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FERRAMENTAS DE ENGENHARIA DE
PRODUÇÃO PARA REDUÇÃO DE
DESPERDÍCIOS EM COZINHAS
INDUSTRIAIS
Marcos Bandeira Amorim (UFAM)
bandeira_marcos@hotmail.com
Augusto Cesar Barreto Rocha (UFAM)
augusto@bds.com.br
Este artigo explora o uso das ferramentas habituais da engenharia de
produção no combate aos desperdícios alimentares dentro de uma
cozinha industrial. Adota-se o tipo de pesquisa Bibliográfica e Estudo
de Caso, com uma abordagem quase-expeerimental. O escopo
principal é a cadeia de produção de refeições em uma cozinha
industrial, desde os pontos de recebimento do insumo para o processo
produtivo à entrega do produto, limitando-se ao ambiente e processo
da cozinha. O estudo ambienta-se onde o suprimento de refeições
coletivas alcança um volume superior a 4.000 ao dia, sendo
considerada de grande porte e ideal para aplicação de ferramentas
contra o desperdício em escala. A pesquisa concluiu que é possível e
vantajoso adotar as ferramentas da Engenharia de Produção no
processo produtivo de cozinhas industriais para a redução de
desperdícios de alimentos.
Palavras-chaves: Gestão; Processo Produtivo; Cozinhas Industriais,
Eficiência.
XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção
Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.
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1. Introdução
As empresas vêm passando por significativas transformações no modo de produzir, vender e
distribuir seus produtos, com o objetivo de se manterem operantes e competitivas no atual
mercado globalizado. Este mercado cresceu e a consequência foi o aumento da concorrência
mundial, convertendo-se numa maior oportunidade de negócios para as empresas preparadas.
A melhor gestão dos recursos dentro do processo produtivo é de fato uma grande meta
mundial em termos de produção faz muitos anos. Conceitos de melhoria contínua, Just-in-
Time, Kanban, Kaizen, produção enxuta, dentre outras ferramentas de aumento de
desempenho se traduzem em resultados se estiverem focadas nos pontos críticos do processo.
Assim, os esforços devem ser concentrados nas atividades que irão trazer os resultados
esperados pelos acionistas, conforme definido nas estratégias das empresas. Neste contexto, a
problemática das empresas é conseguir a excelência nas suas operações e não perder o foco no
valor, pois o preço é estabelecido pelo mercado e o tamanho do lucro será definido também
pelo tamanho do desperdício evitado. Com isso, a boa gestão dos insumos em uma cozinha
industrial, ambiente desta pesquisa, permitirá o resultado positivo e trará a esperada
sustentabilidade ao negócio.
Diversas são as empresas especializadas no ramo de fornecimento de refeições coletivas.
Tendo grande experiência no segmento deste tipo de prestação de serviços e alimentação, a
empresa multinacional a qual suportou esta pesquisa atua em diversas Indústrias ao redor do
Brasil e do mundo. Em Manaus (AM), local onde este trabalho foi realizado, a empresa
fornece refeições coletivas para empresas de grande porte, com quantidade de funcionários
superior a dois mil e possui a estrutura e porte adequados à realização da pesquisa.
A motivação do presente estudo baseou-se na observação da quantidade de resíduos orgânicos
gerados após cada refeição servida num restaurante de grande porte para aproximadamente
2.500 funcionários, dentro de uma empresa situada no Polo Industrial de Manaus. O conceito
surgiu ao observar que processos produtivos de alimentos geram grandes desperdícios tal qual
em manufaturas de bens de consumo, cujos processos têm baixo desempenho. Desta forma,
cozinhas também são processos produtivos contínuos, com fluxo e produto final claramente
definido, como em qualquer processo de manufatura, tal como de televisores ou automóveis.
Em outras palavras, as ineficiências e desperdícios intrínsecos de processo contínuo também
estão presentes e são significativos.
A pesquisa ocorre dentro do processo interno de uma cozinha industrial gerenciado por
multinacional do segmento alimentício dentre outros, com grande experiência no assunto.
Para a elaboração da pesquisa foi adotada uma das diversas cozinhas desta empresa
implantadas em uma indústria.
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Considerando a necessidade de ampliar e complementar as ações contra o desperdício de
alimentos, empreendidas pelo poder público e por organizações não governamentais, e
buscando melhorar o aporte nutricional e aperfeiçoar os mecanismos de controle da qualidade
reforçando o compromisso social, este trabalho objetiva contribuir com o combate ao
desperdício alimentar numa cozinha industrial através da orientação para aplicação de
ferramentas de melhoria contínua nos métodos do processo produtivo.
