponíveis na
literatura para uso e novas combinações deverão ser feitas. Além disso, esses grupos
menores também precisam ser revisados taxonomicamente, uma vez que não há
revisões recentes para as espécies tropicais de Pteris, exceto o trabalho de Prado &
Windisch (2000), para o Brasil e o de Arbeláez (1996), para a Colômbia.
Figura 1. Clado retirado do trabalho de Prado et al. (2007), mostrando o não monofiletismo da
subfamília Pteridoideae (nos retângulos azuis) e do gênero Pteris (nos retângulos vermelhos).
Schuettpelz et al. (2007) apresentaram duas análises: uma delas utilizando
três marcadores (rbcL, atpB e atpA) e 67 espécies e outra utilizando apenas rbcL e 147
espécies. Em ambas as análises foram encontrados resultados similares aos de Prado et
al. (2007), tanto para Pteridoideae, quanto para Pteris. No trabalho de Schuettpelz et al.
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(2007) observa-‐se que P. vittata também aparece em um clado distinto e não
relacionado com as outras espécies asiáticas de Pteris s.l. Chama-‐se a atenção que
Schuettpelz et al. (2007) realizaram duas análises que envolveram Pteridoideae, uma
baseada em três marcadores moleculares (Figura 2, aqui apresentada) e uma apenas
baseada em rbcL e em ambas foram obtidos resultados similares. Além disso, em ambos
os trabalhos aqui citados, ficou evidente o não monofiletismo de Pteris como atualmente
circunscrito.
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Figura 2. Clado retirado do trabalho de Schuettpelz et al. (2007), mostrando que Pteridoideae
(nos retângulos azuis) e Pteris (nos retângulos vermelhos) não são monofiléticos.
Esses dados sugerem fortemente um estudo adicional para o gênero Pteris e
espera-‐se que com o presente estudo possa ser gerada uma filogenia robusta para o
grupo, envolvendo o maior número possível de espécies neotropicais, que ainda não
foram amostradas adequadamente. Os resultados que serão obtidos também
favorecerão um melhor entendimento do relacionamento entres os membros de
Pteridoideae como um todo. Uma nova classificação para a família deverá ser proposta
no futuro e esta deverá ser baseada nos vários estudos que se encontram em curso, nos
Estados Unidos e na Ásia.
2. OBJETIVOS
• Testar a hipótese se as espécies neotropicais, atualmente reconhecidas em Pteris
s.l., formam um grupo monofilético;
• Estudar as relações filogenéticas das espécies neotropicais de Pteris s.l.
• Reconhecer e delimitar os grupos monofiléticos neotropicais segregados de
Pteris s.l.;
• Analisar a evolução dos caracteres morfológicos, otimizando-‐os nos cladogramas
que serão obtidos nas análises filogenéticas.
3. MATERIAL E MÉTODOS
3.1. Trabalho de campo no Parque Nacional do Itatiaia (RJ)
As coletas foram realizadas durante duas expedições, uma em maio de 2015 e
outra em novembro de 2016, durante as quais foram feitas todas as anotações
correspondentes ao hábito, data de coleta, hábitat, local de coleta e outros dados
necessários. O material botânico para os herbários foi coletado segundo as técnicas
usuais de coleta, descritas por Radford et al. (1974). Essas coletas foram baseadas no
conhecimento prévio de ocorrência das espécies, de modo a otimizar o tempo e os
recursos. Parte dessas informações para as espécies brasileiras, em especial, foram
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retiradas das coleções de herbário e do trabalho de Prado & Windisch (2000). Estes
espécimes coletados estão depositados no Herbário SP do Instituto de Botânica de São
Paulo (IBt) e suas duplicadas serão doadas para os Herbários do Jardim Botânico do Rio
de Janeiro (RB) e PARNASO.
Todas as coletas realizadas durante as expedições também foram
importantes para fotografar as espécies para auxiliar na elaboração das pranchas para
futura publicação dos trabalhos. Foram feitas inúmeras fotos do hábito das plantas, bem
como detalhes do rizoma, escamas, tricomas, nervuras, etc.
Para o estudo de Biologia Molecular o material foi coletado e preservado em
sílica-‐gel (Chase & Hills 1991).
4. RESULTADOS
Durante as nossas visitas ao Parque Nacional do Itatiaia, localizamos e
coletamos quatro espécies importantes para o nosso projeto: Pteris deflexa Link, Pteris
lechleri Mett., Pteris splendens Kaulf. e Pteris schwackeana Christ (Figura 3). A maioria foi
localizada na parte baixa do parque.
Todas estas espécies foram sequenciadas utilizando-‐se os três marcadores
plastidiais (rbcL, atpA e chlL) propostos no presente trabalho. Alguns resultados
preliminares mostram que algumas espécies, do grupo de Pteris deflexa, Pteris lechleri e
P. splendens podem ser reconhecidas para o Brasil como distintas, utilizado-‐se dados
moleculares e morfológicos.
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Figura 3. A-‐B. Pteris lechleri (Itatiaia, trilha dos Três Picos, Prado & Hirai 2403, SP); A. Hábito, B. Detalhe dos tricomas na pina abaxialmente, C-‐E. Pteris schwackeana (Itatiaia, trilha atrás do Hotel Simon, Prado & Hirai 2402, SP); C. Hábito, D. Pinas, E. Detalhe das escamas no pecíolo. F-‐G. Pteris deflexa (Itatiaia, trilha para a Cachoeira Véu da Noiva, Prado & Hirai 2455, SP). F. Pinas, G. Detalhe dos soros abaxialmente. H-‐I. Pteris splendens (Itatiaia, trilha para a Cachoeira Poranga, Prado & Hirai 2395, SP); H. Hábito, I. Detalhe das nervuras e soros abaxialmente.
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5. BIBLIOGRAFIA CITADA
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