2. Referencial teórico
Os sistemas produtivos são classificados por Tubino (1999) de diversas maneiras. Sob a ótica
da natureza do produto, estes podem produzir bens ou serviços. Quando o produto produzido
é algo tangível o sistema de produção é uma manufatura de bens. Por outro lado, se o produto
gerado é intangível, diz-se que o sistema de produção é um prestador de serviços. Uma
cozinha industrial produz comida, algo tangível, porém pode ser considerado como um
prestador de serviços devido a dinâmica agregada envolvida.
De acordo com Campos (2004), o desperdício é todo e qualquer recurso que se gasta na
execução de um produto ou serviço além do estritamente necessário (matéria-prima,
materiais, tempo, energia, por exemplo). É um dispêndio extra que aumenta os custos normais
do produto ou serviço sem trazer qualquer tipo de melhoria para o cliente.
Reduzir o desperdício na manufatura significa eliminar tudo que aumenta o custo de
produção. Muitas vezes os desperdícios não são facilmente notados, pois se tornaram aceitos
como consequência natural do trabalho rotineiro.
Existem sete tipos de desperdícios, segundo Shingo (1996a, 1996b), que não agregam valor
ao produto e que devem ser identificados e eliminados. Estes são classificados em:
Desperdícios por superprodução, desperdícios por espera, desperdícios por transporte,
desperdícios por processamento, desperdícios por movimentação, desperdícios de produtos
defeituosos e desperdícios de estoques.
2.1 O desperdício no dia-a-dia
Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU, 2006), o mundo produz
diariamente comida em quantidade suficiente para alimentar toda a população do planeta, no
entanto a fome mata uma pessoa a cada 3,5 segundos no mundo por não ter acesso a ela.
Estima-se que existam hoje 854 milhões de pessoas subnutridas no mundo, além de cerca de
300 milhões de crianças que passam fome e 25 mil pessoas morrendo por dia de má nutrição
ou doenças associadas ao problema.
O Brasil é um dos principais produtores de alimentos do planeta, e um dos campeões em
desperdícios alimentares. O país desperdiça anualmente R$ 12 bilhões em alimentos que
poderiam alimentar 30 milhões de pessoas carentes. Com mais 20% de perdas no
processamento culinário e hábitos alimentares, as perdas totalizam 64% em toda cadeia,
conforme dados da revista Veja (2002). Caso o desperdício seja evitado, haverá mais
alimentos à disposição no mercado e os preços sofrerão redução para todos.
2.2 As Cozinhas Industriais
A Figura 1 apresenta o fluxo de insumos dentro de uma cozinha industrial.
O fluxo representa a visão macro do processo interno da cozinha. Devido às características
intrínsecas, cada etapa representada por um losango pode representar um foco relevante de
desperdício.
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Os conceitos e orientações para destinação das preparações na fase intermediária e de
tratamento de resíduos são baseados no Regulamento Técnico de Boas Práticas para Serviços
de Alimentação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), em sua Resolução-
RDC nº 216/2004 e no Sistema de Gestão da Segurança dos Alimentos NBR ISO 22000/2006
(ABNT, 2006).
Fonte: Adaptado pelos autores a partir de ABERC, 2003.
FIGURA 1: Fluxo de insumos em Processo de Manufatura de uma cozinha industrial.
2.2.1 Atividades em uma cozinha industrial
Proença (1996) afirma que o objetivo de uma Cozinha Industrial ou Unidade de Alimentação
e Nutrição (UAN) é o fornecimento de uma refeição com balanço nutricional equilibrado,
apresentando bom nível de sanidade e que seja adequada ao comensal, denominação dada ao
consumidor em alimentação coletiva. Esta adequação deve ocorrer tanto no sentido da
manutenção quanto de recuperação da saúde do comensal, visando auxiliar no
desenvolvimento de hábitos alimentares saudáveis, à educação alimentar. Além desses
aspectos ligados à refeição, uma UAN objetiva, ainda, satisfazer o comensal, no que diz
respeito ao serviço oferecido. Este item engloba desde o ambiente físico, incluindo tipo,
conveniência e condições de higiene de instalações e equipamentos disponíveis; até o contato
pessoal entre operadores da UAN e comensais, nos mais diversos momentos.
Demanda do
CLIENTE
Administração
do Restaurante
Fornecedor recebe
pedido
Distribuição
(refeitorio)
Devolução
Estoque
Intermediário
LIXO Orgânico/Inorgânico
Tudo que vem para esta
área é LIXO.
Informações para
Administração do
Restaurante.
NÃ
O:
estr
ag
ad
o/v
en
cid
o/ m
al-
arm
aze
na
do
NÃO: restos de sobra limpa
NÃO:
restos de preparação
Emite uma Ordem de
Compras
FLUXO DE INSUMOS EM UMA MANUFATURA DE COZINHA INDUSTRIAL
Mercadoria
apta?
Orgânico
aproveitável?
Enviar toda
comida ao
refeitorio?
Restaurante confere e
recebe os insumos
Preparar material para
enviar à Produção.
SIM
Enviar para equipe de
preparo da alimentação
SIM
COCÇÃO
SIM
Enviar tudo
para cocção?
NÃO:
para usar na próxima refeição
SIM
Pode
Reaproveitar?
SIM
NÃO
INÍCIO
Fornecedor envia
insumos
Armazenagem dos
insumos no estoque,
perecível e não perecível
Ordem de
Produção emitida?
SIM
NÃO
Emissão de Ordem
de Produção
Equipe inspeciona
insumos
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2.2.2 Descrição do processo de produção de refeições tradicional
O esquema de organização do processo produtivo pode ser analisado considerando-se duas
funções: as principais, relacionadas diretamente ao processamento dos alimentos; e as funções
anexas, ligadas à manutenção de utensílios e instalações. As funções principais abrangem
recepção de matéria prima, estocagem, pré-preparo, cocção, conservação da preparação
pronta e distribuição das refeições. Já as funções anexas envolvem a higienização dos
utensílios, das instalações e máquinas usadas nos preparos, bem como a eliminação dos
dejetos, de acordo com Jardim (2005, p.26).
O alimento usado, por apresentar aspectos de perecibilidade, riscos de contaminação e riscos
de perdas nutritivas determina que o processo apresente limitações tanto de cunho temporal
como de rigor nas operações de manipulação. A diversidade de postos de trabalho desde o
recebimento (estoque) de gêneros até a distribuição gera a necessidade de um permanente
controle dos procedimentos visando à manutenção da qualidade das refeições.
Por medidas de segurança alimentar as refeições devem ser consumidas no mesmo dia em que
são produzidas, e por isso observa-se uma grande pressão temporal das atividades,
principalmente nos horários que antecedem a distribuição, como relatado por Proença (1996),
e devido a estas limitações temporais de manipulação de alimentos e atendimento da clientela
o ritmo de trabalho neste processo de produção de refeições tradicional é muito intenso,
susceptível a erros caso os procedimentos não estejam bem definidos e assimilados.
2.3 A Engenharia de Produção nas Cozinhas Industriais
Os processos produtivos reconhecidos como competitivos e sustentáveis demandam um bom
nível de estudos e controle. A engenharia, por sua vez, já possui diversas ferramentas e
literaturas desenvolvidas e que podem ser aplicadas aos processos das cozinhas industriais.
2.3.1 Requisitos competitivos da manufatura
Usualmente o foco de toda empresa é produzir produtos ou serviços os quais os clientes
estejam dispostos a remunerar a empresa por isto. Na formulação da estratégia da manufatura
devem ser observadas as diretrizes globais da empresa as quais estão intimamente ligadas à
manufatura.
2.3.2 A Manufatura Enxuta ou Lean Manufacturing
O termo produção enxuta (derivado do inglês lean manufacturing) foi proposto por
pesquisadores americanos de forma a traduzir ao mundo ocidental as técnicas utilizadas pela
Toyota, introduzidas por Womack, Jones e Roos (1992). Posteriormente, Womack e Jones
(1996) ampliaram o termo para pensamento enxuto, enfatizando que o mesmo se aplica a toda
empresa.
De acordo com Salgado et al (2009), o pensamento enxuto (ou lean thinking) é uma forma de
especificar valor, alinhar na melhor sequência as ações que criam valor, realizar essas
atividades sem interrupção toda vez que alguém as solicita e realizá-las de forma cada vez
mais eficaz. Em suma, o pensamento enxuto é uma forma de fazer cada vez mais com cada
vez menos, ou seja, menos esforço humano, equipamento, tempo e espaço e, ao mesmo
tempo, aproximar-se cada vez mais de oferecer aos clientes exatamente o que eles desejam.
Sendo assim, a base desse pensamento é localizar e eliminar os desperdícios, sendo eles tudo
o que não agrega valor ao cliente.
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3. Métodos de análise
As ferramentas listadas nos próximos tópicos foram adotadas por já serem conhecidas no
meio produtivo e nas aplicações de melhorias de processo, e serão exploradas a seguir.
3.1 MASP
O MASP (Metodologia de Análise para Solução de Problemas) é uma peça fundamental no
controle da qualidade, e pode ser utilizado tanto para manter a qualidade e eliminar os erros
crônicos quanto para melhorá-la, usando o método e redirecionando o processo. Segundo
Campos (2004), a grande importância do MASP está no fato dele alimentar-se de fatos e
dados para norteamento das decisões, que muitas vezes são tomadas com base em feeling ou
bom senso, sendo não raramente dispendiosas. Baseado em fatos e dados economiza-se tempo
e dinheiro.
O MASP é uma metodologia para solucionar problemas e dividi-se em oito Etapas, conforme
Campos (2004):
a) Identificação do problema: Definir claramente o problema e reconhecer sua importância.
b) Observação: Investigar as características específicas do problema com uma visão ampla
e sob vários pontos de vista.
c) Análise: Descobrir as causas fundamentais.
d) Plano de ação: Conceber um plano para bloquear as causas fundamentais.
e) Ação: Bloquear as causas fundamentais.
f) Verificação: Verificar se o bloqueio foi efetivo.
g) Padronização: Prevenir contra o reaparecimento do problema.
h) Conclusão: Recapitular todo o processo de solução do problema para trabalhos futuros.
Por usar uma forma sistemática de realizações de ações preventivas e corretivas para eliminar
as causas da não conformidade e reduzir refugos o MASP é bastante utilizado; utiliza o
conceito do ciclo PDCA (Plan, Do, Check, Action ou Planjear, Executar, Verificar, Ação)
visando melhoria contínua. Baseia-se na obtenção de dados que justifiquem ou comprovem
fatos previamente levantados e que comprovadamente causem problemas.
3.2 O PDCA como método de solução de problemas de múltiplos passos
O gerenciamento de processos pode ser conduzido por meio do giro do ciclo PDCA. Assim,
deve haver ciclos PDCA para controle, para melhoramento e para o planejamento da
qualidade. Conforme Fonseca (2006, p. 05), “(...) uma família de métodos de solução de
problemas consiste de procedimentos de múltiplos passos para ir desempenhando todas as
atividades necessárias para solucionar algum ou todos os problemas”. É seguida uma
sequência estrita de passos, mas que podem contar com regressos e iterações.
3.3 Os métodos de solução de problemas baseados no estudo das causas
O PDCA é um método para a solução de problemas que recorre ao levantamento e análise das
causas visando a eliminação do problema. Portanto torna-se fundamental a busca e
identificação das causas raiz. Existem várias definições para causa raiz como as comentadas
por Rooney e Hewel (2004) apud Fonseca (2006, p.06), que utilizam a seguinte abordagem:
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a) Causas raiz são causas fundamentais específicas. Quanto mais específicas forem, mais
fácil fica para chegar a recomendações que prevenirão ocorrências;
b) Causas raiz são aquelas que podem ser razoavelmente identificadas. A investigação
precisa ter uma boa relação de custo-benefício, e assim, não pode consumir muito tempo
do pessoal;
c) Causas raiz são aquelas que o gestor pode controlar. As causas devem ser específicas o
suficiente para que o gestor consiga tomar ações adequadas para prevenir recorrências;
d) Causas raiz são aquelas para as quais recomendações efetivas podem ser geradas. As
recomendações não podem ser vagas; elas precisam estar diretamente relacionadas à(s)
causa(s) raiz.
Ainda de acordo com Fonseca (2006, p. 06 e 07), “(...) uma abordagem mais simples, mas em muitos
casos muito efetiva, é a dos 5 Por Quês (5 Whys). O uso dos 5 Por Quês consiste em perguntar “por quê ?”
repetidamente, sempre que e deparar com um problema, para ir além dos sintomas e chegar à causa raiz
deste problema. Embora esta abordagem seja chamada de 5 Por Quês, o número cinco não importa, mas
sim a prática de ir repetindo a pergunta “por quê” até que a causa raiz seja identificada. Os principais
benefícios dos 5 Por Quês estão em descobrir a causa raiz de um problema, determinar o relacionamento
entre as diferentes causas raiz e não demandar o uso de técnicas complexas. Os 5 Por Quês são
especialmente úteis quando os problemas envolvem fatores humanos e interações e no dia-a-dia dos
negócios.”
Neste estudo adota-se o MASP para identificação dos tipos de desperdícios, e o PDCA nas
interações que se fizerem necessárias para coleta e comparação de dados.
Dentro do ambiente da cozinha industrial e nos 3 turnos de produção, por um período de
quatro meses, as bases para observação deste estudo são duas:
a) dados de desperdício de insumos da unidade: restos deixados pelos funcionários (resto
ingesta), alimento pronto para uso mas não consumido (sobra limpa) e material inutilizado
durante a preparação dos pratos.
b) histórico já realizado para redução dos desperdícios - campanhas, adoção do auto
serviço (self-service) etc. - citando os resultados relevantes obtidos, justificando (ou não) a
necessidade das ferramentas de melhoria contínua.
4. Aplicação das ferramentas e resultados
O período de análise da cozinha industrial compreendeu quatro meses de 2011, observando os
três turnos de produção durante os sete dias da semana. Listou-se alguns fatores geradores de
desperdícios, sob a ótica dos funcionários da cozinha, para aplicação das ferramentas e análise
dos resultados.
Os tipos de desperdícios catalogados pela filial são: sobra limpa (alimento pronto e não
consumido) e resto-ingestão (principalmente sobras deixadas pelos usuários em seus pratos).
A quantidade de alimento consumido no almoço, por pessoa, está entre 400 e 500 gramas.
Ainda como base no MASP foram listados os principais fatores geradores de desperdícios,
conforme visto no QUADRO 1.
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Fatores geradores de desperdício
% 1º Porque 2º Porque 3º Porque Contramedida (Proposta)
Incerteza da demanda
60 Variação entre programado e real.
Comunicação interna ineficiente
Estudo de melhoria da comunicação (vide texto)
Rejeição do sabor 20 Preparação não estava de acordo com anseio do cliente.
As observações não eram convertidas em ações
Mudança na preparação (vide texto)
Uso ineficiente de ingredientes na Preparação.
12 Falta de padronização
Liderança não exige padrão.
Treinamento às lideranças (vide texto)
Outros 8 Resto-ingesta N/A Campanha educativa e melhoria no sabor.
Fonte: Administrador do Restaurante em estudo.
QUADRO 1: Fatores geradores de desperdício.
Principais desperdícios encontrados
Incerteza da
demanda
60%
Rejeição de sabor
20%
Preparação
10%
Outros
10%
Fonte: Administrador do Restaurante em estudo.
FIGURA 2: Principais desperdícios encontrados durante o período de análise.
Serão analisados caso a caso.
a) a incerteza da demanda do dia requerida para o restaurante, representando uma oscilação
entre 30 a 60% dos desperdícios analisados.
Mesmo possuindo uma média constante de usuários, há uma variação na freqüência de uso,
oscilando de 3 a 8% da média. Além disso, os restaurantes industriais que operam no sistema
de autoatendimento (self service) têm como orientação produzir em média 5% a mais nas
preparações, objetivando atender as necessidades dos usuários atendidos ao final do período
destinado a refeição.
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Esta variação da demanda é explicada por alguns fatores, explanados a seguir:
- nos centros industriais (como o Polo Industrial de Manaus) existem opções de restaurante
nas proximidades da Empresa, tornando-se opção de consumo principalmente para os
proprietários de veículo próprio devido a facilidade de deslocamento;
- pessoas que optam eventualmente em não almoçar ou fazer ingestão de poucas calorias;
- informações desencontradas de eventos internos que geram uma ‘falsa necessidade’ de
demanda, como por exemplo: integração de novos funcionários, linhas de produção
paralisadas, e o não cumprimento dos respectivos horários por área destinados ao almoço.
A ação para minimizar esta incerteza começa pela melhoria no fluxo de comunicação interno
antes de informar a necessidade ao refeitório. No período de estudo foi implementada uma
ação semanal de confirmação do número de comensais, inclusive para os finais de semana.
No mesmo período, observou-se redução da quantidade de desperdícios na sobra limpa do
prato principal no período de maior movimentação (almoço).
b) rejeição do sabor do prato servido. Aplicou-se um trabalho na preparação das proteínas
objetivando aumento de satisfação do Cliente na refeição diurna –almoço.
Antes: as proteínas - preparadas em chapas, assadas e cozidas – eram acondicionadas nas
estufas e servidas diretamente ao cliente. Havia reclamação de ‘falta de sabor’ devido ao
ressecamento inerente a estufa.
Depois: iniciou-se a preparação de caldo – chamado caldo brilhante – que é adicionado sobre
às proteínas antes de servi-las ao balcão. O preparado do caldo é simples: recolhe-se o caldo
da proteína, adiciona-se amido para consistência, e acrescentam-se legumes previamente
cozidos.
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
Jan Fev Mar Abr Mai Jun
Meses
Nível de Satisfação - ALMOÇO
Otimo+Bom REGULAR RUIM
Fonte: Administrador do Restaurante em estudo
FIGURA 3: Nível de satisfação da refeição durante o período de análise.
Obteve-se como resultado:
b.1) maior aceitação do sabor da proteína quando servida;
b.2) melhora na satisfação do cliente, indicado pela coleta de dados no painel de satisfação
diária;
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b.3) redução das sobras alimentares provenientes dos pratos dos usuários.
A satisfação no período de abril a junho/2011 aumentou (FIGURA 3).
c) uso ineficiente de ingredientes na preparação de alguns produtos, como arroz e
grelhados.
O chefe de cozinha – contratado recentemente e com mais de 20 anos de experiência somente
nesta área – entendeu rapidamente os modos de preparo adotados pela empresa, e após
algumas reuniões com os outros líderes e assistentes envolvidos nesta atividade agiu com a
equipe de forma a tornar mais eficiente esta tarefa.
Através da mudança na forma de preparo do arroz atingiu-se uma economia diária cerca de
4,31% (em Kg) na preparação do almoço e jantar (1º e 2º turnos).
Antes: arroz preparado no panelão em cima do fogão.
Depois:
- mudou-se para preparação no caldeirão, equipamento este já existente;
- padronização do tipo de arroz e forma de preparo.
Obteve-se como resultado:
- menor consumo de material (arroz);
- redução no custo percapita da refeição.
Outra maneira onde os desperdícios também poderiam ser reduzidos seria caso a produção
fosse, na íntegra, por demanda apresentada na hora da refeição – assim como funcionam as
cozinhas no sistema de comida rápida (fast food). Porém este assunto demanda outro leque de
discussões, que devem ser confrontados em outra oportunidade.
5. Conclusões e recomendações finais
As grandes indústrias dos diversos segmentos de manufatura detém uma característica em
comum de possuir uma cadeia produtiva. A constatação das similaridades entre a indústria de
alimentos com a indústria de bens e serviços – inclusive em suas deficiências primárias -
consolida a teoria da aplicação das ferramentas de Engenharia de Produção nos processos das
cozinhas industriais.
As campanhas locais e internas da empresa sobre combate ao desperdício alimentar parecem
surtir pouco efeito na conscientização da população de usuários, visto que ainda hoje a
quantidade medida destes desperdícios é expressiva. Durante o período de estudo percebeu-se
que existem várias restrições sobre a manipulação e acondicionamento dos alimentos devido
aos procedimentos de segurança alimentar, impostas pela ANVISA e passíveis de fiscalização
e severas multas se não cumpridas. Problemas culturais na característica da gestão também se
destacam, pois faz parte da prática das pessoas a necessidade de fazer a comida a mais apenas
“por garantia” quando, em contrapartida, há pouco trabalho de conscientização dos usuários
quanto a evitar desperdícios.
Buscou-se no kaizen a base para fazer uma boa leitura do objeto de pesquisa e cenário onde
está inserido, entendimento dos conceitos essenciais de ciclo produtivo e causas do
desperdício, equacionando o problema para propor a melhor forma de abordagem. Neste caso
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estudado, as principais dificuldades encontradas não eram intrínsecas ao funcionamento do
processo, mas a forma de como é concebido. As ferramentas apresentadas neste trabalho
constituem um dos vários caminhos disponíveis para combate ao desperdício e a busca da
sustentabilidade em seus três aspectos: social (pela importância do alimento para a sociedade),
econômico (por conta do resultado das empresas envolvidas) e ambiental (por conta do
desperdício de recursos naturais que é evitado). Assim, mesmo com as dificuldades na
implantação, a aplicação destes métodos de Engenharia de Produção é viável, pois se trata de
um processo produtivo e o resultado é adequado para todos os envolvidos.
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